UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS X COLEGIADO DE HISTÓRIA

March 5, 2016 | Author: Ana Luiza Corte-Real Meneses | Category: N/A
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1 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS X COLEGIADO DE HISTÓRI...

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS X COLEGIADO DE HISTÓRIA

ALZINETE FERREIRA SANTOS TALITA ALVES MAIA

A FEIRA LIVRE, UM OLHAR PARA A CIDADE DE TEIXEIRA DE FREITAS-1960 a 2009

Teixeira de Freitas-BA 2010

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ALZINETE FERREIRA SANTOS TALITA ALVES MAIA

A FEIRA LIVRE, UM OLHAR PARA A CIDADE DE TEIXEIRA DE FREITAS–1960 a 2009

Monografia apresentada ao Colegiado de História do Departamento de Educação/Campus X da Universidade do Estado da Bahia-UNEB como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em História Orientadora: Professora M.Sc. Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes Co-orientadora: Professora Especialista Gislaine Romana Carvalho.

Teixeira de Freitas-BA 2010

3 Monografia intitulada: A feira-livre, um olhar para a cidade de Teixeira de Freitas – 1960-2009, de autoria de Alzinete Ferreira Santos e Talita Alves Maia, apresentada ao Colegiado de História do Departamento de Educação/Campus X/UNEB como requisito parcial para a obtenção do título de licenciado em História, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

_____________________________________ Profª M.Sc. Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes DEDC-X/UNEB – Orientadora _____________________________________ Profª Especialista Gislaine Romana Carvalho– DEDC-X/UNEB – Co-Orientadora _____________________________________ Profª M.Sc. Yolanda Aparecida de Castro Almeida Vieira – DEDC-X/UNEB

Teixeira de Freitas-BA, 03 de fevereiro de 2010

4 AGRADECIMENTOS

Longe de cumprir uma mera formalidade, queremos aqui demonstrar a nossa gratidão, porque “é bom agradecermos ao Senhor e cantar salmos de louvor ao Deus Altíssimo” pela sabedoria, pela luz, pela força cotidiana.

A nossa gratidão a várias pessoas que direta ou indiretamente nos ajudaram a juntar as peças desse imenso quebra-cabeça para compor este trabalho aqui apresentado.

Aos nossos familiares, em especial as nossas mães Cecília e Dercília que foram cúmplices neste processo, na simplicidade de ver a vida, a feira. Em vários momentos foram fachos de luz para nossa compreensão. Por todos que acreditaram em nós desde o início desta jornada.

Aos feirantes entrevistados que generosamente disponibilizaram um pouco do seu tempo para responder aos questionários e dá grandes contribuições na pesquisa.

A todos os professores que atuaram/atuam no curso de História, Alessandra, Fernando, Dilma, Geovanda, Yolanda, Kacilda, Liana, Benedito, Sayonara, Nariman, Larissa, Gislane, Karina, Tarcísio, Kylma e Guilhermina que demonstraram preocupação com a História e com a formação critica do corpo discente. A professora mestra Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes, nossa orientadora, que não apenas neste momento trouxe sua contribuição, mas como ela mesma diz tudo foi um “processo”, “tecido” dia a dia, semestre após semestre quando nos pedia para “problematizarmos”, pela sua insistência em “vejam, vocês conseguem”.

A Aretuza que comungou das ideias aqui trabalhadas e que também é um pouco mãe deste filho que nasce.

A Jamille, colega do curso de Pedagogia, que nos deu apoio nas entrevistas na feira.

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Aos nossos colegas que dividiram conosco nestes anos as discussões, as indagações, as viagens, os desvendamentos.

Aos amigos, ao Vanderlei e sua família, aos irmãos e irmãs da Pequena Fraternidade Franciscana de Santa Isabel da Hungria, colegas de trabalho, vizinhos, pelo convívio e pelas compreensões que muitas vezes contribuíram para a nossa pesquisa.

Quanto aos arquivos religiosos, agradecemos a Dom Carlos Alberto dos Santos e a Pe. Edivaldo, pelo acesso às fontes primárias encontradas na Cúria Diocesana de Teixeira de Freitas/Caravelas e ao Livro de Tombo da Paróquia São Francisco.

E ao senhor Chiquinho, do arquivo público de Teixeira de Freitas, pelos documentos fornecidos e pelo direcionamento a outros setores administrativos da cidade, como Secretaria de Obras, Secretaria de Agricultura, Câmara Municipal dos Vereadores e a Prefeitura Municipal de Teixeira de Freitas.

A todos vocês os nossos sinceros agradecimentos.

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O feirante é muito mais que um feirante, vai além de frutas e legumes. Muitos deles representam um elo cultural importante, que liga o mundo rural ao urbano. Júlia Rosa Castro de Brito

7 RESUMO Teixeira de Freitas é uma cidade nova e que se tornou um pólo para o extremosul baiano e referência para os municípios circunvizinhos. É do comércio desta cidade que outras cidades menores se abastecem de produtos industrializados e ao mesmo tempo abastecem com produtos artesanais e da agricultura familiar, a feira livre de Teixeira de Freitas. Buscaremos explicitar a história do cotidiano de um recanto de Teixeira de Freitas, a feira, como um lócus de produção da História, apontar suas implicações sobre a expressão simbólica e material na formação das identidades socioculturais local. Os principais instrumentos de pesquisa serão entrevistas e fotografias para análise da diversidade cultural existente. Palavra chave: Cidade, cotidiano, feira, história local, resistência e Teixeira de Freitas.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Disop – Desenvolvimento Integral Sul – Oeste do Paraná. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estática. IPAC – BA – Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1

Mapa do Extremo Sul da Bahia, informando a localização do município de Teixeira de Freitas e da Fazenda Cascata...............

Figura 2

Foto do Sr. José Félix de Freitas Correia e sua esposa Dona Maria, pais de Isael Freitas Correia na fazenda Nova América.....

Figura 3

22

23

Visita do governador do estado da Bahia, Antonio Carlos Magalhães

à Teixeira de Freitas..................................................

30

Figura 4

Espaço destinado a comercialização da feira................................

37

Figura 5

Projeto de reforma e urbanismo do Centro de Abastecimento Timóteo Alves de Brito...................................................................

Figura 6

45

Produtos da agricultura familiar trazidas por mulheres oriundas da comunidade de Volta Miúda comercializados na feira de Teixeira de Freitas..........................................................................

47

Figura 7

Homens trabalhando nas barracas de mariscos na feira...............

49

Figura 8

Setor de frutas disponível no supermercado, que busca familiarizar o cliente com alguns aspectos encontrados na feira...

Figura 9

Figura 10

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Distribuição do espaço conforme as categorias pagas pelos boxes..............................................................................................

54

Parte interna do Mercado Municipal...............................................

55

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Perfil dos entrevistados por local de residência

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11 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................ 12

1 CIDADE E O COTIDIANO..................................................................... 18 1.1 – Uma cidade nas entrelinhas.............................................................. 20 1.2 – Seria “bendita” BR 101?..................................................................... 27

2 A FEIRA E A CIDADE............................................................................. 32 2.1 – Feira: uma marca urbana e suas transformações............................ 33 2.2 – Disciplina da feira livre: “O Mercadão”............................................. 36 2.2.1 – Feira..................................................................................... 38 2.2.1.1 – O fazer a feira................................................................... 47 2.2..2 – Mercado Municipal............................................................... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 57

REFERÊNCIAS............................................................................................ 63

12 INTRODUÇÃO

O curso de História possibilitou-nos outros olhares sobre a (re)construção dos fatos, em consonância com a proposta da Nova História, corrente da historiografia que vem contribuindo com novos focos de análise, ampliando áreas de investigação com a utilização de metodologias e marcos conceituais renovados.

A abertura de perspectivas para o estudo do cotidiano também é influenciada por esta corrente, que resgata as experiências de outros setores sociais, em uma história vista de baixo, segundo Peter Burke: Nos últimos trinta anos nos deparamos com várias histórias notáveis de tópicos que anteriormente não se havia pensado possuírem uma história, como, por exemplo, a infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira e a limpeza, os gostos, o corpo, a feminilidade, a leitura, a fala e até mesmo o silêncio. O que era previamente considerado imutável é agora encarado como uma “construção cultural” sujeita a variações, tanto no tempo quanto no espaço. (1992, p. 11)

Uma história que se interessa por toda atividade humana, afinal nenhum grupo é ou jamais foi uma ilha, o mundo é uma totalidade de processos interligados. A

história

consiste

da

interação

de

entidades

sociais

diversamente

estruturadas, que mutuamente se remodelam, portanto, não há povo sem história ou que possa ser compreendido sem ela.

O Brasil é um país sinônimo de diversidade cultural, por sua própria formação histórica, apresenta costumes e tradições dos diferentes povos aqui habitados. Na região do nordeste essa situação não é diferente, pois encontramos sabores, cheiros, cores, texturas, crenças típicas da região. Na Bahia se acentua ainda mais essa diversidade, devido ao seu extenso território, tanto geográfico quanto cultural. E por que não destacar a diversidade presente na cidade de Teixeira de Freitas?

13 Localizada no Extremo Sul da Bahia, a 884 quilômetros de Salvador, até maio de 1985 Teixeira de Freitas era um povoado pertencente aos municípios de Caravelas e Alcobaça. Cresceu às margens da BR 101, foi emancipada há 24 anos. Conforme o censo do IBGE de 2007 são 118.702 mil habitantes. Devido a sua localização geográfica privilegiada, Teixeira de Freitas vem se constituindo num importante pólo comercial para a região e o estado. Este município atende às demandas de mercado de diversos municípios circunvizinhos, como: Prado, Alcobaça, Caravelas, Medeiros Neto, Ibirapuã, Itanhém, Itamaraju, Mucuri, Nova Viçosa, Vereda e comunidades rurais pertencentes a estes municípios.

Sem ter a pretensão de uma teoria explicativa e longe de querer buscar uma verdade, mas apenas uma leitura possível do tempo histórico, é que referenciamos a idéia apresentada por Eric J. Hobsbawm (1998) sobre o tempo presente.

Segundo o autor, o presente é um período durante o qual se produzem eventos que pressionam o historiador a revisar a significação que ele dá ao passado, ou seja, inquietações do presente nos levam a reinterpretar este passado, permitindo perceber certas intenções e sentimentos diante dos acontecimentos.

Sendo assim, buscaremos analisar como se configura a identidade local a partir da diversidade existente, visando articular a historicidade ao movimento das mudanças e das permanências por que passam as sociedades humanas, de modo que possamos compreender o global a partir do local, o mais distante a partir do mais próximo.

Neste intuito, escolhemos o cotidiano de um espaço de Teixeira de Freitas: a feira livre que acontece ao lado do Centro de Abastecimento Timotéo Alves de Brito. Esta feira se constitui num espaço de encontro entre os povos que habitam os municípios citados anteriormente, recebendo-os semanalmente, seja para comprar, seja para vender.

14 Em razão da cidade ter apenas 24 anos de emancipação política, Teixeira de Freitas vem passando por profundas transformações. Com isso, o seu contexto existencial é de indagações quanto ao seu crescimento e sua identidade.

Conforme publicações em revistas locais, a cidade de Teixeira de Freitas se encontra “a caminho de sua integração às cidades de porte médio, já começa a ostentar o visual das metrópoles apresentando um índice de crescimento anual acima da média nacional e estadual” (Rede Sul em Revista, 2007). Em outra publicação, um relato de uma moradora da cidade cedido ao Jornal Alerta (2009), apresenta em seu entendimento a indefinição acerca da identidade cultural local, pois ainda segundo a entrevistada, a cidade “vive em uma eterna situação transitória, a rotatividade é muito grande e afeta a manutenção das tradições”.

Estas afirmações/indagações de alguma maneira também são nossas, situação que contribuiu para que nos interessássemos em compreender a cidade na qual vivemos. Entendendo cidade a partir da leitura de Raquel Rolnik: Cidade é uma obra coletiva que desafia a natureza, e além de continente das experiências humanas, a cidade é também um registro, uma escrita, materialização de sua própria história. Tudo isso se refere a um tipo de espaço que, ao concentrar e aglomerar as pessoas intensifica as possibilidades de troca e colaboração entre os homens potencializando sua capacidade produtiva. (1995 p. 9. 25).

Essa aglomeração de pessoas, suas relações e produções vão delineando a cidade, em um progressivo domínio sobre o meio-ambiente que se manifesta desde o traçado original das ruas até as sociabilidades que têm lugar no cotidiano, uma vez que a cidade é suporte de representações e de memórias. Sobre isso, é interessante a leitura que Eric P. Thompson (1981) que traz a concepção de “experiência”. Ele levanta a importância desta questão na vida social dos indivíduos reais, no seu cotidiano, fazendo com que esteja diante de nós um imenso campo de possibilidades. No caso deste estudo, a experiência vivida pelos feirantes dá à feira uma dimensão histórica, já que para o autor experiência seria uma espécie de solução prática para analisar os

15 comportamentos, os valores, as condutas, os costumes, enfim, a cultura de uma realidade especifica.

Ao investigarmos a feira enquanto espaço-tempo de produção sócio-histórica, de expressão e de produção das identidades socioculturais locais, estamos exercitando o que anuncia a abordagem da Nova História, onde tudo tem um passado que pode em principio ser reconstruído, considerando práticas, opiniões de pessoas comuns. BURKE (1992 p. 11).

Além dos aspectos formais da feira, pretendemos aqui abordar a relação entre feira e a comunidade local, salientando que esta ligação poderá sugerir outro aspecto, inclusive de conflitos, complexo de relações humanas que constitui espaços de lutas cotidianas (Júlia Rosa Castro de Britto, 2007) através do qual a feira passaria a se integrar como espaço de vivências, funcionando como operador lógico simbólico de saberes e práticas interculturais e da identidade local, conforme é apresentado por Geovany Pachelly Galdino Dantas: A feira não envolve somente o ato de compra e venda, o qual se encerra com o pagamento e aquisição dos produtos. As relações que se estabelecem na feira envolvem uma série de outros momentos que são cada vez mais evidenciados no contato entre os diferentes atores existentes. (2008, p.99)

A feira caracteriza-se simultaneamente, pelo encontro entre a tradição e a modernidade. Conforme entrevistas cedidas pelos feirantes, a feira de Teixeira de Freitas surgiu há quase 50 anos. Como este espaço comercial sobrevive?

O presente texto monográfico busca identificar a feira livre em Teixeira de Freitas como lócus de produção e expressão da História, das identidades e fonte de vivências interculturais da cidade e suas possíveis mudanças e permanências, num momento em que esta cidade se encontra a procura de si mesma e de sua(s) identidade(s). Necessidade que levou os estudantes da primeira turma de História a referenciar diversos aspectos sócio-históricos do local nos trabalhos monográficos.

16 O sentido no nosso contexto acadêmico-científico está em conhecer o chão no qual pisamos, bem como, o seu passado refletido no presente. Pois acreditamos que compreendê-lo é essencial para o processo de humanização, de formação da cidadania, de entendimento da pluralidade cultural e do respeito mútuo entre os povos, homens e mulheres de todas as gerações.

Para realização desta pesquisa, foram utilizadas como metodologia as vertentes da história social, por entendermos que o processo histórico se dá a partir das relações humanas, do cotidiano enquanto mudanças, rupturas, improvisações e possibilidades de novos modos de ser, como proposto por Maria Odília Silva Dias (1981 p, 226). Para obter uma melhor percepção do entroncamento entre a tradição e a modernidade, procuraremos identificar não só a feira e seus produtos, mas também as origens dos feirantes e a historicidade de suas ligações e relações com a cidade.

Para isso a pesquisa será qualitativa e utilizaremos alguns dispositivos e instrumentos como: observação participante através de 107 entrevistas1, leituras de fontes primárias encontradas na Cúria Diocesana de Teixeira de Freitas/Caravelas2, Livro de Tombo da Paróquia São Francisco, elaborado pelo Frei Elias no período de 1960 a 19793, fotos junto aos (às) comerciantes instalados

(as)

em

pontos

comerciais

permanentes

do

Centro

de

Abastecimento Tímóteo Alves de Brito e aos (às) feirantes da feira de sábado em Teixeira de Freitas. Outros documentos existentes em instituições públicas e privadas, propiciaram o conhecimento dos mecanismos de sua gênese, instalação e mudanças ao longo do tempo.

Nesse contexto, as fontes orais foram de extrema importância, pois estas contribuíram nas interpretações aqui construídas, pois a partir da análise das entrevistas acreditamos alargar o campo das possibilidades de estudo de um 1

Entrevistas realizadas entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007 pelas estudantes Alzinete Ferreira Santos, Aretuza da Cruz Silva e Jamile Lima da Cunha como parte do objeto de avaliação no componente curricular História da Educação no curso de História. 2 Pesquisa realizada no Estágio Supervisionado III, intervenção em arquivos no curso de História 3 Frei Elias Hooij, holandês que pertence à Ordem dos Frades Menores, ordem franciscana, chegou em Teixeira de Freitas em 1968, sendo o primeiro pároco da cidade.

17 passado que adquire novas significações, dando sentido as formas de vida, as experiências tecidas dos grupos sociais trabalhados. (Neto, Montenegro e Machado, 2007, p. 118).

Nesta perspectiva, Alessandro Portelli comunga da idéia de que mesmo a partir das experiências bastante singulares, a essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História Oral dizer respeito a versões do passado, ou seja, a memória. Embora a memória possa existir em elaborações socialmente estruturadas, esta é um processo individual. (1997, p.16)

Logo, cada pessoa, ao compartilhar suas lembranças pode ter semelhanças, contradições ou sobreposições, porém, em hipótese alguma, as recordações de duas pessoas são exatamente iguais. É por esse motivo que irão existir diferentes histórias sobre o mesmo fato, cabendo ao historiador a responsabilidade e o rigor na sua interpretação.

Assim sendo, estaríamos fazendo a leitura de um passado histórico [que] já não mais se prende à busca de um simples acontecimento, mas nos remete a um processo mais amplo, onde vários são os temas e os agentes nele envolvidos (Gisafran Nazareno Mota Jucá, (2006, p. 132)

No primeiro capítulo, intitulado “Cotidiano e cidade” apresentaremos uma análise acerca dos conceitos de cidade, cotidiano e espaço, traçando uma interação com o histórico do município de Teixeira de Freitas, seu crescimento e sua identidade.

Dedicaremos ao segundo capítulo “A feira e a cidade”, o estudo das relações existentes entre estes universos, apresentando quem são os feirantes e de onde vem, se a integração destes modifica/contribui/personifica a cultura local e as implicações internas da feira, sua complexidade com o mercado.

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1 A cidade e o cotidiano

Atualmente, tem-se verificado um saudável exercício de aproximação entre as ciências sociais, ao abordarem temas que lhes são comuns e/ou transversais, na tentativa de compreender as complexas relações do homem com o espaço, levando ao centro dos debates teorias e conceitos que possibilitam reflexões acerca destas complexidades a partir da observação de suas diversidades e singularidades, assim é comum que um mesmo tema seja abordado, por exemplo,

por

antropólogos,

historiadores

e

sociólogos

entre

outros

especialistas.

Essa aproximação permite inovar e descobrir novas fontes, redefinir e ampliar o conhecimento histórico, possibilita a descentralização dos sujeitos históricos e a descoberta de outros sujeitos de diferentes etnias, classes e gêneros, aos quais se negaram lugar e voz dentro do discurso convencional, típico da História Positivista. Na recuperação dessas experiências excluídas, Maria Izilda Santos de Matos mostra que: Essas pesquisas contribuíram para resgatar as múltiplas estratégicas e resistências criadas e recriadas no cotidiano, bem como a capacidade de certos setores de explorar as inconsistências ou incoerências dos sistemas sociais e políticos, para encontrar brechas através das quais pudessem se introduzir, ou frestas em que conseguissem sobreviver. (2002, p.25)

Deste modo a História, como ciência humana, permite estabelecer um ângulo especifico dentro da sociedade para ser analisada, superando as perspectivas tradicionais, que descrevia o espaço urbano como um simples local em que ocorriam as atividades do homem, colocando o homem-natureza como uma superposição de fatos, impedindo o desvendamento dos processos da produção espacial, mostrando a cidade apenas em sua aparência, não constituindo em si um objeto, questão e/ou problema a ser estudado.

Apesar de ser uma discussão instigante para se compreender como se desenvolveu o conceito de espaço, não cabe aqui tecer considerações sobre

19 como se deram os debates acerca deste processo até os dias atuais, mas, sim, deixar claro que o conceito de espaço considerado por nós é conforme referenda Milton Santos (1992, p.49), “o espaço constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação”.

Esta concepção defende a idéia de espaço como palco da atividade humana, com objetivo de satisfação dos grupos, (que nem sempre são harmônicos), pois parte da idéia de espaço constituído pelos sujeitos mediante as relações sociais que vão se estabelecendo, ou seja, o espaço produzido pela sociedade.

Conforme apresenta Santos: Na produção de bens materiais e imateriais, segundo as condições dadas de tecnologia, capital e tempo, o território tem que ser adequado ao uso procurado e a produção do processo produtivo dependente, em grande parte, dessa adequação. (1985, p. 61)

Assim, na medida em que a sociedade produz e reproduz sua existência ela o faz de um modo determinado. Este modo imprimirá características históricas especificas a esta sociedade e, consequentemente, influenciará e direcionará no processo de produção espacial.

Neste sentido, como observa Ana Fani Alessandri Carlos (2008, p. 31) “o espaço urbano espelha a obra humana”, tecendo temporalidades distintas e retratando a soma de conhecimentos aplicados em sua produção. Dessa maneira, apresenta uma natureza multifacetada, ou seja, não está estático, pois aglutina uma ampla diversidade de usos, produções e apropriações dos espaços, levando a compreender as várias ações do homem a partir de seus valores, sentimentos, experiências, crenças, comportamentos, representações, enfim tudo que leva a entender dialeticamente, a dinâmica sócio espacial na qual ele é agente formador e transformador.

Se observarmos alguns estudos a respeito do conceito de espaço veremos que a essência dele é o social, pois esta que dita os processos de transformações e especificamente as noções de forma, funções, estruturas dentro da sociedade,

20 e como afirma Santos (1992, p. 52) esses componentes “devem ser estudados concomitantemente e vistos na maneira como interagem para criar e moldar o espaço através do tempo.” Esta é a tarefa que pretendemos fazer através do estudo da feira de Teixeira de Freitas.

1.1 – Uma cidade nas entrelinhas

Sobre a história sistematizada de Teixeira de Freitas encontramos poucas fontes escritas, como uma dissertação intitulada: A Educação em Teixeira de Freitas: Relação Escola-Cidade, que traz um histórico acadêmico científico da cidade, jornais locais em edições especiais de aniversário da cidade como, por exemplo, o “Documentário dos 24 anos de Teixeira de Freitas”, editado pelo Jornal Alerta, além de pequenos artigos publicados em revistas locais como a “Rede Sul em revista”. Durante a pesquisa recorremos a fontes primárias4 existentes nos arquivos de paróquias, centro administrativo diocesano, prefeitura municipal e as fontes orais. Para Janaina Amado, ao tratar-se de pesquisa de cunho regional, é comum depararmos com algumas dificuldades: Não é fácil realizar trabalhos de cunho regional. Se o problema do mau estado de conservação e de desorganização dos documentos históricos é sentido em todo o país, ainda mais agudo ele se apresenta na maioria das instituições estaduais e municipais, principalmente as situadas nas regiões pobres. Por outro lado, a documentação local, necessária às pesquisas geralmente está em mãos de pessoas que consideram “donas” e não querem cedê-las. (1990, p. 10).

A nossa pesquisa não ficou distante desta realidade, por não encontrarmos um arquivo sistematizado, exigindo assim mais tempo para coletar, classificar e analisar os documentos. 4

Uma fonte primária pode ser uma fonte em primeira mão sobre o passado. Fontes primárias são descritas como fontes mais próximas à origem da informação ou ideia em estudo. Fontes primárias proporcionam aos pesquisadores "informação direta, sem mediação sobre o objeto em estudo.

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Carlos Bacellar ao falar sobre a relação entre o historiador e as fontes mostra que: O abnegado historiador encanta-se ao ler os testemunhos de pessoas do passado, ao perceber seus pontos de vista, seus sofrimentos, suas lutas cotidianas. Com os passar dos dias, ganha-se familiaridade ou mesmo certa intimidade, com escrivães ou personagens que se repetem nos papéis. Sente-se o peso das restrições da sociedade ou o peso da miséria, ou a má sorte de alguém, e deseja-se ler mais documentos para acompanhar aquela história de vida, o seu desenrolar. Os personagens parecem ganhar corpo e é com tristeza que, muitas vezes, percebe-se que o horário do arquivo está encerrando, que precisamos fechar os documentos e partir sem continuar a leitura até o dia seguinte. (2005, p. 24)

Deste modo, ao buscar o imperceptível, o silenciado, as ausências, os detalhes esquecidos, na tentativa de compreender o que era representado e para quem era concebido, mostra a delicada fase da pesquisa de campo: dura, cansativa, longa, mas gratificante acima de tudo.

Não pretendemos aqui descrever a história da cidade, mas, a partir dos documentos sistematizados ou não, aos quais tivemos acesso, tecer algumas reflexões.

Na dissertação citada anteriormente, o território em que hoje se situa Teixeira de Freitas aparece dividido em várias fazendas e coberto de matas virgens sendo o município, de inicio, povoado por um pequeno agrupamento de pessoas, constituído por ex-escravos (Marli Nery da Silva, 2002 p.17).

Já no documentário da edição especial do Jornal Alerta este surgimento acontece em 1950, descrito como “o humilde povoado, formado inicialmente por famílias negras, conhecido às vezes pelo nome de “Mandiocal” ou “Comércio dos Pretos”, não apresentava perspectivas de crescimento” (Jornal Alerta, 2009 p. 2).

Mesmo com a discordância nas décadas, ambos fazem referência às famílias afro-descendentes na formação da cidade.

22 Além destas descrições, o artigo Teixeira de Freitas, o despertar de uma metrópole da Rede Sul em revista, apresenta que no período final do século XIX, havia registro de sociedades rurais na região sendo a Fazenda Cascata, situada na atualidade a 10 quilômetros do centro da cidade, a mais antiga e conhecida pela sua estrutura com engenho de café, cacau e uma farinheira, “era o ponto de referência da região, inclusive, aparecia no mapa da Bahia” (Jornal Alerta, 2009 p, 10).

Esta informação é corroborada pelo Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (IPAC-BA) em um levantamento realizado em 1988 (cf. figura 01). Onde consta a Fazenda Cascata, titulada em 1891, por Joaquim Muniz de Almeida, tendo como atividade econômica o cultivo de café e mandioca e a partir de 1930, com a crise do café, passou a cultivar cacau e também a seringueira.

Vale salientar que nesta mesma fazenda existia uma venda que servia como entreposto comercial para os tropeiros que por aqui passavam, não sendo apenas uma referencia nos mapas da região.

FIGURA 01 – Mapa do Extremo Sul da Bahia, informando a localização do município de Teixeira de Freitas e da Fazenda Cascata. Fonte: Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (IPAC-BA)

23 No ano de 1923 a família do senhor Isael Freitas Correia, oriunda de Alcobaça, se instalou na Fazenda Nova América que na atualidade está situada no perímetro urbano da cidade de Teixeira de Freitas, hoje um bairro da cidade.

Em uma entrevista cedida ao Jornal Alerta, o senhor Isael fez referência aos primeiros moradores que na década de 1950 iniciaram o desmatamento da mata atlântica ainda em abundancia na região, como o senhor Hermenegildo Félix de Almeida “que tinha uma roça onde é, hoje, a Praça dos Leões”, Júlio José de Oliveira, Manoel de Etelvina, Aurelino e Osmindo José de Oliveira, donos de boteco, estes três últimos “descendentes de escravos” Jornal Alerta (2009 p, 11) que compunham o “Comércio dos Pretos”.

FIGURA 02 - Sr.José Félix de Freitas Correia e sua esposa Dona Maria, pais de Isael Freitas 5 Correia na fazenda Nova América. Foto: Livro de Tombo, Paróquia São Francisco.

No livro de Tombo da Paróquia São Francisco consta que nesta fazenda havia a existência de uma escola, chamada pelo Frei Elias “escolinha de Juliana”, que sem ter descrições do ambiente e de quem usufruía deste espaço educacional, nos leva a imaginar que a mesma dava visibilidade à fazenda, uma vez que era distante das escolas dos municípios de Alcobaça e Caravelas.

5

Os arquivos de natureza religiosa no Brasil são detentores de grandes conjuntos documentais (Carlos Bacellar, 2005, p. 36)

24 O que queremos destacar neste primeiro momento é a presença destas famílias negras e os trabalhos por elas realizados na agricultura como primeira atividade desenvolvida na região, como relata o senhor Isael Freitas Correia: Mas, meu pai teimou que tinha que fazer roça, nós mesmos abríamos caminho pelo mato com as mãos, daí nós passamos a plantar café. Meu pai e meu irmão mais velho produziam mil caixas de café cada um e mandavam rio abaixo de canoa para Alcobaça para serem enviadas a Salvador. Jornal Alerta. (2009 p. 14).

É evidenciada nesta narrativa que a produção agrícola não era insignificante, já havia nestas terras uma organização econômica, de modo que Teixeira de Freitas negociava com o grande centro, a capital Salvador.

Para referenciar esta relação comercial com a capital, Kátia M. de Queirós Matoso mostra em seu estudo sobre “A Revolução dos Alfaiates a riqueza dos baianos no sec. XIX”, a conjuntura da sociedade brasileira pelo viés da história social e econômica, apresentando nossa região como uma grande produtora de farinha durante o século XIX, onde Caravelas era o principal porto de embarque deste produto para Salvador, trazendo a participação dos comércios da Vila de Prado, a freguesia de Alcobaça e outras vilas e povoados da região.

Dentro desta movimentação em Caravelas, havia o escoamento das produções da linha de trem Bahia–Minas, inaugurada em 1897, que ligava desde Arassuaí (MG) até Ponta de Areia, naquele município.

Conforme é apresentado por Liliane Fernandes Cordeiro Gomes em seu estudo sobre Helvécia – homens, mulheres e eucaliptos (1980-2005): A partir desta ferrovia, os habitantes de Helvécia passaram a exportar farinha de mandioca para o porto de Caravelas e para o interior de Minas Gerais (2009, p.78).

Assim, percebemos o quanto a linha ferroviária movimentou os locais por onde passava, representando um meio de transporte e comunicação entre as duas regiões, além de condicionar o movimento interno das comunidades rurais que

25 se organizavam de acordo com as paradas do trem, com intuito de escoar seus produtos.

Em 1950, foi instalada a empresa madeireira Santa Luzia, vinda de Viçosa/MG de propriedade do senhor Eleozibio Cunha, o que incentivou outros mineiros a se instalarem na cidade. A partir de 1960 o povoado atraiu capixabas na “perspectivas de bons negócios” (Jornal Alerta, 2009, p. 06) com a instalação de serrarias.

O histórico da fundação da cidade está associado com mais evidencia à exploração da madeira de lei6 e, paralela a esta atividade, existia a exploração da pecuária. Mas antes da madeira já exploravam a agricultura como foi visto na fala do senhor Isael Freitas Correia.

Havia um movimento migratório ao longo da formação da cidade, com intenso fluxo de pessoas indo e vindo de diferentes lugares em busca de novas oportunidades. Santos (2004, p. 327) descreve esta mobilidade como um processo de desterritorialização que frequentemente é entendida como “estranhamento” e assim é também uma desculturização, a qual entendemos não como sendo uma experiência negativa, pois o referido autor esclarece: Vivemos um tempo de mudanças. O sujeito no lugar estava submetido a uma convivência longa e repetitiva com os mesmos objetos, os mesmos trajetos, as mesmas imagens, de cuja construção participava: uma familiaridade que era fruto de uma história própria, da sociedade local e do lugar, onde cada individuo era ativo. Hoje a mobilidade se tornou praticamente uma regra. Os homens mudam de lugar, como turistas ou como imigrantes. Daí a idéia de desterritorialização. (p. 329).

José Souza Martins comunga do entendimento de Milton Santos, pois apresenta a partir da sensação de estranhamento, entre os integrantes da comunidade e aqueles que chegaram, novos e diferentes códigos, novas relações e territorialidades. Assim, o reconhecimento do outro, como sujeito de conhecimento, deve ser visto em sua singularidade, cujas relações sociais

6

Madeira de lei refere-se a madeiras de qualidade, como Jacarandá, Jequitibá, Macanaíba, dentre tantas outras.

26 tecidas não seriam a negação de uma ou outra cultura, mas de transformação, entendida a partir de experiências compartilhadas (Thompson, 1998, p. 20).

Lewis Munford em sua obra “a cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas” trata em um dos capítulos sobre a cristianização da cidade, um processo migratório do campo para cidade, em que ocorre uma nova configuração urbana. Essa nova mistura urbana resulta numa enorme expansão das capacidades humanas em todas as direções. (1998, p. 38).

Realidade que se identifica com Teixeira de Freitas quanto ao movimento migratório de modo que está sempre se reconfigurando, diversificando as experiências de seus habitantes. Dentro desta nova composição, é possível inferir a existência de uma diversidade de costumes. Que costumes seriam estes? Como sobrevivem à marcha do progresso da nossa agitada existência urbana? De que maneira subsistem na atual Teixeira de Freitas?

Não queremos aqui entender costume como “tradição que é representada como se fosse fixada em pedra” (Hall 2003, p. 70), mas como um campo para a mudança (Thompson, 1998 p.16), como sendo algo em movimento.

É visível nos registros, na história sistematizada que o processo de transformação de Teixeira de Freitas ocorreu em consonância ao processo da exploração de madeiras e instalação das serrarias.

Documentos

encontrados

nos

arquivos

da

Diocese

Teixeira

de

Freitas/Caravelas, na pasta “Desenvolvimento Integral Sul – Oeste do Paraná (Disop) revelam a existência de um projeto social intitulado Projeto SócioPedagógico em Bahia-Sul - “Trabalho de formação no desenvolvimento comunitário na região de Itamaraju”, na qual se descreve uma problemática de relevância acerca das atividades desenvolvidas na região, com destaque para a indústria madeireira, revelando que esta ofertava vagas limitadas de emprego, não atendendo ao número de pessoas que necessitava de trabalho.

27 Conforme nos aponta o Pe. José Koopmans: A madeira, inicialmente, foi “exportada” legal ou ilegalmente para outros estados, sobretudo Minas e Espírito Santo, onde ia ser beneficiada. Assim, quase não trouxe “vantagens” para o Estado e Município da região além de criar poucos empregos. (2005, p. 55)

Parece plausível afirmar que a presença destas serrarias não garantia empregos para todos. E ao perguntarmos aos feirantes quais os motivos que os trouxeram para a cidade, verificamos que em sua maioria buscavam melhores condições de vida e de trabalho, o que significa que esta decisão não está diretamente vinculada ao emprego atual, que é ser feirante.

Mas mesmo assim, pelo viés do trabalho, Teixeira de Freitas foi se tornando destino de muitas pessoas, até o momento presente, tendo o lugar uma perspectiva de futuro, onde nem sempre as expectativas são concretizadas.

1.2 – Seria “bendita” BR 101?

A partir dos interesses pela região do extremo sul baiano, com a qual este trabalho se depara, convém compreendermos o conceito de “região”. O que faz um determinado espaço ser considerado uma região?

Diante de nossas leituras, adotamos o conceito apresentado por José D´Assunção Barros: Grosso modo, uma região é uma unidade definível no espaço, que se caracteriza por uma relativa homogeneidade interna com relação a certos critérios. Os elementos internos que dão uma identidade à região (e que só se tornam perceptíveis quando estabelecemos critérios que favoreçam a sua percepção) não são necessariamente estáticos. Daí que a região também pode ter sua identidade delimitada e definida com base no fato de que nela poder ser percebido um certo padrão de interrelações entre elementos dentro dos seus limites. Vale dizer, a região também pode ser compreendida como um sistema de movimento interno. (2006 p. 4)

28 Barros apresenta em seu conceito de região dados relevantes, pois para um espaço ser considerado uma região é determinante, assim poderíamos dizer, a sua identidade, logo, o que caracteriza esta região?

Vimos no tópico “uma cidade nas entrelinhas” o desenvolvimento econômico realizado por aqueles que aqui se encontravam nos tempos da ferrovia BahiaMinas. Outra atividade percebida foi a agropecuária, devido a existência de muitas fazendas nesta região. Havia também atividades de agricultura familiar.

O interesse pela região do extremo sul baiano não nasce com a cidade de Teixeira de Freitas, esta dinâmica de idas e vindas, vendas e trocas é um referencial de tempos remotos na região.

Convém lembrar que várias cidades relativamente novas nasceram sobre o lastro de estradas de ferro, das pranchetas dos planejadores ou de expedições de rodovias como é o caso de Teixeira de Freitas.

No ano de 1966 inicia-se a retirada dos primeiros trilhos da ferrovia BahiaMinas, como relata o Sr. Kemi7: [...] então quando foi no dia dezessete de abril de mil novecentos e sessenta e seis o trem de passageiro saiu de Teófilo Otoni com os passageiros até Ponta de Areia, quando deu terça-feira, não, dia dezoito, só voltou com as pessoas que trabalhava nele, maquinista, guarda-freio, bagageiro e o chefe, mas outro passageiro mais não. O pai de Estela veio na reza da mãe dele que era minha avó, dia dezessete, quando deu dia dezoito para ele ir embora para Moreis na fazenda dele, foi obrigado ir andando metade a pé, pegando carona não é igual hoje em dia que tem fartura de carro não, então até chegou na fazenda dele, também de lá para cá trancou mesmo, nunca mais, nunca mais aí depois pareceu uma firma por nome Rodocar arrancando os trilhos, depois que começou arrancar os trilhos aí a gente perdeu a fé memo.(2009, p. 81)

A partir desta fala, percebemos que a desativação da estrada de ferro fez com que esta população perdesse “a fé” por não mais poder contar com aquele meio de transporte e comunicação que movimentava a cidade. Assim, foi

7

Entrevista realizada em 14 de agosto de 2007 por Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes, em seu estudo sobre Helvécia – homens, mulheres e eucaliptos (1980 – 2005).

29 preciso, redirecionar sua vida fora dos trilhos, passando a buscar outros meios de transportes.

Além disso, ocasionou a diminuição do ritmo dos comércios por onde passava o trem, até mesmo dos lugarejos tidos como referência comercial, como era a cidade de Caravelas que vivia uma grande efervescência econômica, social e cultural, com uma produção agrícola vasta e diversificada8.

Não analisaremos as causas da desativação da referida estrada de ferro, mas José Marcello Salles Giffoni (2006) nos faz compreender que o dificit ferroviário é muito mais uma questão de política de desenvolvimento econômico e de transportes do que um problema exclusivo das empresas ferroviárias, pois a partir do ultimo governo de Vargas, verificamos dentro das propostas para o desenvolvimento do Brasil, uma forte tendência para uma retração do setor ferroviário. Estimativa que se firmou nos governos seguintes, mesmo tendo um complexo e instável quadro político-econômico nacional e internacional.

As relações entre Estado e economia se aprofundaram durante o governo de Juscelino Kubitschek com o intuito de acelerar o desenvolvimento econômico voltado para a indústria e impulsionar o setor privado nacional e estrangeiro no país. Um projeto de desenvolvimento em que industrialização e agroexportação

estabeleceram

uma

relação

de

interdependência

e

complementaridade, cujo foco estava no investimento em diversas áreas de infra-estruturas como energia e transporte. Com isso, a ferrovia deixou de ser um elemento de ampliação de fronteira e presença do Estado no interior, este papel passou a ser desempenhado pelas rodovias.

Entre as grandes obras deste período, encontra-se a construção da rodovia BR 101, a qual liga o país de norte a sul, com objetivo de interligar as áreas “atrasadas” ao processo de “desenvolvimento” nacional.

8

Encontramos um panfleto produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estátista – IBGE em 15 de junho de 1966 faz uma detalhada descrição dos aspectos econômicos, sociais, culturais e agrícolas de Caravelas. (Arquivo da Cúria Diocesana Teixeira de Freitas/Caravelas).

30

Este tipo de integração também passou a ser demonstrado por meios de outras ações, como é o caso da vinda do então governador do Estado da Bahia, o Sr. Antônio Carlos Magalhães, em Teixeira de Freitas, no dia 20 de maio de 1971, para inaugurar uma placa comemorativa na Praça São Pedro, com o seguinte texto: Este marco é o símbolo da Redenção do Extremo Sul que o governo da Bahia com a ajuda de Deus e o esforço dos homens se compromete a realizar. Antonio Carlos Magalhães Teixeira de Freitas, 20 de maio de 1971

Nas entrelinhas, identificamos o extremo sul sendo redimido ou libertado do “atraso”, onde um novo tempo ia chegar e o “esquecimento” seria substituído pelos benefícios advindos do “progresso” e “desenvolvimento”.

Neste reconhecimento de Teixeira de Freitas, encontramos na imagem a seguir,

a

representação

do

governo

no

marco.

Este

evento

foi

predominantemente representado por homens, sendo estes protagonistas na histórica política local, já que as mulheres não tinham participação política.

FIGURA 03 – Visita do governador do estado da Bahia, Antonio Carlos Magalhães. Foto: Livro de Tombo, Paróquia São Francisco

31 E de fato, desde a construção da estrada federal, a região apresentava uma nova configuração, pois intensificou-se o processo de imigração, com pessoas oriundas de alguns estados dentre eles o do Espírito Santo, o de Minas Gerais e de outras regiões da Bahia, abrindo-se também, portas para novos capitais na economia regional.

Porém, além dos novos empreendimentos, Koopmans nos informa que: Essa nova ocupação, iniciada com a chegada da rodovia BR 101 e onde vários ramos do capital disputavam um espaço, tem uma característica em comum. Não havia inicialmente, nenhum planejamento, foi uma ocupação “selvagem”. Além disso, foi extramente violenta, com um número grande de vitimas. (2005, p. 58)

Diante das transformações na ordem econômica e social existente, não foi possível ter sucesso/melhoria para todos, uma vez que a cidade não foi preparada para tamanha mudança.

Neste sentido, encontramos no Livro de Tombo da Paróquia São Francisco, datado em 06 de março de 1971, as seguintes informações: Provavelmente pela construção da BR 101, houve engarrafamento de água em poços, cavados para aumentar a altura da nova Estrada. Conseqüência: um surto de Tifo – Malária, que está matando muita gente. Estão chegando família do interior, famílias inteiras, gravemente doentes, sem nenhum recurso. (...) Muitos casos da doença em Teixeira de Freitas, Rancho Alegre, Posto da Mata, e as crianças continuam a tomar banho, lavar roupas e pratos, nos poços de água na beira da estrada.

Esse cenário de epidemia mostra a precariedade que as pessoas enfrentaram ao decidirem vir para Teixeira de Freitas, permitindo nos aproximar de pessoas que ficaram à margem do progresso prometido, esperado e divulgado pela BR 101.

Portanto, percebemos que a instalação da BR 101 não trouxe apenas a movimentação comercial, mas também problemas sociais.

32

2 A feira e a cidade Há muitos sabores, histórias e surpresas além dos ambientes refrigerados dos supermercados e shoppings. Locais de comércio quase tão antigos quanto a humanidade, as feiras mantém a tradição, e continuam a colorir ruas e praças com a sua diversidade peculiar de mercadorias — muitas das quais, só se acham por lá. (O FINO, 2007)

A análise da dinâmica e das transformações pelas quais vem passando as formas tradicionais de comércio, a exemplo das feiras, contexto da recente expansão do setor de comércio e de serviços, tem se constituído num duplo desafio. O primeiro é entender como estas formas se inserem ante a difusão de um meio técnico-cientifico-informacional que tende a modernizar, racionalizar, e, num plano ideológico, “homogeneizar” os espaços. O segundo desafio é explicar a força de resistência presente nestas formas num momento em que se observa a difusão de outras formas de comércio.

Alguns estudos vêm sendo realizados por pesquisadore(a)s, entre os quais podemos citar a obra de Maristela Oliveira de Andrade “A feira de Campina Grande, Tradição e Identidade”, a feira foi estudada como espaço privilegiado para o desenvolvimento das práticas tradicionais dos seus integrantes e adaptação das mesmas a este espaço, análise que se aproxima da nossa, já que pretendemos mostrar a feira como local de produção de histórias e das tradições locais.

Era outono, e embora o clima de Teixeira de Freitas não corresponda literalmente ao tempo das estações, este é reconhecido pela colheita de bons frutos, expostos seja nas barracas, seja sobre a lona em forma de “montinhos”.

Antes do nascer do sol do sábado chegam os primeiros feirantes. Alguns apenas descobrem as mercadorias em barracas já fixas durante a semana, outros se arranjam ali mesmo na calçada do mercado, onde estendem suas lonas e vão organizando as mercadorias, deixando espaço para o caixote, pois, enquanto vão vendendo, debulham o feijão que será posto em outra bacia e com uma lata de óleo aberta será medido, como a exemplo das feirantes que vêm dos distrito de Juerana, Volta Miúda, município de Caravelas, e outros.

33 Após as 05:40 chegam os primeiros fregueses, na tentativa de escolher os melhores

frutos,

movimento

que

percorre

toda

manhã

do

sábado.

Aproximadamente às 11:00 horas, a feira começa a ficar vazia. Imaginamos que os fregueses da primeira hora já estejam preparando em suas casas, o que adquiriram na feira, mas algumas pessoas ainda circulam, sendo possível agora ver o chão e o contorno das barracas.

O centro da cidade é singular no sábado e a feira atrai gente das comunidades, das cidades circunvizinhas, entre elas Alcobaça, Caravelas, Prado, Medeiros Neto, Itanhém dentre outras.

Seus frequentadores são pessoas que têm a feira como “ponto de encontro”. Muitos não se vêem há muito tempo, e entre uma compra e outra vão trocando experiências, passando notícias de familiares. Outros ainda frequentam a feira apenas para “curtir”; mas os feirantes em sua maioria, a frequentam mesmo para garantir o sustento da família. Aqui percebemos que a feira não é apenas um espaço de comércio.

É exatamente neste contexto que discutiremos a feira e sua inserção na dinâmica urbana de Teixeira de Freitas, através da organização e dos processos de ocupação do seu espaço, seus aspectos econômicos e culturais, visto que o dinamismo da feira livre é também pelo entrosamento, por inúmeras relações entre munícipes e regionais e na construção dos perfis dos feirantes.

2.1 – Feira: uma marca urbana e suas transformações

Falar de feira é conhecer o processo das relações de troca. As feiras vêm se constituindo desde tempos remotos, porém não é nosso interesse apresentar toda a trajetória histórica deste modo de comercialização, mas pontuar alguns elementos fundantes.

34 A feira tem sua origem relacionada ao renascimento da atividade comercial na passagem da Idade Média para Idade Moderna na Europa. No entanto, há registros de uma intensa movimentação mercantil em diversos lugares na África, Ásia, antes mesmo dos europeus.

Para Dantas (2007), dois elementos foram determinantes para o renascimento comercial naquele período, a construção de cidades e o surgimento de atividades ditas civilizadoras, que acreditamos serem elementos articuladores, um dependente/consequente do outro.

A troca de produtos surgiu e se desenvolveu na sociedade, na medida em que passou a existir um excedente, o que permitiu o aparecimento da figura do comerciante, bem como da atividade comercial, aumentando a divisão social do trabalho.

Rolnik afirma que a especialização do trabalho se instaura quando há possibilidade de obter parte dos produtos necessários a sobrevivência através da troca estabelecida no interior da cidade. Acrescenta ainda que: O trabalho de transformação da natureza é iniciado no campo e completado na cidade, passando o camponês a ser consumidor de produtos urbanos e estabelecendo-se então a troca entre cidade e campo. (1995, p. 27)

Nesta visão, a cidade se alimenta daquilo que o campo ao seu redor produz.

Nas cidades deste período não havia comércio permanente, daí aconteciam as feiras periódicas, sendo uma das primeiras instituições mercantis a desenvolver-se. Nelas vendiam-se produtos agrícolas e artesanais.

No Brasil, as feiras chegaram com os portugueses, constituindo-se uma forma de inovação em nossas terras, apesar de, como relata Dantas (2007), já existir trocas inter-tribais antes mesmo da chegada dos colonizadores. No entanto, o objetivo não era produzir para comercializar, pois os nativos não produziam

35 produtos excedentes, mas sim de troca de produtos9, em geral para adorno corporal, intensificado com a presença dos colonizadores.

Para a instalação da feira no Brasil, os comerciantes encontraram dificuldades devido a auto-suficiência dos engenhos que produziam quase tudo que era necessário à manutenção da casa senhorial. O que não era produzido por eles vinha direto da metrópole ou era trazido pelos mascates.

Porém, a vinda da família real para o Brasil gerou inúmeras mudanças, tais como a abertura dos portos às nações amigas e a concessão de favores a Inglaterra, que acabaram beneficiando o comércio de importação que, por sua vez, propiciou a urbanização das cidades.

Assim, surgiram a partir do século XVII, com maior intensidade, as feiras de gado que abasteciam as cidades com seus produtos. Segundo Dantas (2007) este comércio disseminado pelo interior nordestino, influenciou a formação de praças de mercado e das feiras livres, pois ao longo do “caminho do gado” foise criando inúmeros núcleos de parada para os tropeiros.

Diante desta interiorização, os novos moradores urbanos começaram a exigir do governo ambientes mais seguros, com permanente ordem, de tal modo que limpassem a rua, para assumir ares europeizados, como uma Paris tropical.

Para isso, como apresenta Nicolau Sevcenko: O passado, as tradições, os grupos populares e todos os sinais da sua presença se tornavam fontes de vergonha, mal estar e indignação, manchas que conspurcavam a ordem e o progresso. (1998, p.31)

Reprimindo a presença do popular e do tradicional, as pessoas de cor que perambulavam pelas ruas do centro da cidade com seus tabuleiros, foram proibidas 9

De acordo com os viajantes e cronistas da época, os tupinambá ao comercializar com os goitacá procuravam manter uma distancia relativa em torno de 100m uns dos outros, deixando os produtos a serem trocados na metade desta distancia. (Dantas, p. 69)

36 de assumir este oficio, pois estavam tentando organizar o comércio ambulante, ou melhor, tirar da rua a “mancha do progresso”. Daí criaram espaços como armazém e mercados para que os mesmos comercializassem segundo as normas européias com vista a modelar os comportamentos e as práticas tradicionais.

Desde modo, a modernização do país foi realizada a todo “custo”, de modo imposto, não se levou em consideração as pessoas e as culturas existentes.

É pelos arranjos vividos por estas pessoas para garantir sua sobrevivência que a feira resiste até hoje em meio aos padrões modernos, tornando-se um fenômeno socioeconômico de importância na cidade, pois como bem expressa o significado da própria etimologia da palavra, “dia da festa”, encontra-se em meio às vendas e compras, um espaço que pode adquirir diversas formas como ponto de encontros, discussões e diálogos entre feirantes e consumidores.

2.2 – Disciplina da Feira Livre: “O Mercadão”

O cotidiano urbano de Teixeira de Freitas é marcado por uma série de ritmos que apresentam os diferentes modos como a sociedade constrói e reconstrói as suas relações com o lugar. A feira se constitui num desses ritmos, e, mesmo apresentando modificações em sua dinâmica, encontra-se integrada no dia a dia das pessoas que circulam pela cidade.

Sendo um dos palcos da vida urbana, a feira é composta por uma série de atores sociais com diferentes formas de apropriação, tornando-se um espaço único, fazendo com que alguns daqueles que a frequentam se sintam parte integrante do ambiente.

Para compreender a organização e dinâmica desse espaço social e econômico, buscaremos aprender, dentro do possível, com algumas das

37 experiências de mundo que cerca os feirantes, procurando identificar as representações sociais e práticas culturais, constituídas neste espaço, que vem sendo desenvolvido desde os anos de 1960 na cidade por diversos setores e por diferentes formas utilizadas pelos consumidores e comerciantes para concretizarem suas estratégicas de compra e venda.

Esclarecemos

aqui

que

concomitantemente

a

feira

do

Centro

de

Abastecimento, há a feira do Mercado de Caravelas, por pertencer a este município quando Teixeira de Freitas era causa de briga sobre a divisa entre os municípios de Alcobaça e Caravelas. Escolhemos para análise, a feira ao lado do mercado municipal situado no centro da cidade.

A feira de Teixeira de Freitas está subdividida em duas áreas: feira livre e mercado. Como podemos visualizar a partir da imagem de satélite (cf. figura 04), a Feira encontra-se ao lado do Centro de Abastecimento Timóteo Alves de Brito. Porém, a feira e o mercado apresentam em espaços imbricados divididos por uma linha tênue. Tentaremos apresentar estes espaços distintamente para melhor compreendermos. É importante esclarecermos quanto aos nomes referenciados à feira e ao mercado municipal, pois, encontramos uma complexidade nos limites destes espaços. Nos próprios documentos oficiais e/ou nas falas tratam estes espaços ora como sendo juntos, ora como sendo separados, de modo que sentimos a mesma dificuldade ao tratarmos nesta pesquisa.

FEIRA LIVRE

Rua Ipiranga

Rua Manoel de Etelvina Centro de Abastecimento Timoteo Alves de Brito Av. Antonio Carlos Magalhães Rua Eurico Gaspar Dutra

FIGURA 04 – Vista de satélite do espaço destinado a comercialização da feira - Fonte: Google Earth, acesso em 06/01/2010

38 2.2.1 – Feira

Quando pensamos em feira, no geral, a primeira imagem que nos vêm à memória é de um espaço limitado onde ocorrem semanalmente simples práticas de um comércio varejista de diversos produtos. Todavia, para além desta representação ela (a feira) constitui-se em múltiplos lugares de criação, de maneiras de viver e resistir às dificuldades cotidianas enfrentadas quer por trabalhadores citadinos, quer por trabalhadores do campo.

Esta configuração possibilita o encontro do mundo rural com o urbano numa dinâmica troca de experiências e sociabilidades onde trabalho, cultura, memória e identidade se mesclam dando contorno a vida e a história dos feirantes em Teixeira de Freitas. Assim, ao rememorar os caminhos que o trazia de seu local de origem para Teixeira de Freitas, veremos a partir de alguns relatos de feirantes que, a princípio, os motivos não estavam direcionados à feira, mas as propostas e propagandas de prosperidade que a nova cidade apresentava. Vim pra cá em 1974, pra trabalhar nas serrarias. (Benedito Feliciano dos Santos, 56 anos)

Observamos na fala do senhor Benedito10 que havia um direcionamento na sua vinda para cidade, trabalhar nas serrarias e, de repente esperava que fosse por um longo período de tempo. Já na fala do senhor Joaquim11, natural da Paraíba onde trabalhava como metalúrgico, seguem para Teixeira por indicação, em busca de emprego. Sou paraibano, vim pra Teixeira por indicação, oportunidade de trabalho. (Joaquim Otavio Silva, 65 anos, trabalha há cinco anos na feira)

10

Entrevista concedida à Jamile Lima da Cunha pelo Sr. Benedito Feliciano dos Santos no dia 21/04/2007. 11 Entrevista concedida à Alzinete Ferreira Santos pelo Sr. Joaquim Otavio Silva no dia 21/04/2007.

39 Apesar do pouco tempo que o senhor Joaquim trabalha na feira, poderíamos assim dizer, que independente deste tempo, esta (a feira) acaba sendo destino de muitos, mesmo que a principio não fosse a intenção do entrevistado.

Assim aconteceu com outros trabalhadores que na esperança de emprego, ao chegar à cidade, perceberam que não havia vagas para trabalhar nas serrarias como fora divulgado. Conforme vimos no primeiro capítulo desta monografia, tanto no Projeto da Disop como segundo Koopmans, que as ofertas de vaga para trabalhar nas serrarias eram inferiores ao número de desempregados que esperavam melhorar de vida, de modo que criavam expectativas, seguidas de frustrações e que de repente vira na feira uma opção.

Outros, ainda, mesmo que não fixem suas residências na cidade, esta se torna destino todas as sextas e sábados para desenvolver suas atividades comercias por meio da feira, como é o caso da senhora Teresa12. Venho de Volta Miúda, distrito de Juerana, toda semana à cidade. Trabalho na feira há mais de 20 anos. (Teresa Paula Serafim, 66 anos)

Assim como D. Teresa há outros feirantes que percorrem alguns quilômetros com seus produtos a serem vendidos na feira, como mostra o gráfico a seguir:

QUADRO 1 Perfil dos entrevistados por local de residência Local onde reside Alcobaça Barcelona Duque de Caixas Helvécia Juerana Não respondeu* Nova Lidice Prado Racho Alegre Teixeira de 12

Freqüência que vem a cidade Quantidade Final de semana 2 Sábado 1 Final de semana 1 Sexta e Sábado 2 Sexta e Sábado 2 25 Final de semana 1 Sábado 1 Final de semana 1 65

Entrevista concedida à Aretuza da Cruz Silva pela Sra. Tereza Paula Serafim no dia 05/05/2007.

40 Freitas Volta Miúda Total

Sexta e Sábado

6 107

* Alguns recusaram responder e outros estavam ocupados não sendo possível conversar direito.

Como vimos, há uma considerável participação de pessoas de comunidades rurais na composição dos feirantes de Teixeira de Freitas. Ou seja, uma pequena parte da população rural de locais próximos a Teixeira de Freitas retira uma parcela do sustento familiar pela venda de seus produtos na feira. E como a produção agrícola é diversificada e não integrada, os produtores rurais encontram seus melhores mercados consumidores nos centros urbanos. Assim, as feiras consistem num dos espaços mais disputados na cidade, não só pelas pessoas que vem das áreas rurais como também daqueles que residem na cidade.

As trajetórias de vida destes feirantes nos permitem perceber que aos poucos a cidade foi delineando a sua circunferência, passando a adquirir “centralidade” nas maneiras de viver das pessoas residentes nos povoados, distritos e localidades próximas, atraindo pessoas para nela ir trabalhar e residir.

Quanto à trajetória da feira em Teixeira de Freitas, encontramos a primeira referência de sua localização na Praça São Pedro, local que hoje conhecemos como Praça dos Leões. No final dos anos 60 conforme consta no livro de Tombo da Paróquia São Francisco13 a sua instalação passou para a atual Praça da Bíblia situando-se ao lado da antiga estação rodoviária.

Conforme a dissertação de Silva (2001, p.28) encontramos a seguinte descrição: A ausência de médicos e farmácias são inerentes a toda povoação que cresce desordenadamente, os focos de pobreza, da gente vinda da roça, tendo como agravantes a inexistência de esgotos e de outras condições sanitárias, como, por exemplo, a falta de um matadouro controlado por veterinário. [...] A situação era dramática, por não ter mercado organizado, e também por existirem criatórios de porcos nos fundos dos quintais. [...] O Dr. Rafael de Castro [o primeiro médico de Teixeira de Freitas] instalou um hospital no mercado, lugar, 13

Descrito pelo Frei Elias em 07 de novembro de 1976.

41 originalmente, para venda de mercadorias, [hospital] salvou muitas vidas. (Jacob Muniz Medeiros, cit. Por Queiroz, 1985:28, Apud Silva).

Diante das situações apontadas, trata-se de um espaço aglutinador, que pelo êxodo rural, a cidade foi se tornando destino destas pessoas, no entanto, sem estrutura suficiente para receber tanta gente. Este trecho nos apresenta no primeiro momento como uma cidade sem lei, em que o caos era vivido por aqueles que aqui residiam. Em 1976 a feira foi transferida para o “antigo campo de aviação”14 local na qual se encontra até os dias de hoje. O meu pai era empregado de Timóteo em 1963, que vendeu as fazendas e veio pra cá. Daí eu vim trabalhar na pauzueira. (Antonio Ricardo de Oliveira, 65 anos).

Conforme o relato do senhor Antonio Ricardo de Oliveira15 de 65 anos, feirante desde 1964, o espaço da feira era chamado de “pauzueira” devido muitas barracas de madeira. Na década de 70, ocorreu um incêndio queimando todas as barracas. Ao perguntarmos sobre a causa do incêndio o feirante, meio desconfiado, diz ter sido alguém que mandou fazer o serviço, quem sabe por questões políticas, como diz a senhora Edna Alves Ferreira Santos16, de 57 anos, que trabalha na feira há 34 anos.

Percebemos que o assunto do incêndio é algo silenciado, não sendo possível conhecer ou apontar os reais motivos que levaram ao mesmo. O fato é que tal incêndio ficou sem investigação, motivo que produziu nos feirantes sentimentos de indignação, ainda vivos em suas memórias. Ao perguntarmos à senhora Maria Leôncio Paulo17, 54 anos, de Helvécia e que vem para a cidade todas às sextas-feiras permanecendo até o sábado, há quanto trabalha na feira ela nos diz: “antes da pauzueira”.

14

Livro de Tombo da Paróquia São Francisco, 07/11/1976. Entrevista concedida à Aretuza da Cruz Silva pelo Sr. Antônio Ricardo de Oliveira no dia 28/04/2007. 16 Entrevista concedida à Jamile Lima da Cunha pela Sra. Edna Alves Ferreira Santos no dia 12/05/2007. 17 Entrevista concedida à Alzinete Ferreira Santos pela Sra. Maria Leôncio Paulo no dia 05/05/2007. 15

42 A estrutura existente da feira e/ou o fato ocorrido (o incêndio), foi tão marcante para os feirantes que hoje eles relacionam e fazem referências de tempo, de contagem dos anos. E esta relação foi percebida em outros relatos.

O perfil da feira constituído na cidade, a desorganização, a sujeira como é apresentada na dissertação de Silva (2001), de repente, para algumas pessoas, esta imagem não trazia uma vista apresentável para o então povoado que crescia. E como não encontramos documentos que explicitem os motivos que causaram as mudanças de instalações da feira, nos perguntamos: seriam estas as primeiras tentativas para extinguí-la? Ou seria o incêndio mais uma tentativa de extinção de um modelo tradicional de comercialização? São apenas hipóteses.

Mesmo que não fosse, o que percebemos é a força de um povo na luta por um espaço de sobrevivência, de resistência, de permanência desta com suas características comerciais tradicionais. O fato é que tudo continua lá: o burburinho, o vaivém de gente, a mistura de cheiros vindos dos temperos, das hortaliças e de vários tipos de produtos frescos nas bancas, o colorido das frutas, o anúncio dos produtos, preços e promoções, o convite a experimentar o requeijão, a melancia, o punhado da farinha ou o biscoito do tipo voador.

Nesta perspectiva, Maria Odilia mais uma vez nos faz compreender acerca do cotidiano, agora a partir da visão de Michel de Certeau que o esmiuçar das práticas de sobrevivência, que se configuravam como fontes de resistência, intercalando-se como táticas e subterfugios possíveis de um cotidiano impovisado, sempre em processo de ser re-inventado. (1981, p. 228).

Deste modo, rompe com o conceito de cotidiano que a princípio entendíamos dentro de uma idéia de rotina, de fatos encadeados num plano de continuidade, campo da necessidade e da repetição.

A questão do espaço desorganizado e sujo apresentado nos anos de 1960 e 70 também foi encontrado no atual espaço. Esta realidade é uma situação de

43 desconforto também para os feirantes ao desenvolver suas atividades comerciais. Para solucionar alguns dos problemas, apresentaremos algumas sugestões elencadas pelos feirantes para melhoria. “Ter teto para proteger do sol e chuva” (Firmina Clemente Sarafim, 62 anos e trabalha na feira desde que era a pauzueira)

Assim como a senhora Firrmina18 e a maioria dos entrevistados, ter um espaço coberto e mais boxes seria uma prioridade, pois muitos feirantes tem seus produtos que ficam expostos ao sol e, em dias de chuva, o espaço é de desconforto total.

A limpeza também foi pontuada por muitos feirantes como uma necessidade. . 19

“Há desorganização e mau cheiro” (Johny São Leão , 26 anos e há 2 anos e meio trabalha na feira)

Normalmete o mau cheiro é causado pelo lixo que é jogado em qualquer lugar, daí instalar mais lixeiras poderá ser uma das soluções, como é apresentado pela senhora Maria Avelar Silva20, 48 anos e que há um ano trabalha na feira.

Além da falta de higiene que também é apresentado pelo senhor Jovêncio Rodrigues Salomão21 de 46 anos e há 24 trabalha na feira, ela traz também outra problemática que é a “bandidagem e mendingos” que circulam na feira e as barracas são constantemente roubadas. Ainda é presenciado na feira até “crianças fumando droga”, assim relata a senhora Edna Alves Ferreira dos Santos, 57 anos, e há 34 anos trabalha na feira.

Vejam que os problemas apresentados pelos feirantes superam as questões de reestruração do espaço, há um problema social. È evidente que não há uma acomodação por parte dos feirantes diante das situações enfrentadas, já que

18

Entrevista concedida à Alzinete Ferreira Santos pela Sra. Firmina Clemente Serafim no dia 05/05/2007. 19 Entrevista concedida à Aretuza da Cruz Silva pelo Sr. Johny São Leão no dia 05/05/2007. 20 Entrevista concedida à Alzinete Ferreira Santos pela Sra. Maria Avelar Silva no dia 05/05/2007. 21 Entrevista concedida à Aretuza da Cruz Silva pelo Sr. Jovêncio Rodrigues Salomão no dia 12/05/2007.

44 buscam melhorias, e nem tão pouco deixam passar despercebidas as ações desordenadas em seu ambiente de trabalho. É tanto que encontramos na Câmara Municipal da cidade três “Indicações”22. A primeira datada em 10 de maio de 1999 apresentada pelo vereador Osair Nascimento Correia que indica ao Prefeito que mobilize esforços para que seja feita a cobertura na área lateral no mercado municipal, que descreve a seguinte justificativa. É do conhecimento de todos a situação por que os feirantes do Mercadão Municipal passam. Em dias de chuvas, o desconforto é total, pois, as barracas e mercadorias ficam expostas provocando lamaçal, mau cheiro, atraindo moscas, etc., e em dias de sol, também não é diferente, já que as mercadorias expostas ao calor excessivo apodrecem, atraem moscas, exalam odores, colocando em risco a saúde dos consumidores e o bom andamento da feira. Portanto, uma cobertura na área lateral do mercado resolveira esse problema, assim, INDICO, ao Exmº Sr. Prefeiro Municipal que mobilize esforços juntamente a secretarias competentes para que seja feira a cobertura na área lateral do Mercado Municipal. Ante a este exposto, faz-se necessário tomar as providências pertimentes ao caso.

Apesar de ser aprovada em 11 de maio de 199923, até a presente data a situação de desconforto encontra-se ainda existente.

No mesmo ano foi elaborado um projeto de reforma e urbanismo do Centro de Abastecimento Timóteo Alves de Brito, que planejava atender comerciantes do mercado e feirantes, porém as necessidades dos feirantes ultrapassam o espaço determinado pelo projeto arquitetônico24.

22

O uso deste termo “Indicação” é para o referido documento que indica ao Prefeito Municipal uma mobilização para ação futura. 23 Indicação nº 56/99 – Câmara Municipal de Teixeira de Freitas 24 Para visualizar melhor, o projeto encontra-se em anexo.

45

Conforme análise do projeto verifica-se que ocoram algumas adapatações e, ao nos dirigirmos ao mercado municipal, vizualizamos o estacionamento, as árvores, mas o espaço destinado aos feirantes continua pequeno, de modo que nos corredores já se instalaram barracas e a cobertura continua a céu aberto.

Segundo o funcionário público municipal responsável pela organização do mercado e da feira, o senhor Marildo Pereira da Rocha25, não há nenhum empecilho do indivíduo instalar sua barraca na parte externa do mercado, de modo que tem crescido a procura deste trabalho informal, a ponto de avançar 05 – Projeto(cf. de reforma urbanismo Centrointerrompendo de Abastecimentoinclusive Timóteo Alves para aFIGURA Rua Ypiranga figura e04, páginado37) o de Brito. Autoria de Alzinete Ferreira Santos.

acesso de veículos automotores aos sábados.

Percebemos ainda que não há limites pré determinados para instalar uma barraca na feira e os próprios feirantes exigem uma “fiscalização mais rígida”, como apresenta o senhor Francisco Gomes26 de 50 anos e que há 4 trabalha na feira, de modo que todos tenham seu espaço para trabalhar, organizado e limpo.

Na segunda Indicação apresentada na sessão do dia 19 de maio de 2009, 10 anos após a primeira, pelo vereador Julio César de Oliveira Cavalcante indica que “sejam realizados os serviços de reforma, ampliação e padronização do Centro de Abastecimento (Mercadão Municipal)27 que assim se justifica: É com grande satisfação que apresento aos nobres Pares a presente Indicação, objetivando que o Executivo execute as obras de Reforma, Ampliaçãi e Padronização do centro de Abastecimento (MERCADÃO MUNICIPAL), identificada na forma supra, com o intuito de oferecer a toda população melhores condições de uso do referido Bem Público.

25

Entrevista concedida à Talita Alves Maia pelo Sr. Marildo Pereira da Rocha no dia 13/01/2010. 26 Entrevista concedida à Aretuza da Cruz Silva pelo Sr. Francisco Gomes entre os dias 05/05/2007. 27 Indicação nº 115/2009 – Câmara Municipal de Teixeira de Freitas

46 Com isso, senhores Vereadores, estaremos contribuindo com a Administração Municipal e com toda sociedade, ao indicarmos ao atual Gestor tais ações considerando-se que tal medida, tornou-se indispensável. Diante do exposto e certo do apoio do novres Edis, para a aprovação desta, purge, de imediato tomar medidas peretinentes ao caso.

A realidade vivida pelos feirantes foi se agravando a cada ano chegando a uma terceira Indicação apresentada na sessão do dia 01 de dezembro de 2009, pelo vereador

Luis

Henrique

Ressurreição

de

Souza

relata

as

mesmas

necessidades existente na primeira, para que seja estudada a possibilidade de padronização das barracas e eventualmente a construção da cobertura da áerea livre do Mercado Municipal28 justificando da seguinte maneira: Atendendo reivindicações dos feirantes e usuários, que há muito tempo vem desejando alcançar um local mais salubre, para venderem e efetuarem as suas compras, num mercado livre que atenda as suas necessidades. Este benefício trará além de um local mais arejado, fará com que os transeuntes se locomovam de forma segura e confortável. Esta padronização e cobertura sanará um problema antigo, mais que esta administração irá de pronto adequar às suas prentensões de um bem estar a população. Assim, solicito ao Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal o disciplinamento aqui mencionado, por ser o melhor para a nossa Teixeira de Freitas e extremamente útil a toda nossa população, principalmente para as faixas de renda mais baixas. Certo do apoio dos nobres Pares para a aprovação desta INDICAÇÃO, urge tomar as medidas pertinentes ao caso

Nesta última Indicação faz-se referência a problemas antigos e que persistem nos dias atuais, permitindo imaginar que tais indicações estão ficando engavetadas e esquecidas por aqueles que não precisam deste espaço para sobreviver.

Portanto, é de conhecimento dos representantes dos órgãos públicos municipais as insatisfações dos feirantes e comerciantes do mercado municipal. Com tudo isso, seria o feirante convidado para pensar sobre o projeto de reforma e ampliação do Centro de Abastecimento, uma vez que, para solucionar tais problemas, deveria ser pensado, discutido e projetado coletivamente? 28

Indicação nº 311/2009 – Câmara Municipal de Teixeira de Freitas

47

2.2.1.1 – O fazer a feira

Como nos referimos na imagem de satélite do mercado municipal da feira (cf. figura 04, página 37)

as ruas que limitam a feira e o mercado municipal

oferecem “entradas” diferentes para os fregueses. Durante o tempo em que realizamos esta pesquisa, sempre preferimos (e era automático) a entrada situada pela Avenida Antônio Carlos Magalhães, pois esta constitui, para nós, uma espécie de “entrada principal”, um lugar de maior movimento, não só pelos pedestres como também de veículos que circulam pela avenida.

Esta entrada refere-se ao corredor que em suas extremidades encontramos frutas, verduras, temperos, cereais, hortaliças, peixes, farinha, produtos industrializados. Passando pela entrada, encontramos logo os produtos regionais da agricultura familiar trazidos pelas mulheres das comunidades de Juerana, Volta Miúda e Helvécia, município de Caravelas, sentadas na calçada do mercado municipal debulhando feijão de corda e sobre a lona,

seus

produtos são expostos em forma de “montinhos" como a mandioca, vidros com dendê29, mel, beiju, ingá, mamão verde, maxixe, coco, banana, jaca, laranja, acerola, maracujá, farinha, pimenta e muqueca de tapioca, esta última por muitos é degustada ali mesmo na feira, inclusive por nós, nos dias de pesquisa de campo.

29

Dendê é um azeite típico da cultura afrodescendente e um ingrediente base para o preparo do acarajé.

48

FGURA 06 – Produtos da agricultura familiar trazidas por mulheres oriundas da comunidade de Volta Miúda, como a Sra. Paulina Joana que comercializados na feira de Teixeira de Freitas há 12 anos. Autoria de Alzinete Ferreira/Aretuza da Cruz Silva.

Um pouco mais a frente encontram-se hortaliças frescas, como a barraca da senhora Maria de Avelar Silva, há 1 ano trabalhando na feira, é ela mesma que cultiva, vende e ainda atende alguns supermercados na cidade. Segundo D. Maria30 as hortaliças “tem uma vendagem boa”, pois além de frescos são mais baratos que em supermercados.

Em uma das extremidades da feira, paralela a Rua Manoel de Etelvina (figura 4, página 37) estão as barracas de mariscos. Lá encontramos caranguejo, ostras, camarão seco e fresco e diversas espécies e tamanhos de peixe, tanto de água doce quanto de água salgada.

FIGURA 07 – Homens trabalhando nas barracas de mariscos na feira, como o Sr. Leonel Rosa Sanata. Autoria de Aretuza da Cruz Silva.

Os mariscos vendidos na feira são oriundos em sua maioria de Alcobaça, alguns adquiridos em frigoríficos ou diretamente de pescadores, como na barraca do senhor José Nunes Pimenta que há 15 anos trabalha na feira. Neste setor percebemos a predominância de homens no processo desde a pesca até a venda.

30

Entrevista concedida a Alzinete Ferreira Santos pela Sra. Maria Avelar Silva no dia 05/05/2007.

49

Em barracas como a da feirante Emiliana Teixeira, há mais de 35 anos no local, sente-se o sabor da sabedoria popular: uma infinidade de ervas, condimentos, grãos e folhas cercam a comerciante, cujos nomes ela sabe sem exceção. Há desde castanhas de caju, cebola e alho, até camomila, erva doce, chá preto, boldo, marcela, cominho, pimenta, sementes de coentro, farinha de linhaça, louro, alecrim, espinheira santa, cravo, e pimenta-do-reino. São miudezas vegetais que rendem chás, bons temperos e até mesmo a cura ou alívio para alguma enfermidade.

“O melhor da feira é poder achar tudo bem fresco, sem o gelo dos supermercados”, diz Claudia Souza31, feirante há 6 anos. Em sua barraca de frutas há um pouco de tudo que a estação permita: maracujá, mamão, acerola, maçã, manga, coco, abacaxi, mexirica, laranja, banana, goiaba, limão, dentre outros.

Trabalhar na feira pressupõe uma jornada longa de trabalho, de preparo, desde a plantação, como é o caso de vários feirantes onde eles são os próprios produtores, ou como aqueles que vendem mariscos em que os próprios são os pescadores.

Queremos aqui apresentar algumas trajatórias, as forças que fazem algumas mulheres, aquelas citadas no início deste tópico, que debulham o feijão, que superaram a cada dia a insistência de grandes empreendimentos, para continuar na feira e trazer o que tem em suas propriedades. A senhora Teresa Paula Serafim de 66 anos32, morava em Volta Miúda, distrito de Juerana, há mais de 20 anos trabalha na feira, diz: “há muito tempo sou feirante, desde a antiga feira”, época em que a feira era chamada de pauzueira. Segue para Teixeira de Freitas todas as sextas-feira, às vezes vende tudo o que traz, e às 13h do sábado faz a sua compra e retorna para casa.

31 32

Entrevista concedida a Alzinete Ferreira Santos pela Sra. Claudia Souza no dia 05/05/2007. Após as entrevistas tivemos a notícia do falecimento da senhora Teresa Paula Serafim.

50 Neste contexto é evidente uma relação campo e

cidade expressiva em

Teixeira de Freitas, do camponês que traz seus produtos e o mesmo que se alimenta dos produtos industrializados fornecidos pela cidade, ou seja, relações sociais que vão se estabelecendo, ao mesmo tempo, num movimento contínuo. Paulina Joana33 de 35 anos, que comercializa na feira há 12 anos, também de Juerana, nos apresenta a problemática encontrada pelas famílias que sobrevivem da agricultura familiar pois desde as instalações da grande empresa de papel e celulose na região, sair de Juerana tornou-se um caminho deserto e perigoso em meio aos eucaliptos, além de apresentar uma paisagem monocromática.

Para a entrevistada, sentia-se mais segura quando eram fazendas, pois possibilitava ver as pessoas, quem do outro lado estavam e com elas estabelecia relações. Comentou ainda que no início a comunidade fazia protestos, mas depois foram se acostumando, acreditando não haver mais jeito.

Diante de manifestações contra o deserto verde e a favor da vida, Koopmans reafirma: A necessidade de outro modelo de geração e divisão de riquezas e de ocupação do nosso território, que respeite e coloque como protagonista as populações rurais e tradicionais e de interesse da sociedade brasileira e não do capital global (2005, p. 136)

Frente a existência do agronegócio, as comunidades rurais e tradicionais tiveram que adequar-se à nova realidade imposta, buscando outros modelos para a sobrevivência, como é o caso da D. Maria da comunidade de Volta Miúda que compra alguns produtos como feijão para revender na feira, isso devido a plantação do eucalipto, pois segundo ela “quase não dá para a gente plantar, aí temos que comprar”34.

33

34

Entrevista concedida a Alzinete Ferreira Santos pela Sra. Paulina Joana no dia 05/05/2007.

Informações obtidas de uma conversa informal da entrevistada com a Alzinete Ferreira Santos, no caderno de campo.

51 Em relação as práticas de resistência, entendemos que as mesmas não são pensadas como reações organizadas ou oposições instituídas às formas de dominação, mas como diversas estratégias que grupos sociais utilizam de forma a garantir sua autonomia e dignidade em face ás relações de exploração e dominação, designado por James C. Scott35 como “interação social cotidiana”.

35

SCOTT. 2002, P. 24.

52

2.2.2 – Mercado Municipal

A partir dos anos 60, surgiram e se difundiram rapidamente nas cidades os supermercados, estabelecimentos pautados no auto-serviço e que logo foram organizados em poderosas redes empresariais. Adaptados ao moderno sistema urbano (pautado na automobilidade), e contando com decisivo apoio governamental, os supermercados cresceram/crescem em ritmo acelerado. Em 1970, o governo federal aprovou o Plano Nacional de Desenvolvimento36, um de seus objetivos era a plena expansão das redes de auto-serviço nos grandes centros urbanos, em detrimento das feiras livres, consideradas como forma anacrônica de varejo.

Segundo esta concepção, as feiras apresentam problemas como: falta de higiene, má estrutura das barracas, comercialização de produtos não permitidos, falta de segurança e desorganização. Tais problemas colocam em risco a sobrevivência das feiras, agravando-se pela falta de fiscalização e inadequação das instalações e péssimas condições de trabalho. Sendo assim é percebido pelo feirante Vitor Castro Santos37 de 22 anos e há 10 anos trabalha na feira “acredito que a feira venha a acabar por causa da desorganização”.

É importante salientar que o conflito entre feirantes e supermercados não se restringe somente nas esferas econômicas e jurídica-politica. No plano do imaginário, recriam o espaço da feira como território desconfortável, informal, com diversos transtornos, barulhento e com muita sujeira pelas vielas, enquanto os supermercados são apresentados como portadores do novo, do belo, do conforto.

36 37

MASCARENHAS. 2008, p. 78. Entrevista concedida a Aretuza da Cruz Silva pelo Sr. Vitor Castro Santos no dia 05/05/2007.

53

FIGURA 08 – Na primeira imagem, encontramos o setor de frutas disponível no supermercado, que busca familiarizar o cliente com alguns aspectos encontrados na feira. Autoria de Talita Alves Maia.

É notável ainda, no bojo do processo de modernização dentro dos supermercados, a presença de elementos populares do cotidiano da feira, nos setores de verduras, legumes e frutase exercendo espontaneamente as bancas, a disponibilidade dos produtos, o contato com os mesmos de forma organizada, contrapondo ao cenário encontrado na própria feira. Será apenas uma estratégia para conquistar mais clientes? Ou até mesmo monopolizar o comércio varejista? Ou quem saber extinguir a feira!

Em 1980, consolidou-se a aquisição do terreno urbano, com a área de onze mil cento e quarenta e nove metros e cinquenta centímetros quadrado (11.149,50m²) para instalação do Centro de Abastecimento Timóteo Alves de Brito, o mercado municipal, com 194 boxes para atender aos feirantes que ali já comercializavam, além de disponibilizar banheiros e lixeiras38.

Com o intuito de disciplinar a feira, eliminar os tabuleiros, as lonas ou as barracas de madeiras improvisadas, foram distribuídos os boxes, uma espécie de ponto comercial, para os feirantes. No entanto, essa opção não atingiu a todos, ficando muitos a comercializar na parte externa do mercado. 38

Disponibilizaram para esta pesquisa apenas a Escritura da compra do terreno para instalação do Mercado Municipal. Procuramos em vários setores da prefeitura alguma ata, ou outro documento que informasse a data de inauguração do Centro de Abastecimento de Timóteo Alves de Brito, sem êxito. Conforme os feirantes na época de distribuição dos boxes , a inauguração do Mercado foi simbolizada apenas através do corte de uma fita.

54

Como

dissemos anteriormente

quanto a

inauguração

do Centro

de

Abastecimento, não encontramos nenhum documento oficial, mas o senhor Clemente Pinheiro Costa39 de 68 anos, feirante há 31 anos, afirmou ter ocorrido no mês de janeiro de 1989.

O espaço do mercado é dividido por categorias (A, B e C), que determinam e identificam os boxes (veja a figura 9 abaixo). A categoria mais “valorizada” são as de portas para fora do mercado (A). Seguidas da categoria (B) onde os boxes estão no ponto central interno do mercado até os portões principais, que dão saída para a Avenida Antonio Carlos Magalhães, Rua Eurico Gaspar Dutra e a lateral que sai para feira. Enquanto os da categoria (C) estão do ponto interno central até os portões que dão saída à Rua Manoel de Etelvina.

Rua Ipiranga

Rua Manoel de Etelvina

Av. Antônio Carlos Magalhães Rua Eurico Gaspar Dutra

FIGURA 09 - Distribuição do espaço conforme as categorias pagas pelos boxes.

Categoria A

39

Categoria B

Categoria C

Entrevista concedida a Alzinete Ferreira Santos, pelo Sr Clemente Pinheiro Costa, no dia 21/04/2007.

55 No Mercado Municipal é clara a circulação mais expressa em suas laterais e parte da feira. Já dentro do mercado, o aspecto é de sujeira e de abandono, com muitos boxes vazios, outros utilizados exclusivamente como depósitos até por feirantes externos. Há oito boxes de um só dono os quais, em sua maioria, encontram-se fechados.

FIGURA 10 – Parte interna do Mercado Municipal. Autoria de Alzinete Ferreira Santos/Aretuza da Cruz Silva

Para manter um boxe no mercado municipal se paga uma taxa mensal que oscila entre R$ 40,00 e R$ 80,00 mensais40 a depender da categoria em que se situa o boxe, além da conta de luz, que é cobrada individualmente, por isso todos os boxes tem seu padrão de energia. A água é utilizada sem taxa porque há um poço artesiano no mercado que atende para todos. Para o senhor Clemente Pinheiro Costa41 e outros feirantes do mercado, um dos problemas é o “aumento do mercado de fora”, a feira que cresce a cada dia, o que faz acentuar a concorrência. Como os feirantes externos não pagam impostos e nem o espaço que utilizam para manter suas barracas, conseguem manter preços mais baixos conquistando o interesse do freguês.

40

R$ 80,00 (oitenta reais) é equivalente a 15,69% do salário mínimo de 2010. E R$ 40,00 (quarenta reais) é equivalente a 7,85% do salário mínimo de 2010. 41 Entrevista concedida a Alzinete Ferreira Santos pelo Sr. Clemente Pinheiro Costa no dia 05/05/2007.

56 A preocupação do feirante interno está nos consumidores que não adentram no mercado, se abastecendo de produtos que estão externos. Daí, “trazer o povo de fora para dentro, assim traria movimento”, dizia o senhor Clemente.

É comum encontrarmos feirantes que, para driblar a concorrência, optam por ter boxes no mercado e barracas na feira. “Só do mercado não dá para viver”, diz o senhor Genival Fernandes de Souza42, de 64 anos, na feira há 35 anos e no mercado desde sua inauguração.

Tanto o feirante interno quanto o feirante externo, concebem a necessidade de ampliação do Mercado, mas verifica-se que são de interesses distintos. O feirante interno quer equiparar os gastos de modo que o preço dos produtos seja ”justo”. Já o feirante externo quer a ampliação para se proteger do sol e da chuva. Nos dois casos, em nenhum momento foi expressa a preocupação destes sobre a condição de se estar dentro do mercado.

Também a importância da relação vendedor com o freguês e vice-versa é de fidelidade. “Temos fregueses seguros, antigos” diz o senhor Salvador Antonio da Costa, de 59 anos e no mercado desde sua inauguração, o que assegura ao feirante interno permanecer no local.

Em muitos casos essa relação se torna tão próxima que pessoas conhecem o feirante pelo nome próprio, como por exemplo, “Dito da laranja”, propiciando uma reconstrução de identidade a partir de suas práticas cotidianas.

É possível encontrar no Mercado Municipal boxes ocupados por minimercados, lojas de embalagens, bolsas, utensílios domésticos em alumínio e em madeira, farinha, restaurantes, loja de produtos regionais, concerto de componentes eletrônicos, bares, calçados, açougues, lanchonetes, barbearia, produtos de artigos religiosos conhecida por Tenda dos Milagres, loteria, roupas e um posto policial.

42

Entrevista concedida á Alzinete Ferreira Santos pelo Sr. Genival Fernandes de Souza no dia 05/05/2007.

57 Mas um posto policial? Isso mesmo, pois é comum brigas. A senhora Elisângela de Jesus Lemos43 de 39 anos e há três no mercado, relata que já aconteceu até morte dentro do mercado que tem muitas brigas e reclama da administração.

O funcionário responsável pela organização do mercado, o senhor Marildo Pereira da Rocha44 diz que atualmente é raro se utilizar o posto policial, mas que realmente já foi preciso deixar alguém lá por algumas horas. Atualmente quando acontece alguma confusão, briga, a polícia é acionada para a solução do problema.

Para garantir um espaço mais organizado e seguro, é preciso seguir algumas regras. Uma delas diz respeito à proibição de matar animal no local. No momento da entrevista o senhor Marildo foi interrompido para seguir até o feirante que matava um carneiro dentro do mercado. Desta forma, percebe-se que há um controle dentro do mercado para mantê-lo em um padrão de organização.

É neste contexto que as relações tecidas na feira apresentam um embrenhado de costumes, de vivências, saberes e práticas e que ao mesmo tempo é uma construção individual, e também coletiva.

43

Entrevista concedida a Aretuza da Cruz Silva pela Sra. Elisângela de Jesus Lemos no dia 28/04/2007. 44 Entrevista concedida a Alzinete Ferreira Santos pelo Sr. Marildo Pereira da Rocha no dia 13/01/2010.

58 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As indagações aqui elencadas não podem ser dadas como concluído este trabalho, uma vez que os estudos realizados nessa monografia não expressam toda a realidade vivida no espaço da feira, pois remete, na verdade, a uma parcela das fontes documentais ou orais encontradas.

Na análise dessas fontes e durante todos os momentos deste estudo estivemos interessadas em conhecer, compreender e analisar os aspectos sócio-históricos da feira de Teixeira de Freitas e como esta possibilita ser um lócus de produção e expressão da História para a sociedade existente.

Através desta visibilidade, as memórias dos feirantes diante da vivência do dia a dia da feira acabaram delineando as trilhas deste estudo, proporcionando uma reflexão sobre o surgimento da mesma, as suas mudanças, as permanências e as suas resistências diante do comércio moderno/tecnológico da cidade, os seus aspectos estruturais físicos e as atuações dos poderes públicos no que tange este espaço.

Tais questões tornaram-se perceptíveis às múltiplas vivências apresentadas em um só espaço, que através das idas e vindas de diversas pessoas que a compõe, proporcionam vários objetivos a serem desenvolvidos na feira, já que uns vão a trabalho, outros às compras, outros para rever familiares e amigos e ainda tendo daqueles que buscam este lugar como uma alternativa de lazer.

Reconhecemos que o “ir à feira” tem diferentes significados, impregnados de afetividade e de valores culturais, pois para a população que habita a zona rural, que busca na cidade a comercialização de seus produtos, o ir à feira simboliza o elo com o urbano, imaginado como o “lugar de modernidade”, representando um ponto de contato entre produtos e consumidores.

Assim, entendemos que a vivência dos trabalhadores neste local interfere em suas vidas, que além de todo o contexto social, comercial, político e econômico

59 estão relacionados a fatores sentimentais vivenciados pelos feirantes, onde buscam constantemente estratégias para adquirir um capital, que possa manter o funcionamento do seu ponto de venda e principalmente sua sobrevivência.

Neste contexto, a feira representa, muitas vezes, a única forma de sobrevivência para os feirantes ou ainda um dos refúgios para se manter inserido no mercado de trabalho.

Além disso, foi possível observar que a feira se tornou tão presente na vida das pessoas que ao frequentarem um hipermercado – espaço criado na modernidade para comercializar todos os tipos de produtos, desde frutas e verduras a móveis e peças de automóveis, questionadas sobre o que vão fazer lá, respondem: “vou fazer feira”, pois as compras sempre foram feitas na feira, sem se perceberem que a mesma foi sendo adaptada em outros espaços e ambientes considerados “modernos”.

Na medida nos que aprofundamos nas entrevistas e nos documentos disponíveis, outros aspectos foram tornando-se latentes durante nossa pesquisa, como a complexidade existente nos espaços da feira e do mercado, que impulsionou uma análise sobre as dificuldades enfrentadas pelos feirantes, entre elas a organização e padronização do espaço que, não atendendo a todos os feirantes, gera conflitos na comercialização dos produtos, nos gastos ao manter o ambiente e até mesmo o da concorrência entre eles.

Entendemos que estes problemas são resultantes também de fatores que estão ligados à gestão do poder público municipal, que ao buscar suprir seus anseios, enquanto a higienização e a modernização do espaço físico da feira não buscaram planejar ações coletivamente. Possibilitando reconhecermos que não há uma acomodação por parte dos feirantes diante das situações enfrentadas, já que buscam melhorias e nem tão pouco deixam passar despercebidas as ações desordenadas em seu ambiente de trabalho.

60 Uma boa remodelagem e reforma, a fim de melhorar a iluminação e o layout do local, poderia trazer uma boa parte da população para frequentar o Mercado Público. É importante salientar que uma revitalização da Feira e do Mercado Municipal deve ter o objetivo de modernizar a estrutura física e os serviços oferecidos, sem que se percam suas características originais, evidenciando a cultura local e regional pelas pessoas e seus produtos.

É frequente encontrar comunidades que ainda não perceberam a riqueza de seu patrimônio cultural. Nesse sentido, há também a necessidade de chamar atenção da população e do poder público local para o potencial existente e estimular o uso daquilo que lhe é próprio, autêntico e original de forma ordenada, planejada e proveitosa, tanto do ponto de vista patrimonial como econômico.

Falamos neste sentido patrimonial, porque a feira pode ser entendida como uma manifestação cultural pois em muitos dos casos, é transmitido de geração a geração, sendo um componente espacial da configuração urbana e também um produto da sociedade e, acima de tudo, possui conteúdos simbólicos próprios.

Sendo assim, uma reestruturação da Feira e do Centro de Abastecimento Timóteo Alves de Brito poderá, ainda, ser um espaço para exposições de artistas locais, feiras de artesanatos, exposição de arte e pintura, manifestações artísticas independentes. Pois assim, como uma comunidade necessita dos alimentos oferecidos por estes espaços para alimentar o corpo, também precisa de um espaço que alimente sua identidade e sua cultura.

Portanto, apresentamos a nossa necessidade de ver, mostrar e valorizar o que está obscuro, escondido, que também nos identificam, seja nos produtos em montinhos sobre a lona, na tapioca, na farinha, nos beijus, no dendê, nas frutas, no artesanato e no jeito afetuoso de atender. Tudo isso, para demonstrar que a feira é mais do que um lugar de compras, ela traz um espaço de relações de amizade, de fidelidade entre feirantes e fregueses, e também se apresenta como um teatro, nos quais os personagens interagem

61 compondo um cenário, que pode ser tanto pelas piadas e jocosidades como pela relação com o alimento.

62 FONTES ORAIS

Antonio Ricardo de Oliveira, de 65 anos e desde 1964 trabalha na feira com cereais e bebidas. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Benedito Feliciano dos Santos, 56 anos, trabalha na feira desde 1974 com venda de bebidas. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Claudia Souza, 27 anos e há 6 anos trabalha na feira com venda de frutas. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Clemente Pinheiro Costa, 68 anos e há 31 anos trabalha na feira com produtos diversos e industrializados como arroz, feijão, óleo dentre outros. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Edna Alves Ferreira dos Santos, 57 anos, e há 34 anos trabalha na feira servindo almoço. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Elisangela de Jesus Lemos, 39 anos e há 3 anos trabalha na feira. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Emiliana Teixeira, 65 anos e trabalha na feira há 35 anos com venda de temperos. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Firmina Clemente Serafim, 62 anos e trabalha na feira desde que esta era “a pauzueira” com venda de muqueca de tapioca, mandioca, dendê, ingá, coco, corante, feijão, maxixe, maracujá, laranja, dentre outros. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Genival Fernandes de Souza, 64 anos e trabalha na feira desde 1975 com venda de farinha. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

63 Joaquim Otaviano Silva, 65 anos, trabalha a 5 anos na feira com venda de embalagens. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Johny São Leão, 26 anos e há 2,5 anos e meio trabalha na feira com venda de biscoitos. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

José Nunes Pimenta, 48 anos e trabalha na feira há 15 anos com venda de peixe fresco. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Maria de Avelar Silva, 48 anos, e há 1 ano trabalha na feira com venda de hortaliças. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Maria Leôncio Paulo de 54 anos, trabalha na feira antes da pauzueira. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Marildo Pereira Rocha, funcionário público municipal responsável pela organização da feira e do mercado municipal há 8 anos. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Paulina Joana, 35 anos e há 12 anos trabalha na feira vendendo muqueca de tapioca, beiju, feijão, quiabo, maxixe, abóbora, mel dentre outros. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Raimundo Oliveira, 45 anos e trabalha na feira desde 1996 com concertos de equipamentos eletrônicos. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

Teresa Paula Serafim, 62 anos e trabalha na feira desde que era a pauzueira com vendas de muqueca de tapioca, jaca, mandioca, dendê, ingá, coco, corante, feijão, acerola, dentre outros. Entrevista realizada entre os dias 21/04 a 12/05 de 2007;

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