REVISTA QUERUBIM NITERÓI RIO DE JANEIRO 2012

December 11, 2016 | Author: Lídia Rios Beppler | Category: N/A
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1 REVISTA QUERUBIM NITERÓI RIO DE JANEIRO 2012 Página 1 de 167 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE D...

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Página 1 de 167

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REVISTA QUERUBIM

REVISTA QUERUBIM – RIO– DE JANEIRO LetrasNITERÓI – Ciências Humanas Ciências Sociais

2012

Ano 09 Número 19 Volume 1 ISSN – 1809-3264

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REVISTA QUERUBIM NITERÓI – RIO DE JANEIRO 2013

NITERÓI RJ

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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 2 de 167 Revista Querubim 2013 – Ano 09 nº 19 – vol.1 167 p. (fevereiro – 2013) Rio de Janeiro: Querubim, 2013 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais – Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Paolo Vittoria Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 3 de 167 Sumário 01

Da ação penal 470 ao moralismo como tradição autoritária das elites na terra da garoa – Afonso Soares de Oliveira Sobrinho A argumentação no editorial ―resgate do português‖do jornal Estado de Minas – Clarice Lage Gualberto e Valdirécia de Rezende Taveira Fatores que interferem na alfabetização de alunos do primeiro ano – Dalvanice Marques da Silva Macêdo, Mayane Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias Televisão, juventudes & sociabilidades – Denise Maria Soares Lima

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05 Um olhar enunciativo sobre o ensino de sintaxe – Elke Beatriz Felix Pena 06 Kafka e o fantástico contemporâneo no conto Josefina a Cantora ou o povo dos ratos – Fabíola

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Tânia Leitão Eulálio Construindo o conhecimento de si com o outro: olhares sobre o ambiente escolar – Francisca da Silva Ferreira, Mayane Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias O ensino de biologia na Escola Estadual Bartolomeu Bueno da Silva e suas contribuições para o cotidiano dos alunos – Gecilane Ferreira, Marciel Pereira dos Santos e Geane Brizzola dos Santos Refletindo sobre a noção de anáfora nos quadros teóricos da linguística textual e da gramática gerativa – Hélder Sousa Santos O(s) construtivismo(s) e suas caraterísticas: comparando três diferentes formas de se conceber o conhecimento – Henrique Sérgio Barros Cavalcanti Júnior e Isabela Neves Ferraz Avaliação da literatura no Enem – Hilda Gomes Dutra Magalhães A importância do lúdico no processo de ensino da aprendizagem no ensino infantil Janilsa da Silva, Mayane Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias Conceitos de cultura sob a perspectiva de Freud e Geertz – Mayara Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros, Judson Daniel Januario da Silva e Mayane Ferreira de Farias Comparativismo e análise de construções imagéticas na linguagem poética florbeliana – Eliane Cristina Testa, Janete Silva dos Santos e Valéria da Silva Medeiros O professor como um intelectual prático-crítico: conexões entre a práxis e o fazer docente – Jesiel Soares Silva A Educação Especial e seus atores históricos sociais no ensino infantil: um estudo de caso no Município de João Câmara (Rio Grande do Norte) - Josilda Pereira do Nascimento Lima, Mayane Ferreira de Farias, Janaina Luciana de Medeiros e Mayara Ferreira de Farias O sujeito discursivo tertuliano e a verdade em O homem duplicado de José Saramago - Karina Luiza de Freitas Assunção Blog: um espaço de expressão do sujeito na/da pós-modernidade – Leila Karla Morais Rodrigues Freitas Exílio existencial na poesia de Augusto dos Anjos – Lívia Guimarães da Silva Uma cidade entre o rio e a floresta – Luciana Nascimento e Marcio Roberto Vieira A história em xeque: considerações sobre o trabalho científico do historiador – Marcelo Pinheiro Cigales O gênero carta do leitor na mídia impressa: dialogismo, responsividade e avaliação – Marcossuel Soares Batista da Silva

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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 4 de 167 DA AÇÃO PENAL 470 AO MORALISMO COMO TRADIÇÃO AUTORITÁRIA DAS ELITES NA TERRA DA GAROA Afonso Soares de Oliveira Sobrinho1

Resumo No discurso da grande mídia em sintonia com as elites paulistanas a corrupção do país fica em Brasília. São Paulo é um território ordeiro e do progresso traduzido em boas condições de vida. A ação penal 470 cai como uma luva no resgate moralista de governos locais ao longo do século XXI. É preciso recuperar a velha tradição, família e propriedade da locomotiva do país (centro financeiro). É natural termos um representante ético a altura do orgulho paulistano no poder central. As desigualdades sociais são ―pontuais‖ para isso usa-se o braço institucional da polícia no trato com a pobreza. Na tradição elitista os privilegiados nasceram para governar e o povo pela sua condição social naturalmente obedecer. Palavras-chave: Elite Moralista; Violência Institucional; Pobreza . Abstract In the discourse of the mainstream media in line with the São Paulo elite corruption in the country is in Brasilia. São Paulo is a territory and orderly progress translated into good living conditions. The prosecution 470 fits like a glove in the rescue moralistic local governments throughout the century. You need to recover the old tradition, family and property locomotive of the country (the financial center). It's natural to ethical terms a representative height of pride in São Paulo central power. Social inequalities are "off" for this we use the institutional arm of the police in dealing with poverty. In the tradition of the privileged elite born to rule the people by their social condition naturally obey. Keywords: Moralist Elite. Institutional Violence; Poverty Introdução Tem sido recorrente na grande mídia o discurso do resgate ético do país. Em especial a partir do julgamento da ação penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (exalta-se o papel de vanguarda da Suprema Corte pelo célebre ativismo judicial), as elites imbuídas do ―nobre sentimento nacional‖ seriam o ―último bastião‖ na luta contra à corrupção. Defende-se na verdade o tradicional moralismo burguês. Haja vista mais que palavras éticas, a realidade social dos pobres nas periferias é de violência e não efetividade dos direitos sociais, como no caso de São Paulo, em que os governos locais trata a questão da pobreza como caso de polícia. O presente artigo objetiva o estudo do discurso moralista das elites paulistanas e as contradições sociais do presente. A ação penal 470 e o discurso moralista diante da realidade de violência institucional do centro às periferias em São Paulo Observa-se a utilização da fala ―ética‖ por parte da grande mídia em São Paulo para o afloramento de ideias retrógradas, em especial, capitaneado pelas elites em sintonia com setores conservadores. Tenta-se passar a opinião pública a partir da ação penal 470 uma tradição discursiva de pensar o Brasil de cima para baixo. O país só se consolidaria no combate à corrupção quando instituições conduzidas por seres iluminados intelectualmente fossem capazes de ―resgatar‖ a ―identidade nacional‖. Vislumbra-se assim o retorno a valores morais autoritários de uma tradição, 1

Doutorando em Direito- FADISP. Mestre em Políticas Sociais –UNICSUL. Advogado.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 5 de 167 família e propriedade. Tais ideologias nos fazem refletir acerca do passado recente e sombrio da história do país. No caso paulistano da famosa marcha da família com Deus pela liberdade que antecedeu ao golpe militar de 1964. Esse discurso ―ético‖ cai por terra quando se muda o olhar do planalto central para o poder local, em especial no Estado de São Paulo atual. Haja vista verifica-se na condução das políticas públicas nos últimos anos ares não tão democráticos assim. Um olhar mais atento nos leva a nítida preocupação das elites em criar clima favorável ao controle do poder nas eleições nacionais. Pela ameaça de perda da hegemonia política, econômica e social da ―locomotiva do país‖ na condução nos ―novos velhos‖ rumos ideológicos das massas no século XXI. A observação minuciosa do discurso oficial midiático, governamental e elitista do presente em São Paulo conduz a percepção de cooptação dos novos estratos sociais em sintonia com as mutações sociais do mundo global-local na condução política e o choque representado de um lado pelo marketing consumista (inclusive da violência simbólica) e do outro pelos contrastes sociais do cotidiano. A realidade vivenciada pelos mais vulneráveis, vítimas da repressão institucional diz mais que elocubrações. As contradições sociais ficam mais evidentes, no entanto, quando se estabelece um status crescente na onda de violência e ampliação midiática de programas policialescos na busca por audiência a qualquer custo e passa a sensação de insegurança insustentável do ―cidadão de bem‖ (acima de qualquer suspeita). Aponta-se mais uma vez na direção das periferias o lócus das ações policiais no combate aos ―criminosos‖. Procura-se legitimar uma nova ordem social calcada no moralismo elitista conservador e autoritário na condução social das políticas governamentais impulsionadas pela mídia local. Vera da Silva Telles, (2010) em estudo primoroso ―A cidade nas fronteiras do legal e ilegal‖ faz menção a questão social dos mais pobres no contexto global e local como consequência do pós 11 de setembro e o papel local das ―comunidades‖ na vigilância e controle social especialmente dos mais vulneráveis. Entre os mecanismos de controle, Telles (2010) identifica os ―dispositivos gestionários‖ a partir da administração das ―populações de risco‖, os mecanismos de controle social a partir dos chamados dispositivos de exceção e a configuração de ações que ferem a liberdade individual e exercem controle sobre o corpo. Apresenta-os como mecanismos antidemocráticos e que estariam acima da lei e do direito. Um exemplo dos dispositivos de exceção seriam os ―autos de resistência seguida de morte‖, que há muito tipificam a violência policial em São Paulo. Podem-se ampliar os mecanismos da sociedade de controle apontados por Telles (2010). Numa interpretação sociológica, o controle deve abarcar a gestão da vida, de riscos, dos fluxos, condutas, deslocamentos, movimentos de pessoas, inclusive mediante a colaboração da ―comunidade‖ por meio das denúncias sem provas dos indivíduos considerados ―suspeitos‖ a partir de critérios subjetivos (como antecedentes criminais ou não). Questão relevante no tocante à sociedade de controle é o ‗princípio gestionário‘ como forma de administrar a partir da ‗comunidade‘, como acentua Telles (2010): Formas de gestão social regidas pelo primado de gestão dos riscos, administração das urgências: clivagens entre indivíduos governáveis, governamentalizados, de um lado, e, de outro, os que não se ajustam, se recusam ou são incapazes de se integrarem às ‗comunidades‘ [...]. (TELLES, 2010, p. 159). Nesse contexto verifica-se um conjunto de medidas que tratam a questão social como caso de polícia e revela a face autoritária nas instituições paulistanas nos últimos anos e nem mesmo o discurso ético do governo local contra a corrupção e o marketing dos grandes meios de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 6 de 167 comunicação convencem a população de melhorias sociais diante violência institucionalizada que assola especialmente os territórios da periferia da mancha urbana nesse século XXI. Traduzidos nos ―autos de resistência seguida de morte‖ enquanto anomalia jurídica dos Boletins de Ocorrência que embasam inquéritos policiais e, por conseguinte processos criminais. Em São Paulo a falta de efetividade da democracia e da justiça distributiva e social no novo milênio não deixa a desejar em relação a regiões tradicionalmente conhecida por sua indústria da seca. Haja vista em ambas há como herança comum a cultura coronelista local reflexos da arraigada e velha República do café com leite traduzida no orgulho paulistano das elites locais como condutora dos rumos do país a partir do seu mundo de privilégios. O atual quadro das políticas públicas em São Paulo: a questão social dos pobres como caso de polícia A miséria e a violência campeiam nos quatro cantos da cidade. Basta ver o aumento da população em situação de rua nos últimos anos para constatar que na maior cidade da América Latina governos locais ao longo das últimas décadas falharam em suas políticas públicas pela falta de planejamento urbano e de gestão em áreas sociais como educação, saúde, moradia como garantia de direitos sociais mínimos à dignidade humana. Na atualidade os dados obtidos a partir do Censo e caracterização socioeconômica da população em situação de rua na municipalidade de São Paulo (2011) identificam 14.478 recenseados nesta condição social conforme Núcleo de Pesquisas em Ciências Sociais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, (2012) em parceria com a Prefeitura de São Paulo. A pesquisa do censo da população em situação de rua na municipalidade de São Paulo recenseou, no ano de 2011, um total de 14.478 (quatorze mil quatrocentos e setenta e oito) indivíduos, sendo 6.765 (seis mil setecentos e sessenta e cinco) em situação de rua e 7.713 (sete mil setecentos e treze) em centros de acolhida da capital. (FESPSP; PMSP, 2012, p. 11) O que chama atenção na pesquisa são os impactos na vida dos entrevistados (moradores em situação de rua), quanto às ações pelo poder público local, em parceria com a polícia por meio da operação centro legal, na região da ―Cracolândia‖. Impacto da recente ‗Operação Cracolândia‘ Em janeiro deste ano foi iniciada a ‗operação cracolândia‘ no centro da cidade de São Paulo (principalmente na Rua Helvetia), onde até o mês de março de 2012 (momento em que este relatório é composto) a polícia está restringindo a circulação de usuários e traficantes de drogas naquela região. Dos indivíduos em situação de rua entrevistados, 83,2% ficaram sabendo ou assistiram a operação, 16,0% não e 0,8% não lembravam. Para os 83,2% que responderam afirmativamente, 40,9% circulavam ou pernoitavam próximo a Região da Cracolândia. (57,4% não e 1,7% se recusaram a responder). Para estes a vida dos indivíduos em situação de rua foi afetada por essa operação de forma positiva (para 10,5%), de forma negativa para 17,2% e os restantes 72,3% acham que não interferiu na sua vida, foi, portanto, indiferente [...]. (FESPSP; PMSP, 2012, p.80) Observa-se a partir dos dados apresentados que uma parcela significativa dos moradores em situação de rua 83, 2% ficaram sabendo ou assistiram a ―operação cracolândia‖, e desse percentual 40, 9% circulavam ou pernoitavam próximo a área. E destes 17, 2% respondem sofrerem diretamente de forma negativa em suas vidas. O que revela um lado trágico. São justamente os moradores de rua as maiores vítimas da violência pelo poder público. Em especial pela vulnerabilidade social em estar na rua, em situação de risco.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 7 de 167 Portanto, podemos extrair algumas observações dos dados apresentados: primeiro a população de rua não está associada diretamente ao tráfico e consumo de drogas. Porém o discurso moralista os associa a essa prática nas matérias veiculadas diariamente pela mídia. Essa prática reforça estereótipos e a criminalização da pobreza. A percepção da cidade de São Paulo pelo sujeito que contribui econômica e socialmente diz respeito ao pertencimento dos territórios em que vivem como os moradores em situação de rua, haja vista o poder público não dar-lhes visibilidade exceto para estigmatizá-los, pois quem está na rua continua sendo um ―cidadão invisível‖ exceto quando incomoda e então são imediatamente identificados como ―suspeitos‖ com a aplicação dos ―rigores da lei‖ (repressão policial). O que revela um despreparo do poder público para lidar com a questão social dos mais vulneráveis. E a grande mídia em sintonia com o governo procura formar a opinião pública pela associação positiva das ações policiais como benéficas por manter os mais pobres distantes dos seus olhares, o que reforça o tratamento do poder público em escamotear a realidade social da população em situação de rua, para justificar que algo está sendo feito em seu benefício, quando sua realidade permanece cruel. A cidade mais rica do país mostra contrastes sociais gigantescos que não deixa a desejar a outras regiões do país e do mundo. A solução midiática e governamental com suas ações policialescas tem sido dissipar, limpar, o centro da cidade inicialmente expulsando-os para outras áreas do entorno, na tentativa de empurrar a questão para embaixo do tapete. Usa da repressão policial com tal intento. Promove-se o saneamento e disciplina da informalidade numa tentativa frustrada de agir nas proximidades da ―Copa do Mundo‖ de 2014 e na decisão de cima para baixo por meio do polêmico ―Projeto Nova Luz‖ sem nem ao menos ouvir os moradores dos territórios afetados pela ânsia da especulação imobiliária dos novos endinheirados e de transformar a região da luz num bairro europeu ―civilizado‖. O disciplinamento dos pobres no centro, por sua vez, ocorre pelas práticas da administração local impondo a ordem mediante deveres, padrões de comportamento, costumes, hábitos, aplicação de leis, atuação policial, repressão. Foucault (2008) entende a disciplina como: [...] o conjunto das minúsculas invenções técnicas que permitiram fazer crescer a extensão útil das multiplicidades fazendo diminuir os inconvenientes do poder que, justamente para torná-las úteis, deve regê-las. Uma multiplicidade, seja uma oficina ou uma nação, um exército ou uma escola, atinge o limiar da disciplina quando a relação de uma para com a outra torna-se favorável[...]. (FOUCAULT, 2008, p. 181) Entre as técnicas de disciplina, podemos situar a revitalização, regulação, modificação, fiscalização, repressão e controle dos espaços sejam públicos ou privados tornando-os imunes à pobreza. A segregação, o isolamento e a violência também são formas de disciplina do corpo social. Entre as técnicas disciplinares, a mais utilizada é a lei como instrumento coercitivo a serviço das elites. Porém, o preconceito, a discriminação e os estereótipos são formas mais sutis de disciplina. Também o aumento da repressão policial e da promoção da limpeza social funciona como instrumento de controle social sobre os mais vulneráveis socialmente vigiado em suas ações, suas vidas, ―suas almas, seu corpo‖, sem que haja perspectivas de acolhimento. São assim sujeitos literalmente segregados dos espaços para áreas distantes dos olhares da população ou mesmo somem sem que se saiba qual foi o destino e são jogados à própria sorte. Na ideologia do ―progresso‖ para poucos e de importação mal feita de hábitos estrangeiros como herança positivista do início do século passado, as transformações nos espaços foram se impondo de cima para baixo por governos iluminados pela elite local. Quando falamos de ameaça à democracia e à dignidade humana para além de moralismos lembramos a princípio das causas da violência. Entre as quais o descaso com a educação dos mais

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 8 de 167 pobres das periferias, maiores vítimas da violência estatal preocupada mais em repressão policial que em dar educação de qualidade na base. Em São Paulo conforme os últimos dados do PISA há sérios contrastes entre o discurso ético oficial e a realidade educacional. São Paulo fica em 7º, atrás de ES e Região Sul. Resultado está longe de refletir o poder econômico do Estado mais rico do País; Minas Gerais apresenta melhora em pontuação. Os resultados da avaliação por Estados feita pelo Ministério da Educação com base nos dados do Pisa 2009 mostram que São Paulo subiu do 11.º para o 7.º lugar entre as 27 unidades da federação. (PARAGUASSÚ; MANDELLI, O Estado de S. Paulo, 2010). O moralismo tão difundido de sermos uma democracia de fato e de direito por governos locais se contrapõe com a negação da cidadania a todos por políticas públicas que deem dignidade humana mediante a visibilidade do pobre como cidadão e não apenas como consumidor. Os discursos não convencem quem não tem comida na mesa e sofre com o medo da violência todos os dias com ―toque de recolher‖ nas periferias. O caso de São Paulo é emblemático recentemente assistimos atônito o denominado ―caso pinheirinho‖ tratado pelo governo estadual como caso de polícia uma questão social do direito à moradia digna para os mais vulneráveis. E numa sinergia legalista cerca de cinco mil famílias foram retiradas à força na reintegração de posse em 2012 inclusive com denúncia as instâncias internacionais de direitos humanos da ONU. Outro caso emblemático diz respeito à ação governamental denominada Operação Centro Legal em janeiro de 2012 pela intervenção de ―dor e sofrimento‖ com perseguição policial aos dependentes químicos da área conhecida como ―Cracolândia‖ e tiros de bala de borracha na dispersão de pessoas indefesas jogadas à própria sorte gerando a ―Procissão do Crack‖ (dependentes químicos dando voltas nos quarteirões do centro sob os holofotes da polícia dia e noite). Cracolândia resiste após 1 ano de operação [...] A Operação Centro Legal completa nesta quinta-feira, 3, um ano e, segundo o governo estadual, foram realizadas 1.363 internações de dependentes químicos na cracolândia, após 152.995 abordagens durante o período. As ruas da região central de São Paulo permanecem, porém, repletas de usuários, sem nenhum indicativo de que o controverso método de impor ‗dor e sofrimento‘ implementado no início de 2012 para afastar as pessoas do crack tenha surtido efeito. [...] A operação terminou também em ação na Justiça, com o Ministério Público Estadual pedindo ao governo paulista R$ 40 milhões de indenização por danos morais coletivos. Segundo a ação, os usuários foram alvo de bombas, pancadas, cachorros e das caminhadas forçadas. (CARDOSO. O Estado de S. Paulo. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,cracolandia-resiste-apos-1-ano-deoperacao,980136,0.htm>. Acesso em 04/01/2013). Na falta do braço social do estado fortalece-se a repressão policial como fiscalizadora, disciplinadora da pobreza pelo uso da violência institucional. Polícia de SP apura repressão policial na Marcha da Maconha A Polícia Militar investigará a conduta dos policiais que participaram da repressão à Marcha da Maconha, anteontem, em São Paulo. A corporação prometeu apurar ‗todo e qualquer abuso que pode ter ocorrido‘. [...] A polícia usou balas de borracha e bombas de efeito moral contra os manifestantes, perseguidos da avenida Paulista à rua da Consolação. Seis pessoas foram detidas e, mais tarde, liberadas. (Folha de S. Paulo, 23/05/2011. Disponível em:

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 9 de 167 . Acesso em 10/01/2013) A polícia age nas periferias para reprimir os pobres, bem como no centro para reprimir manifestações populares como: a ―marcha pela liberdade de expressão em 2011‖ rotulada pela mídia de ―marcha da maconha‖. Não poupa nem mesmo as reivindicações pacíficas de estudantes da USP que resultou na prisão de alunos e gerou manifestações pela cidade. Protesto de alunos da USP reúne mil pessoas e fecha av. Paulista [...] Com gritos como ‗Rodas a culpa é sua, hoje a aula é rua‘, ‗USP sim, polícia não‘ e ‗Pula, sai do chão, quem é contra a repressão‘, os estudantes protestam contra a presença da Polícia Militar no campus da universidade, por um projeto alternativo de segurança e pela saída do reitor João Grandino Rodas. (Folha de S. Paulo, 24/11/2011. Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1011497-protesto-dealunos-da-usp-reune-mil-pessoas-e-fecha-av-paulista.shtml>. Acesso em 10/01/2013) Surgem as ―comunidades‖ como gestora da violência em articulação com a polícia para reprimir as pessoas ―indesejadas‖ em determinados bairros, em geral em áreas enobrecidas por novos estratos sociais do centro e seu entorno. A cidade passa a ser gerida por dispositivos locais que utiliza a mídia como fomentadora do big brother, ou seja, estimuladora do consumo da violência produzida nas periferias por distúrbios sociais que tem a polícia como autora da ordem e controle social dos mais pobres. Esse discurso se repete todos os dias em programas policialescos em que se divulga a cidade pelo grande big brother por via aérea ou terrestre que acompanha as intervenções policiais. Programas como ―Polícia 24 horas‖, ―Operação de risco‖, entre outros. A grande mídia em sintonia com a política repressiva das elites e do estado utiliza do ―grande irmão‖ que ―vê‖ tudo o que os pobres fazem ou deixam de fazer na cidade. Constitui-se os territórios em espaços de violência simbólica que alimenta preconceitos, a sensação de insegurança e o medo já institucionalizados. As elites locais por meio da mídia e governo procuram concentrar suas atenções na legitimação dos casos de violência policial pela ação enérgica da polícia contra os pobres do centro. E, dessa forma, desvia o olhar da população dos problemas sociais para a simples garantia da segurança dos ―homens de bem‖. Vende-se ao povo a ideia de luta contra a corrupção pelos defensores da ―ética‖, sujeitos acima do bem e do mal. Esquece-se intencionalmente de aprofundar a questão social em nível local, como se o problema da corrupção fosse em Brasília. Não se visualiza que a corrupção na política se estabelece a partir dos endinheirados que buscam na associação público-privado aumentar seu patrimônio à custa do clientelismo. O discurso moralista de combate a corrupção por meio da ação penal 470 e de que São Paulo sustenta o Brasil atrai amplos setores conservadores midiáticos e elitistas que não aceitam o controle central em mãos estranhas ao tradicional centro financeiro do Brasil. O governo central atual é figura exógeno aos berços ―civilizados‖ da tradicional elite paulista e rompe com a tradição administrativa da locomotiva do país. Portanto, seria necessário um novo pacto que abarcasse nos estratos sociais e velhos setores conservadores inclusive com o apoio de lideranças nacionais e mesmo evangélicos e católicos para uma aliança capaz de resgatar a orgulho e hegemonia política paulistana. A bandeira de combate a corrupção vai desde o discurso moralista de diminuição da carga tributária que atrai a simpatia da classe média pela excessiva arrecadação até ideologias de que é São Paulo que sustenta o Brasil e é espoliada por outros Estados menos desenvolvidos. Recentemente as ações descambam para o combate à corrupção mediante ampla cobertura midiática sobre o órgão central do judiciário.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 10 de 167 O discurso moralista da grande mídia na ação penal 470 atende aos interesses de setores dominantes que anseiam o poder como algo natural da constituição da grandeza de São Paulo, lócus ordeiro e do progresso nacional para poucos. Nessa concepção elitista, os privilegiados (civilizados) nasceram para governar e a questão social é algo pontual e de desordeiros que a polícia resolve por meio da violência institucional. Considerações finais A valorização da tradicional cultura paulistana pela grande mídia em sintonia com as elites locais e seu protagonismo de incentivo aos padrões ético-estético-cultural, não contemplam a concepção de cidade que trate a pluralidade de atores sociais e de um país com dimensões como o Brasil. Pensar a ética do humano envolve o respeito à diversidade étnico-cultural e a concepção de família para além dos laços tradicionais da ordem e progresso material para poucos da São Paulo atual. Uma cidade que trate os seus contrastes sociais agudos e a violência institucionalizada do centro à periferia pela falta de planejamento urbano e gestão social. Resgatar a tradição da elite local pela exaltação dos hábitos estrangeiros ditos civilizados é negar a construção de um Brasil, para os brasileiros, forjado na pluralidade cultural e trato das desigualdades sociais como uma necessidade proeminente em planejar o futuro. A maior riqueza do país não é sua elite atrasada e presa às velhas tradições, mas o povo e seu trabalho, sua educação, moradia, emprego, renda, alimentação, saúde dignas. Uma polícia pacificadora e não repressiva. Tudo isso passa pela mudança cíclica de visibilidade nas políticas públicas no pensar e agir de todos os cidadãos. Ética, portanto, só existe com dignidade humana para todos: brancos, negros, nordestinos, bolivianos, com seus sotaques e culturas magníficas para além de discursos moralistas que permitam a superação das desigualdades sociais entre ricos e pobres. Portanto, o combate a corrupção em São Paulo e no país para além da ação penal 470, passa pela gestão social e valorização do capital humano e social. Referências

CARDOSO, William. Cracolândia resiste após 1 ano de operação. O Estado de S. Paulo. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,cracolandia-resiste-apos-1-ano-de-operacao,980136,0.htm>. Acesso em 04/01/2013. FOLHA DE S. PAULO. Protesto de alunos da USP reúne mil pessoas e fecha av. Paulista. Caderno Cotidiano. 24/11/2011. Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1011497-protesto-de-alunos-dausp-reune-mil-pessoas-e-fecha-av-paulista.shtml>. Acesso em 10/01/2013. _________. Polícia de SP apura repressão policial na Marcha da Maconha. Caderno Cotidiano. 23/05/2011. Disponível em: . Acesso em 10/01/2013 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir (História da Violência nas prisões). Petrópolis: Vozes, 2008. 262p. PARAGUASSÚ, Lisandra; MANDELLI, Mariana. São Paulo fica em 7º, atrás de ES e Região Sul. O Estado de S. Paulo. São Paulo, Caderno A17, Radiografia do ensino, 8/12/2010. Disponível em: . Acesso em: 5 . 2012. FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO- FESPSP; PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO - PMSP. Censo e caracterização socioeconômica da população em situação de rua na municipalidade de São Paulo (2011). São Paulo. Março/2012. TELLES, Vera da Silva. A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Coleção Sociedade & Cultura. Belo Horizonte, MG: Argumentum, 2010.

Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 11 de 167 A ARGUMENTAÇÃO NO EDITORIAL “RESGATE DO PORTUGUÊS” DO JORNAL ESTADO DE MINAS Clarice Lage Gualberto2 Valdirécia de Rezende Taveira3

Resumo O presente estudo pretende realizar uma análise da argumentação do editorial ―Resgate do português‖, do jornal Estado de Minas, a partir das perspectivas de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (2005), presentes no Tratado da argumentação, e no Guia das Falácias, de Stephen Downes (1996). A análise possibilitou algumas conclusões em relação a como o tema ―variação linguística‖ foi abordado por esse expressivo veículo de comunicação. Espera-se que esse estudo possa contribuir para a reflexão, principalmente, por parte da comunidade acadêmica e escolar, acerca da gramática tradicional e de outras tendências de estudo sobre a Língua Portuguesa. Palavras-chave: jornalismo; argumentação; língua portuguesa. Abstract This study aims to perform an analysis of the argumentation of the editorial "Resgate do Português," from the newspaper Estado de Minas, from the perspectives of Chaïm Perelman and Lucie Olbrechts-Tyteca (2005), present in the Treaty of argumentation and Guide of Fallacies, by Stephen Downes (1996). The analysis allowed to get some conclusions about how the theme "linguistic variation" has been shown by this expressive media. It is expected that this study can contribute to the debate mainly by the academic community and school about traditional grammar and other trends in the study of Portuguese. Keywords: journalism; reasoning; portuguese. Introdução Este estudo tem como objetivo analisar o editorial do jornal Estado de Minas intitulado ―Resgate do português‖4. Tal análise será feita a partir de duas perspectivas sobre a argumentação: a primeira se refere à teoria do Tratado da argumentação de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (2005) e a segunda fundamenta-se no Guia das falácias5, de Stephen Downes (1996). Em relação à primeira teoria citada aqui, podemos afirmar que o auditório é um ponto central para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005). No caso do jornal abordado aqui, seu auditório seria, principalmente, o público ao qual a instituição se destina. Sobre essa questão, os autores partem do ponto de que, para que haja resultados efetivos na argumentação, o auditório precisa aderir a esse processo, já que em estão jogo, valores e verdades (religiosos, políticos, morais, etc.) que cada interlocutor possui. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) propõem a noção de que acordos precisam ser estabelecidos e, assim, a argumentação se desenvolve. Segundo Perelman,

Graduada em Letras (Português) pela Universidade Federal de Minas Gerais. É mestre e doutoranda em linguística pela mesma universidade e atua no ensino de língua portuguesa. 3 Graduada em Letras (Inglês/Português) pela UFMG. É mestranda em linguística pela mesma universidade e atua no ensino de língua inglesa. 4 ESTADO DE MINAS. Resgate do português. Belo Horizonte: Associados Minas. Edição de 16 de maio de 2011. Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-namidia/15790/editorial-resgate-do-portugues Acessado em: junho de 2012. 5 DOWNES, Stephen. Guia das Falácias Lógicas. Canadá: Universidade de Alberta, 1996. Disponível em: http://criticanarede.com/copyrite.htm Acessado em: junho de 2012. 2

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 12 de 167 para que a argumentação retórica possa desenvolver-se, é preciso que o orador dê valor à adesão alheia e que aquele que fala tenha a atenção daqueles a quem se dirige: é preciso que aquele que desenvolve sua tese e aquele a quem quer conquistar já formem uma comunidade, e isso pelo próprio fato do compromisso das mentes em interessar-se pelo mesmo problema (PERELMAN, 1996, p.70). Dessa forma, é preciso haver um acordo prévio sobre as premissas que irão servir para a discussão como ponto de partida a fim de que o interlocutor permita ser (ou não) convencido. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), ao analisar um texto escrito, por exemplo, devemos iniciar o estudo buscando o ponto de partida da argumentação, o qual é composto pelo acordo, os tipos de objeto de acordo, a escolha dos dados e sua apresentação. Em seguida, para um aprofundamento da pesquisa, o analista deve procurar identificar as técnicas argumentativas utilizadas pelo autor. Vejamos a FIGURA 1 a seguir, por nós elaborada, para observarmos de forma mais geral a metodologia ligada à primeira parte da análise proposta pelas autoras: Objetos de Acordo

Fatos e

Presunções

Valores

Lugares

Hierarquia

verdades

Abstrato

Concreto

De quantidade

De qualidade

Figura 1: Metodologia de análise. Fonte: as autoras (2012) Apesar de os próprios autores admitirem que eles não visam a uma conceituação definitiva das noções ―fatos‖ e ―verdades‖, por ser esta uma discussão bastante complexa, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), afirmam o seguinte acerca desses conceitos: Fala-se geralmente de fatos para designar objetos de acordo precisos, limitados; em contrapartida, designar-se-ão de preferência com o nome de verdades sistemas mais complexos, relativos a ligações entre fatos, que se trate de teorias científicas ou de concepções filosóficas ou religiosas que transcendem a experiência. (p.77; grifos dos autores) Em relação às presunções, os autores descrevem, quatro tipos, que são usados frequentemente. O primeiro é a ―presunção de que a qualidade de um ato manifesta a da pessoa que o praticou;‖. O segundo é chamado de ―presunção de credulidade natural‖, segundo os autores, tal presunção nos move a ter como verdadeiro aquilo que nos é dito, enquanto não tivermos razões para desconfiar. O terceiro tipo é a ―presunção de interesse, segundo a qual concluímos que todo

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 13 de 167 enunciado levado ao nosso conhecimento supostamente nos interessa;‖. Por fim, temos a presunção ―referente ao caráter sensato de toda ação humana.‖ (PERELMAN E OLBRECHTSTYTECA, 2005,p.79) Acerca da noção de ―valores‖, os autores estabelecem uma distinção entre os abstratos e os concretos: A argumentação sobre os valores necessita de uma distinção (...) entre os valores abstratos, tais como a justiça ou a veracidade, e valores concretos, tais como França ou a Igreja. O valor concreto é o que se vincula a um ente vivo, a um grupo determinado, a um objeto particular, quando os examinamos em sua unicidade.‖ (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005,p.87) A partir desse conceito, podemos perceber, nos textos que pretendemos analisar, ―hierarquias‖, ou seja, a superioridade de algo em relação a outros elementos, podendo-se apresentar de forma implícita ou explícita ao longo do texto. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.90) citam como exemplo ―a superioridade dos homens sobre os animais (...) e do justo sobre o útil.‖ Finalmente, temos o conceito de ―lugares‖. Segundo os autores, ―Entendemos por lugares de quantidade os lugares-comuns que afirmam que alguma coisa é melhor do que a outra por razões quantitativas.‖ (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.97; grifo do autor). Já os lugares da qualidade ―aparecem na argumentação quando se contesta a virtude do número.‖ (p.100). Como já foi dito anteriormente, após explicar essa parte chamada de ―ponto de partida da argumentação‖, os autores descrevem as técnicas argumentativas. Para fazer tal análise, iremos utilizar a perspectiva de Downes (1996), o qual listou os vários tipos de falácias que acontecem no processo de argumentação. Segundo o autor, ―O objectivo de um argumento é expor as razões (premissas) que sustentam uma conclusão. Um argumento é falacioso quando parece que as razões apresentadas sustentam a conclusão, mas na realidade não sustentam.‖. Ao longo de nossa análise, iremos expor aquelas que se aplicam ao editorial discutido aqui. Apesar de esse gênero textual ser amplamente analisado, servindo de corpus para diversas pesquisas, o editorial ―Resgate do português‖ foi escolhido pelo fato de tratar de um tema muito ligado à área de atuação dos analistas do discurso. Como veremos aqui, o texto apresenta comentários bastante apelativos e utiliza argumentos falaciosos para desenvolver seu ponto de vista. ] O editorial, segundo Beltrão (1990, p.19), fundamenta-se, entre outros aspectos, nos interesses econômicos da instituição e nas convicções filosóficas do grupo. Ainda que nossa amostra seja pequena (apenas um editorial como exemplo), podemos fazer diversas inferências sobre essas características do editorial as quais revelam bastante sobre a instituição que representa. O editorial aqui analisado trata do livro Viver, aprender,6 destinado ao 2º segmento do ensino fundamental regular, o qual compõe a lista de livros didáticos indicados no guia do Plano Nacional do Livro Didático 2011 (PNLD). Este guia, contendo resenhas dos livros selecionados, é distribuído para as escolas públicas do país, as quais irão escolher as obras adotadas no ano seguinte, e o governo, então, envia às escolas os exemplares pedidos. Para os autores do editorial ―Resgate do português‖, o fato de tal obra ter sido indicada pelo guia foi alarmante, já que o livro parece ensinar conceitos ―errados‖, apresentando um

VÁRIOS. Coleção Viver, Aprender/Educação de Jovens e Adultos e 2º segmento do ensino fundamental, Ação Educativa do Governo Brasileiro - São Paulo: Global Editora, 2009. 6

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 14 de 167 discurso que vai ao encontro da gramática tradicional. Antes de passarmos à análise do texto, abaixo reproduzimo-lo na íntegra.

RESGATE DO PORTUGUÊS Livro didático do MEC dispensa o ensino da norma culta Não bastasse a coleção de trapalhadas patrocinadas pela incapacidade gerencial de executar o oportuno projeto de substituir o velho e anacrônico vestibular pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Ministério da Educação (MEC) acaba de oferecer ao país mais um equívoco. Desta vez, a complacência com a incultura e o culto à ignorância chegou às raias da irresponsabilidade. Os gênios do Ministério produziram e estão distribuindo a quase meio milhão de alunos do ensino fundamental em escolas públicas um livro de português que o bom senso não pode recomendar. Volume da coleção Viver, aprender, o livro, que deveria ser didático, ensina que o aluno não precisa seguir normas da gramática para se expressar. E, para deixar bem clara a barbaridade que pretende tornar oficial, dá exemplos como “os livro ilustrado”, e “nós pega o peixe”. Trata-se da inconsequente transposição para os primeiros anos escolares do que ainda não passa de uma discussão entre especialistas: o certo e o errado, tendo em vista o contínuo distanciamento entre a linguagem popular e a chamada regra culta. Saudável e própria dos meios acadêmicos, a questão é ainda inconclusa, o que não deveria dar a uma das alas do debate – apenas por estar mais próxima do poder político atual – o direito de tratar a matéria como questão resolvida. É como autorizar a distribuição de um medicamento sobre o qual ainda não se formou convicção quanto a seus efeitos colaterais eventualmente perigosos. Se for mesmo aplicado, esse desensinamento proposto pelo livro do MEC será como desempregar o professor, dispensar os gastos com a Educação e liberar a meninada para um recreio permanente, pelo menos quanto às aulas de português. Ao dispensar a escola de sua elementar função de ensinar aquilo que o aluno desconhece, a pretexto de não desvalorizar o que ele já sabe e emprega, os geniais autores do livro argumentam com a restrição social que não se deve ter àqueles que se expressam em linguagem popular. Batizaram isso de preconceito linguístico. E mais: autorizam expressamente, como plenamente satisfatória, a falta de concordância de adjuntos e verbos com o sujeito, a mais consagrada forma de composição da sentença em português. Ao fazê-lo, o livro acaba alimentando – ai, sim – o preconceito contra o conhecimento, tão inaceitável quanto qualquer outro. É com o juízo e a seriedade dos professores que não tiveram preguiça de estudar a gramática básica, nem limitação intelectual para aprendê-la, que os alunos da rede pública terão de contar para escapar de mais esse fosso entre os que já os separam das boas escolas particulares. Embora mal pagos pelos governos e desconsiderados pelos doutores do MEC, caberá aos mestres em sala de aula impedir que prospere tamanho equívoco que, movido pela demagogia do excesso de valor concedido à falta de conhecimento, outra coisa não faz senão atirar contra o que mais se espera da escola pública: que promova a inclusão dos menos favorecidos. Análise Para iniciarmos nossa análise, iremos identificar os aspectos presentes na FIGURA 1, de acordo com os princípios de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005). Sobre as premissas, ―(...) o que é presumidamente admitido pelos ouvintes‖ (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.73), podemos citar como principais: a educação de qualidade, o ensino da gramática – padrão da Língua Portuguesa, o MEC não tem acertado em suas ações e que a função fundamental da escola pública é promover a inclusão. Tais premissas podem ser também notadas nos trechos: ―(...) (MEC) acaba de oferecer ao país mais um equívoco.‖, ―o que mais se espera da escola pública: que promova a inclusão dos menos favorecidos.‖, ―ensina que o aluno não precisa seguir normas da gramática para se expressar.‖. Em segundo lugar, em relação aos fatos e às verdades, podemos perceber a clara definição de certo e errado que o texto nos apresenta. O certo seriam as regras da chamada ―norma culta‖ e o

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 15 de 167 errado, a língua falada, o coloquial, já que o editorial afirma que a distribuição desse livro foi uma ―complacência com a incultura‖ e ―culto à ignorância‖. Além disso, ainda caracterizam a obra como um ―desensinamento‖. Em terceiro lugar, percebemos as presunções do tipo ―credulidade natural‖, uma vez que o jornal Estado de Minas é o mais tradicional do estado, e, portanto, o ponto de vista dele merece confiança, até que provem o contrário. Notamos também a presunção de interesse, visto que a instituição apresenta uma opinião para os leitores, que supostamente lhes interessa conhecer. Sobre os valores, é possível citar a responsabilidade, bom senso e conhecimento como os principais. O editorial acusa claramente os autores da obra em questão e o MEC de cometer uma grande irresponsabilidade ao, supostamente, promover a falta de conhecimento da gramática tradicional, substituindo-a pelo estudo da variação linguística. O jornal também caracteriza como falta de bom senso o fato de essa questão ser introduzida nas salas de aula, sendo que, teoricamente, ainda está em discussão na academia. A evocação dos valores previamente citados pode ser percebida, principalmente, nos trechos: ―Os gênios do Ministério produziram e estão (...) um livro de português que o bom senso não pode recomendar.‖, ―Se for mesmo aplicado, esse desensinamento proposto pelo livro do MEC será como desempregar o professor, dispensar os gastos com a Educação e liberar a meninada para um recreio permanente, pelo menos quanto às aulas de português.‖. Sobre as hierarquias, podemos notar: as regras da gramática tradicional sobrepondo a linguagem popular, ―(...) autorizam expressamente, como plenamente satisfatória, a falta de concordância de adjuntos e verbos com o sujeito, a mais consagrada forma de composição da sentença em português. Ao fazê-lo, o livro acaba alimentando – aí, sim – o preconceito contra o conhecimento, tão inaceitável quanto qualquer outro.‖. Outra hierarquia que podemos perceber é a escola particular sobrepondo a pública – ―(...) os alunos da rede pública terão de contar para escapar de mais esse fosso entre os que já os separam das boas escolas particulares.‖. Em relação aos lugares, observa-se a predominância do lugar comum da qualidade. Mesmo com a larga distribuição desses livros e com o fato de muitos acadêmicos e outros especialistas acreditarem que aspectos da linguagem popular devam ser valorizados e ensinados nas escolas, o editorial ainda se opõe, induzindo o seu auditório a concordar com o jornal. Em relação às falácias, notamos, primeiramente, a presença da ―generalização precipitada‖, em que ―a amostra é demasiado limitada e é usada apenas para apoiar uma conclusão tendenciosa.‖. O texto se refere a uma parte de um capítulo de um dos livros da coleção. Sendo assim, apenas este trecho provavelmente não será suficiente para fazer com que gramática tradicional (a qual é muito mais enfatizada e possui um número bem maior de exemplares e versões) deixe de ser valorizada. Outro aspecto que podemos citar é a ―amostra limitada‖, na qual ―há diferenças relevantes entre a amostra usada na inferência indutiva e a população como um todo‖ e a ―omissão de dados‖, em que, ―dados importantes, que arruinariam um argumento indutivo, são excluídos.‖. Essas características podem ser observadas, uma vez que o editorial parece não ter levado em consideração a obra como um todo, bem como sua concepção pedagógica. Se tal análise criteriosa tivesse sido feita, certamente os autores iriam perceber que a coleção não tem como objetivo deixar de ensinar a gramática tradicional, mas sim de abordar também outros aspectos da língua, deixando de lado a noção de que a norma padrão é a única variação do português que deve ser discutida e analisada. A ―falsa analogia‖, a qual ―falha quando os dois objectos, A e B, diferem de tal modo que isso possa afectar o facto de ambos terem a propriedade E‖, pode ser observada na seguinte comparação: ―É como autorizar a distribuição de um medicamento sobre o qual ainda não se

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 16 de 167 formou convicção quanto a seus efeitos colaterais eventualmente perigosos‖. Estão sendo comparados aspectos de dois âmbitos totalmente distintos: o da saúde e o da educação. Nesta última área, estamos lidando com a formação dos alunos, com o incentivo ao debate em prol do senso crítico e da reflexão. Portanto, é aceitável que questões polêmicas sejam trazidas para a sala de aula, a fim de promover a discussão. Em contrapartida, a liberação de medicamentos que geram polêmica entre os especialistas podem causar danos à saúde, levando até mesmo à morte. Configurando, assim, uma situação completamente diversa da que foi exposta anteriormente. O editorial contribui, portanto, para a elaboração de um raciocínio indutivo falacioso. A falácia intitulada como ―derrapagem (bola de neve)‖, em que, ―Para mostrar que uma proposição, P, é inaceitável, extraem-se consequências inaceitáveis de P e consequências das consequências...‖, pode ser observada no trecho: ―Se for mesmo aplicado, esse desensinamento proposto pelo livro do MEC será como desempregar o professor, dispensar os gastos com a Educação e liberar a meninada para um recreio permanente, pelo menos quanto às aulas de português.‖. A proposta de um livro didático de uma discussão sobre outras variantes da Língua Portuguesa irá ―desempregar o professor‖? Percebemos o quanto o editorial está sendo extremista e apelativo nessas considerações. Até mesmo, porque o papel do professor é fundamental para liderar debates. Essas consequências catastróficas apresentadas pelo texto estão claramente a serviço de um argumento tendencioso e mal fundamentado. Considerações finais O posicionamento dos autores ficou claro em relação aos conceitos de preconceito linguístico e de variação linguística. Eles se revelam desfavoráveis à discussão desses temas em sala de aula, defendendo o ensino exclusivo da gramática tradicional nas escolas. Em relação aos especialistas da área e os autores do livro didático, o editorial lhes tira totalmente o crédito, caracterizando-os ironicamente como ―gênios‖, como se todo estudo e pesquisa que têm realizado precisasse ser engessado, em detrimento da gramática tradicional, a qual deve ser sempre o centro dos estudos nas escolas. Além disso, tendo em vista a análise acima, pode-se perceber o papel de ―alerta‖ que o jornal Estado de Minas assume em relação ao seu leitor. Como se ele estivesse prestando um favor à sociedade de denunciar essas atitudes polêmicas e ―equivocadas‖ que o MEC tem realizado. O interlocutor, por sua vez, tende a se sentir grato por essa informação que tanto lhe serviu para tornar-se alguém crítico e atento a possíveis argumentos falsos sobre esse tema. REFERÊNCIAS BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980. DOWNES, Stephen. Guia das Falácias. Crítica: Revista de Filosofia e Ensino [online] Disponível em http://criticanarede.com/falacias.htm. Acessado em: junho de 2012. ESTADO DE MINAS. ―Resgate do português‖. Belo Horizonte: Associados Minas. Edição de 16 de maio de 2011. Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-emidia/educacao-na-midia/15790/editorial-resgate-do-portugues Acessado em: 20/06/2012 PERELMAN, Chaïm. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PERELMAN, ChaÏm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 17 de 167 FATORES QUE INTERFEREM NA ALFABETIZAÇÃO DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO Dalvanice Marques da Silva Macêdo7 Mayane Ferreira de Farias8 Janaina Luciana de Medeiros9 Mayara Ferreira de Farias10 Resumo Este artigo apresenta fatores que interferem no processo da alfabetização de crianças de 6(seis) anos. Entre esses fatores nos deteremos ao fator que se refere à falta de recursos didáticos apropriados para alfabetização de crianças nesta faixa etária. Segundo o PCN, no primeiro ciclo deve-se propor aos alunos que leiam e escrevam, ainda que o façam convencionalmente. E para que isso aconteça o professor precisa ter material didático apropriado, não apenas para o ensino da língua portuguesa, mas também para as outras áreas de ensino que contribuem significativamente para o desenvolvimento da alfabetização.O trabalho realizado revelou algumas sugestões de recursos didáticos que os PCN colocam como importantes para os alunos que estão iniciando o processo de alfabetização tenham um melhor aprendizado nas várias disciplinas, sendo esta a maior contribuição deste artigo aos seus leitores. Palavras-chave: Alfabetização. Recursos materiais. ParâmetrosCurricularesNacionais - PCNs. Abstract This paper presents factors that interfere with the process of literacy for children of 6 (six) years. Among these factors we will consider the factor that refers to a lack of appropriate teaching literacy to children in this age group.According to the NCP, in the first cycle should be proposed to the students to read and write, even if they do conventionally. And for that to happen the teacher needs to have appropriate teaching materials, not only for the teaching of Portuguese language, but also for other educational areas that contribute significantly to the development of literacy.The work revealed some suggestions for teaching resources that the NCP as an important place for students who are beginning the process of literacy have a better learning in various disciplines, which is the major contribution of this article to your readers. Keywords: Literacy. Material resources.National Curriculum Parameters - NCP.

Introdução O presente artigo apresenta o tema fatores que interferem na alfabetização de alunos do primeiro ano do ensino fundamental à luz dos PCN‘S, investigando esses fatores, mas também evidenciando a falta de material didático apropriado, de espaço adequado e de um apoio pedagógico 7Discente

do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia pelo Instituto de Formação e Educação Teológica – IFETE. [email protected](Autora). 8 Discente do Curso de Licenciatura em Computação e Informática na Universidade Federal Rural do SemiÁrido – UFERSA e Técnico em Informática pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN. [email protected](Co-autora). 9 Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Técnico contábil pelo Colégio Comercial de Currais Novos/RN, Discente do Curso de Segurança do Trabalho (EAD) pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Mestranda em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. [email protected] (Co-orientadora). 10 Bacharel em Turismo pela UFRN, Técnico em informática pelo IFRN, Técnico em Guia de Turismo Regional pelo SENAC/RN e Mestranda em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, [email protected] (Orientadora).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 18 de 167 que venha atender as necessidades dos professores que trabalham com esses alunos em suas instituições escolares, e ainda considerando que se trata da fase inicial da alfabetização de crianças de 6(seis) anos, objetivando analisar e refletir sobre as questões que serão levantadas mediante a apresentação deste artigo. O trabalho apresenta o resultado de pesquisas realizadas nos PCN‘S de Língua Portuguesa, Matemática, História e Geografia e Ciências acerca da importância dos recursos apropriados para o desenvolvimento do processo de alfabetização de crianças do 1º ciclo escolar em escolas públicas. Destaca-se também fatores que podem interferir no processo de alfabetização de crianças que ingressam no 1º ano nas escolas públicas, de acordo com as experiências vivenciadas pela professoras em sua prática docente, de cerca de uma década, lecionando em Escolas do município de Ceará Mirim/RN, onde deparou-se com algumas dificuldades que interferiram no processo de desenvolvimento da alfabetização dos alunos. Entre os fatores que dificultam o melhor desempenho dos alunos, pode-se considerar os seguintes: a falta de participação dos pais na vida escolar dos filhos; o espaço físico não apropriado da sala de aula; a violência; a situação de pobreza de algumas comunidades; professores desestimulados mediante a realidade que vivenciam; a falta de compromisso da gestão escolar; material didático inapropriado para crianças de 6(seis) anos; a desvalorização dos profissionais de educação; a estrutura física inadequada para receber alunos de 6(seis) anos, dentre outros. De acordo com a Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais temos que: Todo material é fonte de informação, mas nenhum deve ser utilizado com exclusividade. É importante haver diversidade de materiais para que os conteúdos possam ser tratados de uma maneira mais ampla possível. No entanto, o que temos visto em nossas escolas públicas é lamentavelmente o uso exclusivo do livro didático, quando possível, e a lousa. Quando nos referimos ao processo inicial de alfabetização, principalmente de uma clientela carente, nos deparamos com tais recursos que não são apropriados para o professor desenvolver uma tarefa tão árdua sem condições apropriadas. (BRASIL, p. 104, 1997a). Enquanto nossos governantes continuarem com um olhar limitado, julgando que os filhos da pobreza são incapazes de aprender, continuaremos a ser uma nação pobre. Confirmaremos as palavras de Emília Ferreiro temos uma imagem empobrecida da criança que aprende e a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons. Atrás disso, há um sujeito cognosciente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu. Então podemos, mediante essas palavras, entender que colocar ao alcance desses pequenos estudantes iniciantes recursos materiais de qualidade não é um desperdício, mas um investimento na formação de uma sociedade alfabetizada. Questões da educação Os PCN´S são da autoria da equipe do Ministério da Educação e do Desporto. Sua organização é apresentada em uma coleção de 10(dez) volumes que abordam temas como: língua portuguesa, matemática, história e geografia, ciências, artes, educação física, pluralidade cultural e orientação sexual, apresentação dos temas transversais e ética. A leitura da Introdução aos PCN (p. 9, 1997a) nos informa que ―dada a abrangência dos assuntos abordados e a forma como estão organizados os PCN´S podem ser utilizados com objetivos diferentes, de acordo com a necessidade de cada realidade e de cada momento‖.Por esse

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 19 de 167 motivo, formam considerados como um instrumento a ser estudado, adaptando-o, entretanto, a realidade presente vivenciada na prática docente. Na introdução ao PCN os autores do mesmo informam que: O nosso objetivo é contribuir, de forma relevante para que profundas e imprescindíveis transformações, há muito desejadas, se façam presentes no panorama educacional brasileiro, e posicionar você, professor, como o principal agente nessa grande empreitada.(BRASIL, p. 10, 1997a). Neste artigo foram contemplados os PCN´S de língua portuguesa, matemática, história e geografia, e ainda o de ciências, para que pudéssemos ter uma visão de como os PCN´S fazem referencia à importância de se valorizar a alfabetização de crianças de 6(seis) anos, suprindo a necessidade que elas tem de estar na escola e esta instituição de lhe propiciar o seu desenvolvimento cognitivo de maneira satisfatória. Observa-se que os PCN de língua portuguesa, matemática, história e geografia, citados neste artigo, priorizam que se dê uma atenção especial aos discentes que estão no primeiro ciclo, que são os alunos de alfabetização inicial. Sugere-se recursos didáticos com os quais se trabalhar e que seja considerada a necessidade existente para cada situação vivenciada não deixando de conhecer a realidade dos mesmos. O professor precisa ter ajuda da equipe pedagógica, pois não é um trabalho que se realiza isoladamente, mas sim de modo coletivo. Considerando que oferecer aulas atrativas é criar situações nas quais o aluno venha está envolvido em um em processo de alfabetização em todas as áreas do conhecimento para que possibilite ao mesmo fazer uma relação direta da escola com o seu cotidiano. Nota-se ainda através do estudo dos PCN que o próprio Ministério da Educação reconhece que não é possível que a alfabetização aconteça magicamente, sem nenhum recurso material adequado no século em que a tecnologia está se atualizando rapidamente não se pode exigir que os professores do ensino público continuassem alfabetizando apenas com quadro e giz e livros didáticos que fogem da realidade dos alunos. Os governantes precisam rever e atualizar as suas ideias quanto aos problemas que interferem na alfabetização dos alunos, principalmente os das classes menos favorecidas. A maioria dos municípios sequer concede a liberdade de escolher-se democraticamente os gestores escolares. O fato é que professores, alunos e toda comunidade pagam um preço alto quando recebem em suas escolas gestores despreparados e descompromissados com a educação dos discentes, professores e comunidade onde está inserida a instituição escolar prejudicando a obtenção da almejada escola de qualidade. No PCN de língua portuguesa lê-se: Toda a educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade do uso eficaz da linguagem que satisfaz as necessidades pessoais – que podem estar relacionadas às ações afetivas do cotidiano, a transmissão e busca da informação, ao exercício da reflexão. (BRASIL, p.30, 1997b).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 20 de 167 O PCN da língua portuguesa ainda afirma: Cabe, portanto, a escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e interpretá-los e isso inclui os textos das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo assim, não consegue manejar, pois não há um trabalho planejado com essa finalidade. (BRASIL, p.30, 1997b). Para se organizar o recurso didático referente à diversidade de textos deve ser realizado um trabalho planejado orientado pedagogicamente pela equipe da escola. Precisamos deixar de ter essa visão restrita quanto ao ensino da língua portuguesa e que o processo de alfabetização possa ser amplo, abrangendo outras áreas de conhecimento, e venha a despertar o interesse das crianças para o ato de ler e escrever e ainda que os recursos didáticos também possam possibilitar um melhor desempenho do professor alfabetizador e tendo como resultado o aprendizado satisfatório dos seus educandos. De nada serve os livros que o ministério da educação envia para escolas se os alunos não tiverem a liberdade de consulta-los e se sintam confiáveis quanto ao manuseio e empréstimo desses livros. É dever da escola organizar e catalogar esses livros que são importantes ferramentas para auxiliar o processo de aquisição da leitura e da escrita , livros não são para enfeita são para transformar vidas e dar asas à imaginação das crianças e jovens. Carência de recursos didáticosapropriados para alfabetização de alunos do 1º ano Seria muito confortante se o professor pudesse encontrar em seu local de trabalho as ferramentas necessárias para realizar sua prática docente. Vamos imaginar que encontrássemos pelo menos os recursos básicos. Quais seriam alguns deles? Como material necessário ao processo de alfabetização os PCN´Sapresentam: livros infantis, contos de fadas, gibis, histórias em quadrinhos, textos informativos, revistas, jornais, alfabetos ilustrados, jogos, fantoches, tesoura, cola, tinta guache, pincel, lápis, papel ofício, coleção, fita adesiva, papel madeira, livros didáticos suficientes para todos, impressora, televisão, aparelho de som e ainda que este material pudesse estar disponível durante todo o ano letivo. Por outro lado depara-se com a dura realidade vivenciada pela maioria dos professores no cotidiano de escolas públicas. Em muitas dessas instituições, ao iniciar o ano o professor recebe um ―kit‖, composto, por exemplo, por: 2 resmas de papel ofício, 2 lápis, uma borracha, uma caneta, uma fita adesiva, uma folha de frequência dos alunos, o calendário escolar. Esse escasso material, pasmem, trata-se de tudo que o professor terá direito para trabalhar durante o ano letivo e ponto final. Há anos mais fartos em que além do material ―básico" oferece-se um pouco mais ao educador. Depende também da direção local. Saliente-se que na maioria das escolas nas reuniões pedagógicas com a cúpula da gestão da mesma os docentes questionam a escassez dos recursos didáticos recebidos, embora sejam normalmente informados de que se necessitarem de materiais adicionais para trabalhar em sala de aula é só solicitar e serão atendidos. É provável que este discurso seja apenas uma forma de aplacar os ânimos dos mais questionadores entre os mestres. Contudo, quando se necessita de fato do prometido material só se recebe como resposta, por exemplo, um ―não tem... está faltando, mas vai chegar‖. E infelizmente o material didático nem sempre chega ou chega muito tempo depois, ou, pior ainda, nem é recebido pelo professor.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 21 de 167 Nesse contexto, questiona-se: como fica um professor alfabetizador nesta situação com alunos do primeiro ano a serem alfabetizados?Ao enfrentar essa escassez de materiais o professor vivencia momentos angustiantes em face da impossibilidade de oferecer aos alunos uma alfabetização de melhor qualidade. Imagine-se um professor com 20 a 25 alunos de 6 (seis) anos para alfabetizar sem as mínimas condições de trabalho. Quando ocorre o fracasso escolar no fim do ano letivo culpa-se o quase que exclusivamente o docente. Prova disso é o fato de que só se pensa em capacitar os professores. É como se afirmar que os professores são os únicos responsáveis pelo mau desempenho dos alunos. Por que não se fala em investir em detectar outros fatores que prejudicam o aprendizado? Vejamos a citação a seguir: É importante que não haja rupturas na passagem da educação infantil para o ensino fundamental, mas que haja continuidade dos processos de aprendizagem. Em relação às crianças que não frequentaram espaços educativos de educação infantil, habituados, portanto, às atividades do cotidiano de suas casas e espaços próximos também aprendendo e dando sentido à realidade viva do mundo que as cerca, o mesmo cuidado deve ser tomado. É essencial que elas possam sentir a escola como espaço diferente dos seus lares, visto que aquele se organiza como um espaço público e não privado como uma casa, mas se sintam acolhidas e também possam continuar aprendendo criativamente (BEAUCHAMP, PAGEL e NASCIMENTOp. 87, 2006). Para que a criança de 6 (seis) anos sinta-se acolhida ao chegar à escola esta precisa estar pronta para recebê-la, porém o que nós vivenciamos é que a criança chega e muitas vezes se depara com salas de aula com estruturas precárias, um professor e uma lousa, e nada mais. Seus olhos infantis procuram neste ambiente o colorido que deveria ter na escola e não encontram decepcionam-se. Os recursos didáticos apropriados para alfabetizar estas crianças poderiam sim fazer a diferença, pois elas seriam recebidas no primeiro ano das séries iniciais como crianças e não como se fossem adultos, posto que se lhes oferece basicamente salas de aulas com carteiras de adultos e uma lousa de péssima qualidade e obsoleta. Restringir o aluno de 6 (seis) anos a um caderno, um lápis e uma sala com paredes obscuras é como oferecer apenas uma cama de hospital simples para quem precisa de uma UTI sem materiais apropriados para cuidar de sua saúde. Infelizmente, a questão é séria pois o que está em jogo é o futuro dessas crianças e parece que poucos estão preocupado em mudar essa realidade. É importante apresentar neste artigo o que nos diz os PCN da língua portuguesa em relação ao material didático necessário para o ensino da língua materna: Ao selecionar recursos didáticos para o trabalho pedagógico na área de língua portuguesa, deve-se levar em consideração os seguintes aspectos: sua utilização nas diferentes situações de comunicação de fato; e as necessidades colocadas pela situação de ensino-aprendizagem‖. (BRASIL, p.91, 1997b). Esta situação dos recursos didáticos é de fundamental importância para a elaboração execução da prática do professor e vale salientar que para alfabetizar crianças precisamos fazer uso desses recursos para que o estudo da língua portuguesa seja aceito pelos alunos como momentos prazerosos dentro e fora da sala de aula. São várias as situações que ocorrem no cotidiano das escolas que dificultam o trabalho dos professores sabemos que toda escola deve estar envolvida para que o processo de aprendizagem

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 22 de 167 aconteça de maneira eficaz e satisfatória, mas o vemos, na verdade é que existe uma forma desleixada de se cuida de suas responsabilidades. Materiais sugeridos pelos pcn´s para a alfabetização Recursos didáticos para o ensino da língua portuguesa Inicialmente apresenta-se o para reflexão o texto a seguir extraído do PCN da língua portuguesa: Na alfabetização inicial alguns materiais podem ser de grande utilidade aos professores: Alfabetos, crachás ou cartazes com o nome dos alunos, cadernos de textos conhecidos pela classe, pastas de determinados gêneros de textos, dicionários organizados pelos alunos com suas dificuldades ortográficas mais frequentes, jogos didáticos que proporcionam exercícios linguísticos, por exemplo. (BRASIL, 1997b, p.93). Ao refletir sobre o que nos diz o texto acima podemos nos voltar para o cotidiano da sala de aula de uma escola pública onde nos deparamos com salas de aulas sem espaço suficiente para que os alunos de 6 (seis) anos possam se locomover para realizar suas atividades. Do ponto de vista do professor pode ocorrer, como exemplo de dificuldades cotidianas, a necessidade de preparar os trabalhos escolares que precisam ser duplicados em mimeógrafos do século passado ou em impressoras modernas, mas que muitas vezes estão quebradas ou sem tinta. O mestre planeja a aula e não pode executá-la por falta de condições de trabalho e se vê em situações onde o improviso é a única saída. Faltam também materiais para que se trabalhe com o aluno o criar e recriar com tesouras, papéis de variadas cores, cola, fita adesiva, coleção, lápis piloto e outros materiais básicos. Em meio a essas dificuldades o trabalho do professor fica bastante prejudicado. Em muitas escolas a realidade ainda é apenas quadro e giz. Imagine-se a cena de uma escola pública de um bairro humilde. Um aluno chega à sala de aula apenas com o caderno novo e um lápis grafite, enquanto outros se apresentam apenas com um caderno velho todo riscado herança de outra criança e sequer com um grafite. Às vezes chegam alunos com fome para estudar e também outros com esperança de comer. Outros comparecem à escola muito agitados, pois vivenciam uma realidade socioeconômica muito cruel para com eles. Mas, aprender é preciso e é o que os pais destas crianças esperam que a escola e sua equipe propiciem. Vale lembrar que a sociedade espera muito do professor. Todavia, alfabetizar sem condições elementares de trabalho é exigir que o professor se transforme em um mágico capaz de realizar proezas quase inacreditáveis. Como o mestre não é mágico, então este se depara com uma realidade desestimuladora que não pode mudar só. Ao olhar para aqueles pequeninos que ainda não tem a noção de como as dificuldades irão interferir negativamente no seu processo de alfabetização, os professores podem ficar ainda mais frustrados com a realidade que enfrentam em sua escola. Pensa-se em outra situação: a professora pretende utilizar a lousa para apresenta uma música na classe, mas na secretaria da escola é informada que não será possível xerocar o trabalho. Resolve, então, usar o quadro, mas encontra a lousa da classe, e descobre que não se consegue limpar a mesma, pois o piloto de qualidade duvidosa, usado anteriormente por outro professor, danificou o quadro e não é disponibilizado outro para substituí-lo.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 23 de 167 A educação brasileira apresenta projetos para os alunos de 4º e 5º ano que ainda não foram alfabetizados e passaram de ano sem adquirir as habilidades necessárias para avançar nos estudos. Esses projetos surgem com novidades de materiais para alfabetização, aulas de reforço em outro horário na própria escola e um professor exclusivo para auxiliar os alunos a sanar as dificuldades que não foram supridas nos anos anteriores. Enquanto isso o aluno de 1º ano inicial continua apenas com quadro, lápis, caderno e borracha, quando tem. A escola não tem um projeto especial para receber esse aluno no 1º ano para que ele não precisasse no 4º e 5º ano ainda ser alfabetizado, uma falha que tem-se visto ao longo dos anos a se repetir. Podemos fazer alguns questionamentos: Em nossa escola há uma biblioteca? Há livros apropriados para atender às crianças de seis anos, como livros infantis, histórias em quadrinhos, revistas, contos de fadas e outros? Ou temos apenas livros didáticos completamente distantes da realidade dos alunos e que não trazem informações da cultura de sua região? E se temos porque não são? A onde estão estes matérias? É importante que o cotidiano das crianças das séries/anos iniciais seja pleno de atividades de produção e de recepção de textos orais e escritos, tais como escuta diária da leitura de textos diversos, especialmente de histórias e textos literários; produção de textos escritos mediada pela participação e registro de parceiros mais experientes; leitura e escrita espontânea de textos diversos, mesmo sem o domínio das convenções da escrita; participação em jogos e brincadeiras coma linguagem; entre muitas outras possíveis. Do texto As crianças de seis anos e as áreas do conhecimento. (CORSINO, pág 57, 2006). Seria possível fazer diferente com essas crianças das séries iniciais e minimizar esse alto índice de alunos que chegam no 4º e 5º anos sem saber ler? Tantos projetos surgem, mas normalmente não são voltados aos alunos das séries iniciais como sugerem os PCN‘S. Lamentavelmente esses alunos tem sido olvidados. Que matérias seriam necessárias segundo os PCN‘S para que as outras áreas de conhecimento pudessem ser trabalhadas e que o processo de alfabetização pudesse ganhar espaço prazeroso para as crianças quando estudassem matemática, ciências, geografia, história, artes e temas transversais? Recursos didáticos para o ensino da matemática Segundo o PCN de Matemática, lê-se: Os recursos didáticos como jogos livros, vídeos, calculadoras, computadores e outros materiais têm um papel importante no processo de ensino e aprendizagem. Contudo, eles precisam estar integrados a situações que levem ao exercício da análise e da reflexão, em última instância, a base da atividade matemática. (BRASIL, p.20, 1997c). Pode-se acrescentar, ainda, que além desses recursos citados pelos PCN de matemática os materiais os quais o professor mesmo pode confeccionar com a participação dos alunos como, por exemplo, os materiais recicláveis que podem se transformar em materiais didáticos atrativos para os alunos. A doutora em Educação, Patrícia Corcino (2006, p. 60), no artigo intitulado ―as crianças de seis anos e as áreas do conhecimento‖, incluso na coletânea Ensino Fundamental de Nove Anos, afirma:

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 24 de 167 O objetivo do trabalho com as noções matemáticas nas séries iniciais é dar oportunidades para que crianças coloquem todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas espécies de relações. Encorajar as crianças a identificar semelhanças e diferenças entre diferentes elementos, classificando, ordenando e seriando; a fazer correspondências e agrupamentos; a comparar conjuntos; a pensar sobre números e quantidades de objetos quando estes forem significativos para elas, operando com quantidades e registrando as situações problema (inicialmente de forma espontânea e, posteriormente, usando a linguagem matemática). É importante que as atividades propostas sejam acompanhadas de jogos e de situações problema e promovam a troca de ideias entre as crianças. Especialmente nessa área, é fundamental o professor fazer perguntas às crianças para poder intervir e questionar a partir da lógica delas (CORCINO, 2006, p.60). O ensino da matemática para os alunos de 6 (seis) anos que ingressam no primeiro ano do ensino fundamental precisa ser ministrado de forma prazerosa. Nessa fase inicial da alfabetização é importante o cuidado para que os alunos não passem a entender o ensino da matemática como sendo algo desagradável por vivenciarem atividades sem atrativos, e cansativas. As atividades propostas devem ser enriquecidas com jogos, cartelas de bingo, dominó, dinâmicas diversas em sala de aula e ainda com o manuseio de palitos, tampinhas, cartões com os numerais para facilitar a aprendizagem da leitura e da escrita dos numerais. Apesar de todos esses materiais serem de fácil acesso a escola também deve oferecer condições para que o professor possa fazer uso de materiais atrativos aos alunos para tornar as aulas de matemática significativas e aplicada ao cotidiano escolar do aluno e ainda seria importante auxiliar o aluno a utilizar o que aprender na escola em seu meio familiar. Recursos didáticos para o ensino da história Embora os alunos em sua maioria sejam crianças de 6(seis) anos, o ensino de História muito pode contribuir para a sua formação, pois o ajudará a conhecer sua própria história e a saber que ele faz parte da história de sua família, escola e comunidade. Propor atividades em que as crianças possam ampliar a compreensão da sua própria História, da sua forma de viver e de relacionar. Identificar diferenças e semelhanças entre as Histórias vividas pelos colegas e por outras pessoas e grupos sociais próximos ou distantes que conhecem pessoalmente ou que conheceram pelas histórias ouvidas, lidas, vistas na televisão, em filmes, em livros, etc. Histórias individuais e coletivas que participam da construção da história da sociedade. (CORSINO, 2006, p.59). É importante apresentar o ensino de História com recursos como: livros, álbuns, revistas, filmes, materiais de fantoches para dramatizações, textos variados como poesias, músicas, estórias em quadrinhos muito contribuirá para despertar no aluno o interesse pela leitura e escrita. Ao privarmos os alunos de receber esses conhecimentos de maneira adequada para esta fase da vida ele em seus anos escolares consecutivos pode desenvolver um certo desinteresse por essa disciplina no futuro visualizando-a como sendo sem importância para sua vida. É valioso avaliar o conteúdo do PCN de História e Geografia relacionado ao tema: No caso do primeiro ciclo, considerando que as crianças estão no início da alfabetização, deve-se dar preferência aos trabalhos com fontes orais e iconográficas e, a partir delas, desenvolver trabalhos com a língua escrita. De modo geral, no trabalho com fontes documentais – fotografias, mapas, filmes, depoimentos, edificações,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 25 de 167 objetos de uso cotidiano – é necessário desenvolver trabalhos específicos de levantamento e organização de informações, leituras e formas de registros. (BRASIL, p. 49, 1997e). Vimos, portanto, com os próprios referenciais a importância que se deve dar a essas crianças que estão no seu momento inicial do processo de alfabetização, o que, mesmo no estudo de História e Geografia, como veremos a seguir requer materiais apropriados para que aconteça de forma satisfatória a alfabetização, mesmo nas outras áreas de estudo e não somente na língua portuguesa. Recursos didáticos para o ensino da geografia Vale lembrar que esse ciclo é, na maioria das vezes, o momento de ingresso da criança na escola. O PCN de História e Geografia (1997e, p. 128) nos informa que ―ensinar os alunos a ler uma imagem, a observar uma paisagem ou ainda a ler um texto – mesmo que a leitura não seja realizada diretamente por eles – para pesquisar e obter informações faz parte do professor desse ciclo‖. Além dos materiais acima citados podemos trabalhar com estes alunos, para tornar a aula mais atrativa: mapas, atlas, globo terrestre, planetas e maquetes de boa qualidade e atualizados. A leitura do PCN de História e Geografia informa ainda: O estudo do meio, o trabalho com imagens e representação dos lugares são recursos didáticos interessantes pelos quais os alunos poderão construir e reconstruir de maneira cada vez mais ampla a estrutura, as imagens e as percepções que têm da paisagem local, conscientizando-se de seus vínculos afetivos e identidade com o lugar no qual se encontram. (BRASIL, 1997e, p. 130). Pode-se constatar que o ensino para crianças de seis anos em muitos casos é o primeiro contato da criança com a instituição escolar. Não se deve banalizar este momento e acharmos que se pode oferecer a estes alunos um ensino descuidado e sem recursos materiais adequados por se tratarem apenas de crianças iniciantes no processo de alfabetização. Precisa-se ter cuidado de como ensinar e para que ensinar e o que estamos ensinando e quais os objetivos que desejamos que os alunos alcancem e, principalmente, os recursos que temos ao nosso alcance para tornar o processo de alfabetização significativo para as crianças. Recursos didáticos para o ensino das ciências O PCN de Ciências contém a seguinte informação: Desde o início do processo de escolarização e alfabetização os temas de natureza científica e técnica, por sua presença variada, podem ser de grande ajuda, por permitirem diferentes formas de expressão. Não se trata somente de ensinar a ler e a escrever para que os alunos possam aprender Ciências, mas também fazer uso das Ciências para que os alunos possam ler e escrever. (BRASIL, 1997, p.62). Considerando-se que neste momento os alunos estão em uma fase em que a curiosidade está bem presente, então o estudo das Ciências o ajudará na vontade de buscar e pesquisar, posto esta idade o momento onde surgem muitas perguntas.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 26 de 167 A área de ciências permite que se possa obter várias situações favoráveis ao processo de aprendizagem, no entanto a escola precisa organizar um espaço para que as crianças tenham um contato com a natureza e para realização de atividades que lhes permitam a observação da germinação de sementes ,cultivo de hortas, esse espaço pode ser transformado em um ambiente propício para que a criança desenvolva suas habilidades de leitura e escrita , através de atividades desafiadoras propostas pelo professor. Essas atividades também permitirem às crianças enxergar a escola como uma lugar onde se aprende através de situações que proporcionam prazer em aprender. O PCN das Ciências Naturais (1997, p. 61) afirma que ―é papel da escola e do professor estimular os alunos a perguntarem e a buscarem respostas sobre a vida humana, sobre os ambientes e recursos tecnológicos que fazem parte do cotidiano ou que estejam distantes no tempo e no espaço‖. Conclusão Conclui-se este artigo com a esperança de que esta pesquisa possa propiciar aos seus leitores uma reflexão sobre a importância dos recursos didáticos em nossas escolas públicas como meios para tornar as aulas mais atrativas às crianças e com resultados positivos para que os alunos possam ser de fato alfabetizados. Acreditamos que no 1º ciclo da alfabetização os recursos materiais são indispensáveis e podem contribuir significativamente para que se planeje e se elabore as ações que serão executadas para se iniciar a alfabetização desses alunos de forma melhor planejada. Entendemos que se forem oferecidas no momento oportuno as condições apropriadas para que as crianças desenvolvam as habilidades na leitura e na escrita necessárias para que alcance a alfabetização, no futuro as crianças do 4º e 5º ano não necessitariam retornar para rever um processo no qual já deveriam ter superado, ou seja, a alfabetização. Por outro lado, sabe-se que os governantes procuram responsabilizar os professores pelo fracasso da alfabetização dos alunos das séries iniciais em nosso país. Contudo, os PCN‘S esclarecem os materiais que deveriam ser oferecidos aos professores e alunos do 1º ciclo por serem imprescindíveis ao processo de alfabetização. Se os materiais não chegam as escolas públicas é porque há um enorme desinteresse dos governantes em alfabetizar as classes mais humildes, ou seja, sem condições mínimas de trabalho o professor não pode alcançar melhores resultados que os atuais. O aluno que não aprende é um cidadão que futuramente não vai questionar e tenderá a manter no poder as mesmas pessoas que não tem nenhum interesse de oferecer melhores condições educacionais aos educando. Faz-se necessário o cumprimento da lei. É necessário que a mesma deixe de ser apenas teórica. Cobrar dos educadores é um dever do governo e um direito dos pais e gestores escolares. Deixar de oferecer condições mínimas de trabalho ao professor e culpá-lo pelo fracasso do atual modelo educacional do Brasil é uma forma de eximir-se de seu dever e de frustrar aos educadores que dedicam as suas vidas em prol de ensinar as futuras gerações. É verdade que há professores descompromissados com a educação, mas é necessário valorizar-se os profissionais que honram a carreira que abraçaram oferecendo, aos menos, condições de trabalho mais favoráveis.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 27 de 167 Os governantes precisam oferecer aos professores e discentes a estrutura necessária para que os alunos possam continuar a avançar em seus estudos. Um estudante que não consegue aprender a ler e escrever nas séries iniciais, mesmo após vários anos nos bancos das escolas públicas, é um forte candidato a fazer parte das estatísticas dos que não conseguem ser alfabetizados e necessitarão participar de classes especiais de reforço de alfabetização e futuramente de Projetos como o EJA. Referências BEAUCHAMP, Jeanete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro. In: BRASIL, Ministério da Educação. Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para inclusão da Criança de Seis anos de idade. Brasília: FNDE, Estação gráfica, 2006. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais.Brasília: MEC/SEC, 1997a, v.1. ______,Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa.Brasília: MEC/SEC, 1997b, v. 2. ______,Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática.Brasília: MEC/SEC, 1997c, v. 3. ______,Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais.Brasília: MEC/SEC, 1997d, v. 4. ______,Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia.Brasília: MEC/SEC, 1997e, v. 5. CORCINO, Patrícia. As crianças de seis anos e as áreas do conhecimento. In: BRASIL, Ministério da Educação. Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para inclusão da Criança de Seis anos de idade. Brasília: FNDE, Estação gráfica, 2006. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 28 de 167 TELEVISÃO, JUVENTUDES & SOCIABILIDADES Denise Maria Soares Lima11 ―A televisão me deixou burro Muito burro demais Oi! oi! oi! Agora todas as coisas que eu penso Me parecem iguais Oi! oi! oi!‖ Titãs Resumo Este estudo busca estabelecer a inter-relação entre juventude e TV, a partir de duas constatações: a primeira, é que a mídia, especialmente a televisão, ocupa um lugar de destaque na formação do indivíduo; e a segunda, é que grande parte dos discursos produzidos por ela tem como alvo os jovens. Diante disso, analisa quais os fatores preponderantes nos modos de ver TV: só e acompanhado, com base nos dados da pesquisa ―A Geração Interativa na Ibero-América‖ coordenada por Sala e Chalezquer (s/d) e da pesquisa ―Data Folha‖ (2008). Tomou-se por base Wolton (2007) que afirma que a televisão é vista como um elo entre indivíduos, um instrumento de comunicação associado à democracia de massa. Fundamentou-se também em Simmel (2006) no conceito de sociabilidade como forma ―lúdica‖ de sociação. Especificamente, o trabalho apresenta a legislação expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o conteúdo em relação aos meios de comunicação e adota o conceito de adolescente equiparando-o ao de juventude, uma vez que os dados utilizados incidem sobre esta faixa etária. Palavras-chave: Televisão. Adolescente. Sociabilidade. Legislação. Abstract This study seeks to establish the inter-relationship between youth and TV, from two observations: first, is that the media, especially television, occupies a prominent place in the formation of the individual, and the second is that much of the discourse produced by it is targeting young people. Therefore, analyzes which factors predominate modes of watching TV: alone and together, on the basis of survey data "The Interactive Generation in Latin America" coordinated by Sala and Chalezquer (s/d) and search for "Data Sheet" (2008). Became based Wolton (2007) which states that television is seen as a link between individuals, an instrument of communication associated with mass democracy. It was based also on Simmel (2006) concept of sociality as a means "playful" of association. Specifically, the paper presents the explicit legislation on the Statute of the Child and Adolescent, ECA, of July 13, 1990, which provides for the content in relation to the media and adopts the concept of teen equating it to the youth, one since the data used relate to this age group. Keywords: television; teenager; sociability; legislation. Introdução A televisão aberta foi o meio de comunicação escolhido em razão do espaço ocupado por ela no cotidiano dos adolescentes, seja como entretenimento ou como informação. De modo que 11Professora,

advogada, mestre em Educação da Universidade Católica de Brasília/DF e pesquisadora da Cátedra UNESCO da mesma Universidade.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 29 de 167 avaliar qual o tratamento dispensado a essa fonte de comunicação, tanto pelos jovens como pelos órgãos reguladores, foi fator decisivo para a escolha do tema, pois, apesar do crescente uso de novas tecnologias, tais como o telefone móvel (celular) e o computador (internet) que possibilitam novos processos comunicativos; a TV ainda é apontada como o meio mais utilizado por adolescentes brasileiros. Para essa verificação foram consultadas duas fontes: inicialmente, os dados obtidos por pesquisa realizada com crianças e jovens da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, que resultou em um livro intitulado ―Crianças e adolescentes diante das telas: A Geração Interativa na Ibero-América‖ (SALA e CHALEZQUER, s/d), que estuda a utilização de tecnologias (celular, internet, televisão e videogames) pela população investigada, sobre esse material, foi realizado um recorte sobre o capítulo ―Televisão: a rainha das telas‖; e, em seguida, os dados coletados por pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2008, que aponta a televisão aberta e a internet como principais fontes de informação dos jovens. Os dados acima revelaram que embora um percentual elevado de jovens sozinhos assista à televisão, um número significativo de adolescentes está sempre acompanhado (mãe, pai, irmãos, outros). Assim sendo, buscamos verificar quais os fatores preponderantes neste modo de ver TV: só e acompanhado. Se os jovens estão sós, significa que decidem sobre o conteúdo a que estão expostos? No caso particular da televisão aberta, de que maneira o Estado realiza essa regulação e em que medida o diploma legal auxilia os pais e responsáveis? E no caso de o jovem estar acompanhado, a TV cumpre o seu papel interativo e lúdico, segundo as abordagens de Wolton e Simmel, respectivamente? Logo, a legislação vigente, as amostras pesquisadas e a fundamentação teórica permitiram verificar como a sociabilidade no uso da televisão envolve formas lúdicas de sociação e, ao mesmo tempo, estabelecer se o uso e acesso que realizam, fazem parte da cultura social e interferem na formação juvenil. Sociabilidades e televisão Considerada uma das principais fontes de entretenimento e informação, a televisão começou no Brasil, por volta de 1950. Tornou-se meio de comunicação de massa e, desde então, pesquisas confirmam a presença diária desse veículo de comunicação na vida dos brasileiros. Em particular, no cotidiano dos jovens. Segundo Wolton (2007), aliada ao rádio e ao telefone, a TV veio confirmar o triunfo do individualismo e da democracia de massas, tamanha sua representatividade no processo comunicativo. Na contemporaneidade, a televisão passa por muitas mudanças em face de exigências mercadológicas voltadas para o uso cada vez mais corrente de novas tecnologias, tais como a internet e o celular. Em razão da Era Digital, a televisão busca novas formas de interatividade, especialmente entre o público juvenil, que continua a prestigiá-la. Para fins deste estudo, compreender como se dão as escolhas dos adolescentes em face dos conteúdos exibidos pelas televisões e como se relacionam junto a esse meio de comunicação, sós ou acompanhados, é o desafio. Buscou-se com base nos dados quantitativos, destacar quais as preferências juvenis e como são mediadas, relacionando-as com a regulação estatal. Assim, reforçase a intenção de que a televisão, aqui, é considerada como um instrumento de reforço de comportamento, e o adolescente como um indivíduo não passivo, ou seja, capacitado ―com o assumir de forma consciente seus direitos e responsabilidades de cidadão‖ (LEÓN, 2009). Aliado a isso, o mesmo autor reforça que apesar da presença de traços comuns em torno da cultura adolescente ou juvenil; longe de ser única, depende de como e quais experiências são processadas pelos jovens:

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 30 de 167 [...] nem todos os adolescentes e jovens se veem expostos da mesma maneira a tal processo globalizador, nem todos vivem as mesmas experiências, e, se é que estão expostos homogeneamente a determinados influxos sociais e culturais, me todos os processam internamente ou em termos de sua subjetividade da mesma maneira‖ (LEÓN, 2009, p. 58). Tratando-se de televisão, ainda que ela seja capaz de influenciar significativamente nos processos de construção social e cultural dos indivíduos, há uma atividade no processo de comunicação que se dá também no telespectador, a recepção é construída, é ativa. E, conforme Wolton (2007), interativa, um elo entre os indivíduos que preserva as dimensões individual e coletiva, sendo essa característica essencial para as atividades. Neste processo interativo, a televisão ocupa lugar de destaque como espaço de lazer. Em contrapartida, grande parte dos discursos produzidos por esse meio de comunicação é endereçado ao público jovem. Então, em que medida esse espaço de lazer pode tornar-se um espaço de criatividade, ou seja, a televisão é um veículo capaz de promover a ludicidade? Há proposta lúdica no espaço ofertado pela televisão, que propicie ao jovem processo de socialização e descoberta de mundo? E sendo a televisão um espaço de ludicidade, no que diz respeito ao adolescente, contribui para desenvolvimento adequado dele? Para esclarecer essas indagações, trazemos à luz o conceito simmeliano de sociabilidade como forma lúdica de sociação. Para Simmel (2006), a sociação se configura como um conjunto composto por diversos processos nas quais as relações entre os interessados se caracterizam por formas de interação, onde os envolvidos demonstram ―gostar de estar juntos‖, contudo não no sentido de associação. Exemplos como o amor, a religiosidade ou resultados da inteligência não são, por si sós, sociais, no sentido imediato. Tornam-se fatores de sociação quando transformam ‗a mera agregação isolada‘ em formas de estar com o outro, E completa Simmel ( 2006): A sociação é, portanto, a forma (que se realiza de inúmeras maneiras distintas) na qual os indivíduos, em razão de seus interesses – sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros, conscientes, inconscientes, movidos pela causalidade ou teleologicamente determinados – se desenvolvem conjuntamente em direção a uma unidade no seio da qual esses interesses se realizam. Esses interesses, sejam eles sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros, conscientes, inconscientes, casuais ou teleológicos, formam a base da sociedade humana (SIMMEL, 2006). Já, a sociabilidade é a forma lúdica da sociação, não interessando as motivações. De modo que a televisão aberta, ao despertar o imaginário desses jovens em inúmeras dimensões (social, educativa, psíquica, por exemplo), principalmente produzindo ou mediatizando desejos, crenças, influências, interações uns sobre os outros se revela como um instrumento indutor de sociabilidade. A televisão, presente no cotidiano dos adolescentes, conforme demonstrou as pesquisas marcam espaços de encontros dos indivíduos em convivência e interação uns com os outros. Juventude e legislação O termo juventude utilizado neste estudo se refere aos adolescentes, ou seja, os indivíduos que têm acima de 12 anos e até 18 anos, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, instituído pela Lei 8.069, artigo 2°: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade‖ (BRASIL, 1990). É importante destacar que no que tange à legislação sobre emissoras de televisão, o ECA dispõe sobre programas, horários, competência em relação à infração cometida por meios de comunicação, entrada e permanência de criança ou adolescente em estúdios de TV e penas sobre

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 31 de 167 infrações em relação a horário diverso do autorizado (Art. 76, Art. 147, Art. 149, Art. 254 e Art. 255). E, em consonância com a atual legislação, a Portaria n. 1.220 do Ministério da Justiça, de 11 de julho de 2007, regulamenta as disposições desse Estatuto, da Lei n. 10.359, de 27 de dezembro de 2001 e do Decreto n. 6.061, de 15 de março de 2007, relativas ao processo de classificação indicativa de obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres, cuja competência é atribuída ao Ministério da Justiça. Vale ressaltar alguns artigos: Art. 13. [...] Parágrafo único. Entende-se como horário de proteção à criança e ao adolescente o período compreendido entre 6 (seis) e 23 (vinte e três) horas. Art. 17. Com base nos critérios de sexo e violência, as obras audiovisuais destinadas à exibição em programas de televisão são classificadas como: I – livre; II – não recomendada para menores de 10 (dez) anos; III – não recomendada para menores de 12 (doze) anos; IV – não recomendada para menores de 14 (quatorze) anos; V – não recomendada para menores de 16 (dezesseis) anos; e VI – não recomendada para menores de 18 (dezoito) anos. Art. 19. A vinculação entre categorias de classificação e faixas horárias de exibição, estabelecida por força da Lei nº 8.069, de 1990, dar-se-á nos termos seguintes: I – obra audiovisual classificada de acordo com os incisos I e II do artigo 17: exibição em qualquer horário; II – obra audiovisual classificada como não recomendada para menores de 12 (doze) anos: inadequada para exibição antes das 20 (vinte) horas; III – obra audiovisual classificada como não recomendada para menores de 14 (catorze) anos: inadequada para exibição antes das 21 (vinte e uma) horas; IV – obras audiovisuais classificadas como não recomendada para menores de 16 (dezesseis) anos: inadequada para exibição antes das 22 (vinte e duas) horas; e V – obra audiovisual classificada como não recomendada para menores de 18 (dezoito) anos: inadequada para exibição antes das 23 (vinte e três) horas. Parágrafo único. A vinculação entre categorias de classificação e faixas horárias de exibição implica a observância dos diferentes fusos horários vigentes no país (BRASIL, Portaria n. 1.220, 2007). De maneira que a legislação brasileira, ao designar um período diurno para horário de proteção à criança e ao adolescente, ratifica a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, já que esse acordo compreende as crianças como indivíduos mais vulneráveis, primeiras vítimas de toda forma de desestruturação familiar e social. Anote-se que para esse documento criança é todo ser humano menor de 18 anos de idade, conforme consta em seu primeiro artigo (BRASIL, 1989). Lá nas referências não está especificado b. No caso específico dos meios de comunicação, o documento acima enfatiza ainda que os Estados-Partes incentivarão a difundir informações e materiais de interesse social e cultural para a criança. Vale acrescentar que o poder público, ao disciplinar sobre classificação de programas, atribui, principalmente, aos pais a responsabilidade sobre o exercício do poder familiar de decidir sobre a escolha dos programas a serem assistidos pelas crianças e adolescentes. Além disso, o Estado argumenta que a partir da regulação, a pessoa e a família podem se defender de produtos inadequados expostos na TV, contudo há determinados conteúdos que não são disciplinados, tais como programas jornalísticos, noticiosos, esportivos e eleitorais, propagandas eleitorais e publicidade em geral, conforme dispõe o artigo quinto.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 32 de 167 O adolescente e a televisão Os dados a seguir foram retirados da Pesquisa ―A Geração Interativa na Ibero-América‖ (SALA e CHALEZQUER, s/d). Foi realizado um recorte sobre o capítulo ―Televisão: a rainha das telas‖, e, consideradas apenas as informações sobre os adolescentes brasileiros. Nesta pesquisa, que chamaremos de PI, os jovens compreendem a faixa etária entre 10 a 18 anos. Inserimos também dados da Pesquisa Datafolha, que nomeamos PII. Nesta etapa, para melhor visualização dos dados, optamos por selecioná-los por tópicos. Inicialmente, os dados da PI, em seguida da PII. Quanto à aquisição de aparelhos:  Dos jovens (10 a 18 anos), nove de cada dez confessam ter pelo menos um aparelho em casa.  46% das crianças entre 10 e 18 anos afirmam que assistem à televisão em seu próprio quarto. Quanto ao tempo de uso:  Três de cada sete participantes afirmam conhecer alguém que sempre está assistindo à televisão.  Jovens representam um dos maiores percentuais (50%) que revelam que a primeira coisa que fazem quando chegam em casa é ligar a televisão.  Quase a metade dos brasileiros com idades entre 10 e 18 anos (43%) revelam que costumam assistir à TV mais de duas horas diárias durante a semana.  As meninas de 14 anos em diante formam o perfil que melhor reflete esta tendência (46% afirmam assistir à TV de segunda à sexta mais de duas horas diárias). Quanto à companhia:  Um de cada dois jovens entre 10 e 18 anos, afirma que gosta mais de assistir à televisão com companhia do que sozinho.  Esta afirmação reforça a ideia de uma faixa etária gregária, que tende a estar com outras pessoas, e que também dá às mídias uma finalidade social. (42%)  44% dos jovens entre 10 e 18 anos afirmam que gostam mais de assistir à televisão em companhia de outras pessoas do que sozinho.  66% assistem à TV sozinhos, 48 % com o pai, 64% com mãe e 53% com irmão. Quanto a quem decide sobre o conteúdo:  56% responderam ‗eu mesmo‘; 43%, meu pai; 46%, minha mãe; 24%, eus irmãos ou irmãs.  Quanto à proibição de programas pelos pais:  43%, todos os programas; 33%, alguns programas; 23%, não sei.  E responderam que apenas 22% das discussões em relação à TV são quanto ao tipo de programas.  Apenas 18% afirmam ter assistido alguma vez a programas que seus pais lhes proíbem (sendo os meninos os que mais confirmam esta tendência, com 22% contra 12% das meninas).  Seis de cada dez estudantes brasileiros garantem que nunca discutiram com seus pais por algum motivo relacionado com o uso ou consumo da televisão.  42% dos alunos entre 10 e 18 anos afirmam que seus pais os deixam assistir a todos os programas.  Em alguns casos, existem normas sobre os conteúdos televisivos apropriados para as crianças e jovens. Entre os que se mostram mais propensos a cumpri-las estão os brasileiros.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 33 de 167 A PII aponta a televisão aberta e a internet como principais fontes de informação dos jovens. Nesta pesquisa, foram feitas 120 perguntas para 1.541 jovens em 168 cidades do país, que demostram os seguintes dados:  A TV aberta é a principal fonte de informação dos jovens brasileiros, citada por 33% como meio de comunicação que utilizam com mais frequência para se manterem informados.  Entre os jovens que têm 16 e 17 anos, e entre os que têm de 18 a 21 anos, a TV aberta e a internet empatam. No estrato mais jovem, ambos os meios atingem 30% das preferências.  Quase a totalidade (98%) dos entrevistados costuma assistir à televisão, e o tempo médio passado em frente ao aparelho de TV é de 3,4 horas.  Quanto maiores a escolaridade e a renda familiar mensal dos entrevistados, menor a média de horas assistindo televisão: ela é de 3,7 entre os que têm o ensino fundamental, de 3,5 entre os que chegaram ao ensino médio e de 2,6 entre os que têm escolaridade superior. Entre os que têm renda até dois salários mínimos mensais, a média de horas em frente à TV é 3,7, ou uma hora a mais do que a registrada entre os que têm rendimentos acima de 10 salários mínimos (2,7). O que se deduz dos dados O se apresenta no sentido de entender a relação existente entre a televisão e o que essa tecnologia traz de diferente para as relações sociais entre os jovens, mais particularmente, como ele se relaciona com a televisão e os conteúdos a que estão expostos, e como decide ao que assistir. Chama a atenção, ainda, na compilação dos dados, a imagem dos meios de comunicação entre os jovens. Para eles, a TV é classificada como indispensável na vida, o meio com o qual se tem mais contato e o que mais combina consigo, fato demonstrado tanto em relação á aquisição dos aparelhos, como reforçado pela afirmação de ao chegarem em casa, a primeira atitude dos jovens é ligar a televisão. Quase a metade dos jovens (44%) respondeu que gosta de assistir à televisão acompanhada. Esse dado, além de reforçar o caráter gregário da juventude, contribui para confirmar o argumento de Wolton (2007), segundo o qual, a TV é meio interativo que promove reação. Os indivíduos reagem aos conteúdos transmitidos, ou em comentários com os amigos ou agindo individualmente, proporcionando uma interatividade mediada pelo tempo. Também se constata na PII, outro argumento de Wolton, ao comparar a internet e televisão, em termos de acessibilidade: A televisão é uma janela aberta para todas as culturas, já que é pensada para que todos tenham acesso a ela. Restou demonstrado que quanto maior a renda e a escolaridade menor a média assistindo à TV. Paralelo a isso, o autor considera que na internet há uma segmentação natural, já que exige um nível educacional adequado para manuseá-la. A PI destaca o quantitativo de entrevistados que assistem à televisão sozinhos (66%) e que decidem sobre seu conteúdo (56%). Em seguida, se constata que 42% dos alunos entre 10 e 18 anos afirmam que seus pais os deixam assistir a todos os programas. Percebe-se que embora a pesquisa não tenha relatado qual o tipo de conteúdo preferido e/ou preterido pelos jovens; a partir dos dados acima, constata-se que, desde os diferentes gêneros ou formatos televisivos, tudo (ou quase tudo) veiculado pela TV e transmitido aos jovens é escolhido por eles. Dito isso, essa (auto) seleção promovida ao acaso diante da televisão aberta pode ser positiva ou negativa na experiência juvenil. Ao passo que crianças e adolescentes, por serem considerados segmentos mais vulneráveis, são as primeiras vítimas de toda forma de desestruturação – familiar, social ou climática. Em razão disso, conforme anteriormente apontado, a legislação brasileira disciplina sobre determinados

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 34 de 167 conteúdos, porém deixa a cargo do grupo familiar a mediação e a responsabilidade sobre decisão dos conteúdos expostos na mídia. Afinal, pode o jovem assumir essa condição de decidir sobre as informações que chegam até ele? Na condição de receptores de exemplos, valores, identificações, via televisão, os jovens podem controlar esta atividade a despeito da anuência dos pais e do Estado? Apesar de a PI mencionar que os brasileiros estão entre os mais propensos a cumprirem as regras sobre os conteúdos televisivos apropriados para as crianças e jovens. E, raramente, entrarem em conflito com os pais em razão da televisão, percebe-se que, se forem verdadeiras as informações dos adolescentes, faz parte da rotina juvenil tomar decisões sobre ao que assistir na TV, revelando um adulto pouco participativo nessas escolhas. Tendo em vista a situação acima observada, considerando os desafios juvenis, León (2009), avalia: [...] os jovens deveriam demandar e exigir maiores graus de proteção social; não se deveria deixar a eles as decisões e responsabilidades que devem assumir em suas próprias mãos, sem o necessário apoio e acompanhamento por parte das instituições sociais que deveriam ser chamadas a isso, de maneira especial, o Estado e também a família. Deste modo, enfatiza que assumir a condição juvenil não significa não significa estar só. De modo que é necessário que as instituições se reconheçam e saibam responder com responsabilidade no interesse de crianças e de adolescentes. Conclusão A programação, a que os adolescentes assistem, exerce forte influência sobre suas visões de mundo. Daí, a epígrafe da música no início do artigo. O que queremos? Tornamos nossos jovens burros demais? Contudo, se há possibilidade de aliená-los a tal ponto, há proporcionalmente meios de difundir e divulgar cultura para reduzir desigualdades existentes. Assim, é necessário se pensar em uma televisão comprometida com os interesses dos adolescentes, com uma televisão cujo enfoque seja auxiliá-lo a aprender sobre si e sobre o mundo; não se trata apenas de desfigurar a realidade, isentando-a de conflitos, mas considerar a televisão como mais um espaço educativo, capaz de operar experiências positivas na vida do jovem. Nesta visão, se acredita na possibilidade de construção de uma televisão voltada para esse público. Portanto, se o adolescente assiste à TV sozinho, os pais devem procurar dialogar com ele sobre ao que foi assistido e ajudar na seleção de boas opções; se essas não existem, cabe aos responsáveis, reconhecendo a vulnerabilidade a que os adolescentes estão expostos, cobrarem das emissoras mais e melhores programas para essa clientela. Não se pretende esgotar o assunto, pois ele possui um espectro enorme para ser aprofundado, inclusive, em relação a aspectos não abordados como a recepção dos jovens e a relação da TV no interior dos ambientes escolares, por exemplo. Ou ainda, usar a televisão para discutir a própria televisão, onde todo o material nela vinculado possa ser discutido e analisado, articulando, desse modo, novos conhecimentos. Quem sabe possamos cantar: a antena me captou e a televisão me libertou. Já não sou como os animais!

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 35 de 167 Referências BRASIL. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, 1989. Disponível em: < http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm> Acesso em 18 set 2011 ______. LEI Nº 8.069 de 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990. Presidência da República. Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acesso em: 30 ago.2011. ______. Ministério da Justiça. Portaria n.1220, 2007. Disponível em < http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team=%7BA9B8192F-9974-4984-A564-8966FC9669CE%7D> Acesso em 18 set. 2011 DATA FOLHA OPINIÃO PÚBLICA: Jovens Brasileiros. 2008. Disponível em: Acesso em 18 ago. 2011. LEÓN, Oscar Dávila. Uma revisão das categorias de adolescência e juventude. In: CANEZIN, M. T.; SOUSA, S. M. G. (Org.). Juventude e contemporaneidade: desafios e perspectivas. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, Goiânia: Ed. da UFG, Cânone, 2009. SALA, X. B.; CHALEZQUER, C. S. (Coords). A geração interativa na ibero-américa: crianças e adolescentes diante das telas, (s/d). Coleção Fundação Telefônica. Disponível em: < http://www.educarede.org.br/educa/arquivos/web/biblioteca/LivroGGIIPort.pdf > Acesso em 18 set. 2011. SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. WOLTON, Dominique. Internet e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre: Sulina, 2007. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 36 de 167 UM OLHAR ENUNCIATIVO SOBRE O ENSINO DE SINTAXE Elke Beatriz Felix Pena

Resumo Neste artigo, são apresentadas discussões a respeito do ensino de sintaxe no Ensino Médio, partindo de análise de material didático, numa perspectiva teórica de uma sintaxe com base enunciativa, tratando enunciação de acordo com Eduardo Guimarães (2002). Palavras-chave: enunciação; ensino; sintaxe. Abstract In this article, we present discussions about the teaching of syntax in high school, starting with analysis of educational material, a theoretical perspective of a syntax based enunciative, treating enunciation according to Eduardo Guimarães (2002). Keywords: enunciation; education; syntax. Uma sintaxe de base enunciativa Nossa forma de tratar a língua é de natureza semântica. Assim, vale, já de início, reafirmar que, nessa perspectiva, a referência é constituída na relação entre o acontecimento enunciativo e o espaço histórico desse dizer, tal qual nos apresenta Guimarães (2002). Essa noção é fundamental para o entendimento de que, para nós, existe uma relação intrínseca entre semântica e sintaxe. Essa maneira de tratar a língua é proposta por Dias (2002). Dessa forma, consideramos a língua em duas dimensões: i) orgânica: possibilidades regularmente configuradas numa ordem material específica e ii) enunciativa: mecanismos de acionamento dessas possibilidades. Em i, temos a sintaxe como base para a observação dessa ordem material e a relação entre os elementos que compõem essa estrutura orgânica. Consideramos que faz parte da forma linguística uma dimensão enunciativa, que traz a memória social e histórica das enunciações desta forma, que marcam a futuridade e o passado no presente do acontecimento (GUIMARÃES, 2002). Para nós, ―sentença é a face regular da unidade configurada como enunciado‖ (DIAS, 2009, p.8). Nela, vemos configurados os lugares sintáticos, nos quais a memória do dizer e a atualidade desse dizer encontram pontos de contato. Esses pontos de contato são para nós, objeto de estudo da sintaxe, uma vez que a regularidade das sentenças está relacionada à regularidade da significação das recorrências da memória. Uma unidade sintática é articulada, isto é, constituída articulatoriamente, na medida em que os seus constituintes já participaram de outras unidades em outros domínios de enunciação da língua. Dessa maneira, uma sentença (ou oração) se assenta não exatamente sob outras sentenças (à maneira de uma reprodução de padrões), mas sob a enunciação de outras sentenças, de onde os componentes trouxeram as regularidades do funcionamento agregador da unidade. (DIAS, 2012, p.1) De outras enunciações é que se cria a memória de ocupação e relação dos componentes na sentença, ou seja, das enunciações anteriores é que os componentes trazem as regularidades do funcionamento da sentença.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 37 de 167 Na perspectiva que apresentamos acima, não desconsideramos o texto, mas o entendemos dentro de um espaço de enunciação, que trará ―as línguas‖ que esse espaço mobilizar (GUIMARÃES, 2011). O texto é uma unidade de sentido integrada por enunciados, por isso, o enunciado tem papel fundamental na nossa concepção de ensino de língua. Ao olharmos para ele, sua constituição e suas relações, entendemos esse processo e o relacionamos, posteriormente, a outros enunciados que compõem um texto, formando assim, o sentido dessa unidade (o texto). Segundo Guimarães (2011, p. 126), Esta posição coloca, de início, no centro da questão do ensino dois aspectos fundamentais: 1) o funcionamento do enunciado; 2) o fato de que o sentido dos enunciados são produzidos por sua relação de integração com o texto. O aspecto 1 diz respeito à consistência interna dos enunciados, então, às suas sistematicidades, às relações entre os elementos que os compõem . Essa sistematicidade está associada à produção de sentido, i.e., a articulação entre os elementos que formam o enunciado é fundamental para o seu sentido. Ainda concordamos com Guimarães quando diz que é fundamental que seja ensinado a observar e a levar em conta essas sistematicidades do enunciado. Ele ainda afirma que se deve ―ensinar o funcionamento gramatical (fonológico, morfológico, sintático) junto ao funcionamento semântico da produção de sentido‖. (GUIMARÃES, 2002, p. 126) Uma proposta para o ensino: enunciação e sintaxe Nosso interesse é levar para o campo do ensino uma abordagem enunciativa para que a reflexão a respeito da língua seja feita de maneira mais efetiva. Apresentar essa dimensão enunciativa é mostrar ao aluno as relações de sentido que a organicidade tem. E que, para produzir sentido, interpretar e compreender o que diz um texto, é importante saber observar a relação entre língua e enunciação. Os materiais didáticos tiveram grandes avanços no que diz respeito à diversidade de gêneros e tipos textuais, bem como em suas atividades de leitura e produção de textos, apresentados em trabalhos como os de Kleiman, Jurado e Rojo, sobre leitura, e Bunzen e Antunes, sobre escrita, todos publicados em ―Português no ensino médio e formação de professor‖ (2006), organizado por Bunzem e Mendonça. No entanto, o mesmo não se pode falar no que tange o ensino de gramática em especial da sintaxe, como vemos em estudo de Dias (2010), já citado, Mendonça (2006) e Moura Neves (2004), entre outros. O que percebemos é que o ensino da sintaxe acontece em duas direções: A primeira, mais tradicional, é a que o estudo de categorias sintáticas é relacionado aos grupos morfológicos e a ―funções‖ que os termos exercem na sentença, tal como orienta a gramática normativa. Aqui, vemos um estudo pautado na memorização de categorias e localizações estritamente geográficas dos termos na sentença, com exemplos que ―cabem‖ nas definições, tratando várias das recorrências de construção de orações como exceções ou como erros. A segunda abordagem surgiu a partir dos estudos linguísticos sobre o texto, em que o mesmo é considerado unidade de sentido, como a Linguística Textual e a Linguística de Gêneros e Tipos textuais. Nesta concepção, o estudo sintático somente é necessário ao se considerar a função que a oração ocupa no texto, em relação à coerência e a coesão desta unidade de sentido. Com isso, o conhecimento da organicidade sintática das sentenças se perdeu muito em nome da maior importância do sentido global do texto e de alguns elementos que eram considerados fundamentais para esse sentido.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 38 de 167 Enunciação, PCNEM e Material didático Os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (PCNEM, 1999) definem linguagem como herança social que vai sendo apreendida pelos indivíduos e regula as estruturas mentais, emocionais e perceptivas pelo seu simbolismo. A produção de sentido é apontada como a principal ―razão‖ de qualquer ato de linguagem. O objetivo primeiro da linguagem é a interação dentro de um espaço social, e a língua seria um exemplo desse espaço. Nesse documento, língua é considerada um produto humano e social que ―organiza e ordena de forma articulada os dados da experiência comuns aos membros de uma determinada comunidade linguística.‖ (p.14) Sabemos que os autores de livros didáticos têm grande preocupação de afinar os conteúdos do seu material aos princípios dos PCNEM 12. Isso pode ser visto na concepção de língua como interação, mais especificamente, comunicação, cuja finalidade se apresenta na produção de sentido e significação do mundo a sua volta, como vemos no volume dirigido à segunda série do ensino médio, da coleção de Abaurre et al. (2010) do nosso corpus. O exemplo que damos a seguir se encontra no Guia de Recursos, do livro do professor, no item dedicado à ―Gramática‖, intitulado ―A linguagem, as palavras e o mundo‖ (p.26). No próprio título, percebemos uma relação, já estabelecida entre linguagem e referenciação, que coloca, entre ―linguagem‖ e ―mundo‖, ―palavras‖ como elemento que estabelece a ponte entre as duas instâncias. Logo no primeiro parágrafo do texto, há as seguintes afirmações: ―É a palavra que nos faz humanos, que nos diferencia de outros animais.‖; ―A língua está na base de nossos questionamentos e indagações sobre o modo como o mundo se organiza e sobre como nos relacionamos com ele e com as pessoas com as quais convivemos.‖ No texto em questão, os falantes são colocados como atores e espectadores da performance dos interlocutores, portanto, a justificativa dada pelas autoras para o estudo dos modos de organização e uso da língua é fazer com que sejamos capazes de compreender o ―jogo de sentido produzido pelos atores que participam da construção do discurso‖. (p.26) No subitem ―Um olhar sobre a gramática (metodologia)‖, é exposto que todo o estudo sobre a gramática será realizado a partir da análise de textos ―associados a um contexto‖. As autoras explicam que essa abordagem tem como finalidade resgatar o ―caráter discursivo da linguagem‖, em que as ―escolhas‖ linguísticas realizadas pelos interlocutores estão relacionadas às intenções específicas dos falantes. Ao longo de todo o texto, percebemos que os aspectos textual e discursivo sempre são frisados como finalidade dos estudos gramaticais. No capítulo dedicado aos estudos da sintaxe, encontramos a seguinte definição: ―Sintaxe é o conjunto das regras que determinam as diferentes possibilidades de associação das palavras da língua para a formação de enunciados. É função da sintaxe organizar a estrutura das unidades linguísticas (sintagmas) que se combinarão em sentenças‖ ( p. 505) Logo ao lado dessa definição, há um boxe definindo o termo enunciado: ―Enunciado é tudo aquilo que é dito ou escrito. É a sequência de palavras de uma língua que costuma ser delimitada por marcas formais: na fala, pela entoação; na escrita, pela pontuação. O enunciado está sempre ligado ao contexto em que é produzido.‖(p. 505) Nessas definições, dois pontos nos chamam a atenção. O primeiro diz respeito ao fato de relacionar a sintaxe à formação de enunciados, já que geralmente o termo utilizado é frase, sentença ou oração. Esse poderia ser um indício de uma discussão da sintaxe numa abordagem enunciativa, Hoje, os autores de livros didáticos também consideram outros documentos oficiais, como as matrizes do ENEM e SAEB, para elaborarem suas obras.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 39 de 167 estabelecendo contato entre a organização das ―unidades linguísticas (sintagmas)‖ e a enunciação. Porém, verificamos que a perspectiva não é essa ao considerarmos a definição de enunciado, o segundo ponto que levantamos aqui. Enunciado, para as autoras, não está, a princípio, relacionado à significação, já que é apontado como ―tudo aquilo que é dito ou escrito‖, ― sequência de palavras de uma língua que costuma ser delimitada por marcas formais‖. Porém, a formação e constituição dessa sequência não é explicada. Ao final, nos parece que a referência ao ―contexto‖ em que é produzido pretende trazer a ideia de que o enunciado não deve ser considerado de forma isolada. No entanto, não nos é explicado o que devemos levar em conta ao tratarmos um enunciado, já que ―contexto‖ não é definido e, portanto, torna-se um termo vago. Percebemos que há uma preocupação em aproximar a análise das estruturas da língua a questões da ordem do significado, mas ao mesmo tempo, encontramos abordagens ainda muito arraigadas pela concepção da gramática tradicional. Um exemplo que ilustra essa nossa afirmação é encontrado no momento em que é apresentado o item ―Relações e funções sintáticas‖ (p.505), no qual as autoras afirmam que, para compreender a noção de estrutura sintática, é necessário entender ―relação sintática‖ e ―função sintática‖. Para explicarem ―relações sintáticas‖, elas dão o exemplo: ―Cláudia comprou um CD dos Titãs‖, afirmando que ―um CD dos Titãs‖, ―completa o sentido de comprar‖ (p. 506). A questão que levantamos aqui diz respeito a essa afirmação de que há uma relação sintática entre ―comprou‖ e ―um CD dos Titãs‖, porque ―um CD dos Titãs‖ completa o sentido de ―comprar.‖ Vejamos outras possibilidades de uso desse verbo: a) b) c) d)

Cláudia comprou uma briga. Cláudia comprou a amizade de Fernanda. Cláudia comprou demais. Cláudia comprou, comprou, comprou.

Em cada um dos exemplos, foi dado um complemento diferente para comprou. Em cada item temos um sentido diferente para esse verbo, já que seus complementos não são iguais? Podemos dizer que em (d) comprou perdeu o seu sentido, pois não possui um complemento como nos demais itens? E a relação entre comprou e seus complementos é a mesma em (a), (b), (c) e (d)? Outras questões poderiam ser levantadas aqui para problematizar a definição a respeito da relação sintática entre o verbo e seu complemento. Ao mesmo tempo em que são aproximadas reflexões sobre a língua que envolvem aspectos orgânicos e discursivos, são deixadas de forma vaga questões que são do domínio desse último. Das atividades propostas no capítulo, destacamos duas para nossa reflexão. Na primeira (p.509), em que é analisada uma tirinha do personagem Calvin, de Bill Watterson, nas questões 1 e 2 é abordada a diferença entre frase, oração e período. As autoras definem frase como ―um enunciado linguístico que, independentemente de sua estrutura e extensão, traduz um sentido completo em uma situação de comunicação. O início e o fim da frase são marcados, na fala, por uma entoação característica e, na escrita, por uma pontuação específica.‖ (p.507) A oração é definida como ―um enunciado linguístico que apresenta uma estrutura caracterizada sintaticamente pela presença obrigatória de um predicado. O predicado é introduzido, na língua, por um verbo. Por esse motivo se diz que toda oração precisa ter um verbo. A oração apresenta, na maioria dos casos, um sujeito e vários outros termos (essenciais, integrantes ou acessórios)‖ (p. 508)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 40 de 167 E período como ―um enunciado de sentido completo constituído de uma ou mais orações. O início e o fim do período são marcados, na fala, pelo uso de uma entoação característica e, na escrita, pelo uso de uma pontuação específica, que delimitam sua extensão.‖ (p.509) Percebe-se que as definições se aproximam das expressas na gramática tradicional e usam aspectos de diferentes naturezas: para a frase, a explicação é da ordem do discursivo ―traduz um sentido completo em uma situação de comunicação‖; já a oração é definida por aspectos sintáticos ―uma estrutura caracterizada sintaticamente pela presença obrigatória de um predicado.‖ O período apresenta tanto uma abordagem discursiva ―um enunciado de sentido completo‖ quanto sintática ―constituído de uma ou mais orações.‖ Inclusive os aspectos formais que, segundo as autoras, delimitam a extensão dos períodos são similares ao da frase. Voltemos, então, às atividades propostas para focarmos na de número 2. Nela, há uma orientação para que o aluno aponte o enunciado que não ―contitui‖ oração. A resposta possível seria ―Que tal?‖, porque não apresenta um verbo. O que nos chamou a atenção é que não houve uma problematização em relação a esse tipo de enunciado. Nem mesmo no manual do professor, nas respostas indicadas para as questões, as autoras levantam a questão. ―O contexto‖, sempre apresentado nas definições de frase deste livro, não foi aproveitado aqui para levar o aluno a refletir sobre isso. Apesar de não se valer de aspectos enunciativos e discursivos na questão acima, em outra percebemos um apontamento para isso. Trata-se de uma questão que tem como ponto de partida um texto publicitário assinada pelo Clube de Criação de São Paulo, parabenizand a cidade pelo seu aniversário. Ao fundo há uma imagem da cidade. Acima, à direita, em destaque, os seguintes dizeres: ―É. O amor é cego.‖, e, no canto direito abaixo, o texto: ―Pode Ter inversão térmica. Pode ter trânsito louco. Pode ter seus problemas. Com tudo isso, a gente não pode deixar de amar essa cidade. Feliz aniversário, São Paulo.‖ (p. 510) O enunciado ―É. O amor é cego‖ é o objeto de análise da questão 5, em que é pedido para que o aluno diga como o mesmo é constituído sintaticamente. A resposta indicada no Guia de Recurso do professor (p. 188) é ―O enunciado é constituído de duas frases curtas ‗É.‘ e ‗O amor é cego.‘ Em cada frase, há uma oração (um período simples).‖ Se formos considerar a definição de frase dada anteriormente, ―É‖ não poderia ser classificada como tal. Se a sua extensão é marcada pelo ponto, deveríamos considerá-la individualmente, de acordo com a definição das autoras. Sem relacioná-la à segunda sequência, ―O amor é cego‖, não haveria possibilidade de sentido, adotada a perspectiva indicada anteriormente. O que acontece aqui é um exemplo de que os enunciados estão relacionados a uma rede de memória, por isso o ―É‖ é apontado pelas autoras como uma frase, mesmo não abordando o aspecto enunciativo em sua definição. Ainda na questão 5, mas no segundo item, é pedido que o aluno diga se há sentido em ―É. O amor é cego‖, desconsiderando-se o contexto. Apesar de não estar claro na questão a que contexto específico elas se referem, na sugestão de resposta entendemos que é ao contexto do anúncio publicitário: a imagem, e os dizeres da parte inferior direita do texto. As autoras afirmam ser possível compreender o enunciado ―como uma afirmação genérica sobre o fato de o sentimento amoroso levar os apaixonados a verem seus objetos de amor de forma completamente idealizada (...)‖ sem enxergar os seus defeitos. Porém, só é possível fazer essa leitura do enunciado em questão porque ele foi relacionado a algo além do que está materializado no anúncio, o que nos impede de dizer que houve uma ―descontextualização‖ completa como nos sugere o comando da atividade. E o que seria esse ―algo além do materializado‖? Na nossa perspectiva, é o acontecimento enunciativo (Guimarães, 2002), atualizando enunciações presentes na memória desse enunciado. Mas essa instância não é levada em consideração no material analisado, pelo menos de forma consciente.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 41 de 167 A questão 6 busca levar o aluno a pensar o sentido de ―É. O amor é cego‖ considerando todos os demais elementos, o que é bastante interessante em relação à compreensão do anúncio. No entanto, a relação da sintaxe com o sentido produzido não é abordada em nenhum momento. Dessa forma, no primeiro exemplo (questões 1 e 2), vemos atividades de localização, a fim de verificar o entendimento do aluno a respeito da diferença entre frase, oração e período. No segundo (questões 5 e 6), perde-se o foco na sintaxe para abordar questões relacionadas ao texto apresentado, sem estabelecer um elo entre a constituição da sentença e a relação entre os grupos que a constituem (o sintático, tema do capítulo). Nas definições apresentadas pelo PCNEM e pelo material didático, há um ponto de contato com a nossa perspectiva quando trata a língua como atividade humana e a relaciona a uma temporalidade e à produção de sentido. No entanto, entendemos a língua de forma mais abrangente em uma relação interdiscursiva, dentro de uma temporalidade construída no discurso. Com isso, o sentido é construído através do acontecimento enunciativo, no momento de atualização de enunciados anteriores. Percebemos que, apesar de utilizarem definições e conceitos diferentes dos quais lidamos na abordagem enunciativa da língua, tanto o PCNEM quanto os materiais didáticos aproximam, em alguns pontos, da perspectiva na qual a significação tem papel preponderante no uso da língua. Daí nosso interesse nesta investigação. Considerações finais Defendemos que de outras enunciações se cria a memória de ocupação e relação dos componentes de uma sentença, ou seja, uma sentença se assenta sob a enunciação de outras sentenças (DIAS, 2012). A sentença, tomada como face regular do enunciado, é o ponto de contato entre o dizível e a atualidade do dizer. Desta forma, ao analisarmos uma sentença, devemos considerar tanto as regularidades dos seus elementos quanto ―as regularidades da significação advindas das recorrências da memória‖ (DIAS, 2010, p. 03) Uma vez conhecidos e entendidos, pelo aluno, usuário da língua, o funcionamento e o processo de produção de sentido desta língua, o entendimento de sua organização passa a ser mais eficaz. Em vez de categorizar por processos de memorização termos e nomenclaturas sintáticas, o aluno passará a identificar a regularidade da sentença em relação à regularidade de sentido produzido neste processo enunciativo. E além da sentença, poderá estabelecer a relação deste enunciado com os demais enunciados do texto, formando uma rede de sentidos, considerando-se as duas dimensões da língua: a enunciativa e a orgânica. Acreditamos que há uma tentativa, no PCNEM e materiais didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio, de levar para o campo do ensino da sintaxe fundamentos e abordagens enunciativas. No entanto, ainda se vê uma fragilidade quanto ao uso dessas bases e ao domínio dessas abordagens, gerando uma heterogeneidade terminológica e uma dispersão gramatical, que leva o aluno a ―esquecer-se‖ da reflexão sobre a estrutura da língua para pensá-la, de maneira muitas vezes vaga, sobre suas relações de sentido. Referências ABAURRE, Mª Luiza M.; ABAURRE, Mª Bernadete M.; PONTARA, Marcela. Português: contexto, interlocução e sentido. v.2. São Paulo: Editora Moderna, 2010. Brasil/SEMTEC (2002). PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF:MEC/SENTEC. Brasil/SEMTEC (1999). Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, DF:MEC/SENTEC.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 42 de 167 DIAS, Luiz Francisco (2012). Memória, enunciação e lugares sintáticos. In: PEREIRA, A.E.; LEFFA, V.J.(orgs.). Linguagens: metodologia de ensino e pesquisa. Pelotas: Educat. __________________ (2010). O ensino de sintaxe em livros didáticos. In: LIMA, A.F.M.; COSTA, C.S.M.; ALVES FILHO, F.(orgs.). Reflexões Linguísticas e Literárias Aplicadas ao Ensino. Teresina:EDUFPI. p. 191-208. _________________ (2002). Aspectos de uma gramática explicativa:a ocupação do lugar de objeto direto. In: Textura. Canoas, ULBRA. GUIMARÃES, Eduardo (2011) Análise de texto: procedimentos, análises, ensino. Campinas: Editora RG. MENDONÇA, Márcia; BUNZEM, Clécio (orgs.) (2006). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial. MOURA NEVES, Maria Helena de. (2004). Que gramática estudar na escola: norma e uso na língua portuguesa. São Paulo: Contexto. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 43 de 167 KAFKA E O FANTÁSTICO CONTEMPORÂNEO NO CONTO JOSEFINA A

CANTORA OU O POVO DOS RATOS*

Fabíola Tânia Leitão Eulálio** Resumo Este artigo pretende estudar o conto Josefina a cantora ou o povo dos ratos (1924) do escritor judeu de cidadania alemã Franz Kafka (1883-1924) a partir de interpretações que se embasam no fantástico contemporâneo de Jean-Paul Sartre em seu texto Aminadab, ou o fantástico considerado como uma linguagem, encontrado no livro Situações I. (2005), além de sua teoria existencialista em O existencialismo é um humanismo (1946), objetivando a compreensão da obra citada como literatura fantástica contemporânea. Palavras-chave: fantástico contemporâneo; existencialismo; Kafka. Abstract This article aims at studying the tale Josefina a cantora ou o povo dos ratos (1924) by the Jewish writer with German citizenship Franz Kafka (1883-1924) from interpretations that are based on the fantastic contemporary of Jean-Paul Sartre in his text Aminadab, ou o fantástico considerado como uma linguagem, found in the book Situações I. (2005), and his existentialist theory in O existencialismo é um humanismo (1946), aiming at understanding the aforementioned work as contemporary fantasy literature. Keywords: fantastic contemporary; existentialist; Kafka. Franz Kafka nasceu na cidade de Praga (Boêmia) hoje República Tcheca, em nove de julho de 1883. Filho de pais judeus viveu na cidade velha de Praga em meio a uma minoria judaica que falava alemão, odiada pela maioria tcheca e pela comunidade alemã. Estudou direito, formando-se em 1906. Trabalhou na companhia italiana de seguros Assicurazioni Generali e depois foi funcionário do Instituto de Seguros de Acidentes de Trabalho no período de 1903 a 1922, quando foi aposentado compulsoriamente como inválido por tuberculose na laringe. Morrendo em três de junho de 1924, um mês antes de completar 41 anos de idade. Todorov em seu livro Introdução à literatura fantástica (2004) define como condição para a existência do gênero literário fantástico o questionamento que o leitor faz a si mesmo, quando este se percebe sob a influência de mundos opostos, ou seja, o mundo real e o mundo sobrenatural. A hesitação, as dúvidas e ambiguidades decorrentes do confronto entre o mundo de sonhos e fantasmas e o mundo da realidade cotidiana no decorrer da narrativa geram as condições necessárias para que ocorra o gênero literário fantástico. A ilusão de sentidos pondo em questão as leis do mundo conhecidas por nós, num processo que gera estranhamento constante implica que o leitor assuma uma integração com o mundo da trama da história a partir dos eventos narrados. Como diz Todorov ―cheguei quase a acreditar‖: eis a formula que resume o espirito fantástico. A ―fé absoluta como incredulidade total nos leva para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida‖. (TODOROV, 2004, p. 36). O que Todorov chama atenção neste trecho é que o sobrenatural é percebido tanto pelos personagens Trabalho final da disciplina do Prof. Dr. Saulo Cunha de Serpa Brandão no programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Piaui. ** Mestranda em Estudos Literários da UFPI. E-mail:[email protected] *

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 44 de 167 como pelos leitores na intersecção de mundos e significações opostas quando o sobrenatural invade a realidade do mundo no qual racionalizamos as coisas tornando-se o legitimador de efeitos ambíguos e fantásticos. Com o passar dos séculos, entende-se que o gênero fantástico tradicional definido por Todorov passou por inúmeras transformações em um processo contínuo que levaram os temas sobrenaturais de fantasmas da literatura fantástica do século XIX a um fantástico moderno que representa a revolta contra a opressão social e a organização normativa da sociedade moderna do inicio do século XX. Como afirma Sartre em seu texto Aminadab, ou o fantástico considerado como uma linguagem (2005), a narrativa fantástica sofreu mudanças em relação ao fantástico tradicional em detrimento do acontecimento insólito reintegrar-se por si mesmo à ordem universal (SARTRE, 2005, p. 136). Sendo assim o fantástico adquire um caráter de pertencimento ao mundo real, não polarizado entre o mundo real e sobrenatural. Segundo Sartre no fantástico contemporâneo a hesitação defendida por Todorov como condição para a existência do gênero fantástico, se encontraria em função da percepção do insólito na condição humana em um mundo que desumaniza as pessoas. Sendo assim, o fantástico de Kafka representado através de uma estética que simboliza intimismo e falta de esperança em confronto com o mundo hostil decorrente de uma sociedade que oprime o indivíduo pode ser analisado sob a perspectiva do fantástico contemporâneo sartriano. Sartre afirma que não é necessário retratar fadas e mistérios em ambientes místicos para atingir o gênero fantástico contemporâneo, pois o mesmo acontece em um mundo real regido por leis e mecanismos que determinam o caráter atormentado da condição humana. Neste mundo do fantástico contemporâneo o espírito se submete à escravidão, numa espécie de inercia que o humilha e o aprisiona. Os pensamentos são eles mesmos confusos, fantásticos e sonhadores apreendidos a partir do homem ao avesso. O gênero fantástico sempre manifestou o poder de transcendência à condição humana através da escrita taumatúrgica dos escritores que expressavam ideias morais e filosóficas de modo ficcional. As desilusões advindas dos períodos de guerras inspiraram os escritores deste gênero a uma tentativa de retorno ao humano em nós mesmos como condição de transcendência que serve para nos confrontarmos com o desamparo do homem moderno. Neste sentido, o fantástico contemporâneo é a reconstrução do ser através da negação do sobrenatural, dos gênios, das fadas e dos duendes. É o confronto com o assombro e os infortúnios da existência humana liberta do sobrenatural. O único objeto fantástico é o homem contemporâneo em seu cotidiano em sociedade engajado no mundo que o submete a uma ordem inversa com um fim que é o homem consumidor instrumentalizado por um poder disciplinador que nos submete ao insólito figurado em conduta normal. É no homem em sociedade que as ambiguidades do gênero se manifestam como reflexo de sua imagem no mundo em meio à inversão das relações humanas. O fantástico humano é a revolta dos meios contra os fins, seja que o objeto considerado se afirme ruidosamente como meio e nos mascare seu fim pela própria violência dessa afirmação, seja que ele remeta a um outro meio, este a um outro e assim por diante até o infinito, sem que jamais possamos descobrir o fim supremo, seja ainda que alguma interferência de meios pertencentes a séries independentes nos deixe entrever uma imagem compósita e embaralhada de fins contraditórios. (SARTRE, 2005, p. 140) Na literatura fantástica de Kafka, as representações do mundo moderno que se manifestam domesticando a matéria para que ela sirva de utensílio com finalidades determinadas quando no fundo nada significam, revelam assim o que há de insólito e de fantástico na sociedade

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 45 de 167 contemporânea burocrática de empregados e grandes administrações, numa espécie de conformismo a ordens e leis sem finalidades e sentido, das quais ninguém pode escapar. No fantástico o leitor se identifica com o herói do conto ou romance. É o herói que dá acesso ao mundo fantástico por meio de seu ponto de vista. O fantástico assim pode ser considerado como um esforço de Kafka para entendermos quem somos e como nossos fins são imobilizados. O universo fantástico nos faz ver a nossa condição humana de fora numa espécie de inversão que busca o sentido daquilo que não é dito explicitamente. De Kafka não tenho nada a dizer, a não ser que é um dos mais raros e maiores escritores de nossa época. De resto, ele veio primeiro. A técnica que escolheu responde em sua obra a uma necessidade. Se ele nos mostra a vida humana perpetuamente atormentada com uma transcendência impossível, é que acredita na existência dessa transcendência. Simplesmente, ela está fora de nosso alcance. Seu universo é ao mesmo tempo fantástico e rigorosamente verdadeiro. Blanchot certamente tem um talento considerável. Mas ele vem em segundo lugar, e os artifícios de que se utiliza já nos são por demais familiares. (SARTRE, 2005, p. 147). Temas como desenvolvimento industrial, inadequação social, impessoalidade das relações humanas, solidão e angústia são representados simbolicamente através da personagem principal ou do ambiente da narrativa sem que haja mudança de mundos, como no fantástico do século XIX, provocando clamor ou redenção, geralmente a partir da personagem principal que se vê deslocada do mundo, tentando se encontrar. O caráter fantástico contemporâneo encontrado em Josefina a cantora ou o povo dos ratos, considerado o conto do leito de morte de Kafka, escrito em 1924, pode ser interpretado - dentre inúmeras outras interpretações - a partir da tensão crescente que o povo judeu enfrentava na condição de não pertencimento a lugar nenhum, em constante diáspora. Kafka neste conto utilizase desta técnica narrativa para criar o caráter do insólito ao fazer o leitor compartilhar com a cantora Josefina o avanço do nacional socialismo alemão. A própria personagem Josefina é fantástica e ambígua, apresentando uma obstinação em cantar que transita em uma atmosfera que envolve receio e medo, assim como uma certa postura de obstinação e enfrentamento do mundo ao avesso. O insólito no conto em questão pode ser identificado em função da representação da desumanização, da solidão, do sentimento de deslocamento social e do terror que se apodera da realidade do povo dos ratos, ou simbolicamente do povo judeu em um mundo absurdo que enquadra a narrativa de Kafka no fantástico contemporâneo, a partir de uma estética que simboliza finitude e o caráter estático da existência deste povo através das imagens que mesclam fantasia e realidade produzindo as incertezas e ambiguidades necessárias a este gênero literário. A falta de musicalidade do povo dos ratos pode ser interpretada como o pressuposto utilizado pelo narrador deste conto para o questionamento sobre o real significado do canto da personagem Josefina, pois somente a cantora representante de seu povo é capaz de fazer com que os ratos ouçam seu canto, não sabendo mesmo o narrador definir se se trata de um canto ou de chiado já que a real aptidão dos ratos não é o canto, mas o chiado como demonstrado no trecho a seguir. Então, se fosse verdade que Josefina não canta, mas apenas chia e talvez, como parece pelo menos a mim, seu chiado não ultrapasse os limites de um chiado comum - talvez até sua força nem mesmo chegue a igualar nosso chiado habitual, enquanto um simples lavrador pode chiar o dia inteiro sem se cansar, mesmo fazendo o seu trabalho ---; se tudo fosse verdade, seriam então de imediato refutadas as alegadas habilidades

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 46 de 167 vocais de Josefina, o que apenas traria à luz o verdadeiro enigma a ser solucionado, a enorme influência por ela exercida. (KAFKA, 2006, p.458) O canto de Josefina poderia estar se referindo a uma possível voz que uniria a comunidade judaica em seu lamento ao processo de exclusão social histórica pelo qual os judeus veem sofrendo. A duplicidade entre os ratos e a humanização destes animais através da narrativa de Kafka sugere certo tipo de associação entre os ratos e o povo judeu no sentido veiculado pelo nazismo e os regimes totalitários nacionalistas europeus quando praticaram nomes pejorativos como ―praga‖, ―porcos‖, ―ratos‖ e ―vermes‖ em referência ao povo judeu conforme aponta Paul Johnson, em seu livro História dos judeus (1995). A ambiguidade representada por Kafka em relação ao canto de Josefina poderia ser interpretada de forma a sugerir ao leitor uma possível identificação do comportamento agressivo e por vezes vulgar da personagem cantora Josefina ao gestual teatral de Hitler em seus discursos, que intimidavam seus seguidores provocando medo e obediência à medida que disseminava ódio aos judeus. Kafka parece chamar a atenção para a fraqueza da figura e das argumentações de Hitler enfocando a necessidade de vê-lo atuando para uma melhor compreensão de seus medíocres argumentos racista pela multidão que o seguia, pois seria ―alguém que se prepara solenemente para executar um ato cotidiano‖, como podemos observar no trecho do conto a seguir. Mas Josefina não se conforma com a simples admiração, quer ser admirada exatamente do modo que determina a simples admiração, a deixa indiferente. E, quando nos sentamos diante dela, podemos compreendê-la; a oposição só é possível à distância; quando se está diante dela, sabe-se: seus chiados não são chiados. (...) sua plateia nunca chia, ficam todos quietos como ratos; como se nos tornássemos parte da paz que tanto desejamos, da qual nosso próprio chiado nos afastaria, nos calamos. É seu canto que nos encanta ou será ainda mais o solene silêncio que envolve sua voz pequenina e frágil? (...) enquanto Josefina lançava suas notas mais triunfais e chegava a ficar fora de si, abrindo os braços e esticando o pescoço até não poder mais. (KAFKA, 2006, p. 459 a 460). A crítica de Kafka através da simbologia encontrada no conto Josefina a cantora ou o povo dos ratos parece representar o conceito existencialista sartriano de angústia na medida em que a perseguição sofrida pelo povo judeu nos discursos de Hitler provoca medo, vergonha e o estado de degradação moral e aniquilamento que transformaram os judeus num ser dilacerado pelo absurdo de um mundo em crise de valores existenciais estáveis e otimistas. O sentido impresso na narrativa deste conto afirma a subjetividade de Kafka, pois sua simbologia possivelmente denuncia a condição de desumanização imputada aos judeus pelo nacionalismo alemão, a partir de sua capacidade de percepção dos acontecimentos do seu cotidiano em meio às mudanças sociais e históricas pelas quais a Europa do inicio do século XX vinha sofrendo, além de sua compreensão da natureza humana com suas deficiências e necessidades. Kafka parece questionar a compreensão da multidão seguidora de Hitler sugerindo que a atuação do líder nazista parece acordar seus seguidores para um discurso que não é verdadeiramente compreendido do modo como o próprio Hitler concebe e a atuação seria necessária para dar ênfase aos seus argumentos racistas pelo confronto, pois aplausos não faltam, como demonstra o trecho a seguir.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 47 de 167 Ela é sempre assim, qualquer ninharia, qualquer incidente inesperado, qualquer aborrecimento, um estalo no assoalho, um ranger de dentes, um defeito na iluminação, tudo lhe serve de pretexto para ressaltar o efeito de seu canto; ela de algum modo acredita que canta para ouvidos surdos; aprovação e aplausos não faltam, mas há muito aprendeu a não esperar pela verdadeira compreensão, do modo como a concebe. Põe isso toda perturbação lhe é bem vinda; qualquer interferência externa que ofusque a pureza de seu canto, a ser superada com um pequeno esforço, até mesmo sem esforço algum, pelo simples confronto, pode ajudar a acordar as multidões, a ensinar-lhes talvez não a compreensão, mas um respeito intimidado. (KAFKA, 2006, p. 460) A ambiguidade da personagem Josefina no conto poderia ser comparada com as demonstrações de força e convencimento de Hitler em contraste com a impressão de pequenez que este causasse principalmente em Kafka, talvez em um possível encontro dos dois por ocasião dos discursos nacionalistas de Hitler em bares da cidade. Talvez o autor esteja abordando neste conto o esforço de convencimento praticado pelo líder nazista, levantando a questão do que levou as multidões a dar tamanha credibilidade e devotamento ao ―canto‖ nazista, como demonstra a passagem do conto que segue. Josefina prefere cantar exatamente quando as coisas estão mais agitadas, diversas preocupações e perigos nos forçam então a seguir por caminhos errados, nem com a maior boa vontade do mundo poderíamos nos reunir tão depressa quanto que Josefina, e nessas ocasiões ela fica lá, solene, por um bom tempo, à espera de um público suficiente ---então ela fica realmente furiosa, sapateia, xinga de um modo nada virginal, chega até a morder. Mas nem mesmo tal comportamento mancha sua reputação; em vez de refrear um pouco suas exageradas exigências, as pessoas se empenham em satisfazê-las; mensageiros são enviados para convocar novos ouvintes; ela é mantida na ignorância do que está sendo feito; pelas estradas vizinhas podem ser visas sentinelas lá postadas, acenando aos recém-chegados para apressa-los; isso continua até que se consegue reunir uma paleteia razoavelmente numerosa. (KAFKA, 2006, p. 461). O canto da personagem Josefina como possível representação tanto do discurso autoritário e ideológico disfarçado de nacionalismo alemão de Hitler como de uma voz agregadora que une e dá suporte moral ao povo judeu no conto em questão, envolve o leitor através da ―voz‖ do narrador, numa atmosfera trágica de medo e pavor de um poder centralizador que projeta tempos difíceis. Ao mesmo tempo em que enaltece a coragem, união, praticidade e astúcia dos judeus em um jogo de contrastes e ambiguidades que pode ser entendido do ponto de vista simbólico do fantástico contemporâneo numa busca de sentido existencial em concordância com as preocupações kafkianas em relação ao superpoder nacionalista que alimenta as multidões alemãs no inicio do século XX. Existe uma tensão na narrativa deste conto pela maneira do narrador evidenciar as contradições da conduta da personagem Josefina através da simbologia que se refere à tradição de canto ou da oratória do povo judeu em tempos remotos e a real aptidão do povo dos ratos que é o chiado. O narrador deste conto evidencia o chiado como característica vital deste povo em um jogo ambíguo que remete o leitor a uma possível comparação da musicalidade ou oralidade judia de tempos passados como forma de expressão artística, com o chiado como atual forma de expressão do povo dos ratos ou dos judeus em tempos da ascensão do nacionalismo alemão, no sentido de perda de voz e expressão deste povo. Apesar de o narrador reconhecer que o chiado da personagem Josefina é medíocre, também reconhece que seu discurso ou canto é poderoso e que o povo dos ratos mergulha num sentimento de consentimento em razão da ―astúcia acima de tudo‖, numa alusão ao poder retórico do discurso de Hitler, como também do medo que sua figura teatral provocava na multidão, como podemos observar na passagem do conto a seguir.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 48 de 167 (...) a devoção incondicional é muito pouco conhecida entre nós; somos um povo que ama a astúcia acima de tudo, sem qualquer malícia, certamente, e os cochichos ingênuos e a tagarelice inocente, uma tagarelice superficial, certamente, mas gente desse tipo não se entrega à devoção incondicional, e isso Josefina com certeza percebe, e é contra isso que luta com toda força de sua frágil garganta. Ao fazer declarações tão generalizadas, é claro, não deveríamos ir longe demais, nosso povo é devotado a Josefina, só que não incondicionalmente. Por exemplo, ninguém seria capaz de rir de Josefina. É preciso admitir, há muita coisa em Josefina capaz de provocar riso; e o riso em si mesmo nunca está distante de nós; apesar de toda a miséria de nossas vidas, o riso tranquilo está, por assim dizer, nos rondando; mas de Josefina não rimos. Tive muitas vezes a impressão de que nosso povo interpreta sua relação com Josefina desta maneira, como se ela, essa frágil criatura, precisando de proteção e de certo modo notável --- notável pela força lírica, na opinião dela ----, fosse sua responsabilidade e como se devesse cuidar dela; a razão de tal sentimento não é clara, mas o fato parece indiscutível. Mas o que é responsabilidade de alguém não pode ser motivo de riso; rir seria faltar ao dever; a maledicência maior de que o mais maledicente entre nós é capaz em relação à Josefina é dizer de vez em quando: ―A visão de Josefina já basta para fazer alguém parar de rir‖. (KAFKA, 2006, p. 461 a 462). Considerações finais Segundo a biografia de Ernest Pawel, tomamos consciência do período em que Kafka presencia as ideias politicas de Hitler quando este buscava um novo nacionalismo alemão. A simbologia presente no conto Josefina a cantora ou o povo dos ratos apresenta indícios de que a personagem Josefina, representada por uma ratinha, líder de seu povo, estaria retratando a condição de pária do povo judeu que vivia sob os regimes totalitários da primeira metade do século XX. Através da literatura fantástica contemporânea a perseguição e a desumanização indissociáveis da condição existencial do povo judeu são abordadas numa espécie de convite ao leitor à reflexão sobre os desdobramentos históricos que antecederam a ascensão política de Hitler. A personagem do conto Josefina assume elementos humanos como a possibilidade de cantar para simbolizar o caráter de desconforto e insegurança através de seu canto que foge da normalidade de uma representação musical qualquer como que chamando a atenção para a falta de liberdade deste povo que no entendimento existencialista de Sartre é a possibilidade da realidade humana. O estado de angústia do ser entendido pelo existencialismo sartriano como impulso propulsor para uma atitude positiva que gera ação diante dos problemas intrínsecos à condição de existir se revela no conto, ameaçado pelo terror que paralisa a ação e transforma o ser em algo muito abaixo do ser que escolhe conscientemente sua maneira responsável de existir no mundo. Distante das tradições religiosas e comunitárias de seu povo, a narrativa de Kafka pode ser entendida como um esforço de expressão à experiência de morte social, pela qual o povo judeu se inscreve na história e como afirma o biógrafo de Kafka Ernest Pawel, em seu livro O pesadelo da razão (1986) a produção intelectual da comunidade judia objetiva se reescrever nas ciências, nas artes ou na filosofia em busca do entendimento do significado de ser judeu. Considerado um dos principais nomes da literatura moderna, Kafka retrata em sua escrita de romances, contos, cartas e diários a alienação do homem moderno do século XX a partir de um enfoque que simboliza pessimismo, angústia e inadequação do ser humano na sociedade industrial capitalista moderna. Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, porque o estamos lendo? Porque nos faz felizes, como você escreve? Bom Deus, seríamos felizes

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 49 de 167 precisamente se não tivéssemos livros e a espécie de livros que nos torna felizes é a espécie de livros que escreveríamos se a isso fossemos obrigados. Mas nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre, que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para uma floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado a quebrar o mar de gelo que há dentro de nós. É nisso que eu creio. (KAFKA, 1975, p. 9). Referências TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 2004. KAFKA, Franz. ―Josefina, a cantora ou O povo dos ratos‖ In: Os melhores textos fantásticos. Org. Flávio Moreira da Costa. São Paulo: Nova Fronteira, 2006. SARTRE, Jean Paul. Aminadab, ou o fantástico considerado como uma linguagem. In: Situações I. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 135-149. JOHNSON, Paul. História dos Judeus. Trad. Henrique Mesquita e Jacob Volfzon Filho. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1995. KAFKA, Franz. Cartas aos meus amigos. Trad. Oswaldo da Purificação. São Paulo: Nova Época Editorial Ltda., s/1975. PAWEL, Ernest. O pesadelo da razão – uma biografia de Franz Kafka. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1986 (Coleção Logoteca). CORRÊA, Paula Christina de. As narrativas animalistas de Kafka e as representações da exclusão social no início do Século XX/ Rio de Janeiro, 2008.102f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Literatura), UFRJ, 2008. Acesso em 15 de nov. de 2012. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 50 de 167 CONSTRUINDO O CONHECIMENTO DE SI COM O OUTRO: OLHARES SOBRE O AMBIENTE ESCOLAR Francisca da Silva Ferreira 13 Mayane Ferreira de Farias14 Janaina Luciana de Medeiros15 Mayara Ferreira de Farias16

Resumo Procuramos neste estudo, entender a dinâmica da construção do conhecimento que a criança elabora sobre si mesma mediada pelo o outro. Objetivamos, essencialmente, refletir sobre o processo de construção do auto conhecimento da criança e os significados que ela atribui a si mesma e aos outros no ambiente escolar. Essa reflexão sobre a construção do conhecimento de si orienta-se pela necessidade de buscar enfocar o desenvolvimento pessoal e social, com destaque à valorização de experiências que ajudam a criança a se perceber como sujeito social e histórico ampliando o seu potencial intelectivo e afetivo. Partimos do pressuposto da abordagem sóciohistórica sobre o desenvolvimento humano para entender que todo ser humano possui capacidades de transformação, expandido, permanente, sua consciência as múltiplas dimensões no ser. Nesse sentido, consideramos a escola como instituição primordial no desenvolvimento das estruturas intelectuais dos indivíduos que vivem em sociedades escolarizadas, pela possibilidade que ela aponta de que essas relações se efetivem e contribuam para a aquisição/produção da experiência história de transformação das sociedades e dos indivíduos. Palavras chaves: Ensino; Conhecimento; Escola. ABSTRACT We seek in this study to understand the dynamics of knowledge building that elaborates on the child itself mediated by the other. We aimed essentially reflect on the process of constructing the self knowledge of the child and the meanings she attaches herself and others in the school environment. This reflection on the construction of self-knowledge is guided by the need to get focus on the personal and social development, with emphasis on enhancing experiences that help children to understand how social and historical subject broadening their potential intellective and affective. We assume the socio-historical approach on human development to understand that every human being possesses processing capabilities, expanded, permanent, your conscience be in 13 Discente do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia pelo Instituto de Formação e Educação Teológica – IFETE. [email protected] (Autora). 14 Discente do Curso de Licenciatura em Computação e Informática na Universidade Federal Rural do SemiÁrido – UFERSA e Técnico em Informática pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN. [email protected] (Co-autora). 15 Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Técnico contábil pelo Colégio Comercial de Currais Novos/RN, Discente do Curso de Segurança do Trabalho (EAD) pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Mestranda em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. [email protected] (Co-orientadora). 16 Bacharel em Turismo pela UFRN, Técnico em informática pelo IFRN, Técnico em Guia de Turismo Regional pelo SENAC/RN e Mestranda em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, [email protected] (Orientadora).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 51 de 167 multiple dimensions. Accordingly, we consider the school as an institution essential in the development of intellectual structures of individuals living in educated societies, it points to the possibility that these relationships to take effect and contribute to the acquisition / production experience story of transformation of societies and individuals . Keywords: Education; Knowledge; Education. Introdução Produzir um trabalho científico é uma grande responsabilidade que ultrapassa o concreto e vivencial, envolvendo subjetividades e emoções. Nos faz refletir sobre a capacidade de escrever, de desenvolver, e de interagir com o conhecimento, através de re-elaborações constantes do pensamento. Quando adentramos na pesquisa, descobrimos um mundo cheio de possibilidades e capacidades onde, a cada momento, temos a oportunidade de aprender não só com os erros, mas também, com as possibilidades de corrigi-los e aprender novamente. Procuramos, neste estudo, entender a dinâmica da construção do conhecimento que a criança elabora sobre se mesma mediado pelo outro. Estabelecendo relações com experiências educativas na escola. Objetivamos essencialmente, refletir sobre o processo de construção do autoconhecimento da criança e os significados que ela atribui a si mesma e aos outros, mediado por relações que se estabelecem em uma situação de aprendizagem na escola. Essa reflexão sobre a construção de conhecimento de si orienta-se pela necessidade de buscarmos enfocar o desenvolvimento pessoal e social, com destaque a valorização de experiências que ajudem a criança a se perceber como sujeito social e histórico, ampliando o seu potencial intelectivo e afetivo. Partimos do pressuposto de que todo ser humano possui capacidades de transformação, expandindo, permanentemente, sua consciência às múltiplas dimensões do ser. Consideramos a escola como instituição primordial ao desenvolvimento das estruturas intelectuais e emocionais dos individuas que vivem em sociedades escolarizadas, pela possibilidade que ela aponta de que essas relações se efetivam e contribuam para a aquisição / produção da experiência histórica de transformação das sociedades e dos individuas sobre si mesmo e sobre o contexto social e histórico em que vivem. A educação escolar tem o papel fundamental de possibilitar ao aluno a apropriação do conhecimento científico socialmente construído, afim do que o mesmo seja internalizado individualmente. Cabe à escola o papel de mediar a aprendizagem desencadeando o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores e a formação integral dos indivíduos. Procuramos entender, como a visão que os outros tem sobre a criança, expressa em ideias e valores diferentes, nos permitem articular conhecimentos sobre as suas ações individuais e sociais e seu crescimento pessoal. Esse crescimento é visto aqui como fator de crescimento emocional e intelectual do ser humano, elemento que contribui para melhoria da qualidade de vida da sociedade. Logo, e nesse sentido, o conhecimento de si e do outro é o ponto de partida para o conhecimento global. Esse conhecimento se desenvolve no momento em que o indivíduo aceita sua condição humana, tomando consciência de que é responsável pelo seu próprio crescimento, desenvolvimento, organização e compreensão da sua própria experiência assim como a dos que o envolvem recombinar e relacionar globalmente dados da sua experiência de forma a criar respostas novas.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 52 de 167 Refletindo sobre o conhecimento de si e do outro na escola A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades dos indivíduos e da sociedade de hoje (...) Jacques Legoff A análise que estruturamos nesse artigo se orienta pela busca da sistematização de uma reflexão sobre o conhecimento de si relacionado aos processos identitários e o papel da escola e a do professor nesses processos. Tomamos como referência análises sobre as situações observadas na escola. O conceito de identidade é antiga, e ao mesmo tempo, atual e polêmica. Desde as sociedades antigas a identidade está relacionada a papéis e hierarquias pré-determinadas por um sistema de mitos e ritos que orientava as pessoas diminuindo-lhes as alternativas de construção autônoma do reconhecimento individual e social como sujeitos. Nesse mundo governado por mitos, a identidade não era tão problematizada como é hoje, sendo entendida como estática e imutável. Entretanto, o processo de construção da identidade evolui para incluir outros elementos definidores em que seja considerada não apenas como a identificação individual de cada sujeito, mas uma análise sobre os elementos sociais desse processo de construção, mesmo se tratando da identidade pessoal. O indivíduo constitui-se ao se diferenciar, separando-se ao outro, num processo em que ele se aproxima e rejeita o outro. Logo, a identidade nunca é um processo acabado, implicando sempre na construção daquilo que nos torna, ao mesmo tempo, universais e singulares e daquilo como socialmente somos conhecidos. Assim na modernidade, com a crescente complexidade das sociedades, a identidade tornouse móvel, múltipla, auto-relfexiva e socialmente determinada estando sujeito à mudanças, à várias construções/transformações/influências, num processo constante de ressignificação dos sujeitos sobre a forma como se percebe e como é percebido na individualidade e complexidade (RUBINSTEIN, 1992). Sendo processo, a identidade se modifica e significa nas relações vividas no cotidiano, podendo-se dizer que sua construção ocorre à medida em que a criança tem a possibilidade de perceber-se como participante de um grupo com características, constrói sua individualidade como ser único (KRAMER e LEITE, 1998). Oliveira (1993) afirma que a individualização progressiva duma libido primeiramente anônima a qual a circunstância e o desenrolar da vida impõem que se especifique e que entre nos quadros duma existência e duma consciência pessoais. Se considerarmos, porém, que a própria consciência individual se constitui socialmente teremos que levar em conta que a própria construção da identidade está ligada à condições históricas e sociais. A formação da identidade ocorre na internalização de sentimentos e representações pelos quais o sujeito específica e singulariza a si próprio e ao seu grupo social, afirma-se, também, pela adesão a um sistema de valores e de processos ideológico através de diferentes identificações, ou seja, como afirma Rubinstein (1972, p. 123), ―não existe nenhum eu fora das relações do tu assim como não há consciência de outro indivíduo como sujeito independente‖.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 53 de 167 Conhecer a se próprio e ao outro é condição fundamental para um desenvolvimento pleno e integral da pessoa humana. São processos que estão internalizados e dependentes dos recursos afetivos, cognitivos e sociais presentes em um indivíduo. Nesses processos, que são mediados, o papel do adulto é mediar os conhecimentos da criança sobre o meio social, atuando de forma a contribuir para que ela organize e interprete esse mundo. Os meios onde a criança vive e os que ambicionam são o molde que dá cunho à sua pessoa (FERREIRA, 1995). O vínculo afetivo com as outras pessoas significativas é a porta de acesso que a criança dispõem para ingressar no universo sócio-cultural que a rodeia, através do toque, olhar, gesto e fala desse interlocutor, a criança irá construindo significados sobre este ambiente. Dessa forma, a família é caracterizada como uma estrutura primária de relações que gera aprendizagem e desenvolvimento de todos os seus membros, constitui-se como o centro dos primeiros interesses da criança. Posteriormente, com o ingresso no universo escolar, ocorrerá um marco fundamental no desenvolvimento infantil, pois esta criança terá a sua capacidade de exploração física e humana ampliada (FERREIRA, 1995). Se a identidade se forma nas diferentes relações estabelecidas, os contextos escolar e familiar adquirem grande importância como espaço de criação/recriação de identidades (GOFF, 2012). Nesses espaços ocorrem inúmeras interações, trocas de afetos, de saberes, de vivências, encontros e desencontros. Nesse sentido, a escola elementar é essencial na construção da identidade social da criança, visto que é um ambiente de troca de conhecimento, de valores, de interações. Dessa forma a identidade se forma no contexto das interações sociais através de mediações entre a consciência individual e a estrutura social. Com o ingresso no ambiente escolar, a criança tem seu universo ampliado pela figura do educador, que representa o elemento mediador entre a criança e a cultura física e social. A escola tem um papel importante no sentido de criar possibilidades de crescimento exterior e interior, norteada por uma concepção de criança enquanto sujeito social, histórico, como também, sob a ótica dos dados fornecidos pelos estudos das ciências que subsidiam a educação. Nesse sentido, discorre Rubinstein (1972, p. 139) (...) os estágios da evolução intelectual da criança, que se expressam nas formas concretas da sua observação linguagem e actividade mental dependem do conteúdo de que a criança se apropria dentro do processo formativo, assim como das formas da relação, especialmente da influência pedagógica sob cujas condições se efetua este desenvolvimento. Ou seja, deve proporcionar a criança uma apropriação das informações necessárias, dos valores e referenciais que venham ampliar seus conhecimentos e experiências, visando uma construção cidadã da mesma, passando a ter uma consciência de si como cidadão em uma sociedade que é marcada por inúmeras mudanças políticas, econômicas e sociais. Nessa perspectiva, escola é um espaço de importância impar para o desenvolvimento da criança, não apenas ao que se refere ao aspecto cognitivo, mas também social, emocional e físico.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 54 de 167 Não deixando de levar em consideração que todas as crianças entram em contato desde de cedo com uma determinada cultura, através da sua família, mas é na escola que serão sistematizados conhecimentos, valores e atitudes necessárias a vivência e à transformação cultural. Mesmo a vivência familiar sendo determinante, há possibilidade, na escola, de ampliar essa vivência com outras crianças, uma vez que nas interações com os agentes culturais que a criança constrói seu conhecimento de si. Considerações finais O presente estudo privilegia reflexões sobre a criança e a construção do seu conhecimento de si e do outro, em situações educadoras, buscando entender como esse conhecimento transforma-se nas relações sociais. As análises revelam que a escola tem um papel fundamental no processo de construção do conhecimento de si, sendo este um processo social e histórico no qual são mobilizados diferentes conhecimentos e linguagens. Esses conhecimentos levam os indivíduos a refletir sobre sua singularidade e diversidade, tomando consciência de si e dos outros nas relações que são construídas no contexto escolar. Nesse sentido, o processo e os colegas são considerados referências importantes representado, com a família, as principais, relações intersubjetivas para a construção do conhecimento das crianças sobre elas mesmas. O docente deve pautar seu trabalho num compromisso real com a educação para o futuro, consciente da importância de sua ação educativa. A atividade docente deve ser marcada pela criatividade e a versatilidade, constituindo um diferencial, concebendo a criança como ser ativo, que possui conhecimento prévios tomados como ponto de partida, para sistematizá-las e ampliá-los. Compreendemos que a criança se reconhece enquanto ser único, diferente dos demais, mas respeitando às diferenças existentes. Assim como, proporcionar à mesma visualizar-se enquanto parte integrante do todo social, que age construído e reconstruindo a história através das relações que são estabelecidas com os sujeitos de sua cultura. Referências FERREIRA, Maria Salonilde. O conceito na abordagem vygotskyana e suas implicações para a prática pedagógica, In: Anais – II colóquio Franco-Brasileiro Educação e Linguagem. Volume II, Natal: EDUFRN, 1995. Kramer, Sônia; LEITE, Maria Isabel (org.) Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus, 1998. OLIVEIRA, M. K de Vygotsky, Aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993. RUBINSTEIN, S. L. Princípios de psicologia geral. Editora Estampa, vol. II e IV, Lisboa, 1972. GOFF, L. Jacques. Aprendendo na escola. Disponível em: Acesso em dezembro de 2012. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 55 de 167 O ENSINO DE BIOLOGIA NA ESCOLA ESTADUAL BARTOLOMEU BUENO DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O COTIDIANO DOS ALUNOS Gecilane Ferreira Marciel Pereira dos Santos Geane Brizzola dos Santos Resumo O presente artigo traz os resultados de uma pesquisa realizada com docentes e discentes de uma escola pública do município de Carmolândia - Tocantins. Os pressupostos teóricos e metodologia embasam-se no paradigma interpretativo. Com objetivos de verificar e analisar o processo de ensino e se ocorre a fundamentação dos pressupostos presentes nos PCNs, e ainda verificar se o ensino de Biologia contribui com o cotidiano dos alunos. Foram utilizados como técnicas de pesquisa, questionários e pesquisa de campo, e as interpretações dos dados obtidos pautaram-se na análise de conteúdos criando para tanto categorias a serem investigadas e discutidas. Palavras-chave: Biologia; Escola; PCNs, Abstract This article presents the results of a survey of teachers and students from a public school in the municipality of Carmolândia - Tocantins. The theoretical assumptions and methodology underpinning in the interpretive paradigm. With aims to verify and analyze the process of teaching and occurs if the reasoning of the assumptions present in PCNs, and also check if the teaching of biology contributes to the daily lives of students. Were used as research techniques, questionnaires and field research, and guided interpretations of the results obtained in the analysis of creating content for both categories to be investigated and discussed. Keywords: Biology; School; PCNs. Introdução O ensino, ao longo do desenvolvimento da humanidade, vem sendo fragmentado resultando hoje, nas áreas de conhecimento diferenciadas. Cada área, com suas especificidades abastece o acadêmico, ao longo de sua formação, com instrumentação para a prática de docência. Para o educador não há nada mais importante do que ver que seus esforços em transmitir seus conhecimentos estão, realmente sendo absorvidos, questionados e entendidos pela platéia que o acompanha, no caso, o aluno. Para Delizoicov; Angoti; Pernambuco (2002) é consensual e inquestionável que o professor de Ciências Naturais, ou de algumas áreas das Ciências, precisa ter o domínio de teorias científicas e de suas vinculações com as tecnologias, fica cada vez mais claro, para uma quantidade crescente de educadores, que essa característica é necessária, mas não suficiente, para um adequado desempenho docente. A atuação profissional dos professores das Ciências no Ensino fundamental e médio, do mesmo modo que a de seus formadores constitui um conjunto de saberes e práticas que não se reduzem a um competente domínio dos procedimentos, conceituações, modelos e teorias científicas. A relevância desse trabalho condiz com a grande necessidade de refletir sobre a prática do ensino de biologia, para tanto será necessário uma análise dessa ação pedagógica. Sendo assim, sabe-se que o papel do educador é proporcionar um ensino de qualidade aos alunos, trabalhando com aulas práticas, fazendo experiências para que se construa e produza um conhecimento significativo no aluno e não de memorização, uma vez que segundo muitos autores, o processo de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 56 de 167 memorização, na verdade não é conhecimento e sim uma simples reprodução de conceitos, sem valor algum. De acordo com Krasilchik (1987), os objetivos do ensino de biologia seriam: aprender conceitos básicos, analisar o processo de pesquisa científica e analisar as implicações sociais da ciência e da tecnologia. Segundo esta mesma autora ―a biologia pode ser uma das disciplinas mais relevantes e merecedoras da atenção dos alunos, ou uma das disciplinas mais insignificantes e pouco atraentes, dependendo do que for ensinado e de como isso for feito‖. Objetivou-se com esse trabalho analisar se o processo de ensino fundamenta-se nos PCNs e se o mesmo está privilegiando as vivências práticas em sala de aula e com isso verificar em que medida o processo de ensino de biologia no Ensino Médio da Escola Estadual Bartolomeu Bueno da Silva, está contribuindo com o cotidiano dos alunos, sujeitos de investigação nesta pesquisa. Material e Método Foram utilizados como tecnica de coleta de dados dois questionários. 1 aplicado ao docente, com perguntas abertas, com 6 questões e outro aos discentes com perguntas fechadas e abertas, com um total de 5 questões. A etapa seguinte da pesquisa trata-se da análise dos dados coletados. No paradigma interpretativo, essa é sem dúvida, uma das etapas mais importantes da pesquisa, todavia sabemos que os dados não falam por si só é cabe ao pesquisador criar mecanismos de análise desses dados (FERREIRA, 2010). Para tanto, a fim de verificar como está ocorrendo o ensino de biologia na Escola Estadual Bartolomeu Bueno da Silva em 2010 e suas contribuições para o cotidiano dos alunos, utilizaremos dos pressupostos teóricos contidos em Bardin (1997), que a partir de sua análise de conteúdos oferece ferramentas, para analisar os questionários aplicados aos docentes e discentes. O questionário aplicado aos alunos continha cinco questões abertas e fechadas, onde foi aplicado a uma população de amostra de 22 (vinte e dois) discentes, do 1º ano Médio Básico, turno vespertino. Analise e discussão Na analise dos dados do questionário aplicado a docente, foi considerada a primeira categoria de analise que era: Fundamentação da prática de ensino. Onde foi feita a primeira pergunta para a professora: Hoje a sua prática de ensino está fundamentada nos PCNs? Como isso está ocorrendo? Resposta da professora: Resposta em branco. Esta questão foi deixada em branco pela professora regente da disciplina de Biologia, porem, os PCNs orientam e reforçam a necessidade de uma discussão permanente e atualizada, constituindo um certo "avanço" em termos de compreensão do processo de ensino, porque propõe a interdisciplinaridade e a idéia de construção dos conteúdos, passando a considerar a sala de aula um espaço social de aprendizagem que vai além da transmissão de saberes, dando ênfase à contextualização dos assuntos trabalhados e aos temas sociais (BRASIL, 1999). Observando a segunda categoria de analise que é: Vivencias práticas em sala de aula, onde foi feita a segunda pergunta aberta para a professora: De que maneira suas aulas estão privilegiando as vivências práticas em sala de aula? “Não estão ocorrendo como deveriam, pois falta um laboratório”. (M.A.) Nesta questão a professora atribui a inexistência de aulas práticas em sala de aula, a falta do laboratório de ciências, como se as aulas práticas só podem ser realizadas dentro das dependências da escola. Porém segundo Krasilchik (1987), o ensino de ciências, tal como é proposto pela maioria das linhas renovadoras, depende de condições propícias de trabalho que permita a realização de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 57 de 167 aulas práticas, o desenvolvimento de projetos, visita a locais fora da escola, tais como fábricas, museus, parques, regiões com flora e fauna diferenciada. Analisando a terceira categoria de analise que é: Ensino de biologia e cotidiano do aluno. Pretendíamos verificar onde os conteúdos trabalhados pela professora de biologia em sala de aula serviam para o dia a dia dos alunos. Para tanto, a terceira questão apresentada buscava revelar tal situação. Tal questão foi assim estruturada: Em que medida o processo de ensino de biologia no Ensino Médio da Escola Estadual Bartolomeu Bueno da Silva, está contribuindo com o cotidiano do aluno? “Tenho trabalhado de forma que os educandos apliquem seus conhecimentos adquiridos em seu cotidiano”. (M.A.) Nesta pergunta a professora não deixou claro em que medida ela estava trabalhando os conteúdos, para que os mesmos venham contribuir significamente com o cotidiano do aluno. O ensino com base no cotidiano merece algumas considerações. Dentro da visão adotada atualmente, acredita-se que toda a vida humana está cercada pela química, física e biologia. Assim, podemos ensinar ciência tomando como base o cotidiano. Entende-se cotidiano como aquilo que está presente diariamente na vida do sujeito, como seu creme dental, seus alimentos e seus remédios (SANTOS, 2005). Passamos para a análise da quarta pergunta aberta feita para a professora através de questionário e considerando a quarta categoria de análise, que é: Atividades embasadas nos PCNs. Foi feita a seguinte pergunta para a professora: As atividades dos alunos estão embasadas nos PCNs? Justifique. “Sim. O livro didático dispõe de atividades que da oportunidade de trabalhar com o educando os quatro pilares”. (M.A.) Nesta questão a resposta da professora saiu um pouco fora da pergunta feita, pois ela atribuiu o embasamento nos PCNs, as atividades do livro didático. Falou ainda que estas atividades dão oportunidade de trabalhar os quatro pilares. Delors (1998) aponta como principal conseqüência da sociedade do conhecimento a necessidade de uma aprendizagem ao longo de toda vida, fundamentada em quatro pilares, que são, concomitantemente, do conhecimento e da formação continuada. É importante observar na resposta da professora, que ela segue as atividades do livro didático e este quando é escolhido de três em três anos, na maioria das vezes não é comparado com os PCNs, para ver se os textos e atividades estão em concordância. Passando para quinta e última categoria de analise, que é: Dificuldade na prática docente, onde foi feita a quinta pergunta aberta para a professora de biologia: Que dificuldades são encontradas por você na sua prática docente? “A minha dificuldade é ministrar conteúdos que exigem a prática, pois a nossa escola não possuem um laboratório”.(M.A.) Como na segunda pergunta, a professora atribuiu a dificuldade de ministrar os conteúdos, nas aulas pratica de biologia, a falta de um laboratório. Como se o laboratório fosse o único recursos para ministrar aulas práticas. Este fator limitante do ensino de Ciências não se refere aos problemas intrínsecos aos vários tipos de metodologia, mas ao mau uso delas. São os casos de aulas que não tem organização

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 58 de 167 estruturada, os recursos audiovisuais, mesmo os mais comum, como o quadro-negro, não são usados, ou quando são, sua utilização não é feita de maneira mais eficiente. (KRASILCHIK, 1987). Fizemos ainda a sexta e última pergunta para a professora de biologia, com a finalidade de sabermos, com qual freqüência estavam ocorrendo as aulas práticas de biologia, onde foi citado o nome de algumas estratégias de ensino, para que a professora pudesse marcar um ―X‖ na estratégia que ela já tinha utilizada em sala de aula no ano de 2010, e também dizer com qual freqüência estas aulas tinham acontecido. As estratégias de ensino eram: aula de campo; aula no laboratório de biologia/física/química; filmes temáticos; utilização de coleções (zoológicas/botânica); jogos; outras (citar). Podemos observar que todos os exemplos de metodologias, citado no questionário aplicado a professora de biologia, ficou em branco, apenas a opção: outros (citar), foi marcada pela professora, que atribuiu a seguinte resposta: “Aulas expositivas, vídeos, seminários, pesquisa, atividades em grupo”. (M.A.) Apesar da professora de biologia ter respondido no questionário, que trabalha com estas metodologias citada acima, não foi mencionado a quantidade de aulas trabalhadas com estas metodologias no ano de 2010. Contudo como as palavras estavam no plural, para uma melhor visualização do gráfico, foram atribuídos valores aleatórios. Não podemos mais continuar ingênuos sobre como ensinar, pensando que basta conhecer um pouco o conteúdo e ter jogo de cintura para mantermos os alunos nos olhando e supondo que enquanto presta atenção eles estejam aprendendo (CARVALHO, 2006). Após concluir a análise do questionário da docente, passamos a análise dos questionários dos discentes, fazendo um comparativo entre os questionários, para verificar a fidelidade das respostas dadas pelos alunos. As perguntas feita para os alunos através dos questionários é semelhante a pergunta feita no questionário da professora. Pois só através desta semelhança de perguntas, é que realmente poderemos entender como estão ocorrendo as aulas de biologia, na referida Unidade de Ensino, no ano de 2010. A primeira questão apresentada aos alunos foi: As aulas de biologia têm influenciado na sua vida? Explique. Esta questão foi respondida por todos os alunos da sala, obtendo uma porcentagem de 95% (noventa e cinco por cento) de resposta positiva. 5% (cinco por cento) dos alunos responderam que não, que as aulas de biologia não têm influenciado sua vida. Dos 5% (cinco por cento) dos alunos que responderam que a aula de biologia não influencia na sua vida, foi explicitado pelo aluno 12: “Porque não temos um bom assunto e conteúdo aprofundado, más temos assuntos muito interessantes”. (Aluno 12). Esta limitação das aulas de Ciências acaba por determinar que a disciplina se torne irrelevante e sem significado, pois não se baseia no conhecimento que os jovens trazem de forma intuitiva, e não é ancorado no seu universo de interesses. A abertura de escolas a grande parte da população, torna a clientela bastante diversificada devido a diferenças sociais, culturais, econômicas e regionais. Isso colaborou para a determinação de um abismo entre o que é ensinado nas aulas de Ciências e o que interessa aos alunos, limitando o rendimento do ensino (KRASILCHIK, 1987).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 59 de 167 Dos alunos que responderam que as aulas de biologia têm influenciado sim, na sua vida, podemos citar algumas respostas: “Por que graças a ela passei a compreender melhor, certos fenômenos comuns no meu cotidiano” - Alunos 5. “Porque as aulas de biologia fazem a gente refletir, sobre o que estamos fazendo com o meio ambiente” - Aluno 14. A segunda questão apresentava o seguinte questionamento: se existe na sua escola, aulas práticas de biologia. Para que os alunos marcassem quais tipos de aulas e a freqüência que havia ocorrido no ano de 2010. Os tipos de aulas eram as mesmas estratégias perguntada no questionário da professora, ou seja: aula de campo; aulas no laboratório de biologia/química/física; filmes temáticos; utilização de coleções (zoológica/botânica); jogos; outras (citar). Nesta questão, a resposta dos alunos, foi o contrário da primeira, pois 95% (noventa e cinco por centos) dos alunos responderam que não existe aula prática de biologia e apenas 5% (cinco por cento) dos alunos responderam que existe. A teoria, sem a prática que a confirme, é indiferenciável do conhecimento filosófico, religioso ou artístico. Não existe ciência sem ressonância prática, mas nem toda prática deriva para a ciência (SANTOS, 2005). Lançamos a terceira pergunta para os alunos, que era: As atividades desenvolvidas em sala de aula têm ajudado você enquanto aluno a compreender o meio em que vive? Explique. Aqui a resposta foi unanime, pois 100% (cem por cento) dos alunos responderam que sim. Entre as respostas podemos citar algumas como exemplo. “Pois nós despertamos para a vida, melhora o meio em que vivemos e ajuda a melhorar o meio ambiente” - Aluno 13. “Aprendemos sobre o meio ambiente e as nossas origens” - Aluno 14. Como não ignoramos a relação estreita entre escola e sociedade, bem como o fato de que a educação se insere nessa prática como mediadora entre o saber e o sujeito, nossa pretensão é que a síntese ou a soma destas possa produzir um cidadão capaz de uma prática mais consistente (SANTOS, 2005). Quando foi feita a quarta pergunta para os alunos, para saber se eles achavam que o ensino de biologia precisava passar por mudanças, e quais seriam as suas sugestões de mudanças, era nessa hora que os alunos tinham a oportunidade de expressar se estavam satisfeitos ou não com a forma de como era trabalhada as aulas de biologia, porem verificando as respostas, foi percebido que 82% (oitenta e dois por cento) dos alunos responderam que sim, e 18% ( dezoito por cento) dos alunos responderam que não, que o ensino de biologia não precisava passar por mudanças. Tanto a realidade quanto o trabalho pedagógico dependem da relação fundamental entre a qualidade e a quantidade. As mudanças se processam no mundo e nas pessoas quanto a quantidade garante o salto qualitativo (SANTOS, 2005). Abaixo, exemplo de respostas dado pelos alunos, a respeito das mudanças no ensino de biologia. “Eu acredito que sem aulas práticas fica difícil aprendermos verdadeiramente” - Aluno 01. “Aula de campo, laboratório, filmes temáticos, coleções, jogos e etc.” - Aluno 22. Passamos para a analise da quinta e última pergunta, feita aos alunos através do questionário. Quando perguntamos se: algum conteúdo trabalhado em sala de aula foi possível ser relacionado com a sua prática de vida? Explique?

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 60 de 167 Apesar desta pergunta ser aberta, isto é permitir qualquer tipo de argumentação, a maioria dos alunos iniciaram sua respostas com a palavra sim ou não, outros incluíram estas palavras no meio do texto. Contudo 68% (sessenta e oito por cento) dos alunos responderam de forma que se ficou claro que algum do conteúdo trabalhado em sala de aula, foi possível ser relacionado com a prática de vida. 27% (vinte e sete por cento) dos alunos responderam que não, que nenhum conteúdo trabalhado em sala de aula, no ano de 2010 foi possível ser relacionado com a sua prática de vida. E apenas 5% (cinco por cento) dos alunos não souberam explicar a pergunta, deixando sua resposta em branco. Scotto (1998) escreve sobre a necessidade de globalizar o ensino para garantir a motivação, o interesse dos alunos. Os meios de comunicação ligam as regiões mais afastadas dos grandes centros a grandes metrópoles do mundo inteiro, assim nenhum fato ocorre isoladamente e permanece alheio ao cidadão comum. Interagir os conteúdos curriculares com os fatos que ocorrem no mundo inteiro diariamente é outro desafio do professor, uma vez que seu aluno está antenado com os acontecimentos atuais, através da mídia, que se tornou acessível a qualquer pessoa, pelas suas múltiplas formas de divulgação. Considerações finais O principal objetivo desta pesquisa foi analisar como estava ocorrendo a prática do ensino de biologia na escola investigada, verificando também se os Parâmetros Curriculares serviam de base para as vivências do dia-a-dia dos alunos. A deficiência do ensino nas escolas da rede pública é eminente, principalmente no interior, onde a falta de recursos humanos aliados a carência dos recursos laboratoriais e didáticos para o Ensino de Biologia, acaba resultando em baixa qualidade do ensino da disciplina, gerando pouco interesse dos alunos, tornando difícil a compreensão e a explicação do conteúdo ministrado com a realidade das vivencias do cotidiano. Segundo Nérici (1992) o material didático tem que: aproximar o aluno da realidade do que se quer ensinar, dando-lhe noção mais exata dos fatos ou fenômenos estudados, motivar a aula, facilitar a percepção e compreensão dos fatos e conceitos, concretizar e ilustrar o que está sendo exposto verbalmente, economizar esforços para levar os alunos à compreensão de fatos e conceitos, auxiliar a fixação da aprendizagem pela impressão mais viva e sugestiva que o material pode provocar e dar oportunidade de manifestação de aptidões e desenvolvimento de habilidades específicas com o manuseio de aparelhos ou construção dos mesmos, por parte dos alunos. Contudo, sabemos que toda a prática de ensino deve ser correlacionada com o nosso dia-adia, portanto tudo que vemos em sala de aula, na disciplina de Biologia, na maioria das vezes, aplicamos no nosso cotidiano e se as aulas bem trabalhadas causarão um impacto positivo na vida dos alunos. Infelizmente algumas realidades de ensino ocorrem de forma diferente da idéia supracitada. Há toda uma fundamentação psicológica que sustenta a necessidade de proporcionar à criança e ao adolescente a oportunidade de, por um lado, exercitar habilidades como cooperação, concentração, organização, manipulação de equipamentos e, por outro, vivenciar o método científico, entendendo como tal a formulação e o teste de hipóteses e a inferência de conclusões (CAPELETTO, 1992). Nestes contextos, o presente trabalho verificou como estão sendo trabalhadas as aulas de biologia no primeiro ano do Ensino Médio, na Escola Estadual Bartolomeu Bueno da Silva, em Carmolândia, Estado do Tocantins, no ano de 2010. Buscou verificar se os conteúdos trabalhados pela professora estão embasados nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), onde os mesmos servem de subsídios para apoiar o projeto da escola na elaboração do cronograma curricular. Os

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 61 de 167 PCNs são um importante material de consulta e de discussão entre professores, que podem participar do desafio de buscar a melhoria do ensino. Este trabalho destinou-se a promover uma reflexão do educador sobre as metodologias trabalhadas em sala de aula, as estratégias que a professora utilizou para ministrar as aulas de biologia. Objetivou-se também em comparar a eficiência da utilização das práticas didáticas para a exposição dos conteúdos para os alunos. Referência bibliográfica BARDIN, L. (1997). Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. (1999). Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio – Brasília. CARVALHO, A. M. P. (2006). Ensino de Ciências: Unindo a pesquisa e a prática. Vários autores: Thomson. CAPELETTO, A. J. (1992). Biologia e educação ambiental: roteiros de trabalho. São Paulo: Ática. DELORS, J. (1998). Os quatro pilares da educação. São Paulo: Cortezo. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M.(2002). Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez. FERREIRA, G. (2010). O saber e o fazer da comunidade da Vila Berrante, Mato Grosso. Dissertção de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. UFMT. KRASILCHIK, M. (1987). O professor e o currículo de ciências. São Paulo: Universidade de São Paulo. NÉRICI, I. G. (1992) Introdução à Didática Geral: dinâmica da escola. Rio de Janeiro. Fundo de Cultura. SANTOS, C. S. (2005). Ensino de Ciências: Abordagem Histórico-Crítica – Campinas, SP; Armazém do Ipê. SCOTTO, A. L. et al. (1998) Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre, ARTMED. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 62 de 167 REFLETINDO SOBRE A NOÇÃO DE ANÁFORA NOS QUADROS TEÓRICOS DA LINGUÍSTICA TEXTUAL E DA GRAMÁTICA GERATIVA Hélder Sousa Santos17 Doutorando em Estudos Linguísticos - UFU - MG

Resumo No presente trabalho, trazemos algumas notas reflexivas acerca da noção de anáfora pronominal, conforme descritas em quadros teóricos da Linguística Textual (LT) e da Gramática Gerativa (GG). Primeiramente, então, realizando um ―passeio‖ por abordagens de cunho textual, procurando dali destacar considerações gerais acerca de modos de conceber esse fenômeno constitutivo de textos e, na sequência, respaldado em princípios gerativistas da conhecida Teoria da regência e ligação/vinculação18 — do estudioso de linguagem N. Chomsky —, examinando construções linguísticas em que a compreensão daquilo que seja uma referência anafórica se faz de um modo outro. Palavras-chave: Anáfora. Linguística textual. Teoria da ligação. Abstract In this paper, we present some reflexives notes about the notion of pronoun and anaphora, according described in the theoretical frameworks of Textual Linguistics (LT) and Generative Grammar (GG). First, doing a "ride" by textual approaches, looking away highlight general considerations about ways of conceiving this phenomenon of constitutive texts and, as a result, supported on principles of the known Theory and binding/binding of N. Chomsky, examining linguistics constructions which the understanding of what is an anaphoric reference is made for a other way. Keywords: Anaphora. Text linguistics. Theory of the linking. Considerações introdutórias Há algum tempo, no âmbito da ciência Linguística, muitos têm sido os trabalhos ou autores ocupados analisar e descrever mecanismos que, textualmente e intuitivamente, falantes de uma língua empregam quando estão a retomar e/ou reativar palavras, expressões e frases ―ditos‖ em (seus) textos. De um modo geral, o que dali se pode depreender está condicionado a algumas tentativas de sistematizar e exemplificar funções que certas formas da língua — a saber, os pronomes pessoais, demonstrativos e reflexivos — podem assumir linguisticamente. Em sendo assim, entre funções que, tradicionalmente, os casos de pronomes pessoais, demonstrativos e reflexivos podem receber, atribui-se a eles a de “elementos anafóricos”, isto é, de um modo genérico, aquele elemento que retoma (ou que se relaciona a) algum termo antecedente no/do discurso. No que, por exemplo, concerne ao uso que fazemos de pronomes pessoais, antecipamos em dizer que muitos trabalhos são unânimes em afirmar que essas formas linguísticas possuem referência (pessoal) anafórica, dado que sua interpretação é determinada pela ―mostração‖ de entidades discursivas anteriormente explicitadas em fatos da língua que os realizam; já para o uso de pronomes demonstrativos — esclarecem os mesmos trabalhos —, nota-se que esses, além de possuírem referência dêitica, ou seja, apresentarem-se enquanto palavra que (por proximidade) aponta para um referente textual, são, também, dotados de alguma referência anafórica. Para o caso dos pronomes reflexivos, com efeito, diríamos que tais trabalhos (apenas) conferem-lhes a função anafórica de relacionar (ou não) o verbo e o sujeito de uma oração. 17 E-mail:

[email protected] Em nosso estudo, trabalhos de MIOTO (2004) e de RAPOSO (1992) que versam sobre a TRL representam, basicamente, o respaldo teórico aqui utilizado para analisar o tópico da anáfora. 18

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 63 de 167 Ante a essas funções que os pronomes pessoais, demonstrativos e reflexivos ―podem‖ assumir na língua, levantamos, a saber, uma questão que interessa a este estudo: linguisticamente, há que se demarcar uma fronteira opositiva entre propriedades diferenciadoras de anáforas de pronomes, a fim de que ali sejam notadas certas especificidades implicadas a essas categorias de referenciação19, ou apenas destacar empregos que sirvam para corroborá-los textualmente? Antes, porém, de responder a esse questionamento nosso, examinemos os enunciados a seguir. Nesses enunciados, gostaríamos que o leitor notasse as relações identificadas entre palavras destacadas e índices os subscritos i ou j, índices esses que procuram aduzir referências (ou não) a uma mesma entidade (ser) do/no discurso replicado. Acompanhemos isso que acabamos de dizer pelas sentenças abaixo: (1) (2) (3) (4) (5)

Os policiaisi conversavam entre sii (uns com os outros). A Mariai fotografou-sei (a si própria). A Mariai pensa que elai/j é a melhor aluna da sala. A Mariai pensa que a polícia ai/j fotografou. [Ele matou o Pai]i. Istoi não é sério?

Ora, ao que esses enunciados enredam, em particular, acerca de suas correferencialidades constitutivas (todas em destaque), percebemos que (embora seus respectivos referentes estejam retomados e interpretados por itens (gramaticais) pronominais explícitos) ocorrem ali referências a entidades diferentes. Acerca disso, notemos que, de fato, nos enunciados (1) e (2), os termos si e se (neste caso, ambos possuindo natureza reflexiva), necessariamente, têm de ser interpretados enquanto correferências de uma situação que somente se explica a partir da conversa entre policiais e a atitude de Maria em fotografar-se. De um modo diferente, nos enunciados (3) e (4), o pronome pessoal reto Ela e o pronome pessoal oblíquo a referem-se tanto à Maria quanto a um ser que não seja exatamente Maria. Já no enunciado (5), o pronome demonstrativo isto interpreta o que se noticia em todo o enunciado anterior, porém, introduzindo um novo argumento (um comentário). Como consequência, então, do que os enunciados (3) e (4), correferencialmente indicam (ou não) em suas superfícies linguísticas, parece necessário buscar distinguir propriedades definidoras de anáforas e de pronomes, já que, como observado na análise anterior — análise essa que enfatiza a incerteza sobre a exata interpretação para os itens gramaticais a, ela (enunciados 3 e 4, respectivamente) em vinculações ―mantidas‖ com algum antecedente —, o fato de se tratar indistintamente essas noções implica deixar de observar aquilo que realmente permite determiná-las em meio a relações demandadas por domínios específicos de cada uma. Assim sendo, antes mesmo de finalizarmos alguns esclarecimentos introdutórios, cumpre dizer que este estudo tem como ponto nodal mostrar que as noções de anáfora e de pronomes precisam ser verificadas enquanto categorias gramaticais distintas uma da outra. No que toca a isso, para que, aqui, conseguíssemos aduzir algumas diferenças entre anáforas e pronomes, buscou-se em teses gerativistas da Teoria da regência e ligação/vinculação (TRL) (particularmente, nos Princípios de ligação A e B) meios de se descrever e explicar relações anafóricas e pronominais entre DPs. Aos poucos, vejemos o que nos apresentam as seguintes discussões sobre isso.

Cumpre destacar que o conceito de referenciação traz em si a possibilidade de as palavras assumirem (para textos/falas que (re)formulamos) novas/outras funções. 19

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 64 de 167 Notas acerca da noção de anáfora no quadro teórico de estudos da Linguística textual Ao nos debruçar sobre o que a literatura especializada designa por anáfora, notamos que trabalhos de LT — sobretudo aqueles que se propõem a, minuciosamente, perscrutar mecanismos de estruturação e de compreensão de textos, tais como os de FAVERO (1997), ILARI (2001), KOCK (1997, 2006) — trazem variadas explicações acerca do assunto, explicações que, de um modo geral, buscam enfatizar a ideia de que noção de anáfora pode ser verificada a partir de elementos linguísticos encarregados de auxiliar na progressão temática de textos. Quanto a isto, cumpre lembrar que a LT valida as marcas linguísticas anafóricas como sendo elementos de texturaligação de partes de um texto/discurso. Em sendo assim, o que nesses trabalhos se toma por anáfora ―diz respeito a pessoas e objetos, tempos, lugares, fatos, etc. mencionados em outros pontos do mesmo texto‖ (ILARI 2001, p. 56), podendo, nessas circunstâncias, ser identificada ali alguma função dessas entidades a partir de morfologias variadas tais como ―os pronomes, o artigo definido, os tempos verbais (...) e os advérbios‖ (ILARI, ibidem). Aqui, é válido destacar que a tradição gramatical reconhece nas formas de pronomes, de artigos definidos e de certos tempos verbais funções para o que rotula de ―elementos fóricos‖ do discurso, isto é, elementos que, nas palavras de NEVES (2001, 390) ―(...) fazem referência a outros termos do próprio texto para assim tecer a ‗teia‘ do texto‖ na qual, por questões de economia e de estilo, não se admitem repetições. Portanto, por anáfora, consoante KOCH (2006, p. 127), a LT entende que se trata de um ―mecanismo linguístico por meio do qual se aponta ou remete para elementos presentes no texto ou que são inferíveis a partir deste‖. Esse mecanismo, então, funciona como uma espécie de estratégia com que um falante/usuário de língua pode contar para estabelecer relações significativas entre palavras, partes/sequências textuais. Neste ponto, a noção de anáfora não prescinde uma ou outra das marcas linguísticas gramaticais que ―poderia(m)‖ assumir função de retomada dos elementos de um texto, dado que ―não existe‖ necessariamente uma classe de palavras que a caracterize. Veja-se que, dessa perspectiva, nos enunciados20 abaixo, os termos destacados cumprem vagamente alguma função anafórica: (6) Jorge foi atacado pelo enorme cão. Eles são realmente animais muito perigosos — caso de anáfora pronominal, retomando, por inferência, o ―antecedente‖ (hiperônimo) cães. (7) Ao ser abordada pelo assaltante, a bolsa da jovem abriu-se, e seus pertences espalharam-se pela calçada. O lenço, o batom, o pente rolaram para o meio da rua — caso de anáfora em que artigos definidos + nomes retomam o antecedente pertences. (8) O menino feriu-se com a faca — caso de anáfora retomando (de modo reflexivo) o antecedente menino. (9) Viajei para a França. Fiquei por lá durante 8 meses — caso de anáfora com uso de um advérbio retomando o antecedente França. No que respeita a esses enunciados e às observações que para eles formulamos, duas questões relativas à conceituação da noção de anáfora em estudos de LT (a)parecem como claras a nós. Primeiramente, entende-se porque a noção de anáfora não representa uma categoria específica de termos da língua, mas um grupo de elementos que cumpram a função de reativação de referentes textuais. Secundariamente, atribui-se às anáforas o papel de alguma retomada para trás, cujo movimento acarrete substituição de termos de uma sentença, termos que, caso repitam, podem vir a tornar enfadonhos certos sentidos que são produzidos. Diante desta segunda questão, a que envolve a noção de anáfora como substituição, trabalhos no quadro teórico da Semântica Formal questionam-se acerca dessa ―certeza‖ substitutiva Os enunciados (6) e (7) foram retirados de estudos de KOCK (2006, p. 41). Porém, os comentários acrescidos a cada um deles são nossos. 20

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 65 de 167 de termos, justificando que, mesmo onde seja possível a troca de termos para as sentenças da língua, no caso, pelo uso de itens anafóricos, há, além de retoques gramaticais por fazer (concordâncias, regências), implicações de sentidos ali em jogo, implicações essas que podem engendrar sentidos outros (Cf., TODOROV & DUCROT, 1972, p. 259). No que toca essa questão levantada por Todorov & Ducrot (ibidem), indagamo-nos se, de fato, uma palavra do tipo eles, no caso do enunciado (6), seria desprovida de significado? Ora, não há por que concordarmos com posição gramatical assim, pois o termo eles (em realizações do tipo (6)), semanticamente, oferecenos pistas de seu referente, pistas tais como ―trata-se de um referente masculino plural‖, estando, pois, associadas a informações semânticas de natureza específica com aquilo que, discursivamente, permite correlacionar. Existem ainda, no quadro teórico da LT, anáforas com comportamento particular, nãocorreferencial. Estas, com efeito, podem ser percebidas quando ―(...) se introduz como conhecido um referente que ainda não foi explicitamente mencionado no contexto anterior, mas que pode ser identificado com base em uma informação introduzida previamente no universo do discurso‖ (NEVES, 2001, p.106). Considera-se este o caso das anáforas associativas. Exemplo disso pode ser verificado em sentenças da língua tais como: (10) Inspecionaram o meu veículo. O extintor estava vencido. Assim, no exemplo (10), observa-se uma referência textual (indireta) em que um novo termo é introduzido (o referente extintor) na condição de um elemento anafórico, elemento esse que, por associação, relaciona-se ao referente veículo. Isso, porém, ocorre sem que haja correferência explícita entre os termos veículo e extintor — daí, então, se tratar de um caso de anáfora associativa. No que concerne à anáfora que o exemplo (10) ilustra, gostaríamos de destacar que, em trabalhos de LT, fala-se ainda de anáforas por repetição, admitindo-se, neste caso, identificações entre termos reconhecidos na condição de ―iguais‖, como no exemplo (11) 21 a seguir: (11) O professor ficou muito bravo quando o professor deu o resultado final. Outras explicações que aqui podemos apresentar derivam do que o Dicionário de linguística, de TODOROV & DUCROT (1972), põe em discussão. Para o termo anáfora, este dicionário (idem, p. 257) registra o seguinte posicionamento: Um segmento de discurso é chamado anafórico quando é necessário, se quisermos dar-lhe uma interpretação (ainda que simplesmente literal), referir-se a um outro segmento do mesmo discurso; chamaremos ‗interpretante‘ o segmento ao qual se é remetido pelo anafórico (Tesnière propõe a expressão FONTE SEMÂNTICA; fala-se também de ANTECEDENTE, pois o interpretante precede geralmente o anafórico; etimologicamente aliás, a anáfora é aquilo que remete para trás). O anafórico e seu interpretante podem pertencer à mesma frase, seja a duas frases sucessivas; é essa última possibilidade que permite considerar a anáfora como uma relação potencialmente transfrástica. Em vista dessas explicações, percebemos que a definição de anáfora formulada pelo dicionário de Todorov & Ducrot (ibidem) identifica-se claramente com a noção de anáfora desenvolvida no quadro teórico da LT. Para um segmento/elemento textual caracterizado como anafórico (consoante esse dicionário) atribui-se a propriedade de ser um fenômeno comum na produção discursiva de falantes, englobando ali as ideias de retomadas (de antecedentes), de referências (para trás) a algum segmento linguisticamente interpretante e, ainda, de correferências. No que respeita o exemplo em tela, é possível considerarmos que, entre o antecedente professor e ―sua repetição‖, ocorra uma ativação de uma nova referência, referência que, por sua vez, estaria ali nos informando algo sobre outra entidade discursiva, outro professor, por exemplo. 21

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 66 de 167 Ante a tudo isso — por que não antecipar algumas conclusões nossas? —, gostaríamos que o leitor notasse certa vagueza na forma definir o que seja anáfora no quadro teórico da LT. Ora, observa-se dali a tentativa de positivar o que seja anáfora a partir de enunciados (de tamanhos variáveis) ―potencialmente‖ dotados de unidades linguísticas, enunciados esses que ―apresentam‖ entre si alguma dependência interpretativa (Cf., HAAG & OTHERO, 2003, p. 66). Acerca disso, APOTHELOZ (apud, GOMES, 2008, cf., p. 151) produz algumas críticas direcionadas ao modo simplista de tratar o fenômeno anafórico em ―exatas‖ sentenças da língua. Na óptica desse estudioso, a noção de anáfora em nada permite ser compreendida a partir de situações em que dali emergiria algum elemento linguisticamente notável, elemento esse que fosse capaz de funcionar como fato decisivo na interpretação de antecedentes textuais. Em (in)compreensões assim, não se cogita sequer a possibilidade de haver interferências de conhecimentos extralinguísticos e de mecanismos inferenciais atuando na interpretação de elementos anafóricos (Cf., APOTHELOZ, ibidem). Notas acerca da noção de anáfora no quadro teórico da Gramática Gerativa Em súmula, conforme explicitado na seção precedente, toda relação de dependência referencial efetivada entre um pronome e seu antecedente caracteriza-se, na óptica da gramática tradicional, por relação anafórica. Contudo, os termos anáfora/anafórico, sob crivo (gerativista) teórico da Teoria da regência e ligação/vinculação, são ali problematizados de um modo diferente. Em sendo assim, cabe agora tratar dos termos anáfora e anafórico com maior veemência, de sorte a barrar indistinções entre eles, indistinções essas que ainda se mostram constantes em muitos trabalhos de linguagem. No que então toca à questão de diferenças relativas aos termos anáfora e anafórico, começamos resenhando alguns posicionamentos teóricos arrolados pela TRL. Neste ponto, aqui, lembramos algumas das conclusões alcançadas por estudos gerativistas que se ocuparam em determinar sintagmas nominais (DPs) dotados de potencial de referência linguística, sintagmas esses correlacionados às seguintes classes/categorias de análise: as anáforas, os pronomes, e as expressões referenciais. Adiante, em função de recortes operados em nosso trabalho, trazemos apenas explicações para uma compreensão breve em torno de particularidades implicadas às classes/categorias ―fóricas‖ designadas de anáfora e de pronome 22. 2.1 Notas sobre o funcionamento de anáforas e de pronomes em sentenças da língua: Reparemos os exemplos abaixo: (12) Pedro comentou que [a Joanai viu a Martak]. (13) Pedro comentou que [a Joanai ak viu]. (14) Pedro comentou que [a Joanai sei viu na TV]. (15) Pedro comentou que [o programai estava bom]. (16) Pedro comentou que [elei estava bom]. (17) *Pedro comentou que [a Joanai viu a Joanai na TV].

No que concerne às expressões referenciais (as expressões-R), destacamos que estas são compostas de itens (DPs) que apresentam autonomia referencial, isto é, itens que não estão vinculadas a nenhum antecedente. Casos de expressões-R podem, rapidamente aqui, ser conferidos em sentenças tais como O Pedro não beijou a Joana no baile; Os garotos gostam de cinema, em que nenhum desses termos destacados necessitam ser ccomandados por elementos ali expressos. Portanto, em se tratando dessas expressões, a TRL nos explica que elas não podem ser vinculadas a nenhum domínio de vinculação. 22

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 67 de 167 Ante a esses seis exemplos, perguntamos o seguinte: que critérios poderiam ser utilizados por nós para distinguirmos anáforas de pronomes nesses contextos de ocorrências? Ora, esta constitui uma questão crucial para o presente estudo, posto que existem propriedades estruturais (e, também, semânticas) para serem observadas ali, propriedades que somente uma análise atenta permite-nos notar quais sejam os papéis que pronomes e anáforas assumem em estritas situações de dependência referencial (ou não). Comecemos, então, analisando e comparando os exemplos (12) e (13). Em sendo assim, para este último (o exemplo (13)), há que se considerar que o termo a (que recupera em (12) o sintagma a Marta) corresponde a um caso de retomada pronominal, uma vez que existe ali não exatamente uma substituição de um nome, mas de todo um DP. Já no exemplo (14), consoante a posição teórica defendida pela TRL, admite-se a ocorrência de uma anáfora, justamente porque o DP A Joana e o termo reflexivo se estão próximos, sendo, pois, vinculados a um mesmo domínio de ligação. Isto é tão exato de ser corroborado que, se propuséssemos uma substituição da palavra se pelo DP A Joana, como em (17), teríamos uma realização impossível, posto que nosso cérebro rejeitaria sua informação semântica (a menos que se tratasse de diferentes seres com o ―mesmo‖ nome Joana). Quanto a isso salientamos, pois, que anáforas não possuem referência autônoma; daí serem c-comandadas por termos que as antecedem. Quanto ao exemplo (16), nota-se que o elemento Ele, o qual retoma o DP O programa (exemplo (15)), constitui, semelhante a (13), um caso de retomada por pronome — o termo ele substitui todo o DP o programa. Em vista do que esses exemplos nos fazem reparar, é válido apresentarmos, baseando-se em critérios que a TRL adota para distinguir anáforas de pronomes, aquilo que essa teoria compreende por Princípios de ligação23, uma vez que tais princípios oferece-nos posicionamentos demonstráveis para prevermos relações do tipo antecedente-anáfora, antecedente-pronome para exemplos como os anteriores. Sendo assim, para o exemplo (14), o qual acusa para nós uma relação reflexiva entre antecedente-anáfora coindexados, há que ser destacado ali o princípio que justifica ser uma referência anafórica e não pronominal. Antes, porém, vejemos quais são os três Princípios de ligação de que a Gramática Gerativa se vale para examinar a distribuição de elementos nominais em sentenças. São eles: Princípio A: uma anáfora tem que estar vinculada em seu domínio de vinculação; Princípio B: um pronome tem que estar livre em seu domínio de vinculação; Princípio C: uma expressão-R tem que estar livre (Cf., MIOTO, 2004, p. 228). No que respeita a esses três princípios, julgamos necessário ressaltar aqui três noções teóricas que os constitui. Trata-se das noções de vinculação/ligação, c-comando e categoria de regência. Por vinculação (na TRL), compreende-se que uma categoria α está vinculada por uma categoria β, se somente se: 1º) α e β estão co-indexadas (isto é, α e β têm o mesmo índice subscrito) e 2º) β c-comanda α. Por c-comando (na TRL), compreende-se que β c-comanda α, se somente se: 1º) o nódulo que domina β, também, domina α e 2º) α não domina β (e vice-versa). Por categoria de regência, compreende-se que se trata de uma categoria que seja mínima e que contenha α, o regente de α e um possível sujeito acessível à α (neste caso, o sujeito corresponde ao elemento nominal que fica em uma posição mais alta do domínio). 23 Nas

palavras de MIOTO (2004, p. 229), destacamos que tais princípios ―(...) enunciam as possibilidades que os DPs têm de serem correferentes‖.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 68 de 167 Atentos a essas questões teóricas anteriores que constituem a TRL, propomos uma (re)análise do exemplo (14) há pouco (parcialmente) elucidado. Quanto a este, então, reconhece-se ali um caso de retomada anafórica, dado que, consoante o Princípio A, corroboram-se fatos linguísticos (sobre)determinados por um domínio de vinculação específico que está em causa: o DP (A Joanai)α e o pronome (oblíquo) reflexivo se, em (sei)β viu na TV estão coindexados por questão de proximidade, indicando, pois, que o elemento se, anaforicamente, interpreta o DP A Joana (antecedente) que a c-comanda. Face a essa (re)análise do exemplo (14), agora orientada por pressupostos teóricos da TRL — pressupostos esses que mostram injunções requeridas pela própria noção de anáfora —, propomos o mesmo (uma (re)análise) para os exemplos (13) e (16). Nestes dois exemplos, conforme já aduzido aqui, notam-se retomadas pronominais para seus respectivos DPs, retomadas que mantêm relações de ―dependência‖ referencial. Isto parece mais claro de ser agora reparado, se recorrermos ao Princípio B da TRL. Ora, para ambos exemplos, já foram assinaladas aqui as presenças de duas correferências por pronomes, pois, além de os índices subscritos que os acompanham serem, respectivamente, diferentes (como em (13)) e não estarem perto de seus antecedentes (como em (16)), não decorre que sejam, necessariamente, c-comandados, isto é, não se encontram em um domínio estrito (os antecedentes dos pronomes que ocorrem nesses exemplos não estão na mesma oração que os realiza). Consequentemente, (13) e (16) dali confirmam para nós dois casos retomada pronominal em que as formas linguísticas a e ele estão regidas pelo princípio B de ligação. No entanto, convém ressaltar, conforme RAPOSO (1992, p. 247), que ―(...) os pronomes não possuem afinal de contas a liberdade completa de tomar qualquer valor referencial (especificamente, não podem tomar qualquer DP como antecedente)‖, como, por exemplo, numa sentença do tipo *Joana i acredita n[ela]i, em que seria inexato interpretar o elemento pronominal ela como sendo Joana. A seguir, vejemos como a retomada anafórica reconhecida no exemplo (14) poderia ser representada sob forma de diagrama arbóreo: Exemplo (14): IP1 Pedro

I‘

comentou

que

IP2

a Joana βi

I‘ se viu αi

na TV

Perante a esta representação arbórea (exemplo (14)), é possível visualizar algumas de nossas conclusões concernentes à retomada anafórica que ali se efetiva. Nesse caso, conforme é asseverado no Princípio A (da TRL), o item anafórico se (reflexivo), necessariamente, precisa estar ligado à sua categoria de regência. Quanto a esta exigência, pelo esquema arbóreo ilustrado acima, nota-se que o item se/α encontra-se vinculado ao DP a Joana /β, uma vez que ambos (α e β) estão coindexados e,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 69 de 167 nesta condição, β c-comanda α. Portanto, o nódulo de IP2 (que domina β), também, domina I‘ (α); daí então o exemplo (14) condizer com o que prescreve o Princípio A. Também, para o caso de retomadas pronominais reconhecidas nos exemplo (13) e (16) torna-se possível constatá-las pelos seguintes diagramas arbóreos: Exemplo (13): IP1 Pedro

I‘

comentou

que

IP2

a Joana

I`

a viu (a Marta) αi βi Exemplo (16):

na TV

IP1

Pedro

I‘

comentou

que IP2 o programa βi estava (ele) αi

I`

bom No que tange a essas duas estruturas arbóreas anteriores (exemplos 13 e 16), algumas observações sobre itens pronominais nelas presentes podem ser destacadas. Assim sendo, ressaltamos que, conforme o Princípio B (TRL), as formas pronominais devem estar livres em seu domínio de vinculação. Tal princípio pode, efetivamente, ser corroborado pelas árvores em questão, se examinadas ali as vinculações que se dão entre pronomes (estes estão indicados por α - em (13) e (16)) e seus antecedentes (estes estão indicados por β – também, em (13) e (16)). Quanto a essas vinculações, pode muito bem o leitor estar se perguntando ―por que os exemplos (13) e (16) não correspondem, como em (14), a casos de referências por anáforas, já que as formas a e ele, respectivamente mostradas em suas representações arbóreas, realizam-se próximas

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 70 de 167 de seus antecedentes (?)‖. Neste caso, respondemos ao leitor que não se trata de retomadas anafóricas, mas, sim, de retomadas pronominais, pois, além de não representar um caso com presença do elemento se reflexivo (em um domínio estrito), os termos a e ele estão coindexados, corroborando, pois, que β c-comandando α — apesar de a estrutura arbórea (13) nos indicar β em posição ―igual‖ a α e, ainda, integrado ao IP2. Os exemplos (13) e (16), então, não nos servem para caracterizar uma vinculação da forma anáfora-antecedente. Há, ainda, antes de encerrarmos o presente tópico, uma nota por fazer acerca do comportamento de anáforas que, em sentenças da língua tais como as seguintes, não admitem ser ccomandadas por qualquer DP. Atentemo-nos, então, para os três exemplos abaixo: (18) [A filha da Joana]i sei idolatra. (19) *A filha d[a Joana]i sei idolatra. (20) [O namorado e a namorada]i entreolharam-sei. Em casos como esses apresentados — casos em que se observam apenas duas ocorrências gramaticalmente aceitáveis —, envolvendo possíveis realizações do elemento reflexivo se, verifica-se que somente um DP pode c-comandar as retomadas anafóricas de (18) e (20). Nestes dois casos, o termo se, o qual possui, respectivamente, naturezas reflexiva e reflexiva recíproca, está vinculado a DPs que o permitem comandá-lo. Já no exemplo (19) isto não se dá, pois a interpretação de se não admite que seja apenas parte do DP ali indicado entre colchetes (porém, isso é válido para todo o DP A filha da Joana). Face a isso, diríamos que a anáfora se não pode ser c-comandada por qualquer DP — ao contrário, é preciso que o DP que a c-comande tenha o mesmo índice referencial dela. Arrematando alguns pontos abordados Conforme nossa discussão acima, ―Refletindo sobre a noção de anáfora nos quadros teóricos da Linguística Textual e da Gramática Gerativa‖, nota-se que há ali diferentes modos formulados para a compreensão e explicitação desse fenômeno linguístico constitutivo de falas/textos, a anáfora. Para o caso da LT, o que parece estar em jogo — quando são verificadas ocorrências anafóricas em frases — corrobora justamente aquilo que na tradição gramatical há algum tempo se observa: o fato de que existem (―variadas‖) formas na/da língua, tais como pronomes, advérbios, verbos, que adquirem ―sua‖ referência por meio de vínculos com um antecedente explicitado (ou não) em textos. Diferentemente da abordagem da LT, a abordagem gerativa, a partir do que indaga e reformula no bojo de questões concernentes à Teoria da regência e ligação (TRL), procura determinar quais são as efetivas relações que se estabelecem entre um DP e um elementos anafórico, ou entre um DP e um elemento pronominal. Para isso, elege o caso dos pronomes reflexivos e recíprocos como escopo de seus trabalhos — esses foram aqui examinados pela via do pronome pessoal oblíquo se —, descrevendo, explicando, (re)interpretando e contrastando com outros pronomes o comportamento de anáforas em estruturas sintáticas que necessariamente sejam c-comandadas por antecedentes. Com efeito, sob perspectiva gerativa, é possível questionarmos acerca dos outros estatutos para as noções de anáforas e de pronomes, uma vez que são apresentados ali princípios de ligação que nos orientam a checar quais são os traços que diferenciam cada uma dessas categorias gramaticais. Como há possibilidades de ocorrências de diferentes tipos de DPs na língua, torna-se claro neste trabalho que, automaticamente, existem diferentes princípios regendo suas distribuições em diferentes estruturas sintáticas. Consequentemente pode parecer mais sensato — aqui, deixando cair por terra a objetividade que deveria ser mantida em um texto como este, um artigo científico — analisar anáforas a partir do modo como interpretamos índices atribuídos a elementos de uma sentença na

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 71 de 167 qual se estabelece alguma correferência (esta, obrigatoriamente, deverá ocorrer através da palavra se e seu antecedente); lembrando, claro, que julgamento de gramaticalidade para ocorrências de anáforas em frases [os traços + anafórico, - pronominal] é sempre inverso ao julgamento de gramaticalidade de pronomes [os traços - anafórico, + pronominal], dado que aquelas precisam estar vinculadas a seu domínio de vinculação, enquanto estes não. Referências FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e Coerência Textuais. São Paulo: Ática, 1997. GOMES, Eva de Mercedes Martins. O fenômeno anafórico e a identidade de referência. Estudos Linguisticos, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 149-158, set.-dez. 2008. ILARI, Rodolfo. Introdução à Semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001. KOCK, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1997. ______. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2006. MIOTO, Carlos et al. Novo Manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2004. NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de Usos do Português. São Paulo: Unesp, 2001. OTHERO, Gabriel de Ávila; HAAG, Cassiano Ricardo. O processamento anafórico: um experimento sobre a resolução de ambiguidades em anáforas pronominais. Linguagem em (Dis)curso. Santa Catarina: UNISUL, v. 4, n. 1, 2003, p. 65-80. RAPOSO, E. P. Teoria da gramática — A faculdade da linguagem. Lisboa: Caminho, 1992. TODOROV, T; DUCROT, O. Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1972. Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 72 de 167 O(S) CONSTRUTIVISMO(S) E SUAS CARATERÍSTICAS: COMPARANDO TRÊS DIFERENTES FORMAS DE SE CONCEBER O CONHECIMENTO. Henrique Sérgio Barros Cavalcanti Júnior Mestrando em Administração – PROPAD/UFPE Isabela Neves Ferraz Mestre em Administração – PROPAD/UFPE Resumo A verdade existe? As representações que os indivíduos possuem em relação à realidade, ou, pelo menos, as representações da ciência, retratam-na como realmente é? Perguntas similares perpassam o desenvolvimento das ciências sociais desde sempre. Nesse contexto, o objetivo principal deste artigo é salientar e comparar três diferentes visões denominadas construtivistas, procurando mostrar suas diferenças e similaridades no que tange a questões de cunho ontológico e epistemológico. Palavras-chaves: Epistemologia; Ontologia; Construtivismo. Abstract Is there truth? The perceptions of the individuals, or at least the vision of the science, represent the reality as it really is? Similar questions always persisted in the debates inside the social sciences. In this context, the aim of this paper is to highlight and compare three distinct constructivist conceptions, seeking to show its differences and similarities regarding ontological and epistemological issues. Keywords: Epistemology, Ontology; Constructivism. Introdução Perguntas sobre a realidade e o grau de sua plenitude, a partir das percepções humanas, estão inseridas nos parâmetros delimitados pelos conceitos de ontologia, o qual abrange questionamentos sobre a essência do ser e da realidade, e pelo conceito de epistemologia que, por sua vez, é o estudo do modo como se obtém o conhecimento sobre essa realidade ou, pelo menos, sua representação e sua validade. Este ensaio teórico procura apresentar brevemente três distintas linhas teóricas denominadas construtivistas: o Construtivismo Piagetiano, o Construtivismo Radical e o Construtivismo Social. De forma breve, o artigo tem o objetivo de demonstrar as diferenças específicas entre esses arcabouços e também apontar onde eles podem dialogar. Por isso, foram selecionados alguns autores, e preteridos outros, em vista da preponderância dentro de suas linhas de pensamento e das próprias limitações deste trabalho, que não tenciona ser exaustivo. Para atingir o objetivo do artigo, todavia, acredita-se que seja necessário apresentar brevemente uma pouco da filosofia da ciência desde o século XVIII, até como forma de explicitar as características ontológicas e epistemológicas presentes nas concepções construtivistas, as quais vêm para bater de frente com os postulados de uma ciência positivista. Dessa forma, este trabalho tenciona explanar tanto sobre o Positivismo Clássico de Auguste Comte, como sobre o Realismo Crítico de Karl Popper, antes de adentrar no Construtivismo de Jean Piaget, no Construtivismo Radical de Ernst Von Glasersfeld e Heinz Von Foerster, e no Construtivismo Social de Peter Berger e Thomas Luckmann.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 73 de 167 A realidade concreta: o Paradigma Moderno Boaventura de Sousa Santos (2000) indica que, com o advento do chamado paradigma moderno, ocorre uma grande cientificização dentro da sociedade. Sua emergência, nos séculos XVII-XVIII, produz-se no bojo de um ambicioso e revolucionário projeto que tem, entre seus objetivos fundamentais, a regulação da vida social (PLASTINO, 2001). Dessa forma, pode-se caracterizá-lo como totalitário, pois excluiu todos os outros conhecimentos que não partilham de seus pressupostos epistemológicos e metodológicos. Seguindo essa via, renega-se o conhecimento do senso comum; e desqualificam-se os aspectos intrínsecos dos objetos de estudo, em prol dos aspectos quantificáveis e exteriores, no intuito de sistematizá-los, criando as leis (SANTOS, 2000). Entretanto, é preciso destacar um conceito-chave inserido no denominado paradigma moderno: a noção de cisão entre a natureza e o ser humano. Como assim? A natureza, o mundo exterior, é um objeto racional a ser conhecido e o ser humano é o sujeito, de visão neutra, que pode ter um conhecimento verdadeiro do real (SANTOS, 2000). Santos (2000) relata que a influência do Paradigma Moderno expande-se das Ciências Naturais e acaba por atingir e imperar nas Ciências Sociais a partir do Positivismo. O francês Augusto Comte é o grande responsável por cunhar esse termo e apontar a sociologia, então denominada física social, como ferramenta disciplinar capaz de reorganizar a sociedade de modo a manter a ordem e garantir o progresso. Fortemente influenciado por Comte, Émile Durkheim torna-se o grande responsável por instrumentalizar a filosofia daquele. De forma semelhante, ele também defende a ideia de reforma do mundo, na qual a sociologia encontraria seu fim prático. Essa ciência é voltada exclusivamente para o estudo dos fatos sociais. Conforme o autor, esses se caracterizam por quatro pontos essenciais. São coisas, e devem ser tratados de maneira objetiva como tais; exercem uma coerção sobre o indivíduo, sendo essa a principal maneira de conhecê-los; porém, são externos a esses, como os fatos físicos; e são gerais, pois têm lugar em toda a sociedade. Barreto (1998) coloca que ambos, Comte e Durkheim, acreditam que há apenas um mundo e que este tem uma existência objetiva. Além disso, pode-se apontar que as leis que governam esse mundo são descobertas apenas pela ciência, a qual também é um instrumento primordial para apontar as escolhas políticas da sociedade. A realidade por aproximação: o Realismo Crítico e o Construtivismo Piagetiano Sem sombra de dúvida, o austríaco Karl Raimund Popper (1902 – 1994) é um dos maiores filósofos do século XX. Especialmente em relação a temáticas voltadas para epistemologia. Em sua obra clássica, Logik der Forschung, de 1934, lança a tese de que todo conhecimento é conjetural. Ele defende que, embora nem sempre totalmente verificável, o conhecimento científico deve ser submetido a teste sempre que possível. Para Popper (2006), a cientificidade das teorias está atrelada ao fato de elas poderem ser intersubjetivamente colocadas à prova de modo ad infinitum. Dessa maneira, qualquer pessoa que realize um experimento adequado pode convencer-se de que não está frente a uma coincidência isolada. Nessa linha de raciocínio, Popper aponta o princípio da refutabilidade como o critério primordial para distinguir uma teoria científica. Sendo assim, essa deve ser objetiva a ponto de ser capaz de entrar em conflito com certos acontecimentos empíricos. Além disso, no intuito de não ficar só na descrição de aparências e sintomas, deve-se procurar leis cada vez mais gerais e profundas (GEWANDSZNAJDER, 1989).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 74 de 167 Como se tem acesso à realidade na concepção de Popper? Resposta: ao falhar. Nesse momento as teorias demonstram que não são a realidade. Quando se erra, tropeça-se numa realidade que se revela independente da mente humana (CASTAÑON, 2005a). Nota-se que a verdade nunca é totalmente alcançável. Porém, Castañon (2005a) acentua que na perspectiva do Realismo Crítico (termo próprio cunhado por Popper para descrever a sua filosofia), apesar dessa realidade não determinar as representações sobre si (a teoria científica não condiciona a realidade, não a determina), ela influencia o processo de construção dessas através da resistência que oferece quando não se comportam como as teorias científicas defendem. Por sua vez, o suíço Jean Piaget (1896 – 1980) é o responsável por introduzir o termo ―construtivismo‖ no século XX. Embora tenha se tornado conhecido como psicólogo infantil, ao longo da sua obra, o citado autor debruça-se profundamente sobre a teoria do conhecimento através da investigação da gênese das estruturas cognitivas do sujeito (PÁDUA, 2009). Dois conceitos, de clara inspiração na biologia, formação inicial de Piaget, esclarecem bem o processo de desenvolvimento cognitivo que advoga. O primeiro é o de assimilação. No campo da fisiologia, assimilar se refere a ingerir o alimento e retirar partes para transformar em energia. Na Psicologia Piagetiana, assimilação assume um caráter semelhante, ou seja, nos processos cognitivos, quando um indivíduo entra em contato com o objeto do conhecimento, ele retira desse algumas informações e as retêm. Ao contrário da assimilação fisiológica, em que o objeto sofre transformações químicas, na assimilação cognitiva o objeto não é alterado, mas apenas integrado no campo cognitivo. Assimilar vira o mesmo que interpretar (PÁDUA, 2009). Significa adquirir alguma informação e deixar outras de lado a cada interação com a realidade. No entanto, quando a organização mental das pessoas é capaz de se modificar cognitivamente, temos o que Piaget denomina de acomodação, um segundo conceito complementar. Sendo assim, a assimilação jamais é pura, pois, ao incorporar os elementos novos nos esquemas anteriores, a inteligência pode se modificar para encaixá-los juntos aos novos dados. Conhecer um objeto é assimilá-lo, mas como por vezes este objeto oferece certa resistência ao conhecimento, é necessário então que a organização mental se modifique. É importante colocar que na visão piagetiana essa informação surgida do ambiente, que modifica sua cognição, é independente das crenças do sujeito (CASTAÑON, 2009). Como se pode notar, embora o Construtivismo de Piaget renegue a objetividade da realidade, ele não rejeita totalmente o realismo (CASTAÑON, 2005b). Sua concepção defende o acesso racional do sujeito a uma realidade independente. Contudo, deve-se ver que a adequação cognitiva não tem valor de cópia. A adequação é vislumbrada em função de aspectos biológicos e funcionais (LOURENÇO, 1985). A realidade através das experiências: o Construtivismo Radical Para se falar da linha construtivista denominada Radical, deve-se apresentar os autores Ernst Von Glasersfeld (1917 – 2010), filósofo alemão, e Heinz Von Foerster (1911 – 2002), filósofo e físico austríaco, os quais são dois dos principais teóricos dessa corrente. Em princípio, essa vertente postula que estamos inseridos num mundo que construímos, e que não possuímos nenhuma base objetiva para julgar nossas representações, ou a dos outros, sobre a realidade. Assim, o indivíduo reside no mundo de suas próprias construções. A realidade é algo que não é passível de ser tocada pela mente humana. Como o sujeito é quem determina o objeto, suas construções não sofrem a influência de um mundo externo e independente (CASTAÑON, 2005a). Desde logo, se alguém estivesse tratando de descrever a realidade, esse propósito já perderia o sentido. Há níveis de realidade e não uma realidade inerente à concepção de todos (FOERSTER, 1996).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 75 de 167 Para Foerster (1996), a linguagem e a realidade estão intimamente conectadas. Embora sugira-se constantemente que a linguagem é a representação do mundo, o autor defende o contrário. É melhor colocar que o mundo é uma imagem da linguagem. O que acontece é que somos levados a buscar as propriedades da realidade fora de nós, no mundo exterior, em lugar de procurá-las dentro de nós, que é onde realmente estão. Nossa linguagem limita o que podemos ver e, consequentemente, explicar ou compreender (FOERSTER, 1996). Além disso, segundo Glasersfeld (1996), há as limitações do próprio sistema cognitivo. Qualquer coisa que se chega a compreender é através dele. Quando se quer rever uma imagem, para analisar se é verdadeira, faz-se uso dele outra vez. O que isso exprime? Exprime que não há outro caminho para se chegar ao mundo exterior senão através das próprias experiências. Assim, os indivíduos só podem conhecer o que eles próprios já criaram em suas mentes. O significado em si de uma mensagem, por exemplo, não é translado do emissor ao receptor. A única coisa que se transfere são os sinais; e os sinais só são sinais enquanto alguém pode decodificá-los, e para isso é preciso conhecer o seu significado. Isso traz então uma nova pergunta: como se pode decodificar os sinais que se obtêm do mundo exterior pelos nossos sensores? Resposta: só é possível contemplar os sinais a partir de dentro. Ou melhor, a partir do receptor, somente em relação a experiências prévias desse. Nessa linha, Glasersfeld (1996) advoga que a adaptação biológica não é uma atividade do organismo ou da espécie, mas um estado de coisas. Como assim? O autor aponta que tudo que tem possibilidade de sobreviver num determinado ambiente, tem adaptação com respeito a ele. Trata-se, pois, de uma relação de encaixe em determinadas circunstâncias, na sua visão. Frente ao conhecimento da realidade, muitas vezes, estas circunstâncias são puramente lógicas. Não constituem um ambiente físico, mas conceitual. Para ser viável, todo um novo pensamento deve se adaptar ao esquema estabelecido pelas estruturas conceituais, de maneira que não suscite contradições. Se as tiver, ou muda o pensamento, ou muda as velhas estruturas. O que é então construtivismo para Glasersfeld? É basicamente um modelo hipotético que não faz afirmações ontológicas. Todavia, não nega a realidade, só nos diz uma forma de pensar o mundo através das experiências. A característica sublime talvez seja o fato de tentar, separar a epistemologia da ontologia. Assim o conhecimento não tem que ser a representação de um mundo real externo. Ele só tem que ser viável e adequar-se a nossos propósitos. Deve-se encaixar no mundo tal como o vemos, e não tal como deveria ser (GLASERSFELD, 1996). Pode-se notar uma mudança radical quando se comparam os postulados de Piaget com os de Glasersfeld e Foerster. Tanto para Piaget, como para Popper, nós criamos hipóteses sobre o real e nossa relação com ele se dá através destas hipóteses. Por isso, para o Construtivismo Piagetiano, o indivíduo, sujeito ativo, não constrói a realidade, mas sim as representações da realidade. No entanto, o Construtivismo Radical de Glasersfeld e Foerster, não é realista, é idealista. De forma semelhante aos postulados de Piaget rejeitam o objetivismo, mas de parecidos ficam somente nisso. Eles vão além e rogam que é impossível se obter qualquer acesso a uma realidade externa às construções mentais. A realidade socialmente construída: o Construtivismo Social Castañon (2005a; 2009) aponta que a expressão ―construção social‖ surge com o livro, hoje clássico, de Peter Berger (1929 - ...) e Thomas Luckmann (1927 - ...) denominado The Social Construction of Reality, de 1966, obra que exerce grande influência nas áreas da Sociologia do Conhecimento e da Psicologia Social. Os autores apontam que existem múltiplas realidades. O sujeito reconhece os seus semelhantes que lida no dia a dia como pertencendo a uma realidade muito distinta da que têm em

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 76 de 167 seus sonhos, por exemplo. Como a sua consciência é capaz de se deslocar entre essas diferentes esferas, ele acaba por ter noção do mundo como consistindo de distintas realidades. Contudo, entre as realidades, há uma que se apresenta como sendo a dominante: a da vida cotidiana. Essa se impõe à consciência de modo mais sólido e intenso. O sujeito encontra-se sozinho no mundo dos seus sonhos, mas sabe que o mundo da vida cotidiana é tão real para outros quanto é para ele. Dito que a realidade da vida cotidiana é partilhada com os outros, deve-se saber que o mais importante tipo de interação social, para que exista essa partilha, é o que tem vez nas situações frente a frente (BERGER e LUCKMANN, 1973). Nesses momentos, onde a interação é mais intensa, aquilo que o outro é, sua subjetividade, fica quase que totalmente acessível ao indivíduo. Entretanto, ao mesmo tempo, deve-se notar que as relações frente a frente são muito flexíveis. Num primeiro olhar, isso dificultaria a imposição de padrões rígidos de convivência. Como solução, Berger e Luckmann (1973) apontam que em todas as interações apreende-se o que é o outro por meio de esquemas tipificadores, os quais se encontram partilhados no ambiente social. Assim, a interação frente a frente é modelada por estas tipificações, pelo menos enquanto não se tornarem problemáticas por interferência do outro, pois esse pode revelar que apesar de ter determinada característica, tem também outra, a qual é inesperada (BERGER e LUCKMANN, 1973). Nesse contexto, a estrutura social é o somatório das tipificações e dos recorrentes padrões de interação estabelecidos pelo seu intermédio. Em outras palavras, a sociedade é um conjunto de ações tipificadas, distribuídas por atores também tipificados (CANALES, 1995). As tipificações são nada mais, nada menos, do que exemplos de instituições sociais. Com a contínua troca entre as pessoas, as instituições fixam o seu significado e surgem como uma realidade objetivada (BERGER e LUCKMANN, 1973). Todavia, como relembra Canales (1995), as instituições precisam ser cobertas por um segundo manto de verdade, a legitimidade, a qual vai ser responsável por colocar essas como justas e boas, ou em outras palavras, dar validade às ordens institucionais. O processo de legitimação surge com a perpetuação das instituições entre as gerações. Dessa forma, tipificação, objetivação e legitimação são os três aspectos principais da realidade compartilhada de Berger e Luckmann (CANALES, 1995). O principal argumento dos autores é de que a realidade é socialmente construída, fruto das definições compartilhadas no ambiente. Ela só pode ser atingida através das representações sociais constituídas através das interações entre os indivíduos. Considerações finais Ao longo do artigo, pode-se notar como a noção de realidade, e se é possível ou não alcançá-la, varia de uma perspectiva objetiva até uma visão idealista. Questões ontológicas e epistemológicas sobre o que o mundo contém, estão dentro do campo dos elementos axiomáticos, ou melhor, referem-se aos valores básicos dos paradigmas. Basicamente, são os axiomas que tornam determinados paradigmas incomensuráveis entre si (LINCOLN e GUBA, 2003). Conforme Guba e Lincoln (2003), enquanto as perspectivas positivistas e pós-positivistas (os críticos de Popper delineiam-no como pós-positivista) podem dialogar entre si, por terem visões de mundo semelhantes, essas mesmas não conseguem se comunicar com o Construtivismo Radical, pois esse tem concepções distintas sobre a realidade e sobre a forma de chegar a essa. O Positivismo de Augusto Comte é realista ingênuo, ou melhor, objetivista. O Objetivismo é uma posição filosófica que defende que o objeto molda as representações que o indivíduo possui. Dessa forma, o objeto é algo dado e pode-se conhecer a realidade verdadeira. Todavia, o Objetivismo é apenas um caso particular de Realismo. Antes de tudo, o Realismo é a tese ontológica que relata a existência real dos objetos do conhecimento, com

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 77 de 167 características que independem da vontade dos indivíduos. Segundo Castañon (2005a), com a queda da perspectiva objetivista, o Realismo vem a ser carregado pelo Realismo Crítico, a corrente filosófica de Popper. Essa perspectiva defende que a realidade existe independente da vontade individual, porém, ela não pode ser alcançada totalmente, somente pode-se ter uma aproximação. O objeto do conhecimento não determina a visão que se tem da realidade, apenas influencia as representações. Essa influência se dá através da resistência que o mundo exterior oferece quanto às concepções que se possui sobre ele. É nesse momento, que surge a certeza da existência de uma realidade. Por sua vez, Jean Piaget é certamente um realista. Com seu construtivismo, ele acredita que a realidade vai ajudando a moldar os nossos esquemas quando os desmente, exigindo uma nova acomodação (CASTAÑON, 2005b). Entretanto, posteriormente, o termo construtivismo é apropriado por uma série de perspectivas de cunho anti-realista. O Construtivismo Radical coloca que a realidade é uma construção subjetiva e limitada pela experiência do indivíduo. As pessoas encontram-se isoladas nas suas próprias representações e essas edificam a realidade. Contrariamente a isso, Piaget defende que apesar das ferramentas cognitivas influenciarem as contemplações dos objetos, as teorias não determinam esses últimos de forma solitária. A verdade objetiva, como aponta Popper, nunca é atingível, porém, quando erramos em nossas teorias, vemos que a realidade existe. Não obstante, tanto o Construtivismo de Piaget, como o Construtivismo Radical, aqui apresentados, apontam o papel ativo do indivíduo na construção da realidade. Esse aspecto, por sua vez, distingue as concepções do Construtivismo Social, de Peter Berger e Thomas Luckmann. Esses últimos autores defendem que as representações socialmente construídas e compartilhadas são a única realidade acessível para os indivíduos. Temos então quatro noções de realidade ao longo desse artigo. Primeiramente, há a concepção positivista de uma realidade objetiva e que pode ser alcançada em sua plenitude. Depois se apresenta a noção de uma realidade que existe, mas que só pode ser alcançada de forma limitada, segundo o Realismo Crítico e o Construtivismo Piagetiano. Em seguida, com o Construtivismo Radical, já se mostra a visão idealista de uma realidade que não existe independente das experiências do indivíduo, ou em outras palavras, que não tem vez fora da mente humana. Por fim, coloca-se uma concepção coletivista que advoga uma realidade que é criada pelas representações compartilhadas na sociedade, sendo limitada e moldada pelas instituições sociais. Finalizadas as sucintas comparações, o trabalho chega ao fim. Espera-se ter mostrado uma visão geral de como as questões epistemológicas e ontológicas se transformam nas três versões construtivistas trabalhadas; e onde esses arcabouços se encontram e onde se desencontram, quando discutem sobre a realidade perceptível ao indivíduo. Referências Bibliográficas BERGER, P.; LUCKMANN, A. A construção social da realidade: um livro sobre a sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 247 CANALES, M. C. Sociologias de la Vida Cotidiana. In: GARRETÓN, M. A.; MELLA, O. (Eds.). Dimensiones actuales de la sociologia. Santiago: Bravo y Allende, 1995. p. 287. CASTAÑON, G. A. Construtivismo e ciências humanas. Ciências e Cognição, v. 5, p. 36-49, 2005a. CASTAÑON, G. A. Construtivismo e terapia cognitiva: questões epistemológicas. Revista Brasileira de Terapia Cognitiva, v. 1, n. 2, p. 31-42, 2005b. CASTAÑON, G. A. Construtivismo Social: a ciência sem sujeito e sem mundo. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Lógica e Metafísica) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ. FOERSTER, H. Visão e conhecimento: disfunções de segunda ordem. In: SCHNITMAN, D. F. (Ed.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 59-74. GEWANDSZNAJDER, F. O Que É o Método Científico? São Paulo: Pioneira, 1989. p. 226

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 78 de 167 GLASERSFELD, E. A construção do conhecimento. In: SCHNITMAN, D. F. (Ed.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 75-83. LINCOLN, Y. S.; GUBA, E. G. Controvérsias paradigmáticas, contradições e confluências emergentes. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (Eds.). O planejamento da pesquisa qualitativa: Teorias e abordagens. Porto Algre: Artmed, 2003. p. 169-192. LOURENÇO, M. Pontos de vista sobre Piaget como espistemológico. Revista da Faculdade de Letras: Filosofia, v. 2, n. 2, 1985. PLASTINO, C. A. O primado da afetividade: a crítica freudiana ao paradigma moderno. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001. p. 175 PÁDUA, G. L. D. A Epistemologia Genética de Jean Piaget. Revista FACEVV, n. 2, p. 22-35, 2009. SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2000. p. 94 Enviado em 10/01/2013 Avaliado em 20/02/2013

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 79 de 167 AVALIAÇÃO DA LITERATURA NO ENEM Hilda Gomes Dutra Magalhães24

Resumo O objetivo desse estudo consiste em analisar se o tratamento dado ao texto literário nas provas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) atende às demandas e princípios do letramento literário, aqui compreendido como a formação do leitor para a fruição (RANGEL, 2005) e o reconhecimento dos elementos estéticos do texto literário (COSSON, 2007). Como objeto de análise, investigamos a primeira prova do ENEM de 2009, buscando compreender a concepção de letramento literário que sustenta o referido exame. As análises nos mostram que, via de regra, o ENEM apresenta variedade de textos literários, mas nem todos são tratados do ponto de vista do letramento literário propriamente dito, o que é negativo, porque em nada contribui para a fruição do texto literário em sala de aula, tornando-o mero instrumento para reconhecimento de conteúdos gramaticais ou lingüísticos. Palavras-chave: ENEM; Avaliação institucional; Letramento literário. Abstract The objective of this study is to examine whether the treatment given to the evidence of the literary text ENEM (National Examination of Secondary Education) meets the demands of literacy and literary principles, here understood as the formation of the reader for enjoyment (Rangel, 2005 ) and the recognition of the aesthetic elements of literary text (Cosson, 2007). As the object of analysis, we investigated the first proof of ENEM 2009, seeking to understand the concept of literacy literature that supports our examination. The analysis shows us that, as a rule, the ENEM features a variety of literary texts, but not all are treated from the point of view of literary literacy itself, which is negative because it contributes nothing to the enjoyment of literary texts in the classroom class, making it a mere instrument for the recognition of linguistic and grammatical content. Keywords: ENEM; Institutional evaluation; literacy literature. O objetivo desse estudo consiste em analisar se o tratamento dado ao texto literário nas provas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) atende às demandas e princípios do letramento literário, aqui compreendido como a formação do leitor para a fruição (RANGEL, 2005) e o reconhecimento dos elementos estéticos do texto literário (COSSON, 2007). Como objeto de análise, investigamos a primeira prova do ENEM de 2009, buscando compreender, a partir da forma como a literatura é apresentada na avaliação, a concepção de letramento literário que sustenta o referido exame. O ENEM, nos seus dez anos de existência, tem se afirmado como um instrumento avaliativo de competências e habilidades de alunos concluintes e egressos do Ensino Médio. O seu caráter inovador se deve a um modelo que procura fugir da memorização, incorporando questões de natureza complexa e mais próximas do cotidiano do aluno. Além de tudo, tem como compromisso averiguar se o aluno desenvolveu ―competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania (INEP, 2002, p. 05)‖, o que significa, em outras palavras, verificar se a escola possibilitou ao aluno ―o acesso aos saberes legados pela cultura e organizados no contexto das disciplinas

doutora em teoria da literatura pela ufrj, com pós-doutoramento pela universidade de paris iii e pela ehess/frança. profa. no curso de letras e no mestrado em ensino de língua e literatura da universidade federal do tocantins/campus de araguaína. e-mail: [email protected]. 24

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 80 de 167 escolares e, por outro, oportunizado a construção de competências e habilidades por meio de situações que tornem esses saberes significativos. (INEP,2008a, p. 19). Para fins de avaliação, o ENEM compreende por competência ―modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer‖. (INEP, 2002, p. 11) e por habilidades, o ―saber fazer‖ (INEP, 2002, p. 11). A avaliação proposta pelo INEP é baseada nas seguintes competências: I. Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática,artística e científica. II. Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas. III. Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema. IV. Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente. V. Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural. (INEP, 2002, p.11) Estas competências são testadas a partir de vinte e uma habilidades, exploradas em sessenta e três questões da prova, agrupadas em quatro grandes áreas: Ciências da Natureza e suas tecnologias, Ciências Humanas e suas tecnologias, Linguagens, códigos e suas tecnologias e Matemáticas, códigos e suas tecnologias. No que diz respeito à literatura propriamente dita, lembramos que o ENEM, a exemplo dos vestibulares anteriores à década de 1980, não indica um lista de textos literários, o que pressupõe que as provas sejam mais abrangentes e demandem conhecimentos sobre as principais manifestações da literatura nacional. Mas o que dizem os PCN a respeito do ensino da Literatura? Segundo os documentos oficiais, a literatura é concebida do ponto de vista da leitura, ou seja, como um dos vários gêneros com os quais o aluno deverá ter intimidade, a ponto de poder utilizá-los nas diversas situações de comunicação. No caso da literatura, o aluno deverá ser capaz de fruir o texto literário, mas também de reconhecer o contexto histórico em que foi criado, ou seja, deverá dominar a historiografia literária. (BRASIL, 1997) Segundo RangeL (2005), do ponto de vista da fruição, o letramento literário deve ser capaz de formar um leitor para o qual o texto literário seja fonte de intenso desejo e prazer, o que implica em se formar um leitor que seja sensível e autônomo; que possa reconhecer a diversidade dos gêneros literários e escolher as leituras que faz. Da perspectiva da prática pedagógica, essas demandas exigem atividades diferenciadas, criativas e que contem com a participação dos estudantes, tanto na escolha do que ler quanto na forma de como ler, práticas que terão conseqüências do ponto de vista da avaliação, que deverá ser contínua, envolvendo o investimento da sensibilidade, da imaginação e não apenas da razão. Isto considerado e analisando a primeira prova do ENEM do ano 2009, percebemos que, das 43 questões da prova de Códigos lingüísticos e suas tecnologias, 15 apresentam textos literários. Em relação ao que a prova solicita em termos de competências de leitura do texto literário, pudemos observar que, das 15 questões, cinco exploram conteúdos lingüísticos, sendo duas (questões 11 e

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 81 de 167 15) sobre a diversidade de gêneros, uma (questão 25) sobre as funções da linguagem, uma (questão 37) sobre o reconhecimento de figuras de linguagem (metáfora) e uma sobre os elementos de coesão. Assim, na questão número 11, é apresentado ao aluno um fragmento do texto Uma vela para Dario, de Dalton Trevisan. A seguir, são apresentadas cinco opções de transcrição do mesmo texto em outros tipos de linguagem, solicitando ao candidato que especifique qual adaptação apresenta as características da linguagem jornalística. Na apresentação da questão, o avaliador explica ao aluno que o fragmento apresentado é um texto literário e que ele deverá identificar, dentre as alternativas, a adaptação jornalística. Assim, nada é solicitado em relação ao texto literário propriamente dito, tanto que poderia ter sido escolhido qualquer outro texto e a natureza da questão e seus objetivos não seriam prejudicados. Na questão número 15 são apresentados dois tipos diferentes de textos: um fragmento de No meio do caminho, de Drummond, e uma tirinha do Garfield, em que o personagem, por acidente, acaba se enrolando por uma cortina e, nesta posição, sem poder se safar, reinventa o poema drummoneano, substituindo a palavra pedra por cortina. seguir:

A seguir, pede-se que o aluno compare os dois textos e selecione uma das alternativas a a) o texto 1 perde suas caraterísticas de gênero poético ao ser vulgarizado por histórias de quadrinhos; b) o texto 2 pertence ao gênero literário porque as escolhas lingüísticas o tornam uma réplica do texto 1; c) a escolha do tema, desenvolvido por frases semelhantes, caracteriza-os como sendo do mesmo gênero; d) os textos são de gêneros diferentes porque, apesar da intertextualidade, foram elaborados como finalidades distintas; e) as linguagens que constroem significados nos dois textos permitem classificá-los como pertencentes ao mesmo gênero. (BRASIL, 2009b, p. 6)

Neste caso, a ênfase continua na exploração da diferenciação dos gêneros textuais e não do literário propriamente dito, embora esteja incluso nas reflexões. Já na questão 25, é apresentado o texto Sentimental, de Carlos D. de Andrade e, a seguir, é solicitado que o aluno demonstre conhecimentos sobre as funções da linguagem, mais acentuadamente da linguagem literária, como se vê abaixo: a)por meio dos versos ―Ponho-me a escrever teu nome‖ (v1) e ―esse romântico trabalho‖(v.5), o poeta faz referências ao seu próprio ofício: o gesto de escrever poemas líricos‖; b) a linguagem essencialmente poética que constitui os versos ―No pato, a sopa esfria, cheia de escamas e debruçados na mesa todos contemplam‖(v3 e 4) confere ao poema uma atmosfera irreal e impede o leitor de reconhecer no texto dados constitutivos de uma cena realista; c) na primeira estrofe o poeta constrói uma linguagem centrada na amada, receptora da mensagem, mas, na segunda, ele deixa de se dirigir a ela e passa a exprimir o que sente; d)em ―Eu estava sonhando...‖(v10), o poeta demonstra que está mais preocupado em responder à pergunta feita anteriormente e, assim, dar continuidade ao diálogo com seus interlocutores do que em expressar algo sobre si mesmo;

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 82 de 167 e) no verso ―Nesse país é proibido sonhar‖ (v.12), o poeta abandona a linguagem poética para fazer uso da função referencial, informando sobre o conteúdo do cartaz amarelo‖ (v.11) presente no local. (BRASIL, 2009b, p.9) Como se percebe, a questão interessa ao letramento literário por propiciar ao candidato demonstrar que, através da análise, é capaz de identificar a linguagem literária das demais. Por fim, na questão 37, é apresentado um texto de Gilberto Gil, representante da Tropicália, e o que se pede do aluno é que ele identifique o verso em que há uma metáfora, sem, entretanto, fazer ou solicitar qualquer exploração desse aspecto do ponto de vista de produção de sentidos no texto. Em outras palavras, a exemplo das questões anteriores, tem-se uma visão, na prova, de uma prática bastante comum em sala de aula, que consiste no tratamento do literário com função instrumental para introdução de conteúdos não da literatura, mas da língua propriamente dita. Das nove restantes, quatro (questões 4, 6, 18 e 29) são de natureza puramente decodificadoras, restando apenas seis para exploração de conteúdos propriamente literários. Assim, na questão número 4, é apresentado um fragmento do poema A terra é natura, de Patativa do Assaré e, a seguir, solicita-se que o candidato identifique o falante, dando as opções: a) escolarizado, proveniente de uma metrópole; b)sertanejo morador de uma área rural; c)idoso que habita uma comunidade urbana; d)escolarizado que habita uma comunidade do interior do país; e)estrangeiro que imigrou para uma comunidade do sul do país. (BRASIL, 2009b, p. 3) Como se percebe, a competência que se avalia nesta questão está ligada essencialmente à decodificação mecânica do texto e não a produção de sentidos do mesmo. Do mesmo modo, na questão número 6, apresenta-se uma adaptação do texto de Bagno, denominado A língua de Eulália: novela sociolingüística e solicita-se ao aluno que identifique o motivo pelo qual a personagem é chamada pelo tratamento senhora, sendo apresentadas as seguintes opções: a) pensa que Irene é a jardineira da casa; b)acredita que Irene gosta de todos que a visitam; c)observa que Irene e Eulália são pessoas que vivem em área rural; d) deseja expressar por meio de sua fala o fato de sua família conhecer Irene; e)considera que Irene é uma pessoa mais velha com a qual não tem intimidade. (BRASIL, 2009b, p. 3) Na questão número 18, é apresentada a letra da música Bem funk, de Mc‘s Amilcka e Chocolate, e é explicado que o funk vem se tornando um símbolo da marginalização das manifestações culturais das periferias. A seguir, é solicitado do aluno que identifique o verso que explicita esse fato, sendo apresentadas as opções: a) ―O nosso som não tem idade, não tem raça‖; b) ―Mas a sociedade para gente não dá valor‖; c) ―Se existia o lado ruim, hoje não existe mais‖; d) ―Agora para e pensa, se liga na responsa‖; e) ―Se ontem foi a tempestade, hoje virá a bonança‖. (BRASIL, 2009b, p. 7)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 83 de 167 Na questão 29, tem-se um poema Isto, de Fernando Pessoa. A questão assim se apresenta: A partir do texto e da sua temática, conclui-se que o autor: a) revela seu conflito emotivo em relação ao processo de escritura do texto; b) considera fundamental para a poesia a influência dos fatos sociais, c) associa o modo de composição do poema ao estado de alma do poeta; d) apresenta a concepção do Romantismo quanto à expressão da voz do poeta; e) separa os sentimentos do poeta da voz que fala no texto, ou seja, do eu lírico. (BRASIL, 2009b, p. 10) Como percebemos, nas questões acima transcritas, o que se pede está ligado à capacidade decodificadora do texto pelo aluno, entretanto não necessariamente de um texto literário, de modo que o texto base poderia ter sido qualquer outro (e não especificamente um texto literário), sem que os resultados e os objetivos da questão fossem modificados. Das questões restantes, duas (questões 26 e 27) exploram as condições de produção do texto, ou seja, o contexto sócio-histórico em que a obra foi criada. Na questão 26, o leitor encontra um fragmento de A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e deverá identificar se os sofrimentos da protagonista representam uma condição de todas as escravas brasileira. Na questão seguinte, a prova apresenta um fragmento de Inocência, de Taunay, e solicita ao aluno que, considerando o fragmento ―uma das principais e permanentes contribuições do Romantismo para a construção da identidade da não‖ (BRASIL. 2009b, p. 9), aponte, dentre as alternativas apresentadas, a ligação do texto com o contexto social da época. Como notamos, as duas questões não exploram o literário propriamente dito, limitando-se a verificar que conhecimentos o candidato mobiliza na compreensão das condições de produção do referido texto. Das cinco restantes, e que mais apropriadamente trazem considerações sobre o literário propriamente dito, a questão 31 explora a construção de sentidos a partir da palavra ―pedra‖, em dois textos diferentes de Drummond; a de número 34 requisita do aluno o reconhecimento, no texto, do processo mimético de recriação da realidade; a questão 36 explora, a partir de um texto literário, de Graciliano Ramos, e um teórico, de Antônio Cândido, os efeitos da linguagem nos dois textos (literário e não literário); a questão 38 demanda que o candidato, a partir de um poema de Augusto dos Anjos, identifique as características estilísticas da obra desse autor, e finalmente, a questão 41 explora, numa perspectiva comparística, os efeitos estilísticas da linguagem literária utilizada nos textos Ouvir estrelas de Bilac e o poema homônimo, de Tigre. Percebemos, nessa amostragem, que o tratamento dispensado ao texto literário na prova do ENEM valoriza o texto literário, à medida que ele está presente em mais de um terço das questões, entretanto o seu uso nem sempre atende às demandas do letramento literário propriamente dito, o que fica evidente principalmente nas questões que exploram conteúdos de natureza lingüística. Somando-se as questões instrumentais e as que demandaram apenas um esforço decodificar mecânico, constatamos que, das 15 questões em que houve a presença de texto literário, 8 exploram aspectos com pouco ou nenhum interesse do ponto de vista do letramento literário propriamente dito. Restaram, então, apenas sete questões através das quais foi possível observar que a noção de letramento literário que atravessa a prova do ENEM passa pela aquisição do educando das competências de reconhecimento da historiografia literária (duas questões a respeito), do reconhecimento estilístico de cânones da literatura nacional (uma questão), sendo que apenas cinco foram destinadas à exploração de competências ligadas ao reconhecimento de processo miméticos e à construção de sentidos na literatura.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 09 Nº19 – 2013 ISSN 1809-3264 Página 84 de 167 No que diz respeito à fruição literária, não há nenhuma questão neste sentido, até mesmo porque o espaço da fruição exige um tempo e um estado de espírito próprios, ausentes numa situação como a prova do ENEM, em que o aluno está preocupado em obter uma vaga no ensino superior. Diante do exposto, podemos concluir, em primeiro lugar, que o ENEM, por sua própria especificidade e objetivos, não se propõe a testar o grau de fruição estética do leitor. Quanto aos demais aspectos ligados ao letramento literário, apresenta como ponto positivo a variedade de textos literários, lembrando, entretanto, que nem todos são tratados do ponto de forma adequada, servindo, muitas vezes, como mero instrumento para reconhecimento de conteúdos gramaticais ou lingüísticos. Além disso, pelo fato de o ENEM não indicar nenhuma lista de autores, seria mais proveitoso, ao invés de explorar textos de Drummond em três questões diferentes, diversificar mais os autores, de modo a não privilegiar um em detrimento dos demais e desse modo, abranger melhor a riqueza de manifestações literárias que marcam a literatura nacional. Assim, a avaliação teria espaço para incluir uma diversidade de textos maior, como, por exemplo, manifestações da primeira fase do modernismo brasileiro, do Quinhentismo, do Arcadismo, do Barroco do Concretismo, bem como manifestações populares. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Ministerial no. 438, de 28 de Maio de 1998. Dispõe sobre a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Disponível em: http://www.inep.gov.br/basica/enem legislacao/p438_280598.htm. Acesso em: 19 abr 2010. _____. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Portaria 110, de 04 de dezembro de 2002. Dispõe sobre as modalidades objetiva e subjetiva do ENEM. 2002a Disponível em: http://www.inep.gov.br/basica/enem/legislacao/p110_041202.htm. Acesso em: 19 abr 2010. _____. ENEM: Documento básico. Brasília: MEC, INEP, 2002b . Disponível em: www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%257BE57A3D8A-B535-470EAD0C1089028BA212%257D_documento_basico_enem_2002_353.pdf Acesso em :10 mar 2010. ______.Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/Secretaria da Educação Básica, 2006. _____. Eixos cognitivos do ENEM. Brasília : MEC, INEP, 2007a. Disponível em: http://www.inep.gov.br/salas/download/enem/Miolo_Eixos_Cognitivos_Enem_2002.pdf. Acesso em: 12 dez 2009. _____. Matriz de referência para o ENEM 2009. Brasília: MEC, INEP, 2009a. Disponível em
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