January 3, 2018 | Author: Talita Covalski Diegues | Category: N/A
1 SUCESSÃO DA ATIVIDADE NA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL NA PERSPECTIVA DA FAMÍLIA E DE GÊNERO VERA REGI...
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
SUCESSÃO DA ATIVIDADE NA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL NA PERSPECTIVA DA FAMÍLIA E DE GÊNERO VERA REGINA FERREIRA CARVALHO. UNIVATES, LAJEADO, RS, BRASIL.
[email protected] APRESENTAÇÃO ORAL AGRICULTURA FAMILIAR
Sucessão da atividade na pequena propriedade rural na perspectiva da família e de gênero1 Grupo de Pesquisa: Agricultura Familiar
Resumo Parte de uma pesquisa mais ampla sobre a sucessão da agricultura familiar no Vale do Taquari, Rio Grande do Sul, o presente trabalho analisa a sucessão a partir de questões relacionadas a família - com ênfase nas relações de gênero – visto que a continuidade da profissão agrícola está ligada a reprodução social da base familiar. O trabalho conclui postulando a necessidade de se tomar ações que auxiliem na continuidade da atividade produtiva na pequena propriedade. Palavras-chaves: agricultura familiar; sucessão patrimonial; desenvolvimento rural; juventude rural; reprodução social. Abstract Part of one search on the succession of familiar agriculture in the Vale do Taquari, Rio Grande do Sul, the present work analyzes the succession from related questions the family 1
Este artigo faz parte de uma pesquisa mais abrangente que trabalha a questão sucessória no Vale do Taquari, Rio Grande do Sul, que contou com o apoio financeiro do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Federação dos Trabalhadores da Agricultura – Rio Grande do Sul (FETAG-RS). 1
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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- with emphasis in the relations of gender- since the continuity of the agricultural profession is on the social reproduction of the familiar base. The work concludes claiming the necessity of if taking actions that assist in the continuity of the productive activity in the small property. Key Words: familiar agriculture; patrimonial succession; agricultural development; agricultural youth; social reproduction
1. Introdução A continuidade das atividades agrícolas sempre aconteceu de forma natural e por gerações e gerações os filhos foram sucedendo os pais. Entretanto, nos últimos anos questões afeitas à sucessão passaram a preocupar os agentes relacionados com esse segmento. Essa preocupação é paralela a uma série de transformações que impactaram direta e indiretamente a agricultura familiar e que têm suas raízes na modernização da agricultura. Ao se tratar da questão sucessão é necessário que tenhamos presente que a mesma engloba três questões: a transferência do patrimônio, a continuidade da atividade profissional e a saída da geração paterna do comando (Abramovay, 2001). Assim, o momento de transferência da unidade produtiva não ocorre em um curto espaço de tempo; ao contrário, é um processo lento e gradual, que varia de acordo com a organização interna de cada família. Isso porque a transferência da unidade produtiva e a sucessão profissional são momentos essenciais no processo de reconstituição de uma nova geração de produtores, envolvendo a renovação da agricultura familiar e sua continuação como forma viável de desenvolvimento do meio rural brasileiro (Mello et al., 2003). Buscando entender as raízes desse problema, para auxiliar nas soluções, o presente artigo analisa a sucessão em alguns de seus aspectos - questões relacionadas a família, com ênfase nas relações de gênero -, pois a continuidade da profissão agrícola está ligada umbilicalmente a reprodução social com base familiar. Ainda que não tenha nascido na propriedade em que atualmente vive e/ou trabalha, o agricultor tem suas raízes de forma predominante na zona rural, na própria atividade agrícola. Dificilmente alguém sem essa vivência familiar, sem conhecimento tácito adquirido, passa a ser agricultor. Entretanto, o agricultor não está mais influenciando diretamente o seu filho para a continuidade da profissão – essas questões são analisadas na seção segunda. Outro fator que se soma, e dificulta a realização da sucessão, é a transição demográfica que vem atingindo a zona rural brasileira, sendo que nas regiões com maior nível de desenvolvimento esse processo se dá de forma mais intensa – objeto da seção terceira. As relações de gênero também contribuem na construção de um entendimento sobre o processo sucessório e são tratadas na seção quarta. Na quinta seção são feitas algumas sugestões de encaminhamento para essa problemática.
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Os dados apresentados são originados na pesquisa de campo realizada no ano de 2005 em 1.219 propriedades rurais do Vale do Taquari – Rio Grande do Sul.2 O universo analisado foi de 28.756 propriedades rurais localizadas nos 37 municípios integrantes do Vale do Taquari e a amostra analisada apresenta um grau de confiança de 95%, coeficiente de variabilidade de 50% e um erro amostral relativo de 2,77%. Em cada propriedade foi entrevistado o responsável e quando este era o proprietário, também foram questionados os filhos acima de 12 anos residentes na propriedade. Estudos pioneiros, como o de Abramovay(2001) nessa área já indicavam a gravidade da situação. Passado alguns anos, a presente pesquisa, realizada também numa região de predomínio da agricultura familiar mostra o acirramento dessa problemática. Dentre o universo analisado foi constatado que em 66,3% dos estabelecimentos não se tem uma definição quanto a sucessão dos mesmos.. Alguns fatores que agravaram essa situação foi a modificação no ritmo de crescimento da população Buscando diferenças que ajudem a explicitar o entendimento do processo sucessório, adotamos uma tipologia para as propriedades rurais baseada em critérios econômicos relativos a realização de investimento e poupança. As propriedades com realização de investimento e de poupança são classificadas como capitalizadas (correspondem a 30,36% do universo investigado); as propriedades com realização de poupança ou investimento são classificadas como em transição (correspondem a 49,4% do universo investigado); e as propriedades que não realizaram nem investimento nem poupança são classificadas como descapitalizadas (correspondem a 20,21% do universo investigado)3. Consideramos também que “[m]ais do que uma faixa etária a condição juvenil é uma posição na hierarquia social (Weishermer, 2005)”. Desta forma, na presente pesquisa todos os filhos residentes, subordinados a figura paterna ou materna são denominados de jovens, independentemente de sua idade.
2. A transferência da atividade rural 2
A região estudada integra a Colônia Velha do Rio Grande do Sul – que consiste no berço da agricultura familiar no Estado (Schneider, 2004) e encontra-se situada na porção central do Estado do Rio Grande do Sul. Os municípios integrantes dessa região são: Anta Gorda, Arroio do Meio, Arvorezinha, Bom Retiro do Sul, Canudos do Vale, Capitão, Colinas, Coqueiro Baixo, Cruzeiro do Sul, Dois Lajeados, Doutor Ricardo, Encantado, Estrela, Fazenda Vila Nova, Forquetinha, Ilópolis, Imigrante, Lajeado, Marques de Souza, Mato Leitão, Muçum, Nova Bréscia, Paverama, Poço das Antas, Pouso Novo, Progresso, Putinga, Relvado, Roca Sales, Santa Clara do Sul, Sério, Tabaí, Taquari, Teutônia, Travesseiro, Vespasiano Correa e Westfália. A população rural representa 28,3% do total nessa região (IBGE/FEE, 2005) e 78,2% das propriedades analisadas possuem até 20 ha (Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA). 3
A classificação utilizada apresenta diferenças em relação a apresentada por Abramovay (2001) em face do desconhecimento, por parte de um número considerável de proprietários, da sua renda e em algumas vezes omissões por parte dos mesmos acerca dessa informação. Desta forma, através das categorias econômicas investimento e poupança buscou-se uma estratificação econômica. 3
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O agricultor não está mais influenciando os seus filhos para a continuidade das atividades. Na pesquisa essa mudança de comportamento é evidenciada quando comparamos a influência recebida da atual geração de responsáveis com a motivação repassada a seus possíveis sucessores (gráfico 01). Na geração passada a situação predominante era de estimular todos os filhos a serem agricultores - esse foi o ambiente familiar vivenciado por 62,3% das famílias. Na atual geração predomina a não interferência nas decisões profissionais dos filhos, 47% dos entrevistados responderam que não exercem influência sobre a opção profissional dos seus filhos e as situações de estímulo ocorrem em 29,5% das propriedades.4 Observamos também que as situações de desestímulo passaram de 3,4% para 19,6%, indicando a baixa estima relacionada com a atividade agrícola e da diminuição da influência paterna e/ou materna sobre as decisões dos filhos. GRÁFICO 01 – Estímulo recebido pelos dos pais dos atuais proprietários na opção profissional de ser agricultor comparativamente com o estímulo recebido dos atuais proprietários na opção profissional de ser agricultor dos filhos, em percentual outra situação sem influência desestím ulo a todos estímulo a somente um estímulo a todos
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estímulo exercido pelos atuais responsáveis estímulo recebido pelos atuais responsáveis
Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA Esta transformação está relacionada com a diminuição da influência familiar, que perde força entre as gerações. De um modo geral assistimos a uma crise moral da família, assim como estão em crise os valores modernos. Vivemos um momento de crise moral muito intensa no capitalismo e que como não poderia deixar de ser, esta apresenta reflexos intensos na agricultura familiar, visto que a influência familiar na zona rural sempre foi mais acentuada do que na urbana. A difusão do individualismo de massas, especialmente pela televisão, acelerou-se muito, nas novelas, nos filmes, nos programas infantis etc. E a identificação do valor do homem à quantidade e à qualidade do consumo se 4
Na geração anterior essa indiferença estava presente em 31% das unidades produtivas. 4
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impõe esmagadoramente, entre ricos, remediados e pobres (Mello Novais, 1998:656).
&
E a televisão, um dos veículos desses novos “valores” está presente em quase todos os domicílios investigados, independente da classificação econômica da propriedade. Apenas 1,6% das propriedades investigadas não têm acesso à televisão, sendo que em 70,7% o acesso se dá via antena parabólica, retransmitindo as informações a partir do eixo Rio de Janeiro - São Paulo. Em tempos de individualismo exacerbado, o que pensam os pais representa cada vez menos. Os acordos familiares, muitas vezes à margem dos acordos legais, passam a ser alvo de um comportamento oportunista, adquirem uma fragilidade e podem vir a ser contestados no futuro. Os acertos familiares perdem a sua força, e não há mais garantias de que os acordos serão cumpridos; a incerteza tão característica dos tempos contemporâneos também encontra espaço rural. “O papel da família como instância privilegiada de mediação entre o indivíduo e a sociedade é neutralizado, abrindo-se espaço para estratégias concorrentes e antagônicas entre o indivíduo e a família (Carneiro, 2006:9)”. Assim, se a influência familiar diminui, buscamos outras relações que possam explicar o que vem acontecendo no meio rural. Buscando subsídios para entender as razões que levam a esse quadro percebe-se que esse estímulo aumenta nas propriedades onde se verificaram investimentos e poupança nos dois últimos anos (tabela 01). Nos estabelecimentos classificados como capitalizados, em 32,78% das propriedades, todos os filhos são estimulados a permanecer na agricultura. Nas propriedades em transição e descapitalizadas as situações em que os pais desestimulam todos a permanecer na agricultura (21,05% nas em transição e 22,50% nas descapitalizadas) são mais freqüentes do que naquelas propriedades capitalizadas (12,71%). As propriedades com maior êxito econômico apresentam um estímulo superior ao registrado nas propriedades onde não se verifica nem poupança nem investimento.
TABELA 01 - Influência atual dos pais na opção profissional dos filhos serem agricultores e sucederem profissionalmente a propriedade, segundo classificação econômica (%). Influência na sucessão Estímulo a todos os filhos para permanência na agricultura Estímulo a um só filho(a) para permanência na agricultura Desestímulo a todos de permanecerem na agricultura Não influencia os filhos Outro Total
Capitalizados
Em transição
Descapitalizados
32,78
28,95
26,50
3,01
3,85
2,00
12,71
21,05
22,50
51,17 0,33 100,00
45,34 0,81 100,00
49,00 0,00 100,00
Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA
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Analisando-se essa questão pela ótica dos filhos, percebemos que o desestímulo à lida da agricultura e procura por uma ocupação urbana é mais sentida pelas filhas mulheres, pois 11% das filhas sentem-se desestimuladas pelos pais para a continuação no trabalho rural (Gráfico 02). Esse desestímulo sentido pelas mulheres se relaciona com o papel desempenhado por elas na agricultura familiar e que será objeto de uma análise mais detalhada na seção 4 do presente artigo.
GRÁFICO 02 – Percepção dos filhos residentes, maiores de 12 anos e residentes na propriedade, quanto a influência dos pais na opção de exercer atividades na agricultura, segundo gênero. Outra Estimulam só um filho a ser agricultor, no caso não eu Desestimulam todos os filhos de serem agricultores e me incentivaram a procurar emprego na cidade
feminino masculino
Estimulam-me a ser agricultor
Não me influenciaram
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40
60
80
Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA Como percebemos, a situação preponderante, tanto na percepção dos pais como na dos filhos, quanto a postura adotada pelos responsáveis é de não se posicionar sobre a permanência dos filhos na continuidade das atividades, deixando ao livre arbítrio destes a decisão sobre o seu futuro. Analisando-se por outra ótica, e levando em conta a forma como a profissão agricultor é transmitida de geração em geração, essa postura acaba por se constituir num desestímulo velado à profissão de agricultor. O esvaziamento da importância do rural também relaciona-se com o modelo de desenvolvimento brasileiro que colocou em contradição o rural e o urbano, colocando o primeiro como arcaico e o segundo como moderno. As atividades relacionadas com a
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agricultura foram perdendo status com o passar dos tempos e o desejo do jovem se deslocou para a cidade. Esse fenômeno vivenciado atualmente é reflexo da modernização das atividades agrícolas, que teve seu apogeu no período compreendido entre 1960 e 1980. No auge desse processo verificou-se um êxodo rural sem precedentes na história rural brasileira e do qual o atual momento é tributário. A partir desse momento verifica-se uma diminuição do caráter agrário e rural da sociedade brasileira. A importância relativa da agropecuária teve sua importância diminuída, ainda que nos últimos tempos o agronegócio tenha aparecido com destaque e seja em grande parte responsável pelos bons resultados da balança comercial brasileira. Analisando-se a inserção desse jovem hoje nas atividades diárias da propriedade se verifica que parte expressiva exerce outras atividades e utiliza a propriedade apenas como dormitório. Seus interesses estão deslocados para as atividades urbanas ainda que residam na zona rural e o núcleo familiar desenvolva atividades agropecuárias. Na região estudada isso se torna possível pela proximidade da zona rural com os centros urbanos. Ainda que não tenhamos dados mais precisos sobre pluriatividade, indícios fortes dão conta dessa realidade, quando da realização da pesquisa de campo as dificuldades de encontrar os jovens nas propriedades rurais foi elevada, muitos questionários foram respondidos nos finais de semana, e em alguns casos, ainda que o filho continuasse residindo na propriedade não se conseguiu esse contato. Mundialmente observamos o crescimento da população sem ocupação direta na agricultura mas que reside no meio rural.
3. Pais mais longevos e um número menor de filhos: a nova dinâmica populacional da zona rural O final do século vinte consolidou um processo de envelhecimento da população mundial, que compreende além de aumento da expectativa de vida, diminuição das taxas de natalidade. [o] envelhecimento de uma população, considerado sob o ponto de vista demográfico, é o resultado da manutenção por um período de tempo razoavelmente longo de taxas de crescimento da população idosa superiores às da população mais jovem. No caso brasileiro, isso foi resultado da rápida queda da fecundidade iniciada na segunda metade dos anos 1960, que foi precedida em pelo menos 30 anos por altos níveis de fecundidade concomitante a uma queda gradual da mortalidade. A queda da fecundidade gerou uma modificação nos pesos relativos dos diversos grupos etários, levando a um processo conhecido como envelhecimento pela base. A redução da mortalidade, especialmente nas idades mais avançadas, leva a que esse segmento populacional que passa a ser mais representativo no total da população sobreviva por períodos mais longos, resultando no 7
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envelhecimento pelo topo. Esse processo é muito mais amplo do que uma modificação de pesos de uma determinada população, uma vez que altera a vida dos indivíduos, as estruturas familiares, a sociedade etc. Altera também a demanda por políticas públicas e a pressão pela distribuição de recursos na sociedade (Beltrão et al, 2004:17-8). Essa diminuição das taxas de natalidade é reflexo dos processos de modernização e posteriormente da globalização que acaba por homogeneizar as dinâmicas populacionais, aproximando as taxas da zona urbana e da zona rural. Configura-se numa outra faceta do processo de envelhecimento populacional, que consiste na “... mudança nos pesos dos vários grupos de idade no total da população, com um maior peso nas idades mais avançadas e um menor nas idades mais jovens (Beltrão et al, 2004:16). Esse processo também encontra-se na região estudada, porém em um ritmo mais avançado. Essa diminuição da fecundidade está associada ao desenvolvimento sócioeconômico da região: quanto maior o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mais intensamente acontece a transição demográfica. No ano de 2000 o Brasil apresentou um índice de 0,766 e o Rio Grande do Sul um índice de 0,814. Quanto mais próximo de um, maior o nível de desenvolvimento da região analisada (PNUD, 2006). O processo de transição demográfico brasileiro está se dando em um ritmo muito mais acelerado do que o verificado no continente europeu, acarretando mudanças rápidas no ritmo de crescimento da população e na distribuição etária. Na Europa esse processo, ainda que tenha ocorrido de forma mais lenta, desencadeou uma série de políticas públicas no âmbito da Comunidade Européia buscando evitar o êxodo rural. Além do mais, no meio rural essas questões são mais preocupantes, pois o declínio da fecundidade rural ocorrido foi da ordem de 20,9% no período 1991/2000, enquanto no meio urbano as taxas apresentaram uma redução da ordem de 4,3% no mesmo período (Berquó & Cavenagui, 2006). ... é a notável mudança na estrutura etária no médio e longo prazo, uma vez que, gerações relativamente numerosas, nascidas antes da transição da fecundidade, são seguidas ao avançar no tempo, por gerações de tamanhos relativamente menores, fruto de nascimentos provenientes da fecundidade em declínio, como resultado observa-se um crescente aumento relativo da população idosa ( Wong & Moreira, 2000:10). Chegando a dados similares aos apresentados na zona urbana, os núcleos familiares estão menores, o número de filhos por família está diminuindo,. Os núcleos familiares preponderantes são os com até 2 filhos, 62,85% nas unidades capitalizadas, 56,46% nas unidades em transição e em 52,56% das unidades descapitalizadas. A incidência de grandes famílias é cada vez menor. Na população analisada as famílias com um número de filhos superior a cinco foram de 5,26% nas unidades capitalizadas, 6,84% nas unidades em transição e 11,16% nas unidades descapitalizadas. Comparativamente, os núcleos com melhores condições financeiras apresentam um número menor de filhos.
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TABELA 02 – Número de filhos por unidade produtiva, segundo classificação econômica Número de filhos Capitalizado Nenhum 1 Filho 2 Filhos 3 Filhos 4 Filhos 5 Filhos 6 Filhos ou mais
Classificação econômica Em transição Descapitalizado 6,46 6,98 7,74 17,65 15,97 16,74 37,46 34,03 28,84 20,43 20,15 20,93 7,74 10,27 7,44 3,72 6,27 7,91 5,26 6,84 11,16
Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA Desse núcleo familiar já reduzido, muitas vezes esses filhos acabam saindo da propriedade em busca de melhores alternativas. Ainda que as unidades descapitalizadas apresentem um maior média de filhos, é nessas em que a ausência de filhos é mais sentida. Em 39,07% das unidades descapitalizadas não há mais nenhum filho residindo, essa ausência também ocorre em 23,53% das unidades capitalizadas e em 31,56% das unidades em transição. No agregado, 30,7% das propriedades analisadas não tem registro da presença de jovens no seu interior. Acreditamos que a situação econômica seja um fator explicativo importante para esta realidade. Com a mudança de uma lógica familiar para uma lógica de cunho mais individualista, o que acaba por atrair o jovem para a agricultura é o vislumbre de uma atividade econômica rentável que lhe proporcione condições de consumo (Tabela 03). Com a maior longevidade dos pais, na maioria das vezes o filho acaba indo buscar sua inserção profissional em outras paisagens, através de sua independência.
TABELA 03 - Número de filhos que continuam na propriedade, segundo classificação econômica Filhos na propriedade Nenhum 1 Filho 2 Filhos 3 Filhos 4 Filhos 5 Filhos 6 Filhos ou mais
Capitalizado
Em transição 23,53 39,94 27,55 7,12 0,93 0,93 0,00
Descapitalizado 31,56 35,17 22,05 8,37 1,71 0,95 0,19
39,07 29,77 19,07 9,77 1,86 0,47 0,00
Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA
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O aumento proporcional do contingente de velhos pode ser visto na idade média da população investigada, que é de 52 anos, e a idade média dos responsáveis é de 53 anos. Uma análise da estrutura etária dos moradores também dá conta dessa situação (Gráfico 03) Outra informação que corrobora esse processo de envelhecimento é que em 66,3% das propriedades o responsável encontra-se no comando da mesma a mais de 15 anos. “A população - como coletivo - envelhece à medida em que aumenta a idade média das pessoas que a compõe ( Berquó & Cavenaghi, 2006:5)”
GRÁFICO 03 – Estrutura etária dos moradores por faixa e gênero 10 9 8 7 6 Masculino
5
Feminino
4 3 2 1 0 Até 5 a 9 10 a 15 a 20 a 25 a 30 a 35 a 40 a 45 a 50 a 55 a 60 a 65 a 70 a 75 a 4 14 19 24 29 34. 39 44 49 54 59 64 69 74 79
80 ou mais
Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA Com o aumento da idade média, também se intensificam as situações em que aposentados encontram-se a frente na condução das unidades produtivas .5 É o caso de 37% das propriedades entrevistadas. Quando observados pela estratificação econômica, 5
A aposentadoria rural por idade acontece aos 60 anos para os homens e aos 55 anos para as mulheres. 10
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essa realidade está presente em 46,05% das propriedades descapitalizadas. Como existe uma renda garantida e também os produtores já se encontram em um estágio de vida mais avançada os incentivos para novas atividades é cada vez menor. Essa aposentadoria algumas vezes é a principal fonte de renda da unidade familiar. Uma análise da totalidade dos moradores dá conta de que 25,2% se encontram na situação de aposentados. A tendência é que o ritmo da atividade diminua ao longo do tempo , pois essa idade mais avançada na condução dos negócios gera um entrave à inovação e à dinamização da atividade econômica na propriedade. Assim, vive-se na atualidade “... uma crise na reprodução social entre agricultores familiares uma vez que, por diferentes razões, os jovens, entre os quais principalmente as mulheres, passam cada vez mais a formularem projetos profissionais que apontam para a ruptura com a agricultura (Weisheimer, 2005)”.
4. O espaço feminino na lógica rural Vários obstáculos dificultam a realização da sucessão, já elencamos a diminuição da fecundidade, o envelhecimento da população. A essas razões soma-se o afastamento cada vez maior da mulher do meio rural, que será analisado nessa seção. Afastamento que em parte, é explicado pelo tratamento diferenciado que a filha recebe, ainda que constitucionalmente a igualdade entre os sexos esteja assegurada, de fato não é essa realidade que se apresenta, sobretudo no meio rural (Carneiro, 2006). Num segundo momento essa desigualdade de tratamento implica num processo de masculinização do campo (Camarano e Abramovay; Anjos & Caldas,2005). No Vale do Taquari esse processo ainda não está tão evidenciado visto que a proximidade da zona rural com a zona urbana permite que diversas mulheres continuem residindo no perímetro rural e trabalhem na cidade. Mas essa tendência começa a se desenhar quando se contata que dos filhos residentes a proporção é de 1,8 homem por mulher. Uma análise de todos os moradores mostra que 52,4% são do gênero masculino e 47,6% do gênero feminino. É na faixa dos 14 aos 30 anos que existem as maiores diferenças entre homens e mulheres, com maior diferença entre 20 e 24 anos. Época em que as jovens vão em busca de seu desejo. Quando indagadas sobre o futuro profissional que desejam, as filhas colocaram em 31,1% das respostas que não querem seguir carreira na agricultura. Além disso, outras respostas não tão incisivas também demonstram essa negação do agrícola por parte das mulheres, onde mais 17,2% das mulheres pesquisadas se colocam como não querendo trabalhar com as atividades agrícolas. Somam-se a essas informações o fato de que 22,7% das restantes quererem trabalhar na cidade ou ter o seu próprio negócio (Gráfico 04).
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GRÁFICO 04 – Desejo em relação ao futuro profissional, segundo gênero
Outro Trabalhar em ocupação não agrícola
feminino masculino
Ficar no meio rural, mas trabalhar em atividades não agrícolas Trabalhar na cidade ou ter seu próprio negócio Permanecer na agricultura em tempo parcial Não seguir a carreira na agricultura Permanecer na agricultura 0
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Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA A expressão de querer ter seu próprio negócio é mais um indicativo de que a filha mulher não se sente totalmente partícipe do negócio da família, como se aquele não pudesse ser o seu próprio negócio em algum momento. Nas respostas das filhas mulheres está explicitado um desejo de uma inserção urbana e uma rejeição à agricultura. Aprofundando a discussão acerca de futuro com os jovens que não descartaram sua permanência na agricultura percebe-se que destas, 40,4% coloca que vão ter outra profissão, diferente da relacionada com a agricultura. Essa busca de novos espaços de 12
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realização para a mulher está relacionada com o papel secundário que é atribuído a mulher, seja pelos homens ou pelas próprias (Carneiro, 2006). Dessa forma a desigualdade e a hierarquia continuam presentes nas relações de gênero, ainda que exista uma complementaridade entre as atividades exercidas pelos homens e pelas mulheres na propriedade. Na busca da valorização individual o caminho mais fácil é abandonar o meio rural e buscar uma inserção tipicamente urbana. As mulheres participam menos, seja no espaço privado como no espaço público. Das filhas mulheres, 44,3% afirmaram não possuir nenhuma relação externa com a propriedade. , denotando um isolamento das mulheres que permanecem na zona rural. No caso dos filhos homens esse resultado foi de 28,8%. Observamos que os respondentes dessa amostra são os filhos residentes nas propriedades cujo responsável é o proprietário e que possuem idade igual ou superior a 12 anos. Cabe
GRÁFICO 04 – Formas de relação dos filhos, segundo gênero, com agentes fora da propriedade, segundo gênero
grupo de jovens da cooperativa grupo de jovens do STR associação de agricultores outra filiado a um partido político feminino masculino
sócio da cooperativa. sócio do STR grupo de jovens da igreja bloco de produtor rural não participo de nada conta corrente individual no banco 0
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Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA Como não poderia deixar de ser, as filhas mulheres são preteridas no processo sucessório. A escolha está implícita na atividade exercida pelo jovem, as mulheres muitas vezes não participam da lida diária da agricultura e esse acompanhamento é colocado pelos responsáveis como sendo a principal forma de preparo que o jovem possa assumir a propriedade. Para as filhas mulheres a principal atividade reservada é a atividade
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doméstica. A divisão do trabalho entre os gêneros é reveladora também de uma determinada hierarquia familiar, em que a filha mulher está alijada do processo sucessório.
GRÁFICO 05 – Atividades exercidas pelos filhos residentes, segundo gênero
Turismo rural Outra Agroindustrialização
feminino
Não exerce nenhuma atividade Trabalhos esporádicos na Atividades domésticas.
masculino
C riação Lavoura 0
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Fonte: Pesquisa de campo UNIVATES/FETAG/MDA Resultante desse pensar tem-se apenas 17% das propriedades sob responsabilidade de uma mulher.
5. Considerações finais
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Entendemos a sucessão enquanto um processo endógeno, interno a propriedade rural, onde pelo menos um dos filhos sucede o pai na administração da unidade produtiva. Desta forma, perceber que no Vale do Taquari, 30,70% das propriedades não possuem mais os possíveis sucessores em seu interior é um fato importante de ser observado. Se a sucessão não se concretiza, aumenta a probabilidade de que a atividade agrícola possa desaparecer daquela área territorial, ou venha a ser exercida de outra maneira, sem a sucessão a agricultura familiar encontra-se comprometida. Parte dos elementos que formam esse problema já vem sendo postos a mais tempos, entretanto a crise dos valores modernos acaba por acirrar ainda mais essa questão. A unidade familiar era colocada sempre acima dos interesses individuais, mas agora a crise da sociabilidade moderna penetra o meio rural. Atualmente os interesses individuais se sobrepõem aos interesses da unidade familiar. Em vários casos investigados em que o jovem decidiu-se pela permanência na agricultura, essa decisão só ocorreu após experiências na zona urbana e sobretudo nas linhas de produção das indústrias regionais. . Buscando formas de facilitar a sucessão, dentro de uma abordagem mais individualista pode-se pensar na formulação de projetos profissionais para os jovens, alternativos aos já desempenhados na atividade rural, mas que contribuam para a sua permanência no campo enquanto agricultores. Outra possibilidade é estimular os jovens a contribuir no planejamento da propriedade rural, pode ser uma forma de estimulá-lo a continuar sua trajetória no setor primário. A agricultura familiar nessa região fornece as bases para o processo de industrialização regional. De um modo geral, a cadeia produtiva de carnes – avícola e suínicola – está assentada na agricultura familiar. Nossa competitividade internacional é obtida graças ao trabalho de muitos agricultores familiares que tem encontrado entraves para a reprodução de seu sistema produtivo. Em carne de aves o Brasil é o maior exportador e em carne de suínos ocupa a quarta posição. Em termos de produção mundial, na carne de aves ocupa a terceira posição e na carne de suínos ocupa a quarta posição mundial (MAPA, 2006). Ainda que a pouca preocupação com a questão da sucessão seja reflexo de um problema mais amplo de crise do próprio sistema capitalista e dessa forma só ações de longo prazo possam urge que ações específicas acerca da sucessão sejam tomadas a ponto de comprometer a reprodução social da agricultura familiar.
Referências ABRAMOVAY, Ricardo (coord) (2001). Os impasses sociais da sucessão hereditária na agricultura familiar. Florianópolis : Epagri ; Brasília : Nead/ Ministério do Desenvolvimento Agrário,
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Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
ANJOS, Flávio Sacco dos & CALDAS, Nádia Velleda (2005). O futuro ameaçado : o mundo rural face aos desafios da masculinização, do envelhecimento e da desagrarização. Ensaios FEE. Porto Alegre, v. 26, n.1, jun, BELTRÃO, K.I. et al (2004). Dinâmica populacional brasileira na virada do século XX (Texto para discussão 1034) BERQUÓ, E. S. & CAVENAGUI, S. M. (2006). Fecundidade em declínio: breve nota sobre a redução do número médio de filhos por mulher no Brasil. Novos Estudos, São Paulo, v. 74, p.11-15, CARNEIRO, Maria José (2006). Acesso à terra e condições sociais de gênero: reflexões a partir da realidade brasileira. VII Congresso Latino Americano de Sociologia Rural, ... disponível on-line em http://www.rimisp.org/getdoc.php?docid=6517 acessado em 26.dez, MELLO, João Manuel Cardoso de & NOVAIS, Fernando A. (1998). Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, MELLO, Márcio Antonio et al(2003). Sucessão hereditária e reprodução social da agricultura familiar. Agricultura de São Paulo, SP, 50(1):11-24, disponível on-line em http://www.iea.sp.gov.br/out/publicacoes/pdf/asp-1-03-2.pdf , MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO (2006). Projeções do Agronegócio mundial e Brasil. Fevereiro, PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (2006). Relatório do Desenvolvimento Humano 2006 - A água para lá da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água. Traduzido e publicado por Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD). New York, 2006. Disponível em: http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh/rdh2006/rdh2006.zip. Acessado em: 22/02/2007. SCHNEIDER, Sérgio (2004). Agricultura familiar e industrialização: pluriatividade e descentralização industrial no Rio Grande do Sul.. 2 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, WEISHEIMER, Nilson (2005). Jovens Agricultores: gênero, trabalho e projetos profissionais. XXIX Encontro Anual da ANPOCS, disponível on-line em http://www.uff.br/obsjovem,
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Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural