UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

March 14, 2017 | Author: Esther Palma Martinho | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

Download UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...

Description

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

HELENA ALMEIDA Era uma vez uma mulher sem sombra que encontrou uma

Maio de 2006 Filipa Gomes Cristiana Rodrigues Ricardo Mendonça Publicado em http://www.arte.com.pt

Helena Almeida Era uma vez uma mulher sem sombra que encontrou uma1

Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa Artes Plásticas – Pintura Artes Plásticas – Escultura Lisboa Maio de 2006 Filipa Gomes E-mail [email protected] Cristiana Rodrigues E-mail [email protected] Ricardo Mendonça E-mail [email protected]

1

Adília Lopes, Adília Lopes, Obra, Lisboa, edição Mariposa Azual, 2000, p. 434

“Agora vamos duas a duas, ordeiramente marchamos em procissão, debaixo desta leve penumbra que nos envolve, vestidas com os nossos fatos mutáveis. Deslizamos suavemente, só por um momento, antes que a cadeia se rompa e a desordem regresse, contemplemos esta imobilidade, esta ordem de quem está preso. Suspiramos de alívio por sabermos que chegou o tempo em que os nossos monólogos serão partilhados. Não ficaremos para sempre de nucas encostadas a emitir sons incompreensíveis, sequências infindáveis de palavras. Falaremos uma linguagem infantil, sem a preocupação de terminar as frases. Recuperaremos a nossa continuidade. Vamos dum lado para o outro como as aves migratórias. Sentimos, ao longe, incontáveis hordas que passam e retomam os antigos lugares numa sequência majestosa. Queremos captar este momento, este ciclo como uma imagem de eternidade. Desapareceu a noção de fim e de princípio. Tomamos as nossas imagens como testemunhas da nossa perfeita integração nesta nova ordem de coisas. Recuperamos a nossa permanência. Ouvimos passos apressados de inumeráveis matilhas, errando dum lado para o outro entre a madrugada e a noite. O círculo fecha-se. Os caminhos afastam-se num movimento insensível. Iremos duas a duas imóveis e cheias de vida, até perdermos a memória do nosso próprio encontro. Num supremo esforço de vontade queremos saber interpretar os nossos papéis.”

Janeiro de 1987

Helena Almeida (in Frisos)

Índice

I

Introdução .............................................................................................................

5

II

Helena Almeida – Traços Interiores ......................................................................

7

II.I

Exposições Individuais ............................................................... 11

II.II

Exposições Colectivas ............................................................... 13

II.III

Colecções Públicas e Privadas .................................................. 20

III

Conceitos gerais do percurso de Helena Almeida – Caminhos Paralelos ............ 21

IV

Fotografia – O Encontro com uma outra Natureza ............................................... 47

V

Conclusão ............................................................................................................. 53

VI

Bibliografia ............................................................................................................ 55

VII

Imagens ................................................................................................................ 59

Introdução

Este trabalho consiste numa reflexão sobre a vida e obra de Helena Almeida. Mais objectivamente, sobre o porquê da escolha da fotografia enquanto suporte artístico e sobre a forma como justapõe elementos que, à partida, lhe são estranhos. Dentro deste campo faz-se referência a obras como Desenho Habitado (1975), Pintura Habitada (1975-76), Desenho Habitado (1977), Estudo para um Enriquecimento Interior (1977-78), Sente-me (1979). Numa primeira fase é feita uma breve referência à sua biografia e uma apresentação dos conceitos gerais que marcam o seu percurso artístico. Em seguida analisa-se o seu processo de trabalho – a descoberta da fotografia como meio de expressão e modo de arte performativa. Helena Almeida não é pintora, não é escultora, não é fotógrafa, não é performer, não é videoasta no entanto, ela é tudo isso, ora simultaneamente, ora alternadamente. Helena Almeida é uma artista trans-disciplinar, que procura compreender e ultrapassar os limites de cada campo artístico.

5

6

Helena Almeida – Traços Interiores

Helena Almeida – Traços Interiores

Outrora Viajava por entre Estátuas1 Helena Almeida nasceu em 1934, em Lisboa, onde actualmente vive e trabalha. É filha do escultor Leopoldo de Almeida e casada com o arquitecto e escultor Artur Rosa, que é quem tira as suas fotografias. Falando da sua vivência, foi certamente muito positiva para a consciencialização do seu mundo artístico toda uma pujança secular herdada de seu pai. Talvez por isso tenha feito do espaço o mote primordial do Ser artístico. Não obstante, foi significativa a ruptura que operou com todo o passado académico do qual seu pai havia sido digno representante, paradigma da nomenclatura fascista do Estado Novo que em tanto atrasou a evolução intelectual em Portugal, comparativamente com outros países do ciclo liberal Europeu. Por essa altura a situação artística em Portugal assim como as fontes de informação e os modelos a seguir eram, segunda a artista, “miseráveis”. Não havia revistas de arte internacionais e a maior parte dos artistas só eram reconhecidos a nível nacional. A revolta de Abril encetou uma ruptura com toda a gramática que pudesse relacionar-se com o conceito Fascista, nomeadamente com o património artístico académico. Fruto dessa desavença, a Academia nunca mais voltou a ser a mesma, e do mesmo modo, a própria arte contemporânea se elevou como afronta ao figurativismo, num tempo em que outros países consideravam, se não uma reconciliação, pelo menos um lugar próprio para que tal se pudesse desenvolver. É-nos dada a imaginar a ruptura abrupta que terá representado esta transição de pensamentos, amplamente representativa do panorama político que Portugal viveu, e que se revê claramente nas opções plásticas de Helena Almeida. Nesta medida, a transformação da família Almeida foi amplamente reflexiva da sucessão de acontecimentos políticos e artísticos que se operaram neste novo Portugal. A abertura aos novos valores da arte do século XX que o Abril de 74 proporcionou, objectivou um “confronto” entre gerações e reflectiu uma nova ordem social. Helena Almeida soube desde cedo que queria trabalhar no campo da arte. A sua primeira grande influência, a par de Walt Disney, foi o seu pai, de quem foi modelo a partir dos dez anos de idade. Sempre viveu rodeada de arte, pelos livros que tinha em casa e pelas viagens em família aos museus de Paris, Roma e Milão. Era o que sabia fazer – muitos desenhos e pinturas (...).2 1 2

Jorge Gomes Miranda, Portadas Abertas, Lisboa, editorial Presença, 1999, p. 10 Helena Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 30

7

Helena Almeida – Traços Interiores

A formação de Helena Almeida foi académica; frequentou a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, onde seu pai leccionou com distinção. A artista terminou o curso de pintura em 1955 no entanto, por essa altura, já eram outras as preocupações que ocupavam a sua mente, pois era casada e mãe de dois filhos. Nos quatro anos que se seguiram à sua formatura foi pouco o tempo dispensado à arte; não obstante, esta nova condição de mulher não sonegou o seu desassossego artístico. A artista viaja para Paris, sozinha, amadurecendo a natureza do seu labor artístico, não na manualidade, mas no enriquecimento do saber que lhe era ocultado pela ditadura que se fazia sentir em Portugal. Assim se explica que tenha passado grande parte do seu tempo a ler e visionar filmes, na assistência das aulas de Francastel. Nada pintou durante a estadia de um ano em Paris. Helena Almeida sentia-se isolada num país cujo governo não apoiava as artes. Para suprimir todas as faltas que se faziam sentir por cá, viajava bastante. No entanto, mesmo nesse isolamento, a artista tinha a “consciência de ser uma pessoa (...) do seu tempo”.3 Numa época marcada pelo fecho de muitas galerias e o desaparecimento de algumas revistas, a pintura continuava a ocupar lugar de destaque mas havia pouca aceitação pela multidisciplinariedade. A artista descreveu este período como “uma travessia no deserto”.4 Manteve-se fiel às suas convicções, aproveitando o momento em que ainda vivia sem pressões, sem exposições e com maior liberdade, para desenvolver o seu trabalho. Helena Almeida é uma das artistas plásticas Portuguesas de maior destaque, tanto a nível nacional como internacional. Expôs colectivamente pela primeira vez, em 1961, na II Exposição Gulbenkian, e individualmente em 1967, na Galeria Buchholz, em Lisboa. Começou por desenvolver um percurso híbrido, juntando desenho, pintura e fotografia, enquanto o seu país se libertava de uma ditadura do pós-guerra e mergulhava na Revolução dos Cravos de 74, apresentada aos olhos do mundo e comemorada pela imprensa através de imagens de militares sorridentes segurando armas com os canos bloqueados por cravos vermelhos. Os mais de 30 anos do percurso desta artista plástica têm vindo a ser confirmados como portadores de uma linguagem altamente expressiva na qual as mais diversas disciplinas e atitudes convergem. Embora seja frequentemente considerada fotógrafa, o seu trabalho liga-se intimamente a outras áreas das artes plásticas, tais como a pintura e a escultura, devido ao meticuloso processo que adopta na elaboração das imagens bem como pelo uso de pigmentos e outros materiais que complementam as suas produções. 3

Helena Almeida em conversa com Maria Corral, AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 25 4 Helena Almeida em conversa com Maria Corral, AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 27

8

Helena Almeida – Traços Interiores

Alexandre Melo considera que no seu trabalho, a artista lida com as seguintes questões: Como é que o corpo e o movimento de um corpo – da artista – faz pintura ou desenho?; (...) como é que durante esse processo de fazer é o próprio corpo que se faz – isto é, se torna – pintura e desenho?; (...) e depois do corpo e do desenho terem atravessado as suas fronteiras em múltiplas direcções e terem experimentado variadíssimas formas de interacção – absorção, penetração, ocultação, habitação – o que é que fica para a arte que não seja só já marca da travessia de um corpo? ; (...) em que posição ficamos nós, os observadores, que afinal também temos o nosso próprio corpo?5 Na sua perspectiva, o trabalho de Helena Almeida trata em simultâneo alguns dos mais importantes dados de uma contemporaneidade balizada pelas experiências vanguardistas das décadas de 60 e 70. De acordo com Paulo Cunha e Silva, o trabalho de Helena Almeida pode ser descrito do seguinte modo: A-experiência-do-corpo-enquanto-experiência-do-mundo-enquantoexperiência-da-arte.6 É uma obra eminentemente experimental que reflecte sobre o corpo, sobre o mundo e sobre a arte em si mesma. Deste modo, o corpo de Helena Almeida confunde-se com o da arte e as telas podem ser habitadas. É uma obra sobre a experiência de si, a experiência do mundo e a experiência da arte. O corpo da artista confunde-se com o corpo da arte. Por isso as telas podem ser habitadas e ela pode estar aqui. O seu radicalismo experimental é um radicalismo presencial. (…) Esta radicalização da experiência-do-corpo-enquanto-experiência-do-mundo-enquanto-experiênciada-arte fá-la atravessar todos os domínios plásticos que podem representar um corpo. Não é pintora, não é fotógrafa, não é escultora, não é performer, não é videoasta. E no entanto é tudo isso, ora simultaneamente, ora alternadamente.7 A obra desta artista atravessa todos os domínios plásticos que permitem representar o corpo. É absolutamente transdisciplinar. Maria Filomena Molder afirma: (...) trata-se de imagens habitadas, como Helena Almeida disse dos desenhos e das pinturas, e essa habitação é como um acontecimento fisiológico, biológico, que para não fazer sofrer os espíritos mais sensíveis se pode traduzir por biografia, no sentido em que as imagens a constituem como autora, no sentido em que as obras contam uma história.8 5

Alexandre Melo, Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, Difel, 1998, p. 100

6

AAVV, Intus – Helena Almeida, Civilização Editora, 2005, p. 8 AAVV, Intus – Helena Almeida, Civilização Editora, 2005, p. 9 8 Alexandre Melo, Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, Difel, 1998, p. 100 7

9

Helena Almeida – Traços Interiores

Helena Almeida é uma das figuras de proa da arte contemporânea portuguesa. Tem vindo a expor um pouco por todo o mundo e encontra-se representada num grande número de colecções particulares e públicas, portuguesas e estrangeiras.

10

Helena Almeida – Traços Interiores

Exposições Individuais

1967 Galeria Buchholz, Lisboa 1968 Galeria Buchholz, Lisboa 1969 Galeria Buchholz, Lisboa 1969 Galeria Núcleo, Parede 1970 Galeria Quadrante, Lisboa 1971 Galeria D, Porto 1971 Galeria Ogiva, Óbidos 1971 Galeria Judite Dacruz, Lisboa 1972 Galeria Módulo, Porto 1972 Galeria Ogiva, Óbidos 1972 Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa 1973 Galeria São Mamede, Lisboa 1976 Desenhos Habitados, Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa 1976 Galeria Módulo, Porto 1978 1978 1978 1978

Galerie e+o Friedrich, Berna, Suíça Galerie Bama, Paris, França Galeria Módulo, Lisboa Galerie Drehschneibe, Berna, Suíça

1979 Galerie Horenbeck, Bruxelas, Bélgica 1979 Cooperativa Diferença, Lisboa 1980 Galerie e+o Friedrich, Berna, Suíça 1981 Galerie Bama, Paris, França 1982 Bienal de Veneza, Veneza, Itália 1983 Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1984 Galerie Dieter Tausch, Innsbrück, Áustria 1984 Cooperativa Diferença, Lisboa 1985 Galeria EMI – Valentim de Carvalho, Lisboa 1986 Galerie Kara, Génova, Itália 1987 Fundação Calouste Gulbenkian, CAMJAP, Lisboa

11

Helena Almeida – Traços Interiores

1988 Cooperativa Diferença, Lisboa 1988 Leal Senado, Macau 1989 Richard Demarco Gallery, Edimburgo, Escócia 1990 Galeria EMI – Valentim de Carvalho, Lisboa 1991 Centre d’Art de Saint Vicent Herblay, Paris, França 1991 Europália 91, Musée de Charleroi, Charleroi, Bélgica 1992 Galeria CAPC, Coimbra 1995 Fundação de Serralves, Porto 1996 Exposição de Desenho, Galeria EMI – Valentim de Carvalho, Lisboa 1997 Entrada Azul, Casa de América, Madrid, Espanha 1998 Dentro de Mim, Galeria Presença, Porto 1999 Centro de Arte das Caldas da Rainha, Caldas da Rainha 2000 Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, Espanha 2000 MEIAC – Museo Extremeño e Ibero Americano de Arte Contemporáneo, Badajoz, Espanha 2000 Galeria Estrany & de la Mota, Barcelona, Espanha 2001 A Experiência do Lugar, Porto 2001, Faculdade de Ciências, Porto 2001 Pintura Habitada and other works, 1975 – present, Thomas Erben Gallery, Nova Iorque, EUA 2001 Galeria Filomena Soares, Lisboa 2002 Seduzir, Galeria Helga de Alvear, Madrid, Espanha 2002 Seduzir, Galeria Presença, Porto 2004 Pés no Chão, Cabeça no Céu, Centro Cultural de Belém, Lisboa 2005 Trabalhos Recentes, Centre d’Art Santa Mònica, Barcelona, Espanha 2005 Bienal de Veneza, Veneza, Itália 2006 Intus, Fundação Calouste Gulbenkian, CAMJAP, Lisboa

12

Helena Almeida – Traços Interiores

Exposições Colectivas

1961 II Exposição de Artes Plásticas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1962 Salão de Maio, SNBA, Lisboa 1965 Salão de Desenho, SNBA, Lisboa 1966 Salão de Maio, SNBA, Lisboa 1966 Salão de Desenho, SNBA, Lisboa 1967 Novo Desenho, Galeria Quadrante, Lisboa 1967 II Exposição de Arte Moderna do Funchal, Funchal 1967 Salão de Belas-Artes, Coimbra 1968 Exposição de Artes Plásticas BPA, SNBA, Lisboa 1968 Salão de Vanguarda OM, SNBA, Lisboa 1969 Salão de Arte Moderna de Luanda, Angola 1969 Exposição de Artes Plásticas BPA, SNBA, Lisboa 1970 Galeria Ogiva, Óbidos 1971 Homenagem a Josefa de Óbidos, Galeria Ogiva, Óbidos 1971 Exposição da Colecção Gulbenkian, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1972 Exposição 72, SNBA, Lisboa 1972 Exposição do Centenário de Camões, Paris, Marselha e Lisboa 1972 AICA, SNBA, Lisboa 1973 1973 1973 1973 1973

26 Artistas de Hoje, SNBA, Lisboa 45 Pintores Portugueses, Barcelona, Espanha 9x5, Galeria Ogiva, Óbidos Exposição 73, SNBA, Lisboa Leilão da Associação de Escritores Portugueses, SNBA, Lisboa

1974 Painel da Liberdade, Galeria Belém, Lisboa 1974 AICA, SNBA, Lisboa 1974 Salão 74, SNBA, Lisboa 1975 1975 1975 1976

Homenagem a Bosch, Museu de Arte Antiga, Lisboa Prémio Miró, Barcelona, Espanha Figuração Hoje, SNBA, Lisboa Festival de Abril, Centro Cultural dos Estudantes, Belgrado, Sérvia

1976 Arte Moderna Portuguesa, Lund, Roma e Paris 1976 Photography as Art, Fotoforum, Kassel, Alemanha

13

Helena Almeida – Traços Interiores

1976 1976 1976 1976

Galeria Número, Veneza, Itália AICA, SNBA, Lisboa Bienal de Cagnes-sur-Mer Bienal Internacional de Debuxo Original, Rijeka

1977 VII Encontro Internacional de Vídeo, CAYC, Barcelona, Espanha 1977 Photography as Art – Art as Photography II, Fotoforum, Kassel, Alemanha 1977 A Fotografia na Arte Portuguesa, Museu Soares dos Reis, Porto 1977 Alternativa Zero, Galeria de Belém, Lisboa 1977 O Papel como Suporte na Arte, SNBA, Lisboa 1977 Copier-Recopier, Galeria Gaetan, Génova, Itália 1977 Allen Street Gallery, Dallas, EUA 1977 Itinerant and Ephemeral, Bruxelas e Antuérpia, Bélgica 1977 Junij 78 – Homenagem a Marcel Duchamp, Centro de Arte, Liubliana, Eslovénia 1977 Biennale Européenne de la Gravure, Mulhouse, França 1977 Bibliothèque National de Paris, Paris, França 1977 XII Bienal de Gravura de Libliana, Liubliana, Eslovénia 1977 Art 8’77, Basileia, Suiça 1977 Feira de Arte de Bolonha, Itália 1977 Feira Internacional de Colónia, Colónia, Alemanha 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978

18 x 18, Galeria Grafil, Lisboa e Porto A Small Self-Portrait, Art Core Gallery, Kyoto, Osaka e Nagoya, Japão Junij Group, Centro de Arte, Liubliana, Eslovénia Sommerausstellung, Galerie e+o Friedrich, Berna, Suíça Prealables, Galerie Horenbeeck, Bruxelas, Bélgica Panorama das Galerias, Galeria de Belém, Lisboa Enrichissements, Biblioteca Nacional de Paris, Paris, França Laboratório, Prática e Teoria della Comunicazione, Milão, Itália Norwegian Internatinal Print Biennal, Fredrickstad, Noruega

1979 Photography as Art, Institute of Contemporary Arts, Londres, Reino Unido 1979 Semana de Arte Contemporáneo, Museo Vostell Malpartida, Cárceres, Espanha 1979 Vostell Malpartida, Cárceres, Espanha 1979 Lis ’79, Lisboa 1979 Europa ’79, Estugarda, Alemanha 1979 Feminie Dialogue ’79, UNESCO, Paris, França 1979 Galeria Pécsi, Pécs, Hungria 1979 11th International Biennal, Exhibition of Prints Tóquio, Japão 1979 Bienal de São Paulo, São Paulo, Brasil 1980 Group Junij, Hommage à Giorgio de Chirico, Liubliana, Sarajevo, Belgrado, Viena, Milão, Bruxelas e Londres 1980 III Tokyo Video Festival, Tóquio, Japão 1980 Portuguese Art Video, Corrobree Gallery, Iowa, EUA

14

Helena Almeida – Traços Interiores

1980 Photography as Art-Art as Photography II, Fotoforum, Kassel, Alemanha e Paris, França 1980 International Impact Art Festival ’80, Centro de Arte Internacional de Kyoto, Kyoto, Japão 1980 Exposição Internacional de Desenho, Gallery Pécsi, Budapeste, Hungria 1980 Stadtmuseum, Munique, Alemanha 1980 Biennale Européenne de la Gravure, Mulhouse, França 1980 Norwegian Internatinal Print Biennal, Fredrickstad, Noruega 1980 Bienal de Vila Nova de Ceveira, Vila Nova de Cerveira 1981 Portuguese Video Art, Gallery of New Concepts, University of Iowa, EUA 1981 Line, Gallery Pécsi, Budapeste, Hungria 1981 25 Artistas Portugueses de Hoje, Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, Brasil 1981 V Trienal da Índia, Nova Deli, Índia 1981 Sécession de Vienne, Viena, Áustria 1981 II Trienal Internacional de Desenho, Wroclaw 1981, Wroclaw, Polónia 1981 Artists Books, CDAA, Barcelona, Espanha 1981 Du Livre, Galerie Declinaisons, Musée de Beaux-Arts de Rouen, França 1081 Bibliothèque National et École de Beaux-Arts de Rouen 1981 Medium Photography, Galerie e+o Friedrich, Berna, Suíça 1981 XIV International Biennal of Graphic Art, Baden Baden, Heidelberg 1981 Livres d’art et d’artistes, Galerie Nicole Rousset Altounian, Paris, França 1982 10 Expanded Photographers, Kunstwerstatt, Munique, Alemanha 1982 L’immagine immediata, Studio Alpha, Bergamo, Itália 1982 Livres d’artistes / livres objects, Maison de la Culture, St. Étienne, França 1982 Livres d’art et d’artistes, 2éme Manifeste du Livre d’artiste, Centre Georges Pompidou, Paris, França 1982 II Trienal de Desenho, Wroclaw 82, Wroclaw, Polónia 1982 10 Expanded Photographers, Kunstwerkstatt, Munique, Alemanha 1982 Biennale di Venezia ’82, Veneza, Itália 1982 Drawing’82, Gallery Pécsi, Budapeste, Hungria 1983 The Landscape, Gallery Pécsi, Budapeste, Hungria 1984 1984 1984 1984

3 Days x 10 Artists, Gallery 610, Tóquio, Japão 1984: O Futuro é Já Hoje?, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa Drawing’84, Gallery Pécsi, Budapeste, Hungria L’object Culturel, Centre Culturel des Prémontrés, Pont-a-Mousson, França 1984 Art 15 / 84 Basel, Basel, Suiça 1984 Bienal de Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Cerveira 1985 Kunst mit Eigen-Sinn, Museum des 20 Jahrhunderts, Viena, Austria

15

Helena Almeida – Traços Interiores

1985 Livres d’Artistes, Centre Georges Pompidou, Paris, França 1985 Exposição de Gravura Portuguesa Contemporânea, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Brasil 1985 Colecção Internacional de Arte Junij, Liubliana, Eslovénia 1985 International Biennial of Graphic Art Ljubljana/85, Liubliana, Eslovénia 1986 Biennale Européenne de la Gravure, Mulhouse, França 1986 Prémio Internacionale “Do Forni”, Centro Int. Della Grafica di Venezia, Veneza, Itália 1986 Art of Today, International Young Artist’s Club, Budapeste, Hungria 1986 Le XXéme au Portugal, Centre Albert Borschette, Bruxelas, Bélgica 1986 Informationalsculture, Richard Krieshe, Nações Unidas, EUA 1986 International Center Vienna, Viena, Áustria 1986 I Exposição Internacional de Esculturas Efémeras, Fundação Demócrito Rocha, Fortaleza, Ceará, Brasil 1986 Exposição AICA-PHILAE’86, SNBA, Lisboa 1986 III Exposição de Artes Plásticas, Fundação Calouste Gulbenkian Lisboa 1986 Livres Sans Paroles, Museu de Bellerive, Zurique, Suíça 1986 Exposição da Cooperativa Árvore, Bordéus, França 1987 Arte Contemporáneo Portugués, Museo de Arte Contemporáneo de Madrid, Espanha 1987 Artpool’s, Museum of Fine Arts, Budapeste, Hungria 1987 Veinte Artistas de la Colección del Museo, Museu Vostell Malpartida, Cáceres, Espanha 1987 70-80 Art in Portugal, Museu de História, Filadélfia, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro 1987 Donaufestival “Hinter den Waenden” Viena, Austria 1987 Fotoporto, Casa de Serralves, Porto 1988 1988 1988 1988

Hinter der Wanden, Donaufestival, Viena, Áustria Lisbonne Aujourd’hui, Musée de Toulon, França Fotoporto, Fundação de Serralves, Porto Donna/Art Women/Art, Palace Stelline, Milão, Itália

1991 Parlamento Europeu, SNBA, Lisboa 1992 1992 1992 1992

Bienal dos Açores Olho por Olho, Galeria Ether, Lisboa Colecção FLAD, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa Arte Portuguesa 92, Osnabrück, Alemanha

1993 Western Lines, Hara Museum, Tóquio, Japão 1993 Tradición, Vanguarda e Modernidade do Século XX Portugués, Auditório de Galicia, Santiago de Compostela, Espanha 1994 O Rosto e a Máscara, Centro Cultural de Belém, Lisboa 1994 Anos 60 – Anos de Ruptura, Palácio Galveias, Lisboa 1994 13 Artistas Contemporâneos, Palácio Nacional de Sintra, Sintra

16

Helena Almeida – Traços Interiores

1994 Fragmentos para um Museu Imaginário, Fundação Serralves, Porto 1994 Desenhos Contemporâneos a partir do Inframince, Museu Rafael Bordalo Pinheiro, Lisboa 1995 Extremo Occidente, Espaço Rekalde, Bilbao, Espanha 1995 II Colecção da Caixa Geral de Depósitos, Lisboa 1995 MEIAC – Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz, Espanha 1995 Revisões – Antevisões, Galeria Valentim de Carvalho, Lisboa 1995 Roentgeniser, Remscheid, Alemanha 1995 Salon d’Art Contemporaine, Centre Culturel de Montrouge, França 1995 O Desenho do Desenho, Casa da Cerca, Almada 1996 The Event Horizon, The Irish Museum of Modern Art, Dublin, Irlanda 1996 O Corpo e Eu, Galeria André Viana, Porto 1996 Metro – A Arte que Lisboa não Viu, Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa 1996 Não às Naturezas-mortas, Amnistia Internacional, Galeria Mitra, Lisboa 1996 Hors Catalogue, Maison de la Culture d’Amiens, Amiens, França 1996 Ecos de la Materia, MEIAC, Badajoz, Espanha 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997 1997

From Here to There, Fundação Calouste Gulbenkian, CAMJAP, Lisboa Portfolio I, Galeria Alda Cortês, Lisboa Livro de Viagens, 49, Frankfurt Buchmesse, Frankfurt, Alemanha Ecos de la Materia, Els Atarazanas, Valência, Espanha Colecção José Augusto França, Museu do Chiado, Lisboa Festival Internacional de Arte de Medellín, Colômbia A arte, o Artista e o Outro, Fundação Cupertino de Miranda, Vila Nova de Famalicão Perspectiva: Alternativa Zero, Fundação de Serralves, Porto Marca Madeira 97, Funchal III Foro Atlántico de Arte Contemporánea, Corunha, Espanha Interior / Exterior, Galeria Municipal do Convento Espírito Santo, Loulé Anatomias Contemporâneas, Fundição de Oeiras, Oeiras Una Película de Piel III, Galeria Marisa Marimón, Ourense, Espanha 5ª Bienal Internacional de Istanbul, Istanbul, Turquia

1998 Arte Portuguesa desde 1960, Fundación Pedro Barrié de la Maza, La Coruña, Espanha 1998 Perspectiva: Alternativa Zero, Galeria Bianca, Palermo, Itália 1998 Um Farol é um Lugar Triste e Alegre, Akademie der Künste, Berlim, Alemanha 1998 Livro de Viagens, Centro Cultural de Belém, Lisboa 1998 Colección permanente – novas incorporaciones, Colecção CGAC – Fundação ARCO, Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, Espanha 1999 Linhas de Sombra, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1999 Ragtime Hands as a Metaphor, Galeria Estrany & de la Mota, Barcelona, Espanha

17

Helena Almeida – Traços Interiores

1999 Ragtime Hands as a Metaphor, Galeria Helga de Alvear, Madrid, Espanha 1999 A Indisciplina do Desenho, Museu de Aveiro, Fundação Cupertino de Miranda – Vila Nova de Famalicão e Museu José Malhoa – Caldas da Rainha 1999 A Geração Médica de 1911, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1999 Os Auto-retratos da Colecção CAMJAP, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1999 Livro de Viagens, Centro Português de Fotografia, Porto 1999 Circa 1968, Museu de Serralves, Porto 1999 O Corpo Maior, Galeria Presença, Porto 1999 Looking for a Place, III Internacional Biennal, Santa Fé, EUA 2000 Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, Espanha 2000 MEIAC, Badajoz, Espanha 2000 Prémios EDP – Desenho/Pintura 2000, Palácio da Ajuda, Lisboa 2000 Brasil 2000, Culturgest, Lisboa 2000 Die Verletzte Diva, Galerie im Taxispalais, Innsbrück, Áustria 2000 Galeria Mário Sequeira, Tibães, Braga 2000 Galeria Diferença – Helena Almeida, Luís Campos, Jorge Molder, Lisboa 2000 A Indisciplina do Desenho, IAC Lisboa, Lisboa 2000 Desenho: Helena Almeida, Gaëtan, Jorge Queiroz, Galeria Presença Porto 2000 Festival Internacional Pusan de Arte Contemporânea, Coreia do Sul 2000 Mnemosyne Project – Encontros de Fotografia de Coimbra, Coimbra 2001 Porto – Roterdão – Porto, Roterdão, Holanda 2001 Y que hace usted ahora?, Museu Vostell, Malpartida, Espanha 2001 A Experiência do Lugar, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto, Organização Porto 200 2001 New Portuguese Culture Festival 2001, Yerba Buena, Centre of the Arts, São Francisco, EUA 2001 Experimenta Design 2001, FIL, Parque das Nações, Lisboa 2001 Arte Portuguesa Contemporânea: Argumentos de Futuro. Caja San Fernardo, Sevilha, Espanha 2001 Aquisições e Doações Recentes 2000-2001, Museu do Chiado, Lisboa 2002 Art Basel Miami Beach, Stand Galería Helga de Alvear, Madrid, Espanha 2002 Paisages Contemporáneos, colección Helga de Alvear, Fundación Foto Colectania, Barcelona, Espanha 2002 Art Forum Berlin, Stand Galería Helga de Alvear, Madrid, Espanha 2002 Art 33 Basel, Basel, Stand Galería Helga de Alvear, Madrid, Espanha 2002 Galeria Nara Roesler, São Paulo, Brasil 2002 La Caución del Pirata, Centro Cultural de Andratx, Mallorca, Espanha 2002 Critérios Visíveis – 150 Anos de Fotografia, Centro Português de Fotografia, Porto 2002 Arte Público, Museu de Serralves, Porto

18

Helena Almeida – Traços Interiores

2002 Paisajes del Cuerpo, Ayuntamiento de Pamplona, Espanha 2002 Diferença e Conflito – O Século XX na Colecção do Museu do Chiado, Museu do Chiado, Lisboa 2002 Colecção da Fundação Coca-Cola, Culturgest, Lisboa 2002 Territórios Singulares na Colecção Berardo, Museu de Arte Contemporânea de Sintra, Sintra 2002 Zoom 1986-2002, Museu de Serralves, Porto 2002 Contemporary Art from Portugal, Banco Central Europeu, Frankfurt, Alemanha 2003 Colecção Nacional de Fotografia / MC, Fundació Foto Colectania, Barcelona, Espanha 2004 On Reason and Emotion, Biennale of Sydney, Sidney, Austrália 2004 Vidas Privadas – Fotografias de una Colección, Fundación Foto Colectania, Barcelona, Espanha 2004 Casa de Luz – Colección Mário Teixeira da Silva, Fundació Foto Colectania, Barcelona, Espanha 2005 Uma Extensão do Olhar – Colecção PLMJ, Centro de Artes Visuais, Coimbra 2005 A Fotografia na Colecção Berardo, Sintra Museu de Arte Moderna, Sintra 2005 Retratos – Obras da Colecção da Caixa Geral de Depósitos, Fundação Eugénio de Almeida, Vila Nova de Famalicão 2005 Prémio BES Photo 2004, Centro Cultural de Belém, Lisboa 2005 Colección de Fotografia Contemporánea de Telefónica, MARCO, Vigo, Espanha 2005 Skyshout, Auditório de Galicia, Santiago de Compostela, Espanha 2005 Portugal: Algumas Figuras, LAA, Cidade do México, México

19

Helena Almeida – Traços Interiores

Colecções Públicas e Privadas

Banco de Espanha, Madrid Banco Privado, Lisboa BES arte – Colecção Banco Espírito Santo, Lisboa Bibliothèque National de Paris, Paris Caixa Geral de Depósitos, Lisboa Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela Centro de Arte Contemporânea, Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto Centro de Fotografia Ordoñez Falcon, San Sebastian Colecção Berardo, Lisboa Fundación ARCO, Madrid Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa Fundação Coca-Cola, Espanha Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Lisboa Fundação PLMJ, Lisboa Fundação de Serralves, Porto Fundação Telefonica, Madrid Galeria Helga de Alvear, Madrid Galeria Mário Sequeira, Braga Galerie Bama, Paris Galerie Drehscheibe, Basilea Galerie e+o Friedrich, Berna Galleria Internove, Roma Hara Museum of Contemporary Art, Tóquio Hotel Archimédes, Bruxelas Museo Extremeno e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz Museu de Arte Contemporânea de Barcelona – MACBA, Barcelona Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid Museu de Arte Contemporânea, Lisboa Museu de Arte Contemporânea – Fortaleza de São Tiago, Funchal, Madeira Museu de Serralves, Porto Museu do Chiado, Lisboa Musac – Museo de Arte Contemporáneo, Castilla y León, Madrid Secretaria de Estado da Cultura, em depósito na Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, Porto The National Museum of Western Art, Tóquio

20

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Conceitos Gerais do Percurso Artístico de Helena Almeida – Caminhos Paralelos

É num contexto de instabilidade intelectual que atravessava todo o mundo ocidental e que em Portugal coincidiu com a queda do último império colonial, que surgem as primeiras obras de Helena Almeida. A artista emerge na década de 60 com desenhos nos quais o pensamento se fazia imagem, nos quais uma palavra dita se fazia ouvir; telas onde se manifestavam a ironia e o sarcasmo, desafiando o dogmatismo do movimento conceptual, a corrente “avant-garde” da época. Foi com este estado de espírito que Helena Almeida começou a fazer uso de todos os elementos que constituíam qualquer obra pictórica: tela, moldura, pigmento, pincelada... Uma leitura da pintura no seu grau zero. Uma fuga que se faz no estado presente. Um inventário sobre a forma grave e sentenciosa dos aforismos conceptuais que a artista desenvolve ao mesmo tempo que desenha a sua caricatura.9 Helena Almeida iniciou-se no circuito artístico profissional em 1961, na II Exposição Gulbenkian. Fez a sua primeira exposição individual em 1967, na Galeria Buchholz, em Lisboa, onde apresentou uma pintura abstracta, geométrica, na qual usou essencialmente o azul e o laranja, interrogando a natureza e função dos suportes e da moldura. Por esta altura já a sua pintura começava a querer “sair da tela”, através do deslize da moldura para fora do lugar da pintura. Constituía uma espécie de “pintura tridimensional”.10 Helena Almeida questiona directamente a pintura de cavalete ao construir cenografias onde as molduras, telas, grades e cores se desmancham e recompõem, ou onde o representável entra e sai volumetricamente do espaço da pintura, quebrando as fronteiras disciplinares. Helena Almeida realiza nestas obras do começo algo que será depois uma constante: a corporização da pintura. A tela, o suporte tradicional da pintura, é tratada como se fosse uma luva. Uma luva que no acto de a despirmos deixa ver o outro lado, mostrando as costuras e os cortes, o que corresponde à visão da estrutura e o trabalho do carpinteiro que é anterior e base da pintura.11 Nos anos 60 Helena Almeida começou a questionar os elementos materiais e conceptuais relativos à própria definição de pintura, a desmontar e desconstruir o próprio suporte do médium. Não abdica da sua representabilidade bidimensional mas cria uma nova exterioridade que 9

Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 26 Sem Título, 1967, p. 59 11 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 39 10

21

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

quebra uma certa tirania da pintura. Esta nova marca introduz laivos de personalidade na formulação de ideias e o campo de acção da expressão artística passa a ser o espaço dimensionado pelo sujeito criador. Nos anos seguintes começou a fazer instalações com utensílios de uso doméstico tais como flores de plástico e tule, bem como desenhos efectuados com colagens de fio de crina, que numa delicada mas intensa submissão à materialidade da linha, faziam coexistir o plano e o volume.12 Nas telas que expõe em 68 já é possível vislumbrar uma problematização do espaço à ‘maniera’ de Lúcio Fontana. Se pelos sulcos este último criava uma nova dimensão, Helena Almeida, não danificando o espaço da tela, continuava a mostrar o espaço que se estendia para lá da cor, com as costas da tela. O facto da natureza interventiva não mostrar agressividade para com o suporte é revelador de uma sensibilidade que não visa ferir o observador mas reposiciona-lo no espaço, quer pela inserção do fio de crina, quer pela inserção da cor, ou ainda por intuição dissociativa no espaço fotográfico. Ao fazê-lo tenta introduzir na bidimensionalidade uma espécie de “extradimensão”, pois o observador é desafiado a mover-se para abarcar a totalidade das questões evocadas, particularmente quando é usado fio de crina e ainda, de modo diferente, nas cenográficas “janelas cegas” que apresentam um gradeamento espacial nas costas das telas. A propósito destes trabalhos, Helena Almeida afirmou: Assim apresento estes trabalhos como uma janela que se abre, como uma persiana que se enrola, como um pano que se estende.13 As suas obras do final da década de 60 começaram a gerar uma nova forma de actividade artística, que funcionava como um receptáculo, como uma espécie de lugar onde se guardam ou juntam elementos de diferentes formatos. Esses trabalhos eram marcados por uma transformação da pintura na tela, bidimensional, numa pintura tridimensional. Helena Almeida produzia uma metamorfose com um sentido irónico, aludindo a Marcel Duchamp, como com as telas que mostram a grade, ou com as telas basculantes: Uma pintura que se abre no centro e se estende para fora como uma língua; (...) uma pintura (...) igualmente monocromática que se abre como uma janela, deixando ver a respectiva grade no seu interior; outra ainda que se recolhe como uma persiana, pondo a descoberto novamente a grade.14 Sem Título, de 1968,15 uma pintura monocromática, liberta-se da moldura e cola-se à parede como um batente de porta que roda em volta de uma 12

Sem Título, 1970, p. 59 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no C. G. de Arte Contemporânea, Xunta de Galicia, 2000, p. 19 14 AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 7 e 8 15 Sem Título, 1968, p. 60 13

22

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

dobradiça. A questão é que esta porta se abre para uma parede, revelando um impasse. Ao utilizar um monocromático, o que era considerado a audácia suprema da arte do século XX, abrindo para lado algum, Helena Almeida faz uma crítica bem clara ao conceptualismo. Em 1969 a artista corta um rectângulo no centro de uma tela monocromática e deixa-o pendurado à frente da moldura.16 Era como se a obra deitasse a língua de fora ao espectador que a observava. Trata-se de uma forma impertinente de tratar a dialéctica do interior e do exterior que inundava os ensaios da época. Ao fazer a pintura ganhar corpo e transbordar para o espaço do espectador, Helena Almeida denuncia o espaço bidimensional da tela como um espartilho, põe em causa a pintura como meio de representação. Fá-lo com humor e ironia, numa época, convém recordar, em que as disciplinas tradicionais e os modos convencionados de pensar e percepcionar a arte eram contestados de modo radical um pouco por todo o lado pelas vanguardas.17 Helena Almeida aponta o momento em que contactou com a obra de Lúcio Fontana como episódio transformador do seu percurso: Foi como se qualquer coisa se tivesse aberto à minha frente.18 De facto a sua obra aponta para um diálogo com a de Lúcio Fontana, evidenciando os limites físicos do plano da pintura e tentando criar, de certa forma, um outro espaço – um “espaço liminal”, um interstício sem nome, sem nada que não a expectativa de que algo se possa passar nesse espaço, que apesar de fisicamente perante o espectador, não é senão uma intuição de um outro lugar.19 Foi de Lúcio Fontana que retirou o sentido da perspectiva escondida – física e mental – que faz do quadro um lugar intersticial que constitui um marco de ironia. Também se liga a este artista pelo carácter indescritível da linguagem pictórica.20 Segundo Helena Almeida, as suas obras deste período eram pinturas. Mas já começava a querer que a pintura saísse, que a pintura caísse. Já tinha a grande tentação de pôr os trabalhos por cima de mim.21 Foi em 1969 que a artista se fez fotografar pela primeira vez pelo seu marido, Artur Rosa.22 Surge representada de corpo inteiro, a agarrar uma tela cor de rosa sobre o peito. Tela Rosa para Vestir pode constituir o fim de um período 16 17 18 19 20 21 22

Sem Título, 1969, p. 60 AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 8 Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, Lisboa, edição CCB, 2003, p. 19 Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, Lisboa, edição CCB, 2003, p. 19 Ángela Molina, Helena Almeida, Aprender a Ver, Porto, Mimesis, 2005, p. 11 Isabel Carlos, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 39 Tela Rosa para Vestir, 1969, p. 61

23

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

mais experimental e a passagem para um outro mais maduro logo, torna-se símbolo de uma mudança de gosto. Segundo Helena Almeida, a artista parte de uma linguagem familiar, e de modo progressivo, todos os elementos começaram a sair do quadro. A tela começou a auto destruir-se; nasceu a necessidade de acabar com ela: era uma espécie de negociação (...) sobre o fim da pintura.23 Tela Rosa para Vestir executa uma performance deambulatória semelhante à dos transportadores de publicidade que serpenteiam pelas ruas. A artista transporta uma tela monocromática sobre o peito. De cada lado da tela, os seus braços pendem, hermeticamente enfaixados, inúteis e inutilizáveis. Com uma mensagem fortemente irónica, a obra denuncia a impotência dos teóricos palradores e a esterilidade que marca o seu discurso. A artista rapidamente abandona esta denúncia pois a destruição da tela e do quadro parecia-lhe uma provocação inútil. Considerava que após as audácias reais dos anos 20, tal já estava integrado na ideologia da criação contemporânea. Para a artista, denunciar não era criar, e só lhe importavam os aspectos que ainda não havia visto, a abertura de um espaço.24 A pintura sai da tela, a tela converte-se numa figura antropomórfica. Comecei mesmo a colocar uma tela sobre mim, a vestir-me com ela. Eu era o meu trabalho. Não existia distinção entre a tela, o plano da tela e eu. Não havia distinção entre o exterior e o interior: o meu interior, o meu exterior era também o meu interior. Tudo estava em tudo, e eu compreendia isso, que era global. Que tudo estava em tudo, que a tela estava totalmente em mim da mesma forma que eu estava completamente na tela.25 Rapidamente a artista passou a “habitar dentro da obra”, a fazer dela a sua casa e corpo, criando uma forte relação entre o seu trabalho e uma certa atitude de performance. Estes seus primeiros trabalhos, segundo Miguel Fernández, director do Centro Galego de Arte Contemporânea, aludem a conceitos e questões que actualmente são centrais; como a visão que temos de nós próprios e a que temos do nosso corpo; as coincidências entre o pensamento, a escritura, a pintura, a acção e a fotografia; a confusão entre a realidade, a que alude ao representado e a que desvela a fotografia; a presença, o olhar e o quotidiano; a maneira poética de converter o suporte plástico numa abertura, evocando o lado metafórico implícito. Ángela Molina afirma ser impossível falar de Helena Almeida sem referir a sua capacidade de trabalhar o “espaço em branco na arte”, de transcender a ideia da própria existência – da própria morte. No seu trabalho é capaz de se transportar pelos espaços em branco, é “capaz de viver e reviver essa ruína, interiorizá-la, escutá-la no seu eco e 23

AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 19 Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 26 25 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 19 24

24

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

devolvê-la (...) a partir do olho”; o que nos conduz à descoberta da sua “diferença interna”, do seu “eu”.26 Na obra de Helena Almeida assiste-se ao transporte e à devolução da sua contemplação interior, do seu “eu” completo, que contempla a natureza até ao outro lado, até ao olho do espectador que na artista se reflecte. O espaço em branco de Helena Almeida relaciona-se com a violação do espaço tradicional da representação; é resultado da descrença que a pintura lhe causa enquanto dispositivo “cultural”. A sua obra assenta na ideia de pintura e em toda a sua tradição no entanto, a artista trespassa-a, renovando a compreensão que temos acerca do médium. Surge uma nova perspectiva, uma espécie de alteridade no acto de pintar. Helena Almeida abre zonas entre espaços, representa corpos em transição que passam de uma realidade para a outra, tal como quando inscreve – pincela – uma mancha de tinta sobre a fotografia, para depois a agarrar com a mão e a comer. Helena Almeida tem vindo a questionar constantemente os meios tradicionais da arte, quebrando todas as fronteiras disciplinares, sobretudo as da pintura. A sua reflexão tem sido acompanhada pela prática insistente da autorepresentação, que surge em retratos captados pelo seu marido, o arquitecto e escultor Artur Rosa. Desde os anos 70 a obra desta artista tem vindo a afirmar-se como portadora de uma eficaz confluência de disciplinas e atitudes. No seu percurso, esta década correspondeu ao “momento de estimulante consonância vanguardista internacional”.27 Fotografia, vídeo, performance, escultura, pintura e desenho conjugam-se numa prática artística cimentada pela auto-representação. Na obra desta artista tudo passa pelo seu corpo. A própria afirma “a minha arte é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra”.28 Na década de 70 a artista abandonou os métodos mais tradicionais de representação para se dedicar a toda uma série de práticas cujo ponto de partida era sempre o seu corpo. Na obra de Helena Almeida tudo começa dentro da artista, não de um ponto de vista psicológico, relativo a uma subjectividade que se expressa a si própria, mas sim num sentido performativo de um corpo que se apresenta. A artista fotografa-se manipulando a imagem resultante de modo a que represente mais do que a sua mera forma física.

26

Ángela Molina, Helena Almeida, Aprender a Ver, Porto, Mimesis, 2005, pp. 9 e 10 Alexandre Melo, Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, Difel, 1998, p. 100 28 Highbeam Web Research Center 27

25

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

A intenção de Helena Almeida é devolver o seu “corpo com toda a intuição artística, lúcida e dramática”.29 O corpo da artista e as imagens a ele inerentes não se desenvolvem como auto-retratos mas também não remetem para cenários dramáticos relativos a outros personagens ou figuras. As imagens de Helena Almeida surgem como uma presença reiterada de si própria. Nunca poderão ser vistas como descrições da sua existência ou representações de si própria pois nunca chegam a dizer nada sobre a natureza da artista. Combater a distância que na pintura existe entre ser e representação, a tirania do corpo ausente do pintor que passa a vida a representar outros corpos, ou então que cai noutra prisão: a do auto-retrato.30 Como não cria personagens mas também não produz auto-retratos, Helena Almeida nunca chega a dizer nada sobre o seu corpo físico, material. O seu corpo altera-se constantemente, desfigura-se, esconde-se por trás da pintura. A artista tornou-se modelo da sua própria obra, de forma a controlar eficazmente o cenário ilusório do seu trabalho fotográfico. É certo que o discurso criativo de Helena Almeida se baseia na autorepresentação no entanto, as suas obras não são meros auto-retratos, visto a artista aparecer como modelo, encenando facetas distintas da sua vida: como autora criadora ou como mãe, fazendo afirmações pessoais acerca das suas dúvidas pessoais. As sua composições consistem em cenas sequenciais encenadas de modo quase fílmico que se desenvolvem em espaços onde a artista toma como alvo preciso a sua subjectividade. Não são auto-retratos, pois não encontro neles a minha ‘subjectividade’ mas sim o meu ‘plural’ que faço comparecer numa espécie de cena.31 Apesar de expor o seu próprio corpo e a experiência pessoal a ele inerente, na base do seu trabalho artístico não há espaço para contos autobiográficos. Em vez disso a artista apresenta a sua fisionomia como único meio e propósito de comunicação, tal como pode ser observado em Ouve-me, de 1979.32 Nesta obra, apesar da exposição do rosto, e nomeadamente dos lábios, elemento mais sedutor a ocupar o papel central da composição, adquire-se uma sugestiva imolação devido aos fios de crina que laceram sistematicamente os lábios que se apresentam em diferentes configurações. Em Ouve-me, já não restam quaisquer vestígios da ironia e do humor dos primeiros trabalhos. A contenção desta obra é proporcional à contundência da denúncia e do apelo com que a artista interpela o espectador. Ao longo 29

AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 23 Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 8 31 AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 8 32 Ouve-me, 1979, p. 62 30

26

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

das dezasseis fotografias, sempre sob o mesmo enquadramento fotográfico, os lábios da artista, sobre os quais está escrita a palavra ‘ouve’, evoluem do mutismo inicial ao grito final. A palavra é desenhada sobre os lábios como se fosse uma costura, um aprisionamento da sua voz. O enquadramento fechado sobre o seu rosto agudiza a sensação de claustrofobia que se transmite ao espectador. Poderemos, num primeiro nível de leitura, entender esta obra como uma denúncia da condição da mulher numa sociedade sujeita às regras da dominação masculina. Mas talvez a possamos entender, porventura com mais propriedade, como uma reflexão sobre a condição do artista, a sua urgência e dificuldade em comunicar, sob o ruído criado pela ubiquidade do espectáculo mediático e das indústrias culturais.33 A artista e o seu corpo são sempre protagonistas: as suas formas, posturas e relações com os objectos envolventes e com o espaço do atelier são as categorias principais da interacção que a artista leva a cabo. Tal é bem visível em O Atelier, de 1983.34 Enquanto Helena Almeida se introduz na composição, os procedimentos pictóricos estão situados fora da imagem, sobre a fotografia a preto e branco. A auto-representação pelo uso da linguagem fotográfica é um meio de exploração dos próprios limites da representação; é necessário não esquecer que as suas origens coincidiram com o “boom” da arte performativa e o debate relativamente à arte dita conceptual. O trabalho de Helena Almeida pode ser visto como substituto das representações mais tradicionais da mulher. Na sua obra o corpo feminino já não é a personificação de aspectos históricos e mitológicos mais amplos; o meio fotográfico é usado para explorar a relação que existe entre a artista e o modelo e entre este e a imagem representada. Para uma mulher, falar sobre outra mulher não é uma descrição essencialista de como a mulher é, mas a descrição de como a mulher aparece, da sua imagem e do que ela simboliza. É nesta situação que Helena Almeida se coloca, para através da fotografia, falar dela mesma, da sua interioridade, uma interioridade que não revela, mas inquieta.35 Para a subtil exploração da relação entre mulher e imagem, Helena Almeida usou a noção de “habitado”. Ela fala-nos em “tela habitada”, “pintura habitada”, “desenho habitado”. A imagem em cujo espaço complexo a artista se inscreve torna-se aparentemente um espaço indispensável para as mulheres. Num sentido imaginário é um espaço “habitado” por mulheres, mas também representa um espaço de supressão, de clausura do qual a mulher deseja escapar. A artista usa o seu próprio corpo como tema de trabalho, afirmando que se ela própria se encontra no atelier, não faz sentido contratar um modelo. 33

AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 9 O Atelier, 1983, p. 63 35 Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 24 34

27

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Não ia contratar um modelo quando me tenho a mim no atelier. Além disso, eu é que sei quais são as posições em que me devo colocar ou quais as atitudes que devo assumir e como é que devo conceber o cenário. Faço o cenário e coloco-me nele exactamente como eu quero e com a expressão que desejo. Mas não sou eu. É como se fosse outra pessoa, é, no fundo, a busca do outro, é o outro que lá está.36 Helena Almeida cria uma composição prévia e em seguida faz-se fotografar tal como visionou, com a expressão que pretende. Afirma, no entanto, não ser ela propriamente, mas ela como se fosse qualquer outra pessoa. Também nas obras de Helena Almeida, a artista não encarna nenhuma personagem. Faz do seu próprio corpo veículo e superfície de significação para construir uma imagem.37 A artista altera e desfigura o seu corpo ao apresenta-lo como um objecto indistinguível com massa e volume. As pinceladas que por vezes emprega sobre a superfície fotográfica prolongam, estendem ou penetram o seu próprio corpo. Ao usar cores com um significado muito pessoal a artista preenche o acto de pintar com um determinado sentido próprio. Helena Almeida tem vindo a criar compulsivamente séries de fotografias a preto e branco nas quais se faz sempre representar. As imagens são sempre captadas no seu atelier e constituem registos de momentos de acção relativos à pintura ou ao desenho. Não remetem para pintura ou para o desenho do ponto de vista mais tradicional, mas sim através de acções que transformam movimentos em obras de arte. Trata-se de acções que evoluem não por uma lógica romanesca mas por uma lógica de continuidade, (…) restando-nos então ficarmos suspensos nas imagens e sem uma história para poder contar.38 Estudo para um Enriquecimento Interior, de 1977-78,39 ilustra claramente a forma como os processos pictóricos se tornam uma componente física do próprio corpo. A série de seis fotografias retrata a artista segurando um pincel com tinta azul e em seguida erguendo-o e ingerindo tinta. Esta é então expulsa do seu corpo pelo choro. O azul, cor que Helena Almeida identifica com as questões do espaço e com a meditação, leva o espectador a reflectir sobre os processos pictóricos e sobre o papel que a criação tem na mente e no corpo da artista. Esta obra sugere que o espaço criativo também pode ser físico. Com Estudo para um Enriquecimento Interior a artista prossegue na pintura os processos iniciados com o desenho, embora de forma inversa. Se no

36

H. Almeida, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 41 Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 18 38 Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 18 39 Estudo para um Enriquecimento Interior, 1977-78, p. 64 37

28

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

desenho o processo de transferência se desenvolvia do presente para o passado, aqui surge ao contrário. A pincelada azul sobre a fotografia é realizada pela artista que em seguida pega na mancha e engole-a, incorporando-a. Helena Almeida “comunga” a pintura redimensionada como tinta. Destaca-se o facto de não ter usado qualquer artifício; a pincelada de tinta é uma clara deposição posterior sobre a fotografia a preto e branco, à semelhança do que fez Fernando Calhau nas obras Materialização de um Quadrado Imaginário e Destruição. Em Estudo para um Enriquecimento Interior é evidenciado um possível fim da pintura. A “transformação do ‘corpo’ num ‘corpo artístico’ está ao mesmo nível simbólico da possibilidade de deglutir a pintura, para chorar o mesmo azul que, assim, atravessa o corpo”.40 Não era uma novidade o facto dos artistas usarem o seu próprio corpo nas suas obras no entanto, a transformação particular que Helena Almeida opera no seu corpo, fazendo com que passe de tema a objecto puro, bem como as implicações dessa transição, constituem conceitos que já reportam para uma história bem mais recente. (...) como também o que faço é dominantemente corporal, tive que acautelar muitas coisas e aprender comigo toda a linguagem do corpo, do meu corpo, porque era através dele que eu queria, e quero, exprimir-me. O inclinar da cabeça, o levantar de um pé, o esticar de um braço, também tem um significado que não pode ser deixado ao acaso. O meu corpo é como um baú, um recipiente de emoções, de lembranças, que as pessoas (e eu também) podem encher, esvaziar, transferir para aquele corpo.41 As obras de Helena Almeida evidenciam um jogo ambíguo entre as relações físicas e visuais que demonstra o facto da prática artística não poder ser desvinculada do seu criador, contrariamente a outras propostas que defendiam a necessidade de uma distância narrativa no processo criativo. A opção pessoal da artista foi adoptar algumas das formas do “accionismo” dos anos 60 e 70, que tinham o artista enquanto elemento expressivo central. Em Estudo para um Enriquecimento Interior é possível reconhecer o rosto da artista. Mas mais do que um auto-retrato talvez seja possível ver esta obra como uma qualquer imagem de uma mulher que se transforma numa pintura. Segurando a pintura, comendo a pintura, chorando a pintura, ela própria é pintura. A busca contínua pelo auto-conhecimento, atitude que a artista confirma em diversas entrevistas, decorre em paralelo com uma procura dos limites e fronteiras dos géneros artísticos, usando o seu próprio corpo.

40 41

Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, Lisboa, edição CCB, 2003, p. 23 AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 5

29

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

O corpo é o local onde todos os limites se confrontam. O limite do corpo em si, mas também o limite das diversas disciplinas artísticas. Helena Almeida afirma: Eu vejo sempre a minha figura como um objecto – ao representar-me passo de sujeito a objecto.42 Em Pintura Habitada, de 1975,43 a artista representa-se de costas, segurando um pincel, enquanto o seu rosto e figura surgem reflectidos num espelho mais amplo do que a superfície da imagem. Esta é uma série de onze instantâneos a preto e branco onde a artista se faz representar numa espécie de alusão ao jogo formal e conceptual do quadro Las Ninãs de Velásquez. Trata a pintura dentro de uma pintura, a pintura como objecto de reflexão do artista, o diálogo entre o autor e seu modelo, ou a ideia de um auto-retrato que simultaneamente se nega. A acção decorre dentro de espaços que correspondem a diferentes intervalos da realidade; estes parecem confundirse com a imaginação criadora. A artista é representada focada e em seguida desfocada. Iluminada por uma luz dramática, não encara o espectador, pois tudo à sua volta o impede. Pinceladas azuis que parecem ter sido executadas pelo seu “eu fotográfico” cobrem parte da superfície preta e branca da fotografia, chegando por vezes a obliterar o rosto ou outras regiões do corpo da artista. Nesta obra fundamental Helena Almeida combina fotografia e pintura, explorando a tensão formal entre a “planitude” factual da pintura acrílica e a noção ilusória de espaço dada pela fotografia. Pintura Habitada de 1975 é uma obra de grande riqueza gestual. É usado um mínimo de recursos, num atalho pessoal que se situa entre o expressionismo e o minimalismo – este processo funciona igualmente bem quando a artista faz uso do traço do desenho. Na obra desta artista dá-se uma mudança de lugar da pintura em relação à pintora; a artista coloca-se no interior da tela e a cor é posta fora dela – por exemplo nas séries de “telas habitadas”. Tal pode associar-se a uma imagem que a artista havia visto, da Terra fotografada da Lua.44 Criado no contexto do movimento feminista da década de 70, o trabalho de Helena Almeida reflecte ideias então actuais, acerca da representação do ser, e injecta-as no domínio cultural da pintura. Nos seus cenários performativos a artista lida com o espaço precário da representação ao explorar os limites da imagem através de diversas 42

Highbeam Web Research Center Pintura Habitada, 1975, p. 65 44 Helena Almeida em conversa com M. Corral, AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 21 43

30

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

linguagens. Helena Almeida reflecte sobre as transições subtis entre objecto e a sua representação, entre o espaço ilusório da fotografia e a superfície pintada. Tanto em Estudo para um Enriquecimento Interior como em Pintura Habitada Helena Almeida explora as noções de ‘Eu’, ‘Corpo’ e ‘Mente’, ao investigar e expor as limitações e possibilidades tanto da pintura como da fotografia. A contemporânea Austríaca de Helena Almeida, Valie Export, baseava-se de forma similar em motivos pictóricos para adicionar às suas fotografias uma outra camada visceral, psicológica. No entanto, Valie Export interpreta o seu corpo como uma espécie de paisagem urbana, retirando-lhe as suas camadas físicas e metafísicas através de acções provocatórias, dolorosas ou mesmo humilhantes. Em contraste, Helena Almeida trata o corpo de forma vigilante e responsável. A artista emprega o seu corpo como veículo de revelação das suas preocupações formalistas abstractas. É de salientar que cria as suas imagens na intimidade do atelier. Para ela este funciona como um laboratório, onde testa teorias e verdades com o seu “cúmplice” Artur Rosa. Helena Almeida elegeu como local de trabalho o atelier de Campo de Ourique que pertencera a seu pai, Leopoldo Almeida. Um espaço amplo, sereno, acolhedor, bem iluminado por uma clarabóia, apesar de frugal na decoração, de forma a não haver motivo para distracções.45 A artista frequentou o atelier desde os seus dez anos, nos finais da década de 40, inicialmente para posar para as esculturas de seu pai, em seguida para realizar a sua tese e começar a trabalhar, por cedência do mesmo. Helena Almeida conservou o atelier e considera-o sua casa.46 O espaço do atelier, com os seus pontos de referência e a sua arquitectura, dá-lhe liberdade para criar. Tudo o que a envolve leva-a a um maior estado de concentração, a um trabalho mais profundo e de grande clareza. Através do seu atelier Helena Almeida “questiona o sentido de outros espaços e habita-os com a representação coreografada do seu corpo”, de modo sistemático e continuado.47 O atelier e o espaço adquirem uma importância fulcral. Além de recriarem as diferentes dimensões que a obra pode ocupar num eixo cartesiano fictício, reiteram e interpenetram a imagem com o fantasma do duplo que se faz representar. Mais do trabalho ética do também 45 46 47

que criar obras para um espaço, este vê-se domesticado para o a que dá vida, pelo que o atelier se transforma numa integração círculo de intimidade. Este círculo é fechado pelo seu marido, que tem formação artística, apesar de Helena Almeida já ter deixado

Intus, Vídeo RTP2 Helena Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 32 Helena Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 27

31

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

claro que os aspectos técnicos da fotografia não são particularmente importantes. Talvez se possa acrescentar ainda, que uma mão pouco adestrada na fotografia se torna ainda mais maleável, ou mesmo mais interessante em termos pictóricos. No catálogo da exposição Pés no Chão, Cabeça no Céu, Delfim Sardo falanos de uma possível metáfora no percurso de Helena Almeida, relatada por esta quando afirma que com dez, onze anos, posava como modelo para seu pai, no mesmo atelier em que hoje trabalha e continua a posar, embora hoje em dia não saiba para quem. Colocam-se as questões: para quem posa Helena Almeida? Para o homem em frente a ela, que dispara a máquina fotográfica, ou para nós, que assistimos a toda a cena?48 É certo que hoje em dia é fotografada por Artur Rosa. É ele quem capta a sua imagem no momento, circunstância, e lugar determinado. Talvez o “fotógrafo” possa surgir associado ao espectador, talvez seja ele a alteridade do espectador. Nos anos 70 a artista começou a inserir nas suas obras elementos exteriores à fotografia, alheios à sua bidimensionalidade. Com a introdução de fio de crina, Helena Almeida inicia as suas séries de “desenhos habitados”. A artista fez com que o “desenho se materializasse, saísse e se convertesse num elemento sólido, e que as pessoas pudessem estar dentro dele”.49 O fio de crina e a tinta, elementos justapostos e “estranhos” relativamente à imagem fotográfica, repetiram-se ao longo de toda a década de 70. De um modo sistemático, a artista esgota todas as possibilidades desta via. Manipula a pintura de todas as maneiras possíveis, confrontando o espaço com o espectador. Numa exposição que realiza em Julho de 1978, na Galeria Módulo, no Porto, a artista mostrou fotografias de mãos no acto de desenhar nas quais o traço, que se assumia que tivesse sido feito pela caneta, era autonomizado. No prefácio do catálogo que acompanhou a exposição, Helena Almeida afirma sobre o seu trabalho: Tentar abrir um espaço, sair custe o que custar, é um sentimento muito forte nos meus trabalhos. Passou a ser uma questão de condenação e de sobrevivência. (...). De toda a maneira, já consegui sair pela ponta dos meus dedos.50

48

Delfim Sardo, Catálogo da exposição Helena Almeida, Pés no Chão Cabeça no Céu, edição CCB, 2003, p. 15 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 23 50 AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 27 49

32

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Em 1988, no nº 76 da revista Colóquio, Liliane Touraine faz uma analogia entre a frase anterior e um poema de Pierre Alain Birot, Poème à l’autre moi, que foi escrito a propósito de uma exposição. Liliane Touraine cita um excerto que realça a intensidade da vertigem que se apodera do artista no momento da criação: ... enroulement de spirales surfaces organisées en noir et blanc et pourtant je viens de m'entendre respirer est-ce bien un dessin, est-ce bien moi...51 Touraine afirma que na obra de Helena Almeida o desejo de uma interpretação espacial pessoal se mistura intimamente com uma questão existencial acerca da realidade dos seres e das coisas. Questões que preocupam todos os que ousam pensar livremente. A artista afirma que a tela, o papel ou qualquer outro suporte nunca a abandonaram totalmente: Nunca fiz as pazes com a tela, o papel ou qualquer outro suporte. Creio que o que me fez sair do suporte, através de volumes, fios e de muitas outras formas, foi sempre uma grande insatisfação em relação aos problemas do espaço. Quer enfrentando-os quer negando-os, eles têm sido a verdadeira constante de todos os meus trabalhos.52 A evolução dos processos de tradução do espaço pictórico foi um aspecto privilegiado pelos artistas Portugueses do século XX. Foram vários os artistas que seguindo essa linha afirmaram a sua identidade. Nas séries Desenho Habitado, da década de 70, Helena Almeida desenha directamente sobre fotografias de si própria, criando uma espécie de “corpo ficcional”. Como a própria afirma: Tornar-me num desenho: O meu corpo ser um desenho; eu ser o meu trabalho – era o que eu perseguia”. Quando se risca sobre uma folha de papel há zonas vibrantes dentro do desenho e por isso só o desenho não chega. Logo tem que entrar outra dimensão, outra linguagem.53 O resultado desta busca é uma abordagem fascinante ao desenho como meio de expressão ilimitado que tudo abarca. Desenho Habitado é uma série fotográfica de 197754 composta por 6 imagens a preto e branco, cada uma sensivelmente com 42 centímetros por 52 centímetros de dimensão. Na primeira fotografia da série a artista segura uma caneta, tendo aparentemente desenhado uma longa linha através de um vasto campo branco composto por papel de desenho. 51 52 53 54

Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 23 AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 27 AAVV, Intus – Helena Almeida, Civilização Editora, 2005, p.48 Desenho Habitado, 1977, p. 66

33

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Na segunda imagem a caneta já não se faz presente. A artista parece segurar a ponta da linha entre o polegar e o indicador. Nas imagens seguintes um fio muito fino de crina de cavalo, que é a extensão tridimensional da linha desenhada, surge no fim desta saindo de um pequeno furo no papel de desenho. Destacando-se do papel, o fio de crina enrola-se no polegar da artista. Helena Almeida começa a rodar a sua mão na direcção do espectador, como que arrancando a linha ao próprio desenho, ou seja, a extensão da linha desenhada diminui progressivamente enquanto o comprimento do fio de crina aumenta. A artista dá vida ao desenho, resgata a linha às duas dimensões. Na quinta imagem já a dimensão de linha desenhada é muito pequena e finalmente, na última imagem, inexistente. O fio de crina surge enrolado no dedo indicador da artista e pende. Nesta série é a luz que cria uma sensação de profundidade, contribuindo visualmente para que a linha recta forme um corpo visual escultórico. Para além de permitir ao traço tornar-se tridimensional, permite também que este salte do papel, libertando e habitando o desenho. As fotografias de Sente-me, de 1979,55 cada uma aproximadamente com 50 centímetros por 75 centímetros de dimensão, demonstram uma eloquência similar às da série anteriormente referida. Duas mãos em atitude de oração surgem amarradas por cordel. Nesta sequência as mãos falham na tentativa de alcançar um pincel, uma tesoura, um lápis e por fim uma faca. No que respeita às mãos destaca-se um conjunto de símbolos ancestrais que de forma mais ou menos explícita se manifestam no trabalho de Helena Almeida. Recordando a sua formação académica na área da pintura, a mão é por excelência a via pela qual se transmite o pensamento à matéria; é sinal de poder sobre a natureza e marca da auto-suficiência no meio social onde se estabelece. Em Estudo para Dois Espaço, de 1977,56 pelo aparecimento da mão no meio de diversos tipos de gradeamento, a artista apresenta-nos um conjunto de situações alusivas a uma forma de clausura. Esta clausura circunscreve-se ao espaço ocupado pela dimensão evocativa do símbolo que se faz contemplar. A obra de Helena Almeida reflecte sobre o acto de pintar, os materiais, os gestos e os espaços físicos que compõem a pintura. A artista capta a memória das suas acções no atelier, em fotografias a preto e branco, criando 55 56

Sente-me, 1979, p. 67 Estudo para Dois Espaços, 1977, p. 68 e 69

34

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

uma espécie de teatro estético, existencial, que exibe as relações de dependência entre o corpo e a representação artística. Em Pintura Habitada, de 1975-76,57 e Desenho Habitado, de 1975,58 a artista auto-representa-se a “pintar” ou a “desenhar”. Nas suas mãos segura o pincel ou a caneta de onde brotam fluxos de tinta azul ou de fio de crina negro que surgem sobre a superfície fotográfica ou mesmo erguendo-se da mesma. Tanto a tinta como o fio de crina são elementos que possuem uma presença física real, destacando-se da superfície bidimensional da fotografia. Em Desenho Habitado de 1975 a dualidade estabelece-se; o sorriso encoberto e sensual da autora dota a obra de uma fluidez semântica, introduzindo-lhe a casualidade de uma brincadeira, de um traço que se desenha no exterior. Com as séries Pintura Habitada e Desenho Habitado Helena Almeida demonstrou uma reflexão intensa sobre os efeitos da representação da sua própria imagem bem como uma preocupação profunda em “tentar abrir um espaço, custe o que custar”. A título de exemplo destaca-se Tela Habitada, de 1976,59 obra na qual a artista representa e utiliza o seu próprio corpo numa série de imagens que simulam a tentativa de romper uma tela, que nunca chega a ser conseguida. Em Corte Secreto, de 1981,60 ainda é a representação do rasgão que organiza a “entrada” da artista no espaço pictórico. A artista questiona e desconstrói constantemente o espaço da obra e aquele que o envolve; o seu lugar dentro, fora, ou entre eles, nos seus limiares de transição. Sente-me, Ouve-me, Vê-me é um conjunto de trabalhos do final da década de 70 que faz uso da fotografia, do vídeo e de som. Constitui um alargar do campo de procedimentos, tornando-se por isso mais complexo. O campo sensorial (sentir, ouvir, ver) refere-se a um outro que não é representado, a uma correspondência contrária às possibilidades das imagens e ao que é referido: Sente-me inclui imagens de olhos no entanto, fechados; Ouve-me é um vocativo que se inscreve na própria imagem, pois na boca surgem costuras que a impedem de falar. Neste conjunto de trabalhos, pela primeira vez o destinatário é identificado, e é o que está para lá da máquina fotográfica, que se vai afirmar enquanto espectador. Helena Almeida estrutura este trabalho em função de uma divisão espacial entre um “lado-de-cá e um lado-de-lá-da-representação”. A inclusão de uma

57

Pintura Habitada, 1975-76, p. 70 Desenho Habitado, 1975, p. 71 59 Tela Habitada, 1976, p. 72 60 Corte Secreto, 1981, p. 73 58

35

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

peça videográfica, Vê-me, reforça um processo que consiste em passar de lá para cá. Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.61 Este excerto do poema Tabacaria, de Fernando Pessoa, mais objectivamente do seu heterónimo Álvaro de Campos, descreve na perfeição a dimensão dramática e universal das questões que Helena Almeida nos coloca através das suas obras. Todas estas perguntas sobre a dificuldade de ser ou de comunicar vêm sempre à tona, mais tarde ou mais cedo, em qualquer ser humano no entanto, o artista criador vive-os ainda mais intensamente, pois a comunicação que passa pela aceitação de si próprio é para si uma necessidade ardente. Ser ou não ser é o terrível dilema que a criação de uma obra coloca ao seu criador. É esta consciência do ser e o nascimento deste estado de consciência que habitam as obras de Helena Almeida a partir de 1975.62 A acompanhar as séries da década de 70 a artista usou exclusivamente a cor azul. Na década de 80 Helena Almeida “descobriu” o negro. Da cumplicidade desta cor com a própria fotografia a preto e branco nasceram telas de grandes dimensões, fotossensibilizadas. Na década de 80, o azul das suas obras é substituído por um negro profundo de luto, um negro incontrolável que invade e engole o desenho dos corpos que se diluem como num frasco de tinta. A performance é teatralizada e a fotografia ultrapassa o âmbito dos acessórios de ilusão, para atingir a grandeza do testemunho e da revelação. Uma fragilidade, um chamamento, uma emoção irracional que se instala. Em várias cenas o rosto e o corpo da artista dissimulam-se por trás de um véu transparente, parecendo desabrochar na superfície do suporte fotográfico.63 Desta década destacou-se a série Frisos,64 um conjunto de 262 fotografias que expôs em 1987 no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. Cada fotografia tinha 18 centímetros por 24 centímetros, sendo que o friso apresentava uma dimensão total de 24 centímetros por 470 centímetros.

61

Fernando Pessoa, Fernando Pessoa, Obra Poética, edição Círculo de Leitores, 1986, p. 219 Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 28 63 Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 28 64 Frisos, 1986, p. 74 62

36

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Em Frisos, Helena Almeida recoloca a temática (...) de um corpo que se metamorfoseia e se reconstitui ao longo de uma série vivida como travessia das aparências. (...). O espaço que o corpo percorre no gesto retrata uma dupla envolvência dialéctica entre o interior e o exterior. Helena ajusta estes encaixes do dentro e do fora através da proliferação serial de um corpo plástico-moldável, que tenta sair de si, desafiando as próprias leis da gravidade. (...). As séries das cadeiras, janelas, telas (recheio do interior) movimentam-se como elementos arquitectónicos mínimos da nossa configuração do de-dentro. (...) Helena Almeida transpõe a ordem focal do enquadramento fotográfico, fazendo-o vacilar ao pretender sair deste suporte, rebuscando novas formas para dar a ver, no volume e no recorte da mancha, a tensão rítmica de um corpo, que se desloca em pleno voo, disparado pela instantaneidade da ‘prise de vue’. (...). O que se destaca na linearidade do friso é o poder alastrante de uma mancha que diríamos quase anamorfótica. Detectamos em Helena Almeida um espaço de levitação/queda, em que a imaginação se confronta, a cada passo, com a desproporção.65 Em 1982, no desdobrável que acompanhou a Bienal de Veneza, a artista afirmou: Viver o negro foi uma experiência de expansão num espaço incontrolável e vivo. Foi como se o meu interior fugisse para as extremidades do meu corpo e sem mais refúgio, saísse, ramificando-se e espalhando-se para um exterior indeterminado (...) era como se eu estivesse virada do avesso e elas alastrassem como um borrão de tinta na água (...). Enquanto que a linha se marca de fora e surge com uma relação nitidamente mais espacial, a mancha parece nascer da tela, de dentro para fora e parece ter uma significação mais temporal. (...). O preto é escolhido por ser o absorvente de todas as cores da radiação luminosa. Daí a mancha preta que Helena Almeida distribui na composição dos Frisos espectraliza a natureza fotoquímica da imagem fotográfica. Os frisos poderiam ser considerados como um pequeno cinematógrafo. Os elementos que entram na feitura de cada fotograma compõem um cenário concebido e intencionalmente dirigido a um vidente que tem que andar pelo seu próprio pé.66 No espaço expositivo em que Frisos se desenvolve, o espelho no fundo da sala não só duplica, como relança a ilusão da série, colmatando a fissura que existe entre cada fotograma. (...). Esta alternância oscilante de dois olhares confere aos frisos uma trama imagética complexa. (...). Os frisos são, antes de mais, a experiência de um lugar. A obra, neste contexto de instalação, não é um objecto mas uma SITUAÇÃO (...). Este longo friso é uma instalação que performantiza as condições do espaço/tempo da figuração. É, portanto, uma performance ‘repetitivo-minimal’, de carácter eminentemente construtivista sobre os vários e possíveis posicionamentos, ou modos de ocupar plasticamente o espaço. (...). À distância presenciamos um friso rigorosamente geométrico, assente num classicismo ordeiro ancorado no 65 66

Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 16 e 17 Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 18

37

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

peso (...), à medida que nos aproximamos, tudo parece desinstalar-se do plano e entre o enorme desalinho ou desarrumo, assistimos a uma catástrofe espacial doméstica. (...). A fase dos frisos retoma os trabalhos realizados anteriormente e culmina de modo coerente na pesquisa em torno da simetria do duplo e do espelho. O friso é o eterno retorno, e o fechar do círculo, ou a impossibilidade tornada possível de se passar para lá do espelho e da representação.67 Na década de 80 Helena Almeida começou a expandir o seu corpo como meio de criação de cenários. Para tal usou tecido negro e monumentalizou a escala das composições. Tal expansão ocorre num espaço que escurece progressivamente, no qual o contraste entre a superfície e a profundidade é sujeito a um exame rigoroso. A artista assume-se como uma enorme mancha negra, tal como pode ser observado em Negro Exterior, de 1982,68 Espaço Espesso, de 198269 e Negro Agudo, de 1983.70 No entanto, por vezes o seu corpo permite ser “contaminado” por pinceladas coloridas que “sujam” a sua figura, tal como em Perdão, de 1993.71 As gigantescas fotografias de Helena Almeida da década de 80 demonstram inquestionavelmente a total identificação e envolvimento da artista com a própria substância e implicação do seu trabalho, ao ponto de chegar a desaparecer dentro dele. A artista chegara ao limite do trabalho que vinha desenvolvendo desde a década de 70, “o experimentar todo o processo de acabar com a pintura e com o desenho”.72 Em A Casa, de 1982,73 a silhueta em movimento de Helena Almeida deixa um rasto negro ligeiramente espiralado que termina no formato de uma casa. Em Atelier, de 1983,74 uma representação da artista extremamente ampliada surge segurando elementos vulgares de um atelier comum – uma caixa de cartão, rasgos de tinta e arabescos que se desenvolvem na vastidão do espaço ilusório. A partir dos anos 90 a obra desta artista tem vindo a direccionar-se mais objectivamente para a relação entre o corpo e o espaço, entre o seu próprio corpo e o espaço do atelier em que trabalha.

67 68 69 70 71 72 73 74

Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 18, 19 e 20 Negro Exterior, 1982, p. 75 Espaço Espesso, 1982, p. 76 Negro Agudo, 1983, p. 77 Perdão, 1993, p. 78 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 25 A Casa, 1982, p. 79 O Atelier, 1983, p. 63

38

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

O espaço sempre foi uma das minhas preocupações, (...), falei de problemas de espaço quando falava de uma mancha, de uma linha ou de passar adiante, tudo isso deixei, e passei a ocupar o próprio espaço do meu estúdio, onde me vou movendo de outro jeito. (...). A cor... foi absolutamente necessária. Só a emprego como uma marca minha, não só quando não pode deixar de aparecer.75 O corpo da artista torna-se o instrumento que medeia e comunica, que cria espaço, pictórico e arquitectónico, num sentido fenomenológico. O seu corpo torna-se um instrumento de mediação e comunicação, de criação de espaço pictural e plástico, num sentido fenomenológico.76 A criação do espaço torna-se bastante clara em obras da década de 90 que se reportam a coreografias íntimas e minimalistas nas quais o corpo da artista atravessa o espaço criando tensões e escapando a qualquer directriz. Uma mão que segura tinta, um braço ligeiramente recuado, que parece querer segurar o momento temporal anterior ou suster resquícios de acontecimentos passados. O espaço nunca é abstracto, ele é habitado e a sua forma é o corpo. Talvez seja possível afirmar que se trata de uma arquitectura corporal; o corpo surgindo como casa. A imagem é habitada dentro do seu próprio espaço, mostrando-se para o exterior. A obra de Helena Almeida é sempre desenvolvida em séries. Ao apresentar as suas fotografias em séries a artista desenvolve uma relação de tempo e movimento entre as diversas imagens individuais, bem com entre o espectador e as imagens. Em Sem Título, de 1994-95,77 a relação que se estabelece entre a sequência de 10 fotografias cria um sentido literal de movimento, como se o corpo de facto se arrastasse através da superfície expositiva. O corpo representado move-se em direcção ao espectador, pára, e afasta-se novamente, regressando à distante parede de fundo da sala. No momento em que o corpo se encontra mais próximo do espectador a imagem apresenta o torso da artista e a palma da sua mão marcada por tinta vermelha. Esta mancha vermelha quase constitui uma afronta ao espectador que esperava uma íntima revelação de carácter. A tinta usada como símbolo de paixão, aqui serve apenas para aumentar o choque; ousada em termos cromáticos e de significado, ela surge contra a superfície preta e branca da fotografia. As mãos são frequentemente relacionadas com a identidade, e nesta obra, a esse ponto, era de esperar que esta fosse revelada no entanto, a palma da 75

AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 29 Isabel Carlos, Helena Almeida, Colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, Lisboa, 2005, p. 15 77 Sem Título, 1994-95, p. 80 e 81 76

39

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

mão é obscurecida, escondendo qualquer forma de identificação, para lá da apresentação da parte do corpo que é desfigurada. Em Desenho, de 1999,78 uma representação de um antebraço rasga uma enorme diagonal mas não chega a conseguir alcançar uma caneta. Uma sombra profunda, quase palpável percorre todo o comprimento do braço. A sombra é desenhada a pigmento negro. Helena Almeida faz colidir a realidade com a ilusão oferecendo-nos obras de arte que de forma alegórica narram a própria produção artística. A artista sugere-nos que quando um desenho é bem conseguido, mesmo perfeito, se liberta do suporte e desperta para o mundo material, real. A dinâmica transdisciplinar desta artista leva a um abandono das práticas artísticas tradicionais mas também a uma progressiva tomada de consciência da necessidade de fazer a passagem de si própria para os outros. Para criar Dentro de Mim79 a artista fixa pequenos espelhos a diferentes partes do seu corpo. Nesta série o corpo abre-se para reflectir o espaço, a luz, e tudo o que o rodeia. Nestas imagens é o próprio movimento do corpo que vai refazendo, reconstruindo o espaço que o envolve. Também se refaz a si próprio enquanto corpo através da absorção desse mesmo espaço. O modo como a artista coloca o seu corpo no atelier gera um efeito instalacional e altera aquela que seria a nossa percepção desse espaço. Nas suas obras mais recentes, de grande formato, a artista está novamente interessada em explorar os diferentes aspectos da sua temática de base. Dentro de Mim representa uma reflexão literal sobre o espaço que a rodeia, o seu atelier. A série mostra variações da artista posando para a câmara, caída no chão ou assente apenas num pé, com pequenos espelhos rectangulares presos nas solas dos pés. Os espelhos captam pequenos fragmentos do espaço e no decorrer do processo parecem obliterar a realidade física do próprio corpo. Tive a sensação de estar muito mais exposta, frágil, deitada no chão, sem recorrer a nada, sem recorrer a objectos; simplesmente deitada e mudando de posição, senti que o espaço arquitectónico em meu redor era o molde do espaço. Pensei que o estúdio era o meu molde, um molde escultórico. Foi isso o que pensei e essa era a intenção do meu trabalho, um trabalho que se chama Dentro de Mim, porque o instrumento era esse espaço exterior que eu queria expressar, passando esse espaço a misturar-se com o meu interior, com molde do meu corpo.80

78

Desenho, 1999, p. 82 Dentro de Mim, 2000, p. 83 80 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 31 79

40

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Foi a inevitável relação entre os mundos exterior e interior que inspirou Dentro de Mim. Nesta série de 2000, uma das imagens representa o pé esquerdo da artista com um espelho a ele afeiçoado. Os reflexos abstractos do chão e do corpo da artista que surgem reflectidos no espelho aludem ao abstraccionismo dos fotógrafos modernistas Aleksandr Rodchenko e Laszlo Moholy-Nagy, bem como aos trabalhos performativos da década de 70 de Joan Jonas. Helena Almeida dá especial ênfase aos volumes e às formas ao manter a textura e a aparência das imagens mínima. É frequente o corpo surgir como um elemento praticamente indistinguível, à excepção de um pé ou de uma mão que o denuncia. Em Sem Título, de 2003,81 uma série fotográfica feita especialmente para a Bienal de Sidney de 2004, é-nos difícil percepcionar um corpo mesmo com a presença de um pé ou de uma mão que se projecta da massa negra. A acentuação dada à massa física do corpo e a sua disposição no pavimento, próximo da parede, faz lembrar com maior facilidade a escultura abstracta, sólida e em repouso, do que qualquer forma viva, muito menos um corpo humano. Em Sem Título de 2003 não há tinta, não há pintura, apenas um corpo que surge como massa escultórica negra. Até a forma desse corpo nos escapa, sendo apenas lembrada por um braço ou um pé que nos recorda que este é efectivamente um corpo em repouso e não o material concreto de uma escultura disposta num espaço vazio, num chão de pedra absolutamente límpido. Densidade e gravidade, aqui o corpo surge como estrutura essencial e primária. Paradoxalmente, a presença do seu corpo no seu próprio trabalho é, de certa forma, a presença de uma ausência, de algo a que não temos acesso. Por outro lado, aquilo que vemos não é o que a artista viu, pois a sua visão está contida dentro da obra. Contra a auto-referenciação dos pintores modernistas Helena Almeida propõe a auto-representação. Contra a ausência da presença do fotógrafo e do seu olhar a artista propõe a sua própria presença. Contra a natureza efémera da arte performativa a artista propõe, em contraste, uma acção capturada para a eternidade. Ao contrário de Sem Título de 1994-95,82 série na qual a sequência de imagens cria um movimento contínuo através das fotografias, em Sem Título de 2003 as imagens individuais enfatizam uma perturbadora sensação de grotesco face ao corpo representado. A massa corpórea é reajustada em cada imagem, mas todas as mudanças de posição parecem acidentadas e caóticas. A eliminação de qualquer elemento que pudesse facilitar a 81 82

Sem Título, 2003, p. 84 Sem Título, 1994-95, pp. 80 e 81

41

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

identificação deste corpo leva o espectador a reflectir sobre a presença física do corpo representado dentro do espaço emoldurado, mas também sobre o seu próprio corpo, em relação ao representado na fotografia e também relativamente ao espaço expositivo em que se encontra. Intus, que significa “de dentro”, é a mais recente exposição desta artista. Nela Helena Almeida aprofunda essa relação entre o corpo e o espaço, nomeadamente em Eu Estou Aqui,83 a obra que fez especialmente para a Bienal de Veneza 2005. A série desenvolve-se de forma quase coreográfica; o seu corpo ora se dobra ora se desdobra, escondendo-se ou expondo-se, através de pequenos gestos. Segundo Isabel Carlos as fotografias têm uma dimensão religiosa, sacrificial, e tanto reenviam para um gesto de agradecimento perante o público como para uma espécie de entrega, de oferenda pública. O trabalho de Helena Almeida explora diversas questões. Interroga-se sobre a forma como o corpo, neste caso o da própria artista, bem como o movimento produzido pelo mesmo, é produtor de arte. Questiona também o modo como durante esse processo o próprio corpo se torna arte. Uma questão primordial explorada por esta artista é o que é de facto arte no seu percurso, para além da marca da passagem do seu corpo, após a interacção entre este e as obra de arte a que dá origem. A resposta a esta pergunta talvez esteja em Seduzir, uma série fotográfica de 2002.84 Essas imagens mostram-nos diversas poses algo encenadas que sugerem estereótipos de sedução feminina. Mas o efeito mais inquietante desta série resulta do facto da artista confrontar o observador com a presença do seu corpo de tal forma que o obriga a tomar consciência do espaço e limite, da acção e poder, do seu próprio corpo. Seduzir remete para um período mais maduro do percurso artístico de Helena Almeida. Apresenta imagens gigantescas do torso e membros da artista em posturas encenadas para cativar a atenção do observador. A artista reduz as dimensões das suas mãos e pés que são fortemente enfatizados pelo emprego de tinta vermelha ou arame, no caso das imagens de menor dimensão. Enquanto inicialmente o uso de pigmentos pretendia dotar as imagens de movimento (Pintura Habitada, 1976), em Seduzir o seu uso torna-se uma espécie de “vício” que pretende fixar a pose adoptada pela artista. Partindo de gestos estereotipados, a artista ironiza os ditos códigos de sedução que são empregues no dia a dia. Tornando-se a sedutora, subtilmente revela o contexto no qual a imagem deveria ser percepcionada. O “namoriscar” da artista com o espectador parece tender para o riso.

83 84

Eu Estou Aqui, 2005, pp. 85-88 Seduzir, 2002, pp. 89-92

42

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Opondo-se a Dentro de Mim, de 1998,85 em que o corpo da artista ia deixando um rasto de pigmentos enquanto se movia no espaço, Seduzir apresenta-nos imagens da região mais baixa do seu corpo. Dando as costas ao espectador, a artista parece querer capturar a sua atenção através de gestos sedutores: retirando o sapato, ela põe a descoberto a mancha que se encontra na sua sola do pé. A artista manifesta o seu total envolvimento físico com os materiais que emprega. Segundo Isabel Carlos, as cores que Helena Almeida utiliza nas suas fotografias são portadoras de uma energia psicológica e de uma mensagem simbólica: o azul é a metáfora do espaço e da energia, o branco representa a pureza ou a purificação, o negro é uma alegoria à densidade e à absorção da luz e o vermelho simboliza a encenação e o drama. De certa forma, com Seduzir, a artista adopta uma posição crítica face às regras da boa conduta, revelando como a sociedade e os seu códigos, bem como o nosso comportamento, respondem a padrões fictícios que servem unicamente para esconder medos e preocupações que nos assolam. Toda a obra de Helena Almeida surge baseada num processo determinado de trabalho no entanto, ao contrário de muitos dos seus contemporâneos que começaram a expor na década de 70, o seu processo permanece oculto. O processo em si é privado. O atelier é o seu mundo. Em vez de criar obras para locais específicos a artista afirma que o seu espaço é o atelier e que este é o seu mundo. Deste modo, Helena Almeida trabalha como uma pintora no sentido clássico do termo. A artista cria obras especificamente para o seu espaço e refere as transformações que faz no espaço em que produz as suas obras. Deste modo, dá aso a um processo que transporta em si o seu próprio carácter doméstico, colocando elementos surpresa no espaço, numa espécie de reconhecimento espacial que é feito dia após dia. No atelier, Helena Almeida começa por desenhar, criando uma espécie de guião e mais recentemente começou a fazer vídeos que lhe permitem guiar o seu colaborador – Artur Rosa – de forma mais eficaz até ao resultado final, que é a sua obra. Antes de fotografar, pintar os seus trabalhos, ou mesmo fazer vídeo, a artista desenha as situações, como uma coreógrafa que determina as marcações para o seu corpo cumprir. Helena Almeida improvisa o menos possível. Tem extremo cuidado para que a situação seja bem dirigida logo, desenha sempre. A artista planifica e compõe sequências “como se fosse para contar uma história em quadradinhos, uma espécie de storyboard”.86

85 86

Dentro de Mim, 1998, p. 93 H. Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, pp. 32 e 33

43

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Os desenhos preparatórios da artista são sempre rigorosos; não podem dar margem para dúvida.87 Com a ajuda do seu marido, são passados ao pormenor para formato fotográfico. No seu trabalho não há lugar para acasos; tudo o que vemos nas suas imagens é criado de forma intencional: Em todos os meus trabalhos, antes de passar à fotografia, desenho-os uma e outra vez, gravamo-los em vídeo para saber quais as posições exactas. No meu trabalho nada é deixado ao acaso. Pode mudar um pequeno detalhe, mas tudo é intencional. Normalmente é tudo intencionado.88 Estes apoios visuais surgem como diagramas que ilustram o modo como a artista opera como veículo formal. Ela própria afirmou: Eu sou a tela. Apesar da relação evidente que tem com a performance ou mesmo com a body-art, Helena Almeida sujeita todo o seu processo criativo a imagens préconcebidas, produzindo esboços meticulosos que precedem a obra em si. O que contemplamos é o resultado de um complexo de acções que envolve uma longa e cuidada elaboração. Enquanto artistas como Adrian Piper, Hannah Wilke e Martha Rosler penetravam o espaço público e cultural através das suas performances, Helena Almeida cria praticamente toda a sua obra no seu atelier. É aí que encena o seu corpo ficcional, coberto por um vestido preto que remete para a indumentária tradicional das mulheres Portuguesas, por vezes desfigurando o vestuário com tinta, por outras acrescentado-lhe tecido adicional. A redução da tonalidade fotográfica ao preto e branco e a obliteração de grande parte do detalhe das imagens abstractizam as fotografias, enfatizando os volumes e as formas. A exploração do ser e a redução da linguagem visual faz do seu trabalho único e imediatamente reconhecível. O formalismo essencial que Helena Almeida tem vindo a desenvolver no espaço privado do seu atelier dá força à sua obra. As fotografias de Helena Almeida flutuam num território impreciso que se situa entre a reflexão sobre a prática pictórica e o constante replaneamento do papel do artista. De qualquer forma, a artista considera-se pintora: No que diz respeito à pintura, considero-me pintora. Estudei pintura. E as minhas obras, do meu ponto de vista, são pinturas. São a minha forma de pintar.89

87

Selecção de Desenhos Preparatórios, p. 94 e 95 Helena Almeida em conversa com M. Corral, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 31 89 Highbeam Web Research Center 88

44

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

Sobre a obra de Helena Almeida existem diversas perspectivas, pois uma das características estruturantes do seu trabalho é o facto de não pretender clarificar qual a natureza das suas obras. Deste modo, diversos autores têm vindo a apresentar e salientar certos aspectos que consideram importantes no seu percurso. Carlos Vidal sublinha a questão da equivalência entre a existência e a imagem, entre a existência e o símbolo, sendo que a existência é traduzida em matéria, imagem, representação e símbolo. Desde as suas primeiras criações até às mais actuais, Helena Almeida tem usado a imagem. Nenhum artista o poderá fazer de ânimo leve. Nenhum artista engana, nem se engana com imagens levianas e sem a consciência da sua força. Causa perdida, quem sabe? Ainda assim, imprevisível. Por isso, a personagem fotografada hesita. No entanto, vemo-la cometer seu pecado demiúrgico (recriando o mundo com as imagens, o equivalente ao mundo das imagens), como ilusionista que quase nunca consegue vê-lo; que faz e que cria, porque num primeiro momento sabe verdadeiramente que apenas renova as representações e as imagens. E estas não passam, “sem pudor”, de próteses menores, falsificações frias ou substitutos fragmentários da realidade vivida. Só depois, muito depois, quando habitados e dentro da representação, saberemos não existir exterior, não existir fuga. Nem condenação, nem salvação. É aí, flagrantemente, na neutralidade impotente onde a imagem mais fere. Há imagens que são todas elas imagens, e sublinhando essa equivalência universal, pode crescer um mundo que seja o antídoto mais que perfeito das imagens (que se tornaram iguais a quaisquer outras) com as quais os poderes do mundo pretendem exercer o seu domínio. Helena Almeida quebra esta tirania com outras imagens. Ou acreditando nelas, sente-lhe o peso e o perigo; começando nos anos 70 há dois trabalhos que alegorizam as possibilidades dos conflitos quando estão bem dirigidos: refiro-me à série de dez fotografias Desenho Habitado (1975) e à obra fotográfica Tela Habitada (1976).90 Segundo Carlos Vidal, na obra de Helena Almeida há uma obsessão de remissão do pecado pela reinvenção da imagem, num trabalho que faz existir “uma pintura onde a tela como suporte é substituída pela fotografia e esta faz-se de recipiente da caligrafia e da significação próprias do autor”.91 Helena Almeida aceita a existência prévia, enquanto ferramenta, dos elementos estruturais da pintura: o ponto, a linha e a cor.

90 91

Carlos Vidal, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 55 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 59

45

Conceitos gerais do percurso artístico de Helena Almeida

A artista refigura os agentes da representação, respeitando a tradição estética e tudo o que sabe dela. A coerência formal e conceptual fizeram de Helena Almeida uma das mais importantes artistas Portuguesas do momento.

46

Fotografia como meio de expressão

Fotografia – O Encontro com uma Outra Natureza92 Os pressupostos iniciais da obra de Helena Almeida assentam na pintura, o que a levou a um estudo auto-referencial da imagem na pintura. Começou por examinar de forma criteriosa todos os seus componentes materiais, tais como a tela, a moldura e a tinta, mas também a sua função estrutural como “janela para mundo”. Tal induziu-a a expandir a imagem num sentido escultórico, estendendo-a para o espaço envolvente e implementando-a na fotografia pelo uso de diversos cenários performativos. Com maior subtileza, a linha de um fio fotografado, que também lança a sua sombra na imagem, transforma-se numa linha da própria superfície da imagem. Tudo é encenado como se a artista que está presente na fotografia tivesse desenhado essa linha de dentro para fora (Desenho Habitado, 1975)93. A realidade do espaço ilusório fotografado e da própria superfície, o médium da imagem e o seu material colidem, criando uma espécie de contradição que assume a forma de fusão misteriosa e inevitável. A tinta azul que a artista aplica na superfície da fotografia para cobrir o seu rosto tem um efeito semelhante, enfatizando mas simultaneamente negando a sua presença (Pintura Habitada, 1975-76).94 As características técnicas do espaço de Helena Almeida já se faziam sentir nos desenhos/colagens de 1967. Contavam histórias estranhas de traços que pelo dom mágico do pintor, se transformavam em linhas que se desenvolviam livremente num espaço que imaginava a memória. Extremamente económicos em traçado, estes desenhos transmitiam ao máximo o impacto perturbador do choque visual que produziam. Um choque que nascia, tal como em Nery ou em Dacosta, da confusão entre a percepção de um signo – um traço desenhado sobre uma folha de papel – e a realidade palpável de um objecto, um fio de crina colado sobre a superfície do suporte, num prolongamento estritamente simétrico. O olhar tem dificuldade em fazer a distinção entre o signo e o objecto, quando por reflexo cultural a memória efectua uma leitura pictórica dos elementos em cena: uma busca dos indícios de identificação das linhas, uma eventual prova material da existência ou da virtualidade dos espaços acima referidos. Sobre o papel, até certo ponto, a linha é um traço desenhado na superfície de papel no entanto, se tal for verdade, em que espaço se projecta aquela que se solta do tal ponto? O traço, ou o fio de crina, qual deles é reflexo virtual do outro? Até que ponto a ilusão pode iludir a realidade? E a confusão, não virá de um conhecimento deficiente acerca da realidade? Tais perguntas infinitas, infindáveis, habitam os desenhos e as fotografias de Helena Almeida e levam a artista a criar conceitos singulares e inovadores. Foi lógico, portanto, que a sua pesquisa a levasse a adoptar o procedimento fotográfico. Este intervém no processo criativo como técnica de colagem,

92

AAVV, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 30 Desenho Habitado, 1975, p. 71 94 Pintura Habitada, 1975-76, p. 70 93

47

Fotografia como meio de expressão

colagem de diferentes instantes e diversos espaços. Constitui um expediente para anular distâncias e permitir a coabitação de volumes.95 Foi em 1969 que Helena Almeida se fez fotografar pela primeira vez pelo seu marido. A imagem resultante, publicada no catálogo que acompanhou uma exposição realizada na Galeria Buchholz, já denuncia o futuro do seu percurso artístico. Na fotografia a preto e branco, a artista apresenta-se como uma espécie de “ser intermédio” entre a pintura e o observador. Apesar de constituir uma obra prematura no seu percurso, já apresenta uma ideia de extensão corporal bem como a possibilidade de pensar a pintura a partir da materialidade do seu corpo, que se desenvolve num espaço exterior ao quadro mas que o incorpora. Este foi o momento fundador de todo um percurso que tem vindo a desenvolver-se até hoje, e no qual a fotografia como meio de expressão se estabelece. Apesar de na década de 60 já haver muitos artistas a fazer fotografia, Helena Almeida tinha consciência de ter um projecto próprio. A insatisfação com a pintura e o desenho, decorrente da necessidade de questionar o espaço da obra, levaram Helena Almeida, a partir de 1975, a adoptar a fotografia como medium e a usar o seu corpo como agente de situações encenadas muito diversas, gerando assim uma identificação do seu corpo com o espaço da obra.96 A fotografia é algo que faz parte do nosso quotidiano; foi um meio que revolucionou o séc. XX e o modo como encaramos a imagem. Pode ir mais longe do que o mero registo e constitui o meio que Helena Almeida decidiu explorar no seu trabalho. Tornou-se o seu suporte, numa procura dos limites e fronteiras da pintura e do desenho. No catálogo BES Photo 2004, Joan Fontcuberte fala da fotografia como causa: À noção de fotografia como um fim opõe-se a noção como um meio (...) o interesse pela ‘forma fotográfica’ e pela ‘expressão pessoal’ dá lugar ao interesse pelo projecto artístico. A busca do essencial é simultaneamente com a presença do híbrido e da multidisciplinaridade. À percepção da fotografia como objecto – a tiragem com umas qualidades materiais especificas... junta-se a proposta da fotografia como informação e como suporte de ideias.97

95

Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, pp. 26 e 27 AAVV, Catálogo Retratos – obras da colecção da CGD, Fundação Engénio de Almeida, 2005, p. 8 97 AAVV, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 217 96

48

Fotografia como meio de expressão

A linguagem plástica da fotografia foi uma descoberta fundamental para o percurso de Helena Almeida. A artista considera ter sido “um encontro com uma outra natureza”. O uso desta técnica adveio de uma necessidade de levar adiante uma investigação a respeito da relação entre o artista, o desenho, a pintura, e a criação de arte em geral. A fotografia (e o vídeo) entrou nos meus trabalhos também como resposta a uma extrema necessidade que, na altura, precisava de resolver. Estava a fazer uns desenhos em que saía um fio – o desenho tomava corpo, ficava corporalizado numa linha desenhada que saía para o espaço. Um dia peguei num fio de crina e pedi ao meu marido Artur que me fotografasse assim, a tirar o fio do papel. Além disso, já tinha feito fotografias em que punha as telas em cima de mim e, o que me parecia engraçado, os quadros iam ficando antropomórficos. Se fosse agora, provavelmente deitava mão a uma outra coisa qualquer.98 Relativamente ao uso da fotografia Helena Almeida vê-a como um meio que lhe permite a criação de séries ou meta-narrativas de pequenos movimentos, alguns deles quase ficcionais, que marcam as diferentes fases de um movimento. A fotografia é simplesmente o meio que lhe permite atingir o fim que deseja. Não é a fotografia, mas o corpo que é o grande revelador deste trabalho artístico. (...). A fotografia limitou-se a fixar estados, tornando-os presentes, através de uma série de interrupções. (...). Helena enxerta a techné fotográfica num corpo considerado como câmara escura ou casulo, fazendo sua a divisa do bicho da seda.99 A artista retoma as possibilidades da imagem fotográfica. Esta é reflexo da realidade e com ela reflecte-se a visão próxima e íntima do seu acto criativo. Paralelamente utiliza as possibilidades do meio para criar discursos narrativos a partir da soma de imagens, concentrando-se na captação de momentos pontuais que parecem fazer parte de uma narrativa mais ampla; a narrativa que constitui o conjunto da sua obra. A fotografia é (...) um meio de captura e um arquivo indispensável que retém selectivamente o que não mais se repetirá.100 A artista apresenta fotografias da sua acção performativa no entanto, ela não é performer. As fotografias que realiza nunca são a documentação de uma performance; a artista usa o seu corpo como suporte e imagem, em espaços narrativos construídos por fragmentos em movimento – as séries fotográficas – como se de uma sequência de um filme se tratasse. Neste caso, a presença do seu corpo liga-se a uma ausência; trata-se da presença de algo a que não temos acesso – não temos acesso ao processo de construção da 98

AAVV, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, pp. 30 e 31 Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 15 100 Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 20 99

49

Fotografia como meio de expressão

obra, ao momento em que esta se produz. As fotografias não funcionam como testemunhas do processo, de algo efémero; elas tornam o acontecimento eterno. Há nos trabalhos de Helena Almeida um modo de turbilhar o espaço através de uma série ininterrupta de posturas corporais que a fotografia como campo de reserva, guarda em apontamento.101 O seu interesse pela fotografia derivou das possibilidades processuais que esse meio lhe oferecia. Mas antes da imagem ser fotografada, é captada em vídeo e estudada em diversos desenhos. Em relação à importância da fotografia, não se pode deixar de sentir que todo o espaço desenvolvido por Helena Almeida interage sucessivamente com um conjunto de situações similares à de um escultor de raiz, que pensa o espaço preferencialmente a preto e branco, e que perpétua essa necessidade monocromática através do desenho. Em Helena Almeida, tal manifesta-se na fotografia. Note-se que esta dimensão é intensificada a partir da década de 70 e advém da ligação da tonalidade a um tempo passado, heterogéneo, relativamente à própria realidade que referencia. Esta eternização da acção na fotografia enuncia uma mudez auto infligida e torna o espaço pictórico num estado de vácuo. Pelo carácter sistematizador e rápido, a fotografia propicia uma dinâmica mais expedita no relacionamento formal e compositivo que se adquire com as possibilidades intrínsecas à problematização artística contemporânea. É este o processo que antecede e estimula as contínuas meta-narrativas no seu trabalho. O domínio conceptual torna-se parte de um processo onde a impossibilidade de dominar todos os aspectos formais da fotografia (porque não existe domínio completo de uma operação levada a cabo por um segundo operador) faz da atitude de comando uma parte integrante dos apetrechos que estendem a sua marca. É de realçar que a importância não está na mestria do processo técnico da fotografia, mas sim na proximidade de quem opera a câmara (Artur Rosa), num registo tosco e expressivo de uma vivência. Apesar de não se considerar fotógrafa, Helena Almeida tem vindo a utilizar a fotografia como meio de expressão desde finais da década de 60. No seu caso, a “fotografia, é feita por uma pintora”.102 A artista tem vindo a expressar-se quase exclusivamente pelo recurso a este meio. É através dele que vemos o seu olhar, o olhar de um “sujeito-objecto” representado. Apesar do seu trabalho assentar nesta prática, a artista questiona e transgride constantemente o suporte: pinto a pintura e desenho o desenho.103 101

Emídio R. de Oliveira, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, rev. Colóquio nº 76, 1988, p. 16 H. Almeida em conversa com Maria João Seixas, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 28 103 AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 17 102

50

Fotografia como meio de expressão

As suas fotografias são desenhos quando as suas mãos ou lápis “brincam” com a linha criada pelo fio de crina, e são pinturas quando manchas coloridas são seguras por uma mão, ou cobrem o seu corpo, ou enchem a sua boca. Já os brancos e negros são pura tensão. A fotografia foi o meio que veio possibilitar a Helena Almeida “pintar de frente”. O registo fotográfico passou a ser o ponto culminante de todo o seu processo. Através de um processo muito peculiar, a artista dilui os limites entre a pintura e a fotografia. É essencialmente a partir de 1975 que conjuga fotografia, pintura e desenho, numa prática artística construída nos limites de cada disciplina. Deste modo, cria uma linguagem muito própria, na qual o seu corpo é suporte primeiro da intervenção plástica. Helena Almeida começa a representar-se em todas as suas obras, nas quais o corpo e seus gestos se constituem como meios de representação de cada disciplina. A artista combina técnicas de criação manual, como o azul que mistura e aplica nas imagens, com as técnicas de reprodução mecânica, como a fotografia ou o vídeo. Deste modo trabalha todas as possibilidades do universo plástico; faz experiências na sua própria negação, até ao limiar de cada disciplina, criando uma espécie de diálogo circular entre elas – o limite da pintura enquanto género seria a monocromia, o do desenho, o traço, o do corpo, enquanto meio, a performance, e o da fotografia o registo de uma ausência. Ao trazer a fotografia para primeiro plano no seu processo artístico, Helena Almeida foi uma pioneira entre nós, rompendo com os formatos e processos mais tradicionais, e abrindo a cena artística nacional a novas experiências e modos de trabalhar. A artista nunca mais se afastou da fotografia pois considera que “o tempo é pouco para a pessoa aprofundar um meio que utiliza como expressão do seu trabalho. Se o meio está certo e é adequado, deve-se insistir nele até esgotar todas as suas possibilidades”.104 A fotografia é uma técnica alheia aos mecanismos reflexivos do corpo, alheia ao encerramento da gestualidade pictórica que se liga ao turbilhão do espaço circundante. Ao usar os artifícios da cenografia e do enquadramento, só revela a inteligência e subtileza do espírito que concebe. A fotografia é essencialmente o espaço exterior aberto para a partilha. Libertou o pintor das tarefas de reprodução do idêntico, dos seus tiques manuais que impulsionavam o corpo, e dos gestos repetitivos que destruíam o imaginário e colocavam a criação em perigo de morte. Fazendo embater o real e o virtual, a presença e a ausência, a recordação e a inovação, a fotografia explode as possibilidades da invenção de espaços que não conseguiríamos ver apenas com os olhos.

104

AAVV, Catálogo BES Photo 2004, BES e FCCB, 2004, p. 31

51

Fotografia como meio de expressão

Negro Exterior, uma obra de 1982,105 reafirma a vontade de Helena Almeida em pintar a pintura e desenhar o desenho, pelo meio da fotografia. Salientese, no entanto, que as inúmeras obras que efectuou entre 76 e 81 já anunciavam tal desejo. O gesto pictórico através do qual a artista sombreava um dos dois rostos dos seus “auto-retratos” bicéfalos podia ler-se como uma crítica irónica acerca do discurso dito minimalista que afirmava a constatação precisa da decadência de um tema que durante séculos havia sido a função principal dos pintores. Frisos, de 1986,106 prova que este gesto iconoclasta provinha das profundezas do espaço interior e visava a destruição da imagem virtual substituindo-a pela própria virtualidade, pela capacidade de reflectir o realismo que embaraça o artista, como um viajante que tenta apagar os sinais da sua passagem pela vida. Desde Frisos que o real e o virtual se confundem, ainda mais indissociáveis que o traço e o fio de crina dos desenhos de 1967. A distinção não tem sentido. De duas em duas as imagens repetem-se, simétricas e esquemáticas, à maneira dos frisos ornamentais. Uma tradição ancestral da pintura é aqui reencontrada. Através da modernidade de uma técnica do século XX, a pintura e o seu duplo marcham a par, duas a duas. Após atravessar os caminhos da história contemporânea, usando de cada vez a ironia ou os jogos de “trompe l’oeil”, Helena Almeida atingiu um espaço amplo e poderoso cheio de um movimento ondulante, sereno e majestoso, liberto de toda a marca anedótica tal como de todo o simbolismo pessoal; um espaço que lhe é próprio na sua definição, mas que se encontra aberto a todos pelo espírito.107

105

Negro Exterior, 1982, p. 75 Frisos, 1986, p. 74 107 Liliane Touraine, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, rev. Colóquio nº 76, 1988, pp. 28 e 29 106

52

Conclusão

Conclusão

Todas as Paisagens ainda por vir108 O trabalho de Helena Almeida investiga as intersecções entre a ilusão e a realidade, entre a performance e a representação. As suas obras são rigorosas, formais e contidas mas possuem simultaneamente generosidade e humor. É o equilíbrio elegante desta combinação de peculiaridades que faz com que o percurso desta artista seja tão inspirador e pungente. As obras de Helena Almeida obrigam o observador a reflectir sobre a sua própria experiência física do corpo e sobre a relação deste com o espaço arquitectónico envolvente. Em toda a obra desta artista o corpo é implicado no contexto exterior e interior da representação, no espaço, na forma de pintar, de desenhar, e no seu material. As encenações levadas a cabo pelo corpo da artista são estruturadas como um poema. O seu tema é ambíguo, deixando tudo em aberto. Rítmica e formalmente permanecem contraditórias, sendo imagens sensíveis, alusivas e cheias de uma certa perspicácia subtil que joga com a superfície ou com a sombra. Ao combinar desenho, colagem, pintura, fotografia, processos audio-visuais, escultura e performance, o trabalho de Helena Almeida não permite a inserção numa “gaveta estilística”. A artista funde todas as disciplinas artísticas em trabalhos sobre papel que exploram as questões do corpo, da auto-representação e da sua relação com o espaço. As suas ideias sobre o espaço, o corpo, a anonímia, o papel do artista e o uso da fotografia como forma de reduzir distâncias em comparação com as técnicas de expressão mais tradicionais, são a medida da importância da sua obra relativamente a outros artistas da sua geração, mas também um estímulo para uma abordagem cada vez mais intensa à arte. Engolir, secretar, integrar, esconder, escorrer, agir, habitar, localizar a pintura, a partir do corpo, nele e com ele – eis o trabalho de uma vida.109 Esta relação de natureza sacrificial revela-se numa espécie de prazer que sentia quando estava no atelier de escultura de seu pai, e ambos pactuavam na persistente dor de acabar um trabalho. Pouco mudou desde essa altura. Helena continua a ser a mesma “miúda”, dispondo do mesmo velho atelier, e curiosamente continua a estabelecer essa mesma estaticidade imortalizada, desta feita pela fotografia, onde não é de todo casual a preferência pelo preto e branco, pois essa é a única condição capaz de congelar não só o tempo mas também o espaço. Continua 108 109

Ana Mafalda Leite, Livro das Encantações, Lisboa, editorial Caminho, 2005, p. 39 AAVV, CAMJAP, Roteiro da Colecção, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 96

53

Conclusão

também a ser alguém do seu círculo íntimo a perpetuar a estática do momento, o seu marido, Artur Rosa. Helena Almeida fez dessa condição de visionada no atelier o mote para a sua arte; as diversas situações que cria continuam a ser os devaneios de uma criança, que no silêncio do atelier, divaga pelo abstracto, enquanto um ‘voyeur’ se contenta com a contemplação e apropriação voluntariosa de um corpo que plasticamente ocupa o espaço, e que apesar de descaracterizado na sua sexualidade, não deixa de revelar a feminilidade do objecto que se faz contemplar. Aproveitando a exposição de Frida Kahlo, que decorre presentemente no Centro Cultural de Belém, seria útil realçar um conjunto de questões que se desenvolvem analogamente no pensamento de Helena Almeida. É possível identificar uma experiência iniciática no Surrealismo que não figura os sonhos, mas sim espaços alternativos recriados numa realidade pessoal que não abdica da condição de mulher. Estendendo a analogia à dimensão performativa, verificamos que o corpo se desenvolve como elemento central de um pensamento que vacila no limite entre o visível e o invisível, e onde a forte atracção pela transmutação, transformação e mutação de diversos tipos, não remete para qualquer idolatria divinizada da imagem própria. Aqui o fetiche não é o símbolo, nem o signo, nem a figura de outra coisa qualquer, mas é válido exclusivamente por si só, na sua esplêndida independência e autonomia. Os seus corpos cessam de ser objectos fixos e idênticos à percepção que o sujeito determina pela forma, para se transformarem e adquirirem uma transbordante abstracção universal. As dissemelhanças começam quando o corpo, como espectáculo, esbarra com a matéria como obstáculo. Esta condição vê-se transgredida em Frida Kahlo, numa espécie de “strip-tease” da sua condição oprimida, ao passo que Helena Almeida assume os limites representativos da sua imagem para se concentrar no conceito imperceptível e evanescente que o corpo adquire enquanto dádiva. Deste modo, o corpo de Helena Almeida vê-se representado mas não auto-representado. É neste capítulo, e particularmente na obra desenvolvida a partir de 75, que se torna mais vincado um luto que espelha o carácter expurgador da artista, que liberta o seu excedente interior e exterior em matéria artística.

54

Bibliografia

Bibliografia AAVV, Bes Photo 2004, texto e entrevista por Maria João Seixas, Lisboa, Banco Espírito Santo e Fundação Centro Cultural de Belém, 2004

AAVV, Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Roteiro da Colecção, Lisboa, edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, 1 vol., pp. 96-97

AAVV, Década de 70, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 26 e 27

AAVV, Fotografia na Arte, De Ferramenta a Paradigma, «Colecção de Arte Contemporânea Público Serralves», edição Público e Fundação de Serralves, 2006, vol. 6, pp. 74 e 75

AAVV, Helena Almeida, exposição patente de 14 de Janeiro a 19 de Março de 2000 no Centro Galego de Arte Contemporânea (comissária Maria de Corral), Galicia, edição Xunta de Galicia, 2000, 1 vol., pp. 14-205

AAVV, História da Arte Portuguesa, «Grandes Temas da Nossa História», Barcelona, edição Círculo de Leitores, 1995, vol. 3, pp. 607, 608, 610, 611, 614, 636, 641-643

AAVV, I am here – João Fiadeiro, Conversa entre Delfim Sardo, João Fiadeiro e Helena Almeida, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004

AAVV, Intus – Helena Almeida, Representação Portuguesa à 51ª Bienal de Veneza, patente de 9 de Junho a 6 de Novembro de 2005 no Pavilhão Português, organizado por Isabel Carlos, Portugal, da publicação Instituto das Artes – Ministério da Cultura, Civilização Editora, 2005, 1 vol., pp 7-106

AAVV, Pequeno Roteiro da Colecção de Arte do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa, edição Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, 1 vol., pp. 31-32

AAVV, Vidas Privadas Coleccion Fundacion Foto Colectania, edição Fundacion Foto Colectania, Barcelona, 2004

Almeida, Bernardo Pinto de, O Plano de Imagem, «Arte e Produção», edição 431, Lisboa, Assírio e Alvim, Dezembro de 1996, vol. 11, pp. 21-242

Carlos, Isabel, Helena Almeida, «Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX», Lisboa, Editorial Caminho, 2005, vol. 4, pp. 9-31

55

Bibliografia

Catálogo da exposição Helena Almeida. Pés no Chão, Cabeça no Céu, patente de 19 de Março a 30 de Maio de 2004 no Centro Cultural de Belém (comissário Delfim Sardo), Textos de Delfim Sardo, 1ª edição, Lisboa, edição Centro Cultural de Belém, 2003, 1 vol., pp. 9-111

Catálogo Helena Almeida – Frisos, Lisboa, edição Fundação Calouste Gulbenkian – CAM, 1987

Catálogo Retratos – Obras da Colecção da Caixa Geral de Depósitos, edição Fundação Eugénio de Almeida, 2005

Eco, Umberto, Como se faz uma tese em ciências humanas, «Universidade Hoje 4», 8ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 1977, 1 vol., pp. 7-238 Titulo Original: Como si fa una tesi di laurea, Casa Editrice Valentino Bompiani & C., Milão, 1977

Gonçalves, Rui Mário, A Arte Portuguesa do Século XX, Temas e Debates, 1998, pp. 93, 99, 103, 104, 105, 120, 139

Gonçalves, Rui Mário, Pintura e Escultura em Portugal, 1940-1980, «Biblioteca Breve», 3ª edição, Lisboa, edição Instituto da Cultura, 1991, vol. 44

Leite, Ana Mafalda, Livro das Encantações, «Outras Margens», 1ª edição, Lisboa, Editorial Caminho, 2005, vol. 44, p. 39

Lima Pinharanda, João, Portugal Algumas Figuras, 2005, pp. 18-21

Lopes, Adília, Adília Lopes, Obra, 1ª edição, Lisboa, Edição Mariposa Azual, 2000, 1 vol., p. 434

Melo, Alexandre, Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, edição Difel, 1998, pp. 100-103

Melo, Alexandre et al, Tráfego, Antologia Crítica da Nova Visualidade Portuguesa, 2001

Miranda, Jorge Gomes, Portadas Abertas, «Colecção Forma», 1ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 1999, vol. 39, p. 10

Molina, Ángela, Helena Almeida, Aprender a Ver, Porto, Mimesis, 2005, pp. 9-79

56

Bibliografia

Oliveira, Emídio Rosa de, Helena Almeida, Os Envolvimentos e os Limites Móveis do Corpo, Revista Colóquio, nº 76, Março de 1988, pp. 14-21 Pessoa, Fernando, Fernando Pessoa, Obra Poética, «Obra Poética de Fernando Pessoa», edição Círculo de Leitores, 1986, vol. 2, p. 219

Sousa, Ernesto de, Helena Almeida e o Vazio Habitado, Revista Colóquio nº 31, Fevereiro de 1977, pp. 5-13

Touraine, Liliane, Les Images de Traverse d’Helena Almeida, Revista Colóquio, nº 76, Março de 1988, pp. 22-29

Vidal, Carlos, Imagens sem Disciplina, Lisboa, Vendaval, 2002, pp. 13-32

Outras Fontes Highbeam Web Research Center Video Intus, RTP2

57

58

Imagens

Sem Título, 1967

Galeria Buchholz, Lisboa

Sem Título, 1970

Desenho a tinta da china com colagem de fio de crina sobre papel 52cm x 35cm

Sem Título, 1970

Desenho a tinta da china com colagem de fio de crina sobre papel 52cm x 35cm

59

Imagens

Sem Título, 1968

Acrílico sobre tela e madeira 130cm x 97cm

Sem Título, 1969 Técnica mista 170cm x 100cm

60

Imagens

Tela Rosa para Vestir, 1969

Fotografia p/b 83cm x 73cm

61

Imagens

Ouve-me, 1979 16 fotografias a p/b 18cm x 24cm cada

62

Imagens

O Atelier, 1983

Fotografia p/b 80cm x 61cm

63

Imagens

Estudo para um Enriquecimento Interior, 1977-78

6 fotografias p/b e acrílico 49,5cm x 37,5cm cada

64

Imagens

Pintura Habitada, 1975

11 fotografias p/b e acrílico Dimensões variáveis

65

Imagens

Desenho Habitado, 1977 6 fotografias p/b, lápis e fio de crina 42cm x 52cm cada

66

Imagens

Sente-me, 1979

4 fotografias p/b 52cm x 75cm cada

67

Imagens

Estudo para Dois Espaços, 1977

8 fotografias p/b 60cm x 40cm cada

68

Imagens

Estudo para Dois Espaços, 1977

8 fotografias p/b 60cm x 40cm cada

69

Imagens

Pintura Habitada, 1975-76

7 fotografias p/b e acrílico 46cm x 40cm cada

70

Imagens

Desenho Habitado, 1975 10 fotografias p/b, lápis e fio de crina Dimensões variáveis

71

Imagens

Tela Habitada, 1976

Fotografia p/b 165cm x 125cm

72

Imagens

Corte Secreto, 1981 Fotografia p/b sobre tela 300cm x 128cm

73

Imagens

Frisos (detalhes), 1986 262 fotografias p/b 18cm x 24cm cada 24cm x 470cm no total

74

Imagens

Negro Exterior, 1982

Fotografia p/b 181cm x 132cm

75

Imagens

Espaço Espesso, 1982 Fotografia p/b 286cm x 132cm

76

Imagens

Negro Agudo, 1982 4 fotografias p/b 213cm x 123cm cada

77

Imagens

O Perdão, 1993 Fotografia p/b e acrílico 80cm x 64cm

78

Imagens

A Casa, 1982 Fotografia p/b 260cm x 132cm

79

Imagens

Sem Título, 1994-95 20 fotografias p/b e acrílico 220cm x 110cm cada

80

Imagens

Sem Título (detalhe), 1994-95

Fotografia p/b e acrílico 220cm x 110cm

81

Imagens

Desenho, 1999 Fotografia p/b 85cm x 126cm

82

Imagens

Dentro de Mim, 2000

Fotografia p/b 132cm x 88cm

Dentro de Mim, 2000 Fotografia p/b 90cm x 132cm

Dentro de Mim, 2000

Fotografia p/b 206cm x 125cm

83

Imagens

Sem Título, 2003 9 fotografias p/b 129,5cm x 134,5cm cada

84

Imagens

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b 125cm x 125cm

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b 125cm x 90cm

85

Imagens

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b 125cm x 90cm

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b 125cm x 145cm

86

Imagens

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b e acrílico 125cm x 100cm

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b 125cm x 90cm

87

Imagens

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b 125cm x 90cm

Eu Estou Aqui, 2005 Fotografia p/b 125cm x 145cm

88

Imagens

Seduzir, 2002 Fotografia p/b 85cm x 125cm

Seduzir, 2002 Fotografia p/b 85cm x 125cm

89

Imagens

Seduzir, 2002 Fotografia p/b 125cm x 112cm

Seduzir, 2002 Fotografia p/b 125cm x 112cm

90

Imagens

Seduzir, 2002

Seduzir, 2002 Fotografia p/b e acrílico 195cm x 126cm

Seduzir, 2002

Seduzir, 2002 Fotografia p/b e acrílico 195cm x 126cm

Fotografia p/b e acrílico 194cm x 124,5cm

Fotografia p/b e acrílico 120cm x 83cm

91

Imagens

Seduzir, 2002

Fotografia p/b 125cm x 85cm

Seduzir, 2002

Fotografia p/b 189cm x 124cm

92

Imagens

Dentro de Mim, 1998 14 fotografias p/b 58cm x 86cm cada

Dentro de Mim, 1998 Fotografia p/b 185cm x 122cm

93

Imagens

Selecção de Desenhos Preparatórios

94

Imagens

Selecção de Desenhos Preparatórios

95

Helena Almeida no seu atelier em Lisboa Fotografia de Luís Ramos, 2004

View more...

Comments

Copyright � 2017 SILO Inc.