MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO E SERVIU PARA ALGUMA COISA?
August 21, 2017 | Author: Izabel Luana Sá Fonseca | Category: N/A
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MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO — E SERVIU PARA ALGUMA COISA? Marcelo Garcia
Marcelo Garcia é assistente social. Exerceu a Gestão Social Nacional, Estadual e Municipal. Atualmente, é professor em cursos livres, de extensão e especialização, além de diretor executivo da Consultoria Agenda Social e Cidades. Desde 2009 trabalha e estuda de forma continuada estratégias para combater a pobreza. Escreve diariamente para o site .
Este é um texto diferente. Não é um texto técnico cheio de citações e referências. Diria que é provocativo. Quero provocar um debate sobre avaliação e monitoramento, mas sem fazer uma análise sobre esse processo, e sim buscando uma resposta para por que devemos avaliar e monitorar as ações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Vale ressaltar que a avaliação e o monitoramento são de longe as áreas em que mais estamos atrasados no SUAS. Não desenvolvemos inteligência de avaliação na prática cotidiana da assistência social, um atraso técnico e político que precisamos superar. Em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social estruturou a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI). Devo registrar aqui que foi uma decisão bastante acertada. Desde esse período, a SAGI tem feito avaliações e estudos importantes, que nos indicam com muito pé no chão como estão os projetos e os programas. O sucesso da SAGI foi fugir de um modelo em que se avalia não para saber se o projeto ou o programa estão indo bem, mas para estudar a fundo o problema que motivou a criação de tal programa ou projeto. Nos órgãos de gestão da assistência, precisamos estudar a fundo os problemas ou construir as soluções para eles? Os IBGEs, Ipeas, fundações estaduais e universidades estão estudando a realidade social do país com a devida atenção? Somos nós, na gestão, que vamos estudar a dinâmica da realidade? Essa é uma primeira provocação. No Encontro Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social ocorrido em Salvador, em 2007, eu acompanhava ao carro uma expositora que tinha sido abordada por
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algumas pessoas no elevador logo depois de participar de uma mesa sobre o SUAS. Uma delas segurou no braço da professora e disse: “Sua palestra foi linda”. A professora respondeu meio sem paciência: “E serviu para alguma coisa?”. Naquele ano, eu era secretário municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e presidente do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social. Tinha trabalhado desde 2005 na elaboração da NOB/SUAS e da NOB-RH. Estávamos avançando muito nos Sistemas de Avaliação do SUAS e de programas como o Peti, mas nunca tinha parado para me perguntar efetivamente: o que estamos fazendo serve para alguma coisa? Essa seria uma segunda provocação. Estamos estruturando ações para a solução de um problema concreto ou fazemos projetos apenas como uma ideia ou porque gostamos daquele tema? Não é raro que eu veja um técnico ou mesmo um gestor falando que gosta de trabalhar com determinado tema. Eu mesmo sempre gostei de trabalhar com população marginalizada. Mas, como gestor, devo impor como projeto de gestão a minha identidade profissional ou devo buscar a identidade dos problemas do território em que trabalho? Essa pergunta não serve apenas para gestores de secretarias, mas deve ser feita por diretores de CRAS e CREAS, por exemplo.
Estamos formulando a ação correta nos CRAS, CREAS e secretarias com base na realidade social local ou nas experiências do gestor ou dos profissionais? Essa seria minha terceira provocação. Outra questão que devemos entender no nosso trabalho é a seguinte: quando estruturo uma ação, devo organizar com a equipe fluxos de avaliação e monitoramento de cada estratégia. É necessário usar as reuniões de equipe para conversar e debater processos, procedimentos e resultados. Eu me lembro de que nos anos 1980, quando elaborávamos um projeto, tínhamos como última etapa a avaliação. O cronograma apresentava uma série de atividades e, no último mês, avaliávamos e registrávamos os resultados. Aqui surge minha quarta provocação: do que adianta avaliar no último mês? E se nesse último mês eu descobrir que o processo estava todo errado, que os resultados não foram alcançados, que a equipe não estava preparada e que os usuários não gostavam da ação? Avaliar é uma ação continuada e deve ser um movimento permanente, e não uma etapa do projeto.
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Não podemos nem devemos separar o processo de avaliação do cotidiano e a realização. Em geral, buscamos complicar ao máximo nosso trabalho. Nunca organizamos estratégias simples e temos uma política superprecária de avaliação e monitoramento de nossas ações. Além disso, não é raro que muitas dessas ações virem apenas um livro ou um relatório. Mas isso é feito para quê? Desde aquele dia em 2007, eu me pergunto diariamente: e serviu para alguma coisa? O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil está de fato erradicando o trabalho infantil? O Projovem Adolescente está colaborando para que o adolescente permaneça na escola e avance em sua escolaridade? O CRAS está fazendo a vigilância socioassistencial do seu território? Os Programas de Inclusão Produtiva estão garantindo renda para as famílias? O Bolsa Família está garantindo mobilidade social por meio da educação? Avaliar não é pesquisar dados, a partir de meu interesse, para fazer cruzamentos, análises e descobertas. Claro que uma avaliação benfeita pode me levar a todas essas questões, mas a avaliação deve sobretudo indicar se o meu trabalho está de fato avançando em seu objetivo principal. Em geral, projetos de inclusão produtiva não geram um único centavo de renda. Será que isso não faz parte da avaliação da equipe? Posso fazer uma avaliação no Peti e descobrir que 48% das mães das crianças são negras e tiveram os filhos antes dos 15 anos. Posso ainda saber que 72% dessas mães não têm relação estável com o pai das crianças. Posso avançar e descobrir que, dessas mães, 56% têm filhos de pais separados. Informação é que não falta, não é mesmo? Aqui surge minha quinta provocação: para que tanta informação? Quantas crianças de fato abandonaram o trabalho infantil? E quantas o deixaram de fato de forma sustentável? O processo de avaliação deve ter um resultado primário focado não em dados estatísticos sem fim, mas no resultado do objetivo. Posso ter um estudo muito bom sobre o Peti e não perceber que ele não resolveu em nada o trabalho infantil num território ou numa cidade.
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O encantamento com os números em geral nos afasta das principais demandas que precisamos conhecer para ajustar e melhorar propostas. Eu mesmo já participei de reuniões sobre dados de projetos em que a conversa foi em frente sem que nos déssemos conta de que o objetivo do projeto estava longe de ser atingido. Avaliar para quê? Essa seria minha sexta provocação. Com certeza, para nos dar condições de saber se o que propomos como ação está resultando positivamente ou não na vida das pessoas. Avaliar para ficar lendo dados e fazer todo tipo possível de cruzamento deve ser um desdobramento, e não a ação fundamental. Avaliamos para melhorar, ajustar, consertar e até mesmo para dar fim a uma ação. A avaliação não é um antibiótico que cura. Podemos, sim, a partir de um processo continuado de avaliação, resolver encerrar um projeto. Em 2006, criamos um projeto no Rio de Janeiro chamado Boa Noite. Era um voucher de hotel para trabalhadores que dormiam na rua e eram de outra cidade. Fazíamos uma avaliação semanal dos resultados. Rapidamente, percebemos que o projeto incentivava cada vez mais gente a dormir na rua, pois todos iriam receber o voucher. Foi nesse processo de avaliação que entendemos que nosso planejamento errou em não perceber que o projeto traria moradores de rua de outras partes da cidade para a região. Não perdi tempo e encerrei esse projeto. Qual o problema em assumir que houve erro de planejamento? Qual o problema em suspender uma ação que não está dando certo? O processo de avaliação pode e deve nos levar a tomar decisões concretas e, no caso do Boa Noite, foi isso que fizemos. Outra questão que devemos levantar é: quem avalia? Essa é minha sétima provocação. Quem deve avaliar o trabalho e os resultados de forma constante é a equipe que está envolvida no trabalho. Avaliações e consultorias externas são ótimas, mas não substituem o esforço e o exercício diário da equipe envolvida no processo. Não podemos delegar uma parte do nosso trabalho. Avaliar é procedimento da execução. É claro que um olhar externo é muito bem-vindo, mas não substitui o olhar de quem está dentro do processo. Com frequência, muitas secretarias acreditam que a melhor avaliação é feita com pessoas de fora do processo. Eu não faço parte desse grupo. Devemos nos perguntar todos os
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dias em nossas atividades: o que estamos fazendo está servindo para alguma coisa? Estamos mudando a vida das pessoas? As políticas setoriais estão se integrando? As sete provocações que fiz neste texto têm sobretudo o objetivo de chamar a atenção para o fato de que a avaliação e o monitoramento são tarefas que devem ser incorporadas nas práticas sociais. Avaliar e monitorar não devem ser delegados a terceiros. Avaliar e monitorar devem ser uma rotina de nosso trabalho. Avaliar e monitorar não são bichos-papões que só o outro pode realizar. Avaliar e monitorar são a base da organização da vigilância socioassistencial. Criar sistemas de avaliação não quer dizer que estamos avaliando. No nosso trabalho, quantidade de informação muitas vezes não traduz uma obviedade. Não existe equipe que faz e equipe que avalia. O trabalhador do SUAS tem competência para planejar, executar e avaliar. As reuniões de avaliação de equipe no CRAS, no CREAS e nas secretarias devem ser uma rotina semanal de toda equipe. O estudo de caso é uma forma concreta de avaliar e planejar. A avaliação deve ser publicada sobretudo para os usuários. A avaliação dos usuários deve ser levada totalmente em conta no processo de avaliação.
Temos um enorme trabalho pela frente, mas não um trabalho impossível. Temos um trabalho que é a base do resultado que queremos. Este texto, como disse no início, é simples porque não é no complicado ou na eterna sopa de palavras, expressões e referências que necessariamente estão as respostas que precisamos para construir nossas práticas sociais. Este texto serviu para alguma coisa?
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