Finanças Públicas, Renúncia Fiscal e o ProUni no Governo Lula

August 25, 2017 | Author: Victorio Schmidt Ribeiro | Category: N/A
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Finanças Públicas, Renúncia Fiscal e o ProUni no Governo Lula PUBLIC FINANCES, FISCAL RENOUNCEMENT AND THE PROUNI IN THE LULA GOVERNMENT*

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Resumo O objetivo deste texto é compreender a relação complexa e dinâmica da política pública para o ensino superior no governo Lula, quanto ao Projeto Universidade para Todos (ProUni) e sua articulação com a operação da política fiscal e os mecanismos de renúncia tributária. Esse programa de concessão de bolsas de estudo para estudantes de instituições privadas de ensino superior em troca de renúncia fiscal surge acompanhado da retórica de justiça social e de inclusão das camadas sociais menos favorecidas. Porém, tal discurso encobre interesses do segmento privado relacionado ao alto grau de vagas ociosas, assim como é coerente com a lógica atual de controle das finanças públicas. Seu principal impacto é a redução potencial da receita tributária, cujo valor dependerá do nível de adesão e do tipo de instituição que participar do programa. Há dúvidas, todavia, quanto à capacidade de conferir acesso ao ensino de qualidade à população de baixa renda. Palavras-chave FINANÇAS PÚBLICAS – RENÚNCIA FISCAL – PROUNI – ENSINO SUPERIOR – BOLSA DE ESTUDOS. Abstract The main purpose of this paper is to comprehend the complex and dynamic relation of Lula’s government higher education public policy, named Projeto Universidade para Todos (ProUni, or University for All Project) and its connection with fiscal policy and mechanisms of tributary renouncement. Social justice and poor people inclusion are the main rhetoric of this policy, addressed to higher education private institutions students, which exchange scholarship for fiscal renouncement. In spite of this rhetoric, this speech hides private institutions interests, related to the existence of vacancies in excess, and is coherent with the recent logic of fiscal policy administration. Its main impact is the reduction of potential fiscal receipt, which magnitude will depend on adherence level and the kind of participant institution. Notwithstanding, many doubts remain about the program’s capability to confer access to low-level income population to good education. Keywords PUBLIC FINANCE – FISCAL RENOUNCEMENT – PROUNI – HIGHER EDUCATION – SCHOLARSHIP. *1 Este

artigo é uma versão modificada e atualizada de trabalho apresentado no seminário “Dois anos de educação superior no governo Lula”, promovido pelo Laboratório de Estudos das Universidades (LEU), em 10/dez./04, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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CRISTINA HELENA ALMEIDA DE CARVALHO Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) [email protected]

FRANCISCO LUIZ CAZEIRO LOPREATO Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) [email protected]

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INTRODUÇÃO

O

objetivo deste texto é compreender a relação complexa e dinâmica da política pública para o ensino superior no governo Lula, no que tange ao ProUni1 e à sua articulação com o modo de operar a política fiscal e os mecanismos de renúncia tributária. Esse programa de concessão de bolsas de estudos integrais e parciais para estudantes de instituições privadas de ensino superior, em troca de renúncia fiscal, surge acompanhado pela retórica de justiça social e de inclusão das camadas sociais menos favorecidas, cujo principal indicador é o baixo percentual de alunos com idade entre 18 e 24 anos freqüentando o ensino superior. Mas, na verdade, tal discurso encobre a pressão das associações representativas dos interesses do segmento privado, justificada pelo alto grau de vagas ociosas. É importante entender como o programa se insere no ambiente macroeconômico mais amplo e nas mudanças ocorridas na forma de operação da política fiscal. Vale ressaltar que a fixação de determinado valor para o superávit primário restringe os espaços de financiamento das políticas públicas no orçamento fiscal. Além disso, a intenção do texto é examinar a evolução do corpo legislativo do programa, em outras palavras, percorrer o caminho a partir do projeto de lei, passando pela medida provisória n.º 213, de 10/set./04, até a lei n.º 11.096, de 13/jan./05. Por fim, pretende-se dimensionar o provável impacto institucional diferenciado da renúncia fiscal, com vistas a captar as principais motivações da ação governamental e o grau de adesão dos atores sociais. Esse processo político2 encontra-se em movimento, o que torna a análise ao mesmo tempo atraente e complexa, ainda mais levando-se em conta que a formulação3 e a implementação4 do programa estão acontecendo simultaneamente. O presente artigo está estruturado em quatro seções, além de introdução e conclusão. Na primeira parte, objetiva-se entender o ProUni no contexto da nova lógica das finanças públicas. Em seguida, o texto procura comparar as principais alterações na formulação do ProUni, do projeto de lei, da medida provisória até a peça legislativa. Na terceira parte, desenvolve-se um breve histórico dos mecanismos da renúncia fiscal direcionado aos estabelecimentos privados de educação superior. E na 1 Apesar

do título do programa referir-se ao termo universidade no sentido lato, o ProUni, na verdade, destina-se a qualquer tipo de instituição do sistema de ensino superior privado. 2 O processo político define-se, entre intenções e ações, como o processo contínuo de reflexão para dentro e ação para fora. Ele será analisado em duas dimensões concretas do “Estado em ação”: a formulação e a implementação (VIANA, 1988). 3 O projeto ou formulação da política pública seria definido no espaço político, concebido como um processo extra-racional de trocas e indeterminações, conflito e poder (ibid.). 4 A implementação é demarcada pelo espaço administrativo, compreendido como um processo racionalizado de procedimentos e rotinas (ibid.).

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quarta, a intenção é dimensionar o impacto diferenciado da implementação do ProUni nas instituições de ensino superior privadas e os possíveis resultados dessa intervenção governamental nas finanças estatais. O PROUNI E A NOVA LÓGICA DAS FINANÇAS PÚBLICAS A discussão exige retroceder um pouco no tempo para entender as alterações ocorridas na gestão da política fiscal, a partir dos anos 90, e as dificuldades em ampliar os gastos públicos. Na visão convencional, o indicador basilar da situação fiscal era o déficit público. Os programas de ajustamento atribuíam-lhe a responsabilidade por vários problemas, com destaque para a inflação, o saldo negativo no balanço comercial, o aumento da taxa de juros e a redução dos investimentos, o que, por sua vez, provocava, a longo prazo, menor nível de desenvolvimento do País. O controle do déficit público ocupava lugar central na política macroeconômica e o equacionamento do saldo negativo da balança comercial, das altas taxas de juros e da inflação era visto como dependente do sucesso do programa de ajuste fiscal. Não é por outra razão que os organismos multilaterais sempre defendiam o corte no déficit público como medida inicial da política de ajustamento. A questão alterou-se, no entanto, com a abertura dos mercados financeiros, o crescente fluxo de investimentos e a volatilidade dos capitais presentes nos anos 90. A ampla mobilidade do capital levou a corrente econômica dominante a dar outro rumo à avaliação da política fiscal e a exigir esforço fiscal adicional, por parte dos países em desenvolvimento, para se credenciar como candidatos a receptores dos novos fluxos de capitais. A questão fiscal ganhou lugar central no arranjo da política macroeconômica, sobretudo diante do papel da dívida pública como um dos ativos usados na valorização do capital financeiro e do risco de eventuais problemas fiscais gerar turbulências e afetar a rentabilidade esperada das inversões financeiras. A análise nesse novo arcabouço teórico concentrou-se nas condições prospectivas das fi-

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nanças públicas e exigiu a construção de indicadores capazes de superar as limitações daqueles tradicionalmente usados na avaliação do quadro fiscal. O resultado fiscal convencional – conhecido como Necessidade de Financiamento do Setor Público –, apoiado no controle do déficit público, deixou de ser a referência principal e a sustentabilidade da dívida tornou-se o novo indicador básico. O indicador de sustentabilidade da dívida permitiu incorporar o problema da avaliação do comportamento esperado das finanças públicas em cenários prováveis. A partir do momento em que essa idéia tornou-se dominante, deixou de ser suficiente o País demonstrar que goza de boa situação fiscal. É preciso que o mercado acredite que, no cenário esperado para um determinado tempo no futuro, não haverá risco de calote na dívida. Em outras palavras, os investidores precisam ter confiança em que a dívida seja sustentável, considerando-se o comportamento futuro esperado das variáveis câmbio, juros e Produto Interno Bruto (PIB), que influenciam a relação dívida/PIB.5 Se o país apresentar um valor elevado de dívida em relação ao PIB – como no caso brasileiro –, será necessário aumentar o superávit primário,6 isto é, o montante da poupança fiscal usado no pagamento dos juros, para reduzir o estoque da dívida ou, ao menos, evitar o seu crescimento. Essa interpretação da política fiscal foi definitivamente implantada no Brasil após o acordo com o FMI em 1998. O órgão passou a exigir do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso um superávit primário capaz de assegurar a sustentabilidade da dívida, quaisquer que fossem a taxa de câmbio e a de juros incidentes sobre o estoque da dívida pública. A existência de taxa de juros reais elevadas e a instabilidade cambial, ao lado da medíocre evolução do PIB, não deixaram 5 O conceito de dívida líquida engloba o total da dívida interna e externa federal, estadual e municipal reduzida dos haveres dos três níveis de governo. 6 O superávit primário é calculado pelo total da receita tributária reduzida dos gastos do governo, excluindo-se o valor dos juros.

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alternativa senão promover constantes aumentos do superávit primário. A elevação do superávit primário deu-se por meio de duas medidas. Primeiramente, com o aumento da carga tributária, que passou de 30% do PIB, em 1998, para mais de 35%, em 2003.7 Em segundo lugar, ocorreram importantes cortes nos gastos públicos. A adoção da âncora fiscal levou a que se definisse, a priori, como despesa obrigatória, o valor do superávit primário na peça orçamentária, reduzindo sensivelmente o montante de recursos disponíveis para outros gastos. O superávit primário é estabelecido previamente e o valor dos gastos se ajusta ao comportamento da receita orçamentária. Isso implica, invariavelmente, a realização de cortes de despesas, sobretudo no que é denominado Orçamento de Custeio e Capital (OCC). Explicam-se, assim, o arrocho salarial, o corte das verbas de custeio com saúde, educação e outros, bem como a redução dos gastos com investimentos.8 Pode-se dizer que os investimentos públicos funcionaram como variável de ajuste. Não é de surpreender que eles sejam os mais baixos da história recente do País e, especialmente após o processo de privatizações das empresas estatais, perderam o papel que tinham como articuladores das condições de crescimento. É possível, então, entender a lei n.º 11.079, de 30/dez./04, que instituiu a Parceria PúblicoPrivada (PPP). A dependência do governo em relação aos investimentos em infra-estrutura (obras e operação de portos, ferrovias e estradas) a serem realizados pelas parcerias abre amplo leque de questões, entre elas, quais serão os setores beneficiados e os recursos envolvidos, se elas devem ou não ter precedência sobre outros empreendimentos pelo setor público e o possível comprometimento futuro das finanças governamentais. No âmbito das discussões em torno da reforma do ensino superior do governo Lula, no meio acadêmico o ProUni vem sendo associado às PPPs. O ProUni, strictu senso, não é uma PPP, nos moldes em que esta foi institucionalizada. 7 Dados retirados do site da Receita Federal: . 8 Cf. LOPREATO, 2004 e 2005.

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Em termos gerais, a idéia de parceira entre o setor público e o privado pode abranger um vasto campo de interação, inclusive no interior do sistema educacional. No entanto, é importante salientar que o programa não atende as condições mínimas definidas para tanto: a que se destina, a exigência de licitação, a constituição de sociedade com propósito específico, a garantia de rentabilidade, a segurança de recebimento etc. De qualquer modo, o ProUni pode ser visto como a alternativa de que o governo se valeu para aumentar o número de vagas no ensino superior, sem ampliar diretamente o volume de gastos federais. Essa lógica atende à política de controle de gastos públicos e aos objetivos de sustentabilidade da dívida. PROUNI: PROJETO DE LEI, MEDIDA PROVISÓRIA E LEI

A seguir, o artigo focaliza a formulação do ProUni entre abril de 2004 e janeiro de 2005, a fim de extrair alguns elementos para a compreensão do jogo de interesses tanto no Poder Legislativo como no Executivo. A intenção é traçar um paralelo entre os três documentos – projeto de lei (PL), medida provisória (MP) e lei – para entender o processo dinâmico de formulação da política pública sob o qual o jogo político se materializa. Entre a formulação do PL e a adoção de MP com força de lei, transcorreu-se um lapso temporal de apenas cinco meses, e mais quatro até a lei. No entanto, é possível perceber mudanças significativas nos três documentos. Em primeiro lugar, no PL somente seriam concedidas bolsas integrais para alunos cuja renda per capita não ultrapassasse um salário mínimo. Na MP, além do aumento no limite de renda para um salário mínimo e meio, passou a vigorar a concessão, também, de bolsas parciais de 50% para alunos com renda per capita que não ultrapassasse três salários mínimos. Com base na lei, foram estabelecidas ainda bolsas de estudos parciais de 25% para os bolsistas com as mesmas condições sociais daqueles com direito à metade de gratuidade. A possibilidade de bolsas parciais permite aos estabelecimentos particulares maior

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flexibilidade para compor a receita comprometida com o programa. Em segundo lugar, no PL a bolsa de estudos seria destinada apenas aos estudantes que cursaram o ensino médio completo em escola da rede pública e a professores da rede pública de educação básica. Na MP, o público-alvo do ProUni é mais amplo: abrange também egressos das instituições privadas na condição de bolsista integral e estudantes portadores de necessidades especiais. Quanto aos professores da rede pública, o texto da MP é mais específico, pois se destina aos cursos de licenciatura e pedagogia, e independe da condição social. Na lei, sofre uma alteração semântica, quando se refere a portadores de deficiência, e acresce para professores da rede pública, que teriam direito à bolsa, o curso normal superior.9 Nesse ponto, importa ressaltar que o público-alvo destina-se aos alunos carentes, inclusive estabelecendo de forma obrigatória que parte das bolsas deverá direcionar-se a ações afirmativas (portadores de deficiência e autodeclarados negros e indígenas). A formação de professores de ensino básico da rede pública também consta como prioridade do programa. A intenção é melhorar a qualificação do magistério, com possíveis impactos positivos na qualidade e no aprendizado dos alunos da educação básica. Em terceiro lugar, no PL a seleção dos candidatos ao ProUni restringia-se ao desempenho e perfil socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), sendo que o documento afirmava, até mesmo, a dispensa de processo seletivo específico. Já na MP (confirmada pela lei), passa a existir ainda um segundo processo seletivo, com critérios a serem determinados pela instituição de ensino superior, ao passo que o resultado do ENEM torna-se apenas uma pré-seleção. O documento final parece conferir aos estabelecimentos particulares maior autonomia para selecionar seus estudantes bolsistas. 9

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei n.º 9.394, de 20/dez./96, em seus artigos 62 e 63, os professores da rede pública que atuam na educação básica devem ter concluído os cursos de pedagogia, normal superior ou licenciatura. Dessa forma, a lei aperfeiçoa os documentos anteriores e é coerente com o estabelecido na legislação superior.

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Em quarto lugar, no PL institui-se a proporção de uma bolsa integral para cada nove alunos regularmente matriculados, independentemente de a instituição ter ou não finalidade lucrativa. Para as entidades beneficentes de assistência social é fixada a proporção de uma bolsa integral para cada quatro alunos pagantes. Na MP, ainda existe a alternativa para aquelas sem fins lucrativos e não filantrópicas: a proporção de uma bolsa para cada dezenove pagantes e, adicionalmente, bolsas parciais de 50%, até o equivalente a 10% de receita anual efetivamente recebida. Para as beneficentes, a MP determinou que a proporção será de um bolsista integral para cada nove pagantes e até, no mínimo, o equivalente a 20% de sua receita bruta composta por bolsas parciais de 50% e programas de assistência social. Com a promulgação da lei, estabeleceu-se que, durante a vigência de 2005, as regras serão idênticas àquelas definidas na MP, para os estabelecimentos com ou sem fins lucrativos não beneficentes, com exceção da inclusão da alternativa para os privados lucrativos de conceder bolsas parciais que englobem 10% da receita auferida. Entretanto, a partir de 2006, o documento é bastante generoso para ambos: amplia a relação de estudantes pagantes por bolsas concedidas e reduz o comprometimento da receita bruta com os benefícios. Para aqueles com ou sem fins lucrativos e não filantrópicos, a concessão de uma bolsa integral para cada 10,7 alunos pagantes ou, de forma alternativa, uma bolsa integral para cada 22 pagantes, com quantidades adicionais de bolsas parciais (50% e 25%), até atingir 8,5% da receita bruta.10 No caso das entidades beneficentes, o documento manteve as mesmas regras de proporcionalidade de bolsas e o comprometimento da 10 A medida provisória n.º 213/04 do ProUni teve o texto alterado por

proposta dos deputados do PFL, com apoio do PSDB e por pressão dos atores políticos representantes das instituições privadas no Congresso Nacional. No texto modificado pela Câmara Federal, aquelas com ou sem fins lucrativos teriam de destinar 7% de vagas para o programa. O ministro da Educação, Tarso Genro, afirmou ter sido decisiva nesse processo a participação do reitor da Universidade Paulista (Unip). Cf., a esse respeito, GOVERNO..., 2004. Observa-se que a redação final do documento refletiu o jogo político, no qual o MEC teve de ceder e acomodar os interesses privados, e os atores não foram plenamente atendidos.

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receita bruta. Houve uma alteração quanto à renda familiar per capita: enquanto na MP a bolsa integral seria concedida a alunos com até três salários mínimos, na lei prevalecem as mesmas faixas de renda para bolsa integral e parcial (50% e 25%) das demais instituições de ensino superior. Em quinto lugar, o critério de desempenho institucional balizado pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) foi afrouxado. No PL, previa-se a desvinculação da instituição que apresentasse resultado insatisfatório por dois anos consecutivos ou três intercalados, no período de cinco anos. Na MP e com a ratificação da lei, desvincula-se o curso mal avaliado por três avaliações consecutivas, cujas bolsas passam a ser redistribuídas pelos demais cursos da mesma escola. Em sexto lugar, houve uma alteração significativa nos documentos quanto à relação entre o ProUni e o Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Enquanto, no PL, estaria vedado o credenciamento de instituições no FIES que não aderissem ao Programa, na MP ratificada pela lei, a redação foi atenuada ao estabelecer a prioridade na distribuição dos recursos disponíveis no financiamento estudantil às participantes do programa. Por último, caberia comentar que o PL fixava uma multa de, no máximo, 1% do faturamento anual do exercício anterior à data da infração para a instituição de ensino superior particular que descumprisse as regras do ProUni. Já na MP e na lei, deixa de constar qualquer sanção pecuniária para o desrespeito às regras do programa. As alterações no texto legal parecem conduzir à flexibilização de requisitos e sanções e à redução da contrapartida das instituições particulares. Tais evidências sugerem que, durante a tramitação no Congresso Nacional, houve atuação efetiva dos atores sociais representados pelas associações de interesses do ensino superior particular, entre elas, Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu), Associação Nacional de Faculdades e Institutos Superiores (ANAFI) e Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior do

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Estado de São Paulo (SEMESP). Após as modificações introduzidas pela MP, esses atores manifestaram-se, publicamente, na forma de adesão antecipada. Nos últimos meses, matérias pagas vêm sendo veiculadas nos principais jornais de circulação do País, em apoio ao programa. Nos debates no âmbito do Projeto de Reforma do Ensino Superior, os representantes dos interesses privados têm enaltecido a importância do ProUni, sob o argumento da democratização do ensino. No entanto, a partir da publicação da MP, algumas filantrópicas começaram a declarar nos meios de comunicação que estariam dispostas a deixar o status de entidades de assistência social para tornarem-se instituições com fins lucrativos. A atitude, apesar de parecer estranha, tem lógica e, para entendê-la, é preciso levar em conta duas questões. Primeiramente, como será tratado adiante, o interesse em participar do programa é diverso, pois a isenção dos tributos federais é a mesma para instituições já isentas ou imunes a alguns deles. Em segundo lugar, as regras de composição de bolsas por categoria institucional são bastante diferenciadas, como se procurará mostrar a seguir. Nas instituições lucrativas e sem fins lucrativos e não beneficentes, as regras mostram-se bem mais flexíveis. A barganha dá-se por meio da escolha de bolsas integrais e/ou parciais, por meio de duas opções de adesão: uma com base na concessão de bolsas integrais e outra envolvendo a redução significativa das bolsas integrais e a receita bruta como parâmetro para a concessão de bolsas parciais (50% e 25%). A adesão ao ProUni é voluntária. Já para as entidades beneficentes de assistência social, as regras revelam-se bem mais rigorosas. A adesão ao ProUni e a concessão de bolsas integrais são obrigatórias. As demais modalidades de gratuidade (bolsas parciais e programas de assistência social) podem ser usadas para compor o total de 20% da receita bruta. O percentual é o requisito mínimo que caracteriza a natureza jurídica desse tipo de instituição. O maior grau de exigência previsto no programa para essas entidades permite entender a razão da atratividade que

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existe na transformação das beneficentes de assistência social em privadas lucrativas. Estas têm direito à significativa renúncia fiscal, em troca de parcela reduzida de bolsas de estudos. Vale ressaltar, no entanto, que as entidades de assistência social que perderam tal status por não cumprir o percentual mínimo de gratuidade exigido poderão, com a adesão ao ProUni, solicitar a revisão dos processos e o restabelecimento do certificado do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), requerendo, posteriormente, ao Ministério da Previdência Social o retorno da isenção das contribuições. Como último ponto, destaca-se que a MP determinava como competência exclusiva da fiscalização do programa o Ministério da Educação (MEC). Este não dispõe de quadro técnico especializado em fiscalização, o que dificulta o controle das regras de concessão de bolsas e contábil/fiscal. Tal medida desautorizaria e impediria o trabalho desenvolvido, nos últimos anos, de combate à sonegação fiscal do Ministério de Estado da Previdência Social e da Receita Federal. Os dois órgãos federais manifestaram-se, na imprensa, em algumas ocasiões, alertando o perigo de tal iniciativa. Com a promulgação da lei, a redação foi alterada para constar que o MEC será responsável por verificar e informar aos demais órgãos competentes a situação de cada entidade quanto ao cumprimento das exigências do ProUni. O texto legal passou a explicitar que esse órgão não terá ingerência sobre a fiscalização da Secretaria da Receita Federal e do Ministério da Previdência Social. BREVE HISTÓRICO DA RENÚNCIA FISCAL A partir do final dos anos 60, o governo militar valeu-se intensamente da política de incentivos e isenções fiscais como forma de apoiar a atuação privada no projeto de desenvolvimento nacional, beneficiando ampla gama de setores em diferentes áreas. Em relação ao ensino superior, o mecanismo de renúncia fiscal tornou-se fator central no financiamento do segmento privado.11 A lei n.º 5.172, de 25/out./66, que instituiu o Código Tributário Nacional, em concordância com 11 Cf., a esse respeito, CARVALHO, 2002.

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a Constituição Federal de 1967, determinava a não incidência de impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços dos estabelecimentos de ensino de qualquer natureza. Em outras palavras, as organizações privadas de ensino superior gozaram do privilégio, desde a sua criação, de imunidade fiscal, não recolhendo aos cofres públicos a receita tributária devida. O instrumento mostrou-se fundamental para o crescimento intensivo dessas estruturas na prosperidade econômica, garantindo, especialmente, a continuidade da atividade da empresa educacional no período de crise, por meio da redução do impacto sobre custos e despesas inerentes à prestação de serviços. Apesar de existirem requisitos restritivos para as entidades educacionais terem acesso à imunidade fiscal, na prática grande parte delas no ensino superior usufruiu e vem usufruindo desse benefício. A instituição de ensino ou mantenedora, na forma de associação civil ou fundação, tida como sem fins lucrativos, poderia receber por seus produtos e serviços, devendo, porém, reinvestir o superávit na manutenção e na expansão das atividades educacionais. As entidades de ensino superior consideradas sem fins lucrativos são imunes ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)12 e ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS),13 ambos de competência do poder municipal, além do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IRPJ)14 e do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR),15 no caso dos imóveis localizados em zonas rurais, ambos de competência da União. 12 É de competência do poder público municipal a cobrança do IPTU. A base do tributo é o valor venal do imóvel e as alíquotas variam para cada governo local. O reconhecimento da imunidade deve ser requerido para cada imóvel de propriedade da instituição de ensino, sendo o benefício concedido apenas aos imóveis utilizados na atividade educacional. 13 É de competência dos municípios a cobrança de ISS. O fato gerador é a prestação por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço, cuja alíquota varia, de acordo com o município, de 1% a 5%, no caso de estabelecimento de ensino. 14 É de competência da União a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, cuja incidência é de 0,02% sobre o valor fundiário. A imunidade tributária das instituições de ensino se aplica às escolas agrícolas e que mantêm unidades de ensino em zonas rurais. 15 É de competência da União a cobrança do Imposto sobre a Renda como produto do capital e/ou do trabalho, bem como dos acréscimos patrimoniais.

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Algumas instituições ainda poderiam ser classificadas como de utilidade pública federal.16 É necessário o registro no Conselho Nacional de Serviço Social como entidade filantrópica, para gozar, além da imunidade tributária, a isenção da cota patronal da previdência social. Entre 1977 e 1988, a lei foi revogada e as instituições filantrópicas perderam o benefício.17 A partir da Constituição Federal de 1988 e da lei n.º 8.212, de 14/jul./91 – Lei da Seguridade Social –, a entidade beneficente de assistência social faz jus, novamente, à isenção das contribuições previdenciárias.18 Os decretos n.ºs 752/93 e 2.535/98 exigiam a destinação de 20% da receita bruta das instituições em gratuidade.19 O Programa de Integração Social (PIS), instituído pela lei complementar n.º 7, de 7/set./70, foi outro tributo federal que teve uma forma diferenciada de cobrança entre as instituições com fins lucrativos, sem fins lucrativos e filantrópicas. A contribuição para o PIS daquelas com fins lucrativos prestadoras de serviços calcula-se, atualmente, sobre o seu faturamento ou receita bruta, de maneira não cumulativa, com alíquota de 1,65%. 16 De acordo com a lei n.º 3.577, de 4/jul./59: “Artigo 1.º: Ficam isentas da taxa de contribuição de previdência aos Institutos e Caixa de Aposentadoria e Pensões as entidades de fins filantrópicos, reconhecidas como de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias não percebam remuneração. Artigo 2.º: As entidades beneficiadas pela isenção instituída pela presente lei ficam obrigadas a recolher aos Institutos, apenas, a parte devida pelos seus empregados, sem prejuízo dos direitos aos mesmos conferidos pela legislação previdenciária” (INPS, 1976, p. 144). Essa lei foi revogada pelo decreto-lei n.º 1.572/77. 17 O decreto-lei n.º 1.572, de 1.º/set./77, revogou a isenção da contribuição previdenciária, porém, manteve a renúncia fiscal para aquelas entidades já beneficiadas e concedeu inclusive prazo para regularizar a situação daquelas com o processo de isenção em trâmite. O texto legal encontra-se no site . 18 “Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os art. 22 e 23 dessa Lei a entidade beneficente de assistência social, que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I. seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; II. seja portadora do Certificado ou do Registro de Entidades de Fins Filantrópicos, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, renovados a cada 3 (três) anos; III.promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes; IV. não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título; V. aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente ao Conselho Nacional de Seguridade Social relatórios circunstanciando de suas atividades” (lei n.º 8.212, de 14/jul./91, Lei da Seguridade Social).

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Para as sem fins lucrativos e as filantrópicas, a cobrança do tributo corresponde a 1% sobre a folha de pagamento. A lei n.º 7.689, de 15/dez./88, instituiu a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), destinada ao financiamento da seguridade social. Sua base de cálculo é o valor do resultado do exercício antes da provisão para o imposto de renda e a alíquota atual é de 9%. As entidades sem fins lucrativos e beneficentes são isentas da cobrança do tributo. Por fim, a lei complementar n.˚ 70, de 30/ dez./91, instituiu a Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), voltada exclusivamente às despesas com atividades-fim das áreas de saúde, previdência e assistência social. Ela é, atualmente, de 7,6% e incide, de forma não cumulativa, sobre o faturamento mensal.20 Para as instituições sem fins lucrativos, a alíquota é de 3% e mantém a forma de cálculo da legislação original.21 A isenção da Cofins e do INSS patronal restringe-se às entidades de assistência social. Os impactos microeconômicos da renúncia fiscal repercutem no processo de expansão ao longo das três últimas décadas. A imunidade do IPTU permite à instituição adquirir um maior número de imóveis para alojar mais cursos e alunos, sem ônus tributário sobre as despesas operacionais, servindo inclusive de estímulo à ampliação do ativo imobilizado. A imunidade do ISS e a isenção da Cofins estimulam o aumento de matrículas e, conseqüentemente, o crescimento ace19 A

lei n.º 9.732/98, no art. 4.º, estabelece que: “a isenção das contribuições previdenciárias patronais na proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes, e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial”. Tal legislação provocou reação imediata dos atores sociais vinculados aos interesses dessas organizações e, como resultado de pressões políticas, foi concedida liminar pelo Supremo Tribunal Federal à Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Conferência Nacional de Saúde, Hospitais e Serviços. O resultado beneficiou todas as filantrópicas, que, até o momento, não são obrigadas a conceder bolsas de estudos integrais no montante correspondente à isenção. Cf. DAVIES, 2002. 20 A MP n.º 135, de 30/out./03, em seu art. 1.º, modifica a forma de cálculo da Cofins, nos seguintes termos: “A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins – com a incidência nãocumulativa tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil”. 21 Conforme essa mesma MP: “Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da Cofins, vigentes anteriormente a esta Medida Provisória, não se lhes aplicando as disposições dos art. 1.º a 8.o: (...) IV – as pessoas jurídicas imunes a impostos”.

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lerado da receita operacional bruta, já que não há ônus tributário sobre a ampliação da prestação de serviços. Finalmente, a imunidade do Imposto de Renda (IRPJ) e a isenção da CSLL possibilitam a continuidade da atividade educacional e evidenciam a saúde financeira. O resultado positivo viabiliza o financiamento bancário, o auxílio externo e a obtenção de recursos de agências de fomento. Para a entidade filantrópica, a isenção do INSS possibilita ampliar a contratação de pessoal docente e administrativo. O crescimento da folha de pagamento não gera impacto tributário significativo nos custos operacionais, ao passo que o recolhimento do PIS tem peso muito pequeno sobre a folha salarial. PROUNI E A RENÚNCIA FISCAL Nos anos 90, houve significativa alteração legislativa, estabelecida pelo art. 20 da LDB/96.22 A medida sofreu severas críticas das associações de classe defensoras dos interesses privados: a diferenciação institucional intra-segmento privado. Até então, todas as instituições particulares de ensino usufruíam imunidade tributária sobre a renda, os serviços e o patrimônio. A partir daí, passaram a ser classificadas em privadas lucrativas e sem fins lucrativos (confessionais, comunitárias e filantrópicas). As primeiras deixaram de se beneficiar diretamente de recursos públicos e indiretamente da renúncia fiscal, ao passo que as demais permaneceram imunes ou isentas à incidência tributária. A mudança legislativa tornou possível ampliar a arrecadação da União e dos municípios. No governo Lula, o ProUni surge acompanhado de um discurso de justiça social e de inclusão das camadas sociais menos favorecidas, cujo principal indicador é o baixo percentual de alunos com idade entre 18 e 24 anos freqüentando o en22

“Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias: I. particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo; II. comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade; III. confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior; IV. filantrópicas, na forma da lei” (LDB/96).

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sino superior.23 Mas, na verdade, esse discurso encobre a pressão das associações representativas dos interesses do segmento privado, justificada pelo alto grau de vagas ociosas. A expansão das entidades privadas de ensino superior nos últimos anos resultou na criação de um número excessivo de vagas, que, segundo informações recentes do INEP, é superior ao número de formandos no ensino médio.24 Tal fenômeno mostra uma inversão da tendência verificada anteriormente. A demanda potencial por ensino superior não se restringe ao número de concluintes do ensino médio. Contudo, é muito difícil estimar o número de pleiteantes. No cálculo incluem-se não apenas parte dos recém-formados, como também aqueles que retornam tardiamente aos bancos escolares.25 A situação colocou os estabelecimentos particulares diante de um quadro de incerteza, sobretudo quando considerados individualmente.26 O fato ganha maior relevância, quando se leva em conta o grau de inadimplência/desistência. A queda nos rendimentos reais e o nível elevado de desemprego dificultam a sustentação dos gastos com as mensalidades pelos assalariados. O ProUni surge, assim, como excelente oportunidade de fuga para frente para as instituições ameaçadas pelo peso das vagas excessivas. É possível desenvolver um quadro comparativo simplificado das entidades com fins lucrativos, sem fins lucrativos (confessionais e comunitárias) e filantrópicas, antes e depois da adesão ao ProUni. Discrimina-se a base de cálculo e as alíquotas dos principais tributos federais nas três categorias de estabelecimentos particulares. 23 De acordo com o INEP/MEC, a taxa de escolaridade líquida, entendida como a parcela da população entre 18 e 24 anos de idade que freqüenta o ensino superior, é de 9%. 24 Conforme o Censo da Educação Superior divulgado pelo INEP, em 2003 em torno de 2 milhões de vagas foram oferecidas nos processos seletivos e 1,88 milhões de estudantes concluíram o ensino médio. No entanto, o número de inscritos chegou a cerca de 4,9 milhões. 25 Constam dessa lista desde aqueles que prestam vestibular para um segundo curso de graduação até as diversas inscrições de uma mesma pessoa para cursos ou instituições distintas. 26 Aqueles que demandam ensino superior percebem que a qualidade das instituições privadas é bastante diversificada e que os serviços educacionais oferecidos não são homogêneos. Entidades tradicionais e aquelas cujas estratégias de marketing são mais agressivas terão, provavelmente, menor incerteza quanto ao preenchimento das vagas oferecidas do que as demais.

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Quadro 1. Alíquotas e Base de Cálculo dos Tributos Federais por Categoria de IES. Lucrativa

Tributos

Confessional/ Comunitária Atual ProUni

Atual

ProUni

IRPJ

25% x lucro





CSLL

9% x lucro



COFINS PIS INSS

(patronal)

Filantrópica Atual

ProUni















7,6% x receita



3% x receita







1,65% x receita



1% x folha



1% x folha



20% x folha

20% x folha

20% x folha

20% x folha





Fonte: Legislação federal (elaboração própria).

As mais beneficiadas são aquelas com fins lucrativos, já que ficam isentas, a partir da adesão ao programa, de praticamente todos os tributos que recolhiam. Além disso, a contrapartida em número de bolsas é muito baixa, elas permanecem com o mesmo status institucional e continuam não se submetendo a fiscalização/regulação governamental. Aquelas sem fins lucrativos deixam de recolher a Cofins e o PIS. O impacto sobre a rentabilidade deve ser importante, uma vez que a isenção da Cofins estimula o aumento de matrículas e, conseqüentemente, o crescimento da receita operacional bruta, já que não há ônus tributário sobre a ampliação da prestação de serviços. A isenção do PIS para as confessionais/comunitárias tem impacto muito pequeno sobre a folha salarial. Já as beneficentes apenas são favorecidas com a isenção do PIS, cujo ônus fiscal é pouco representativo. Tal contexto leva a compreender as alegações das filantrópicas em se tornar lucrativas. A troca de imunidade por isenção fiscal por dez anos renováveis por iguais períodos não traz grandes conseqüências. Os tributos municipais podem ser barganhados com os poderes locais e as alíquotas variam muito entre os municípios. O INSS patronal, de acordo com o explicitado na legislação do ProUni, pode ser suavemente parcelado nos cinco primeiros anos. No que tange às finanças públicas, o impacto principal do ProUni é a redução potencial da receita tributária. O valor da renúncia fiscal dependerá do nível de adesão e do tipo de instituição que vier a participar do programa. Por um lado, as

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lucrativas – que representam, de acordo com os dados do INEP, em 2002, cerca de 22% das particulares e 52% das matrículas – tendem a aderir em maior número. Por outro, se parte significativa das filantrópicas deixar o status de entidade de assistência social, poderá haver um aumento da arrecadação previdenciária. Por essa razão, não dá para precisar o valor da renúncia fiscal, mas pode-se afirmar que o montante não será desprezível. Isso coloca, desde logo, uma questão que precisa ser debatida: esses recursos não poderiam ser aplicados, com maior proveito, em instituições públicas? A questão soa ingênua aos olhos dos que defendem o modelo atual. Afinal, não se cogita em contrariar a atual lógica de ação do setor público e, além do mais, o programa atende os interesses do setor privado em evitar a possível (inevitável?) queima de capital no setor. CONCLUSÃO A expansão acelerada, nas três últimas décadas, de matrículas na iniciativa privada, exacerbada no final dos anos 90, tem encontrado limites estruturais no poder aquisitivo de sua clientela. Ainda mais quando se considera o baixo crescimento econômico brasileiro e suas conseqüências mais perversas: o desemprego e a queda na renda real. Tal conclusão fica evidente, quando se observa o percentual de vagas não preenchidas pelo vestibular nessas instituições.27 Enquanto, em 27 Vale ressaltar que esse indicador carece de confiabilidade, uma vez que as escolas particulares tendem a ampliar o número de vagas potenciais a cada processo seletivo. Entretanto, estas permitem dimensionar, de forma aproximada, a capacidade instalada e suas condições de rentabilidade e solvência.

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1998, a proporção já era de 20%, em 2002, as vagas não preenchidas giraram em torno de 36%. A situação é mais crítica no Estado de São Paulo, que apresenta a maior rede privada, com 84,5% das matrículas, 92% das vagas oferecidas e 44% não preenchidas. Entre 1998 e 2002, a relação candidato/vaga saltou de 11,4 para 23,2 nas instituições federais paulistas, e de 14,4 para 20,0 nas estaduais paulistas, ao passo que nas particulares houve redução de 1,9 para 1,5.28 Assim, é possível afirmar que a política pública que privilegia a democratização pela via privada não encontra como principal entrave a oferta insuficiente de vagas, mas a natureza dessas vagas e/ou a capacidade dos candidatos de ocupálas.29 A extinção da gratuidade na rede pública estadual e federal, que recorrentemente volta à baila, apenas tende a agravar o problema dos excedentes às avessas. Em outras palavras, a questão não é a ausência de vagas para entrada no ensino superior, e sim a escassez de vagas públicas e gratuitas, já que a relação candidato/vaga nessas instituições tem aumentado significativamente nos últimos anos. O programa de financiamento estudantil (fies) deixa de ser uma alternativa viável aos alunos de baixa renda, diante da defasagem entre a taxa de juros do empréstimo e a de crescimento da renda do recém-formado, combinada ao aumento do desemprego na população com diploma de terceiro grau. Vale salientar que o governo federal já estuda a possibilidade de perdoar parte das dívidas decorrentes da inadimplência dos contratos de financiamento já vencidos. O diagnóstico do aumento de vagas ociosas – no segmento privado –, associado à procura por ensino superior das camadas de baixa renda, fundamentou a proposta do MEC de estatização de vagas nas instituições particulares, em troca da renúncia fiscal. Este trabalho sugere que, na verdade, o ProUni deve operar, à semelhança do Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema 28 Esses dados foram retirados de estudo sobre o panorama da gradua-

ção e da pós-graduação no Brasil e no Estado de São Paulo de 1998 a 2002. Cf. LANDI, 2005. 29 Cf. CORBUCCI, 2002.

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Financeiro Nacional (PROER) para o sistema bancário,30 em benefício da recuperação financeira das instituições particulares endividadas e com alto grau de desistência e inadimplência. As mais beneficiadas parecem ser as lucrativas, que não apenas se submetem às regras mais flexíveis, como também obtêm maior ganho relativo em renúncia fiscal, em troca de um número pequeno de bolsas de estudos. As modificações no texto legal do programa demonstram o afrouxamento do aparato regulatório estatal, em razão da inexistência de sanções mais severas pelo descumprimento das regras estabelecidas e do lapso temporal para avaliação dos cursos, estimulando comportamentos oportunistas de instituições de qualidade duvidosa. Além disso, autorizam o incremento de vagas, proporcionais às bolsas integrais oferecidas por curso e turno, às entidades de ensino superior privadas que não gozam de autonomia. Também quanto ao caráter social, há dúvidas sobre a sua efetividade, uma vez que as camadas de baixa renda não necessitam apenas de gratuidade integral ou parcial para estudar, e sim de condições que apenas as instituições públicas ainda podem oferecer, como transporte, moradia estudantil, alimentação subsidiada, assistência médica disponível nos hospitais universitários e bolsas de pesquisa, entre outras. Por fim, caberia questionar, diante do quadro aqui exposto, por que não utilizar os recursos destinados ao ProUni para aumentar as vagas nas universidades/instituições públicas? Na lógica da sustentabilidade da dívida, o objetivo de assegurar elevados superávits primários requer a redução de gastos correntes e de investimento, o que é contraditório com o aumento da oferta pela via pública, pois exige o crescimento da capacidade instalada – novos prédios e estabelecimentos – e a contratação de professores e funcionários técnico-administrativos. Ao mesmo tempo que a re30 O principal objetivo atribuído ao PROER, instituído pela MP n.º 1.179, de 4/nov./95, foi prestar socorro financeiro aos bancos privados para evitar uma crise de confiança no sistema bancário, com conseqüências sobre o conjunto da sociedade. O problema no segmento privado de ensino superior não teria a mesma dimensão; portanto, é duvidosa a pertinência de uma ação semelhante à do Banco Central.

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núncia fiscal é apenas uma redução potencial de receita tributária, que pode não ser tão significativa, caso a inadimplência e a sonegação fiscal sejam elevadas. A opção preferencial por esse cami-

nho é coerente com a lógica atual de controle das finanças públicas, mas contraria os interesses de parte significativa da população, sem acesso ao ensino de qualidade.

Referências Bibliográficas BRASIL. Lei n.º 5.172 de 25/out./66. In: OLIVEIRA, J. (org.). Código Tributário Nacional. 18.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. CARVALHO, C.H.A. de. “Reforma Universitária e os Mecanismos de Incentivo à Expansão do Ensino Superior Privado no Brasil (1964-1984)”. Dissertação de Mestrado em Economia. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. CORBUCCI, P.R. “Avanços, limites e desafios das políticas do MEC para a educação superior na década de 1990: ensino de graduação”.Texto para Discussão, Brasília/ IPEA, n. 869, mar./02. DAVIES, N. “Mecanismos de financiamento: a privatização dos recursos públicos”. In: NEVES, L.M.W. (org.). O Empresariamento da Educação: novos contornos do ensino superior no Brasil nos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2002. ESTATÍSTICAS do Ensino Superior. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). . Acesso: dez./04 a mar./05. GOVERNO tenta derrubar alteração no ProUni. Folha de S.Paulo, São Paulo, 3/dez./04. Caderno C, seção Cotidiano, p. 4. LANDI, F.R. Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo 2004 (coord.). 2 v. São Paulo: FAPESP, 2005. LOPREATO, F.L.C. “Finanças públicas: a marcha continua”. Política Econômica em Foco, n. 5, CECON/IE/Unicamp. . Acesso: maio/05. ______. “Novos tempos: política fiscal e condicionalidades pós 80”. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, jan-jun./04. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. . Acesso: nov./04 a fev./05. SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. . Acesso: fev./05. SENADO FEDERAL. . Acesso: nov./04 a fev./05. VIANA, A.L.“Abordagens metodológicas em políticas públicas”.Caderno de Pesquisa NEPP, Campinas, n. 5, 1988. Dados dos autores CRISTINA HELENA ALMEIDA DE CARVALHO Doutoranda em economia aplicada na área de concentração em economia social e do trabalho e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas (NEPP) / Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na área de educação. FRANCISCO LUIZ CAZEIRO LOPREATO Professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) / Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na área de finanças públicas. Recebimento: 14/mar./05 Aprovado: 29/abr./05

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