FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALTERNÂNCIA COMO ELEMENTO INTEGRADOR

June 28, 2016 | Author: Victorio Figueira Cavalheiro | Category: N/A
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1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALTERNÂNCIA COMO ELEMENTO INTEGRADOR Rosemeri Scalabrin UFRN, Mestranda, ...

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALTERNÂNCIA COMO ELEMENTO INTEGRADOR Rosemeri Scalabrin – UFRN, Mestranda, Bolsista da CAPES [email protected]

Georgina N. K. Cordeiro – UFRN, Doutoranda [email protected] Resumo: Este ensaio aborda a relação teoria e prática no Curso de Formação de Professores do Campo - Normal de nível Médio, na Transamazônica, pautado na pedagogia da alternância. A análise teve como base as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A relação teoria e prática são referenciadas em Paulo Freire e traz a problematização da realidade como ponto de partida, objetivando a transformação daquela realidade. Conclui-se que a proposta pedagógica busca um novo fazer nas práticas da educação do campo. Palavras-chave: formação de professores; educação do campo; pedagogia da alternância.

A ALTERNÂNCIA COMO METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO A Pedagogia da Alternância é uma metodologia utilizada nas propostas educacionais que visam promover a formação integral dos sujeitos do campo, apropriada à realidade, criando alternativas de geração de renda na perspectiva do desenvolvimento sustentável propiciando-lhe condições de fixar-se ao meio rural com qualidade de vida. Os inúmeros problemas educacionais encontrados nas escolas do meio rural, entre os quais destacamos: a escola desvinculada da realidade local, localizada na cidade e com um currículo pautado na visão urbana de educação; a falta de recursos para atividades básicas do campo; a necessidade dos alunos ficarem na propriedade com sua família para trabalhar e as conseqüentes dificuldades de acompanhar o calendário tradicional das escolas; e a falta de vagas e de professores deu origem à necessidade de uma proposta educacional específica para o campo. Somado a isso, outros fatores contribuíram para a utilização dessa metodologia no Brasil, muito bem elucidados por Martins, quais sejam: [...] a falta de conhecimento de técnicas alternativas para a preservação ambiental, o rápido processo de desmatamento, o uso do fogo de modo indevido, preparo adequado do solo, uso intensivo de agrotóxicos, baixo uso de práticas conservacionistas nas áreas de cultivos, a monocultura, êxodo rural, evasão escolar pela falta de respostas das escolas existentes às reais necessidades dos jovens camponeses e pela falta de escola básica do campo (MARTINS, 2004; p 3/4).

Desenvolvida inicialmente pelas Associações de Famílias expressa na forma de Escolas Famílias Agrícolas e Casas Familiares Rurais (de origem italiana e francesa,

respectivamente) a Pedagogia da Alternância tem como princípio básico o desenvolvimento de uma ação educativa integrada e reflexiva entre pais, alunos e comunidades do meio rural onde atua. Alternando teoria e prática, por meio de instrumentos pedagógicos próprios e propostas, entre elas o Tema Gerador, constroem cotidianamente seu método de ensino/aprendizagem ao longo de mais de trinta anos no Brasil. A Pedagogia da Alternância, em sua práxis, fundamenta-se numa concepção de educação libertadora. Isso ocorre, entre outros momentos, quando o diálogo é intencionalmente utilizado para a construção de novos conhecimentos, de uma nova realidade em que os educadores não são os detentores do saber, nele há um processo de investigação continuada compartilhada com o (a) educando (a). Nesse sentido, pode-se entender a Alternância como uma interação entre diferentes modelos de atividades em que teoria e prática são indissociáveis à construção de conhecimentos culturais, sociais, políticos, dentre outros, necessários à formação integral dos (as) jovens que vivem no e do campo. Assim, a educação no e do campo, expressa o desejo dos movimentos sociais do campo de que as escolas estejam geograficamente localizadas no meio rural, ou seja, estejam próximas de suas propriedades evitando que os/as filhos/as tenham que se deslocar passando o dia inteiro fora de casa – entre o caminho de ida e retorno à escola – pois para eles essa prática leva ao desenraiza mento do/a jovem da vida no meio rural, retira-o/a da atividade produtiva, causa o êxodo rural e inibe a cultura. Nesta linha de intervenção, observa-se que a educação formal, historicamente não tem atendido as necessidades do meio rural, uma vez que desarticulada da proposta de desenvolvimento agrícola, os conteúdos estão desarticulados da realidade, da vida, e do trabalho no campo; sua estrutura distancia as relações familiares, desenraiza os/as educandos/as, desvaloriza os saberes populares, desconsidera o calendário agrícola e por isso causa a evasão e repetência (ARCAFAR/PA, 2003).

Por conceito de Educação do Campo concebe-se toda ação educativa que incorpora espaço-tempo do campo e sua diversidade populacional (aqui entendidos como agricultores familiares, pescadores artesanais, ribeirinhos, extrativistas; homens e mulheres, nativos e migrantes que compõem a história do Brasil) que se fundamenta em práticas sociais construídas coletivamente, resgata a cultura local/regional, que articula de forma intrínseca escolarização e formação profissional, ao mesmo tempo em que se opõe a visão de educação

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rural instituída na política historicamente, fazendo a defesa da concepção de educação do e no campo, conforme destaca o expressa no quadro I. Quadro 1: Referências que orientam a concepção de educação do e no campo EDUCAÇÃO DO E NO CAMPO

EDUCAÇÃO RURAL

- Construída coletivamente pelos próprios sujeitos do campo.

- Definida pelas elites para os sujeitos do campo

- Educação Emancipa tória: o campo é o lugar onde vivem os sujeitos do campo; o campo é sinal de vida, de trabalho, de cultura.

- Educação Compensatória: o campo como lugar do atraso; o campo está em extinção.

- O currículo é a expressão da cultura dos povos do campo. Valoriza seus saberes, suas experiências, seu trabalho, suas identidades culturais, seus modos e vida. Indica uma relação de interdependência entre capo e cidade, valorizando as diferenças de cada um desses espaços.

- O currículo é deslocado da cultura do campo. Veicula uma concepção urbanocêntrica de mundo.

- Educação Dialógica: somos todos educadores/ educandos de educandos/ educadores. Ensinamos e aprendemos na interação, uns com os outros, em comunhão. O conhecimento de todos é valorizado. Conhecimento sistematizado = conhecimento cotidiano. A cultura e o currículo são construídos coletivamente, nas relações sociais que os sujeitos estabelecem entre si através da convivência. Essa construção é mediatizada pelos conhecimentos existentes na sociedade.

- Educação Bancária: o professor é o sujeito que sabe que deve transmitir o conhecimento aos estudantes, que não possuem conhecimentos sistematizados científicos. Eles possuem o saber empírico – do senso comum.

- Currículo Temático: os conhecimentos são organizados em temas geradores, que são selecionados da própria realidade dos sujeitos. São falas significativas que expressam a visão limitada dos sujeitos em relação às situações existenciais da vida. No diálogo entre os conhecimentos dos próprios educandos mediatizados pelos conhecimentos acumulados pela humanidade, os sujeitos do campo vão ampliando sua compreensão sobre as situações existenciais de sua vida, sobre seu trabalho, sobre sua cultura, sobre seu país, sobre o mundo.

- Currículo Disciplinas: os conhecimentos científicos são produzidos pelos especialistas que constituem determinados campos de conhecimentos denominados de “disciplinas”, que reúnem um conjunto de saberes específicos que explicam determinados aspectos da realidade.

- A organização do ensino não se dá de forma seriada. O temo de aprendizagem dos educandos é compreendido em sua totalidade. Os educandos vão aprendendo os conhecimentos selecionados pelo coletivo de sujeitos que participam da escola. Não há uma padronização em termos dos conhecimentos aprendidos. Cada turma aprende de acordo com sua realidade, com seus interesses e suas necessidades. A aquisição d conhecimento não é cumulativa, não há pré-requisitos. A aquisição do conhecimento se dá de forma cíclica.

- A organização do ensino se dá de forma seriada – o tempo da aprendizagem é dividido em séries anuais, os conhecimentos são organizados e distribuídos em séries anuais e a aprendizagem é cumulativa. Uma série é prérequisito para a seguinte. Quem não aprende os conhecimentos de uma determinada série fica reprovado e não pode avançar pra a série seguinte. A aquisição dos conhecimentos se dá de forma linear.

Fonte: Síntese produzida por Salomão Hage para formação de educadores.

A ALTERNÂNCIA COMO ELEMENTO ARTICULADOR DA RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA 3

Tomando como referência as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível Médio, na modalidade normal que institui uma carga horária de 800 horas de prática de ensino, como também a proposta curricular - princípios e metodologia enunciada - expressa no Projeto Político-Pedagógico do Curso Magistério da Terra na Transamazônica com vista a sua concretização, buscamos identificar como se dá a articulação entre teoria e prática a partir das reflexões de Paulo Freire, onde “a reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende, erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do homem (1987, p.52), assim como, se o momento já é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber dela resultante se faz objeto da reflexão crítica (1987, p. 53). Para elucidá-los, analisamos como as ações são desenvolvidas no decorrer da ação formativa na perspectiva da alternância: Tempo Escola e Tempo Comunidade. Elegemos o Curso Magistério da Terra, por tratar-se de um projeto que é constitutivo da luta maior em prol da educação do e no Campo, em especial, pela criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e sua implementação no Estado do Pará, tendo como base a concepção dos atores envolvidos. Isso toma força à medida que os atores colocaram na pauta do poder público o debate sobre a educação do campo. Especificamente no Estado do Pará, nas últimas décadas, os movimentos sociais do campo têm se tornado presente no cenário político e cultural do país lutando, segundo seus discursos: pela conquista da terra, pelo fortalecimento da agricultura familiar, pela garantia do trabalho, da vida e pela justiça no campo construindo-se enquanto sujeitos coletivos de direito, entre os quais se encontra o direito à educação conforme nos alerta Andrade (2003): O cenário da educação do campo é composto por variadas e ricas experiências educativas implementadas fora do âmbito governamental, promovidas por associações civis e movimentos sociais que têm assumido o papel de combater o processo de exclusão da população rural. Estas práticas pedagógicas, algumas das quais remontam à década de 70, contaram com o apoio de partidos políticos, da Igreja Católica, universidades e organizações não governamentais, contribuindo com a construção de uma nova escola para a população do campo. Dentre as mais expressivas, encontram-se as Casas Familiares Rurais e as Escolas Família Agrícola (que desenvolvem variações da pedagogia de alternância), o Movimento de Educação de Base, a Rede de Educação no Semi Árido Brasileiro (RESAB) e o Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Essas iniciativas começaram a construir um novo olhar sobre as possibilidades que o espaço rural apresenta para a juventude e o conjunto da sociedade brasileira, rompendo a visão preconceituosa que desvaloriza o trabalho e a cultura do campo, favorecendo o êxodo rural (p. 13).

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Com base nos documentos analisados, observa-se que os movimentos sociais têm elaborado e efetivado um conjunto de iniciativas educacionais, com a intencionalidade de enfrentar o processo de exclusão social e educacional dos sujeitos que vivem e trabalham no campo e, ao mesmo tempo, forçado a elaboração de políticas públicas que garantam o acesso à educação e construam uma identidade própria das escolas do campo. Nesse sentido, não há como negar o caráter inovador do curso em questão, cujos pressupostos político-pedagógicos demarcam o seu significado, onde a defesa da garantia de acesso à educação com qualidade social é compreendida como um direito social, fundamental na construção da cidadania de jovens e adultos do campo. Nesse sentido, o referido curso não apenas atende às reivindicações de atores e sujeitos do campo de oportunizar acesso à escolarização de trabalhadores (as) assentados (as), mas também é fruto da elaboração conjunta entre atores e sujeitos oriundos do processo de escolarização (ensino fundamental) cujo processo, segundo os atores da região, se deu por meio de reuniões municipais e regional, espaços de debates, proposições de metodologia e currículo, processo esse encharcado de conflitos e discussões que culminaram no estabelecimento de consensos em torno da filosofia, organização curricular, gestão e papel dos atores e parceiros na execução do projeto. Segundo os atores, a construção coletiva vem se dando em diferentes espaços e tempo que envolve: a concretização da proposta pedagógica e metodologia na perspectiva da alternância; o planejamento processual; a avaliação do curso de formação de educadores (Magistério da Terra); o acompanhamento das ações nos espaços educativos (aqui entendidos como o local onde são desenvolvidas as aulas: barracão comunitário, Igreja ou escola) tanto nas atividades de formação continuada quanto nas práticas educativas com vista à retomada dos possíveis pontos lacunares identificados. Essa participação é entendida pelos atores como fundamental para o exercício democrático da relação entre eles e o poder público municipal, estadual e nacional. Percebe-se que os atores tem participado da tomada de decisões coletivas acerca da gestão do projeto político-pedagógico, participação aqui entendida como: [..] participação está ligada aos mecanismos de tomada de decisão nas diversas instancias da organização da vida social e pessoal dos indivíduos, podemos pensá-la como sendo os mecanismos que permitem os sujeitos atuarem, agirem na vida social, pessoal e coletiva, possibilitando variados tipos e níveis de aprendizados e vivências para os indivíduos (GEPEM, 2007). 5

Nessa perspectiva, a compreensão de aspectos da realidade local e da vida dos sujeitos do campo tem sido compreendida por eles como geradora de conhecimentos. Por isso, as atividades formativas têm propiciado reflexões permanentes sobre a identidade dos sujeitos, dando ênfase a história de vida do sujeito, a história do assentamento e a história da região em que vive contextualizada à ocupação da amazônica considerando as dimensões históricas, sociais, culturais, econômicas, políticas e educativas do país e de seus povos, construindo um currículo vivo. A busca permanente por propiciar a reflexão sobre esses aspectos tem dado vida às temáticas (ou temas geradores) do currículo, cujos discursos presentes nos documentos analisados giram em torno das seguistes questões: a escola do campo precisa ajudar a construir um conhecimento político sobre: o campo, os sujeitos do campo, a política de educação do e no campo e a necessária articulação entre educação e formação profissional, educação e desenvolvimento, teoria e prática. A articulação entre teoria e prática se concretiza nos momentos de formação dos(as) educandos(as) que se dá em períodos distintos (tempo escola) e nos momentos do desenvolvimentos de atividades de estudo, pesquisa e interação com a comunidade (tempo comunidade), além da atuação nos espaços educativos dos assentamentos (sala de aula) como parte da carga horária de práticas pedagógicas, onde atuam como educadores(as) responsáveis pela alfabetização ou a escolarização dos trabalhadores jovens e adultos assentados, em projetos também financiados pelo MDA por meio do PRONERA (PPP, 2005). No desenvolvimento das atividades formativas, proposta no PPP observa-se que está presente o objetivo de garantir articulação teórico-prática enquanto dimensões inseparáveis como elucida Freire: Os saberes se complementam, não se sobrepõem, teoria e prática não se constituem em dois pólos distintos, uma está embutida na outra, em toda prática há uma teoria e toda teoria foi pensada e repensada a partir de uma prática; do mesmo modo que a sua dissociação produz o basismo, negando validade à teoria; o elitismo teoricista, negando validade à prática” (1975, p 12), Tendo como foco as práticas educativas percebe-se que o Curso Magistério da Terra tem proporcionando uma relação dialética entre a teoria e a prática, na medida em que vem mantendo-se vigilante frente o desafio do fazer e do refletir, posto que as questões oriundas do tempo comunidade tenham dado indicativos para o refazer das ações de formação de educandos(as)-(as)educadores; do mesmo modo que as reflexões realizadas nos processos de

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formação vem dinamizando e reorientando novas intervenções no cotidiano do(a) educador(a). Entendemos que a reflexão não se da no nível puramente intelectual, porque se é realmente reflexão, conduz à prática. Entretanto, a reflexão não ocorre no vazio, ela é reflexão da ação realizada e em conjunto com o outro, é uma construção coletiva. Nesse sentido, a articulação teoria-prática se dá no fazer e refazer da prática escolar, pois como afirma Paulo Freire [..] se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o quefazer é práxis, todo fazer do quefazer tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O quefazer é teoria e prática. É reflexão e ação (1987, p.121).

Essa articulação na busca da superação da dicotomia prática-reflexão, que vem sendo buscada pela ação formativa, ancora-se no desenvolvimento da alternância entre Tempo Escola e Tempo Comunidade e oficialmente amparada no Artigo 7º parágrafo 1º, das Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível Médio, na modalidade normal, que estabelece: A prática, área curricular circunscrita ao processo de investigação e à participação dos alunos, no conjunto das atividades que se desenvolvem na escola campo de estudo, deve cumprir o que determinam especialmente os artigos 1° e 61 da Lei 9.394/96 antecipando, em função da sua natureza, situações que são próprias da atividade dos professores no exercício da docência, nos termos do disposto no artigo 13 da citada Lei. § 1º A parte prática da formação, instituída desde o início do curso, com duração mínima de 800(oitocentas) horas, contextualiza e transversaliza as demais áreas curriculares, associando teoria e prática.

Essa exigência vem sendo garantida no desenvolvimento da ação formativa na medida em que tem provocado a reflexão sobre a realidade local, com atividades da prática educativa no Tempo Escola por meio da criação de instrumentos de: a) Integração e conhecimento das escolas e a realidade social, econômica e do trabalho nos assentamentos; b) Análise das estruturas e funcionamentos do PPP das escolas de ensino fundamental voltados para a análise das práticas pedagógicas; c) Socialização das atividades realizadas no Tempo Comunidade em cada Tempo Escola. 7

Por outro lado, de acordo com o PPP percebe-se que o curso tem como intencionalidade articular: núcleos eletivos, eixos temáticos e disciplinas tendo os temas geradores como fio condutor de cada alternância da ação formativa que envolve Tempo Escola e Tempo Comunidade. Assim, percebe-se que há ação-reflexão nas propostas da maioria das disciplinas, principalmente porque são desenvolvidas por meio de: socialização do tempo comunidade; levantamento das condições de aprendizagem dos sujeitos assentados, relação professoraluno; realização de atividades envolvendo a comunidade no processo de planejamento, organização e realização das ações. Do ponto de vista dos (as) educandos (as)-educadores (as), com base nos relatórios produzidos por eles, há um reconhecimento de que as disciplinas estão sistematizando questões que eles/as tinham dificuldade de perceber antes e que agora estão discutindo como utilizá-las no trabalho final do curso, denominado “memorial”, por isso encontram-se em processo de desconstrução e reconstrução. A observação das práticas educativas, com base na minha vivência como educadora em projetos educacionais do campo desde 2002, permite perceber que os saberes constitutivos da docência transcendem o domínio de conhecimentos científicos, pedagógicos e tecnológicos, contemplando também os elementos culturais, as experiências e vivências de homens e mulheres educadores (as) do campo, pela inserção social desses sujeitos em suas comunidades, suas lutas e história. O desafio que se percebe tem sido como incorporar a multiplicidade de linguagens - extrapolando a forma escrita, oral, dos números e potencializando a linguagem corporal, artística, fotográfica, cartográfica - articulada a pluralidade de saberes popular. A dinamicidade da produção do conhecimento tem exigido dos sujeitos que fazem a ação acontecer (os educadores) autonomia, criticidade, criatividade, rever posições, capacidade técnica, política e pedagógica com vista a alcançar a intencionalidade de transformação da educação, que perpassa pelos processos metodológicos, estruturas curriculares dinâmicas e abertas às mudanças pedagógicas e sócio-culturais do campo de modo a se contrapor ao modelo linear e disciplinar de currículo que tem imposto uma visão restrita. Essa dinamicidade vem permitindo a experimentação da vivência interdisciplinar entre educadores de diferentes disciplinas em cada Tempo Escola, as quais são antecedidas pelo 8

planejamento coletivo desenvolvido em cada período que envolve tempo escola e tempo comunidade. A interdisciplinaridade no dizer de Fazenda é: [...] interação existente entre duas ou mais disciplinas. Essa interação pode ir da simples comunicação de idéias a integração mútua dos conceitos diretores da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização referentes ao ensino e à pesquisa [...] (1992, p 27).

Nessa perspectiva, observa-se que tanto na ação formativa que envolve tempo escola e tempo comunidade, os elementos que orientam a formação do educando (a)-educador (a) propõem: a) articulação entre educação e desenvolvimento com vistas à construção do projeto de desenvolvimento sustentável e solidário que se contrapõe ao modelo existente. b) reflexão sobre a realidade sócio-política, possibilitando construir alternativas de transformação; c) a prática se faz e se refaz no cotidiano, posto que o (a) educador (a) nunca está definitivamente formado, diante do inacabamento dos seres humanos, por isso estamos sempre em processo de formação; c) o espaço educativo (sala de aula) é um espaço de aprendizagem e pesquisa, onde os sujeitos – educador (a) e educando(a) – ensinam e aprendem; d) a construção do trabalho coletivo é mais do que trabalhar junto, é mediatizar as várias visões, contradições e conflitos dos diferentes sujeitos com vistas à construção de algo novo que atenda aos desejos de mudança dos assentados. Desse modo, a articulação teoria-prática do Curso Magistério da Terra na Transamazônica está fundamentada na proposição de Freire sobre ação-reflexão-ação, já discutida anteriormente, embora ainda com lacunas. Na ação formativa de educadores (as)-educandos (as), os conceitos teoria-prática e diálogo são utilizados como princípios fundamentais para o desenvolvimento do processo metodológico da ação-reflexão-ação. Nesse sentido, teoria e prática mediatizados pelo diálogo são elementos constitutivos da relação pedagógica. Em Freire, ação-reflexão-ação inexiste sem dialogicidade, a qual implica em participação do sujeito histórico, que por sua vez implica em tomada coletiva de decisão para a transformação da realidade em que está inserido, pois a práxis, porém é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo (1987, p.38). 9

Na ação formativa (tempo escola e tempo comunidade) a articulação que se efetiva perpassa pela construção do projeto político-pedagógico das escolas oficiais dos assentamentos, onde estão sendo vivenciadas três fases: levantamento da realidade da escola; problematização da gestão escolar, do currículo e das práticas dos professores; momentos de socialização e reflexão com vistas à instrumentalização dos educadores (as)-Educandos (as) para o domínio desse processo e sua importância. O registro da ação realizada e sua socialização no coletivo de educadores em formação é o ponto central para a reflexão sobre o agir. A busca pela compreensão, pelos educandos (as) educadores (as), da importância do projeto político-pedagógico da instituição escolar, está pautada na visão de campo e de educação do campo, defendido por CALDART (2005 p 10): A Educação do Campo nasceu colada ao trabalho e à cultura do campo. E não pode perder isso em seu projeto [...]. O trabalho forma/produz o ser humano: a Educação do Campo precisa recuperar toda uma tradição pedagógica de valorização do trabalho como princípio educativo, de compreensão do vínculo entre educação e produção, e de discussão sobre as diferentes dimensões e métodos de formação do trabalhador, de educação profissional, cotejando todo este acúmulo de teorias e de práticas com a experiência específica de trabalho e de educação dos camponeses.

Portanto, é na perspectiva do diálogo enquanto troca de conhecimento com os sujeitos envolvidos na ação é que estamos a discutir criticamente as nuances das práticas educativas, partindo de registros de situações concretas vivenciadas em processo de formação permanente de educadores do Curso, onde o diálogo está proposto como base da relação pedagógica, da interação entre educador-educando-conhecimento. Discutimos diálogo na perspectiva freireana, que está ligado à idéia de transformação, pois [...] o que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese (seja em torno de um conhecimento científico e técnico, seja de um conhecimento experimental´), é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível relação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la [...]. [...] É preciso que discuta o significado deste achado científico; a dimensão histórica do saber, sua inserção no tempo, sua instrumentalidade. E tudo isso é tema de indagação, de diálogo. [...] O diálogo problematizador não depende do conteúdo que vai ser problematizado. Tudo pode ser problematizado[...] (FREIRE, 1975, p. 52-53).

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A melhor forma de captar a articulação teoria-prática em sua relação com a dialogicidade é analisar os relatos dos educadores a partir de situações cotidianas, escritas por eles a partir de suas vivências. Para “mostrar” essa articulação no movimento do fazer e refazer, precisamos ouvir as falas de educadores (as)-educandos (as), tarefa essa que depende da conclusão do processo de pesquisa que está planejada para o próximo mês, uma vez que os documentos analisados (PPP, relatórios do Curso e dos educadores) não dão conta dessa dimensão. Nesse sentido, a pesquisa em curso visa aprofundar a análise acerca da articulação entre os conteúdos escolares e os saberes locais contextualizados no plano regional e global de modo que possibilitem a inter-relação entre os múltiplos aspectos que configuram a diversidade do campo: econômicos, políticos, sociais, culturais, de gênero, geração e etnia, visto que a pesquisa encontra-se em andamento.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Um trabalho que pretenda olhar práticas educativas em que se propõem a mudança, principalmente porque se encontra em plena construção/desenvolvimento, não comporta conclusões definitivas e sim sínteses provisórias, o que deve gerar novos questionamentos e necessidade de novos aprofundamentos. Por isso, este texto aponta apenas sínteses provisórias, pelo próprio princípio que orienta o olhar dessas práticas. Para nós a ação formativa tem oportunizado aos sujeitos envolvidos – coordenadores, formadores, educadores, educandos e movimentos sociais do campo - trabalhar na perspectiva de codificar/descodificar a realidade para anunciar um novo olhar propiciando um novo fazer. A dinamicidade do Curso Magistério da Terra se encontra no leito de origem que o antecedeu: as mobilizações dos sujeitos do campo em prol de uma educação do e no Campo, que culminaram com a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), o qual viabilizou a implementação do Programa Educação Cidadã na Transamazônica que já propiciou o acesso a educação a mais de 20 mil jovens e adultos no Estado do Pará, onde um dos projetos em desenvolvimento é o curso em estudo. Nesse sentido, acreditamos estar oportunizando a formação de professores, aqui entendidos como educandos (as)-educadores (as) do campo, a partir de uma nova visão de educação que comporta a abordagem de um novo currículo e novas metodologias, pautadas na realidade do campo e no interesse dos sujeitos. 11

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Márcia Regina et al (Orgs). A educação na Reforma Agrária em perspectiva: uma avaliação do PRONERA. São Paulo: Ação Educativa; Brasília: PRONERA, 2004. ARCAFAR/PARÁ. Texto de apoio a Formação de Monitores, 2003 BRASIL. Resolução CEB Nº 2, DE 19 DE ABRIL DE 1999, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível Médio, na modalidade normal, 1999. CALDART, Roseli S. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis: Vozes, 2000. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). Dicionário em construção? Interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2001. UFRN. Grupo de Estudos e Pesquisa Educação e Movimento, 2007 (mimeo). FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 12ª ed., 1983. __________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17ª ed., 1987. __________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3ª ed., 1996. __________. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. __________. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho D Água, 1998. __________. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. __________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. Martins, L. dos S. (s/d) Casa Familiar Rural - CFR - Formação a serviço da vida Com dignidade no campo. Texto cedido pela organização. Projeto Político Pedagógico, Escolarização – GEPERUAZ - Programa Educação Cidadã na Transamazônica, Universidade Federal do Pará, Belém: 2002 Projeto Político Pedagógico, Magistério da Terra – GEPERUAZ - Programa Educação Cidadã na Transamazônica, Universidade Federal do Pará, Belém: 2005

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