FÁRMACOS RESIDUAIS: PANORAMA DE UM CENÁRIO NEGLIGENCIADO
April 19, 2016 | Author: Judite Brandt Lage | Category: N/A
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Artigo FÁRMACOS RESIDUAIS: PANORAMA DE UM CENÁRIO NEGLIGENCIADO
FÁRMACOS RESIDUAIS: PANORAMA DE UM CENÁRIO NEGLIGENCIADO Giuliana Brunelli Crestana1 Jorge Henrique da Silva2 Artigo recebido em 11/11/2010 Artigo aprovado em 10/02/2011
RESUMO: Fármacos residuais têm sido encontrados em águas residuárias de estações de tratamento de efluentes, em águas de abastecimento e em outras matrizes ambientais. Tais substâncias químicas não são removidas pelos tratamentos de água convencionais, já que suas propriedades químicas são persistentes, tem alto potencial para bioacumulação e baixa biodegradabilidade. Estas podem ter efeitos adversos, na maioria dos casos desconhecidos, aliando-se a este quadro uma legislação deficiente. Este trabalho objetivou trazer o conhecimento da dimensão da exposição da população a tais compostos e sugerir algumas ações que poderiam auxiliar no gerenciamento destes resíduos e evidenciar lacunas na legislação vigente, assim como a ausência de legislação específica. Palavras-chave: Fármacos residuais, gerencia mento de resíduos da saúde, tratamentos de efluentes químicos. ABSTRACT: Residual pharmaceuticals have been found in waste waters from sewage treatment plants, water supplies and other environmental matrices. These chemicals are not removed by conventional water treatments,as their chemical properties are persistent, have high potential for bioaccumulation and low biodegradability.They may have adverse effects, which are unknown in most cases, allying to this scenario a bad law.This study aimed to bring the
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Engenheira Ambiental (EEP - Escola de Engenharia de Piracicaba-SP); Especialista em Direito Ambiental (Curso de Pós Graduação em Direito Ambiental - Universidade Metodista de Piracicaba / UNIMEP). Dr. Em Ecologia Aplicada (USP / ESALQ); Mestre em Biorremediação Ambiental (USP / ESALQ); Biólogo (UNESP / IB-RC); Prof. Convidado no Curso de Pós Graduação (Lato Sensu) em Direito Ambiental da Universidade Metodista de Piracicaba-SP (UNIMEP); Prof. no Curso de Gestão Ambiental da Faculdade de Administração e Artes de Limeira-SP (FAAL); Pesquisador do Laboratório de Ecologia Humana (ESALQ / USP); Membro do Piracicaba 2010 – Nosso Futuro Sustentável (Agenda 21 do Município de Piracicaba); Consultor, Auditor e Perito Ambiental.
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knowledge of the size of population exposure to these compounds and suggest some actions that could help on such residues management and bring attention to some vacuities in current legislation, as well as lack of specific legislation. Keywords: Pharmaceuticals. Health care waste management. Effluent treatment.
Água: berço da vida Durante séculos a água foi considerada um bem público de quantidade infinita, à disposição do homem por se tratar de um recurso natural auto-sustentável pela sua capacidade de autodepuração. Porém o crescimento das cidades aumentou de tal forma que tal capacidade foi superada pela carga poluidora dos efluentes (PHILIPPI e MARTINS, 2005). Recursos Naturais são elementos da natureza a que o homem atribui determinado valor ou confere determinada utilidade, objeto de apropriação humana (DERANI, 1997). Neste contexto incluem-se ar, solo e água, um recurso natural essencial, seja como componente de seres vivos,seja como meio de vida de várias espécies vegetais e animais, como elemento representativo de valores sócio-culturais e como fator de bens de consumo e produtos agrícolas. É o constituinte inorgânico mais abundante nos organismos vivos. No homem representa 60% de sua massa, nas plantas, cerca de 90% e em certos animais aquáticos essa proporção pode chegar a 98% (BASSOI e GUAZELLI, 2004). Desde os seus primórdios, os povos antigos desenvolveram estratégias para garantir água de boa qualidade para o consumo. Diversos códigos prescreviam severas penalidades à pessoa que danificasse poços, nascentes e outras fontes de água utilizadas para abastecimento da população e recomendavam práticas higiênicas, muitas das quais são, ainda, consideradas apropriadas. Dentre os documentos mais famosos, destacamse o Código de Manu, na Índia; o Código do Rei Amurabi, da Babilônia, 1792-1750 a.C.; o Talmud, dos hebreus; o Alcorão, dos mulçumanos (REBOUÇAS, 1999). 56
A escassez e a poluição dos recursos hídricos têm conseqüências sociais, econômicas e ambientais negativas, uma vez que: • não contribuem com a diluição de poluentes, comprometendo o equilíbrio dos ecossistemas, dificultando a preservação da biodiversidade; • provocam doenças devido à falta ou má qualidade da água; • prejudicando as propostas paisagísticas, assim como as atividades de recreação e lazer; • comprometem desenvolvimento industrial, da agricultura e da pesca (PHILIPPI e MARTINS, 2005). O crescimento demográfico e a expansão industrial trouxeram como conseqüência quadros de contaminação atmosférica, do solo e dos recursos hídricos em todo o mundo. Os primeiros estudos sobre a presença de fármacos3 no ambiente datam da década de 70. Garrison et al (1976) e Hignite e Azarnoff (1977analisaram águas residuárias de Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs), nos Estados Unidos, e detectaram a presença de ácido clo fíbrico, metabólito4 dos antilipêmicos5 clofibrato e etofibrato. Desde então, diversos estudos têm sido realizados e revelam a presença de resíduos de fármacos em corpos hídricos, em várias partes do mundo (BILA e DEZOTTI, 2003). Essa contaminação resulta da excreção de metabólitos de fármacos, tanto por seres humanos quanto por animais6 e do descarte indevido destes compostos diretamente na rede de esgoto (ZUCCATO et al, 2005; ZUCCATO et al, 2006 apud EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009). Este quadro é agravado uma vez que os fármacos são desenvolvidos para serem persistentes, mantendo suas propriedades químicas o bastante para servir a um propósito terapêutico. Assim, tais compostos, não são eliminados durante o processo convencional de tratamento dos esgotos (BILA e DEZOTTI, 2003). Questões relacionadas à qualidade das águas têm sido extensivamente discutidas, ten-
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do em vista que se trata de um recurso natural imprescindível a um largo espectro de atividades humanas, onde se destacam, entre outros, o abastecimento público e industrial, a irrigação agrícola, a produção de energia elétrica, as atividades de lazer e recreação e a preservação da biota aquática (BILA e DEZOTTI, 2003). De acordo com Ponezi, Duarte e Claudino (2007), o consumo mundial de fármacos é bastante significativo, um exemplo disso pode ser visto na União Européia (EU) onde aproximadamente 3.000 diferentes substâncias são usadas em medicamento para consumo humano como analgésicos e antiinflamatórios, anticoncepcionais, antibióticos, b-bloqueadores, reguladores de lipídios, e muitos outros. Também, um número expressivo dessas substâncias é utilizado em medicamentos de uso veterinário, entre eles antibióticos e antiinflamatórios e hormônios. Independente da fonte geradora do resíduos de fármacos, medicina humana ou veterinária ou indústrias, estes resíduos acabarão, em algum momento, se depositando no solo e nas águas., podendo influenciar na qualidades destas matrizes e na saúde ambiental como um todo (BILA e DEZOTTI, 2003).
Saneamento básico e saúde pública: bases para a qualidade de vida A integridade da saúde humana e ambiental é profundamente relacionada às boas condições de saneamento e salubridade das águas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 85 % das doenças conhecidas são de veiculação hídrica, ou seja, estão relacionadas à água, dentre as mais comuns destacam-se: amebíase, giardíase, criptosporidíase, gastroenterite, febre amarela, febre tifóide, malária, hepatite, cólera, dengue, ascaridíase, entre outras. Diante do cenário apresentado, temas como coleta e tratamento de resíduos e/ou efluentes vêm ganhando cada vez mais importância. Dentre as ações de saneamento, destacam-se aquelas consideradas como básicas, compreendendo o abastecimento de água tratada, a drenagem de águas pluviais, a coleta e o tratamento do esgoto
sanitário, a coleta de resíduos sólidos e a limpeza pública em geral (OMS, 2010). Segundo estudos recentes, realizados pela OMS, a falta de saneamento básico, principalmente o fornecimento de água potável, causa a morte de 1,5 milhão de crianças no mundo anualmente. Apesar dos avanços em relação à distribuição de água potável, os números ainda são preocupantes, mais de 2,6 milhões pessoas, 39% da população mundial, não tem acesso a esse recurso (OMS, 2010). No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda há muita carência de serviços de saneamento básico, como indicam os dados seguintes (ARCE, 2002 apud MOTA, 2005): •
24% da população não têm abastecimento de água potável;
•
56 % da população não dispõem de coleta de esgoto;
•
24% da população não têm coleta de lixo. Muito há que ser feito em termos de saneamento básico, os residuais químicos, como os fármacos, ainda não são considerados, pela legislação, como sendo poluentes. Porém, seu monitoramento, no meio ambiente, vem ganhando grande interesse devido ao fato de muitas dessas substâncias serem freqüentemente encontradas, mesmo que em baixas concentrações, em efluentes de ETEs e águas naturais (BILA e DEZOTTI, 2003).
Químicos residuais e seus efeitos adversos Em todo mundo, fármacos, tais como antibióticos, hormônios, anestésicos, antilipêmicos, meios de contraste de raios-X, antiinflamatórios entre outros, tem sido detectados no esgoto doméstico, em águas superficiais e de subsolo. Kolpin et al (2002) detectaram antibióticos, como tetraciclinas, sulfonamidas, macrolídeos, lincomicina, trimetoprim e tilosina, em amostras de águas superficiais nos Estados Unidos.
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Sacher et al (2001) reportaram a ocorrência de sulfametoxazol em amostras de águas de subsolo na Alemanha. De acordo com Kummerer (2001) alguns grupos de fármacos residuais merecem uma atenção especial, dentre eles estão os antibióticos e os estrógenos7. Os antibióticos têm sido amplamente discutidos na literatura, devido ao seu potencial de seleção artificial de bactérias resistentes e por serem usados em grandes quantidades, tanto na medicina humana, quanto na medicina veterinária8. Ainda de acordo com este autor, a importância dos estrógenos reside no seu potencial de afetar adversamente o sistema reprodutivo de organismos aquáticos como, por exemplo, a feminização de machos de algumas espécies de peixes e répteis presentes em rios contaminados pelo descarte de efluentes de ETEs. A presença desses fármacos residuais na água pode causar o desenvolvimento de vários tipos de cânceres, e outros efeitos nocivos9 em organismos presentes nas águas, como os peixes, algas e bactérias. Conseqüências da interação do ser humano com estrógenos ambientais foram apresentadas em diversos estudos, desde 1984, citados por Pryor (2000). Estes estudos envolveram 242 crianças, recém-nascidas, cujas mães consumiram peixes, do Lago Michigan, nos Estados Unidos, por mais de seis anos. Os estudos revelaram que os peixes estavam contaminados com quantidades moderadas de PCBs10. As crianças demonstraram, ao nascer, uma média de 190g a menos do que outras crianças saudáveis, do grupo controle, além de apresentarem menores circunferências de seus crânios e exibirem retardamento em sua maturidade neuromuscular. O mais preocupante foi se constatar que estas mães consumiram não mais do que dois salmões ou duas trutas por mês (PRYOR, 2000). Estes estudos indicaram também que, entre o sexto e o sétimo, as crianças, contaminadas, demonstraram baixo desenvolvimento psicomotor e capacidade visual era mais pobre quando comparadas com as crianças que formavam o grupo controle. Já aos quatro anos, as mesmas passaram a apresentar problemas nas atividades de memória de curto prazo (PRYOR, 2000). 58
Gerenciamento de resíduos farmacológicos Estratégias adotadas por diversos países para o gerenciamento de medicamentos em desuso, vencidos ou não, são a reutilização e o descarte responsável, com controle. Nos Estados Unidos, muitas farmácias, funcionam como centre de coleta de medicamentos vencidos ou em desuso (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009). O Órgão Governamental Norte Americano que regula e controla a qualidade de alimentos e medicamentos, Food and Drug Administration (FDA), não proíbe a reutilização de medicamentos e permite que esta ação seja regulamentada, particularmente, em cada Estado. Trinta e seis Estados permitem alguma forma de reutilização ou revenda, 17 permitem ambas as práticas e 12 proíbem qualquer uma das formas (DAUGHTON, 2003). Existem controvérsias sobre a reutilização de medicamentos, pois, em algumas situações, não se conhecem as condições anteriores de cuidados no armazenamento (DAUGHTON, 2003). O Canadá é um dos países que tem mostrado grande preocupação em relação a esse tema. Na Colúmbia Britânica, foi estabelecido, em 1996, voluntariamente pelas indústrias farmacêuticas, o Programa EnviRX que tinha por objetivo orientar o consumidor. Em 1997, o Governo dessa Província, ampliou o seu programa de manejo de resíduos11, que se destinava a aceitar todos os medicamentos vencidos de venda livre e alguns de venda sob prescrição, sem aceitar amostras-grátis (DRIEDGER, 2002 apud DAUGHTON, 2003). Atualmente, a maioria das farmácias da Colúmbia Britânica participa de um programa de recolhimento de medicamentos12 instituído em 2001, que foi adotado pela Associação Nacional de Autoridades Regulatórias de Farmácia do Canadá13. Dentre as justificativas para a adoção do programa, citam a redução de envenenamentos acidentais de crianças por medicamentos vencidos, redução de custos, de automedicação
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imprópria e do potencial dano ambiental (DAUGHTON, 2003). Paterson e Anderson (2002) relatam a experiência de um projeto que envolve a triagem de prescrições em farmácias públicas e privadas, onde o farmacêutico dispensa uma quantidade inicial e, se o medicamento é tolerado, dispensa o restante do medicamento prescrito. Essa medida procura evitar o desperdício de medicamentos causado pela interrupção ou mudança de tratamento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, em 1999, um guia de recomendações sobre manejo seguro de resíduos gerados pelas atividades de saúde14 e outro que trata especificamente de medicamentos, em decorrência do grande volume de vencidos gerados na Guerra da Bósnia, originados de doações dirigidas à população atingida. (WHO, 2010a). Esta Organização, ainda, publicou outro Guia que apresenta orientações para o descarte seguro de fármacos utilizados durante e após emergências15. Este último é destinado a autoridades de países com o objetivo de implantação de uma política de gerenciamento e destinação final de medicamentos (WHO, 2010b). Segundo Daughton (2003), os métodos de descarte apresentados nos Guias, são vários: •
retorno à indústria;
•
disposição em aterro;
•
incineração em contêineres fechados;
•
incineração em média temperatura e;
•
decomposição química.
Este autor ressalta que este Guia é mais apropriado para grandes volumes e em situações de emergência. Segundo Paim et al (2002), este panorama se agrava, uma vez que no Brasil, se observa que, nos laboratórios de diversas Universidades, a geração de resíduos químicos não é gerenciada e o descarte inadequado continua a ser praticado. Ainda, os estas Instituições armazenam uma grande quantidade de resíduos, sem identificação nos frascos e sem suas respectivas fichas técnicas do produto. Quando rotulam, a maioria dos
frascos, a etiqueta apresenta apenas a inscrição “resíduo químico”. Uma possível solução para a minimização do problema seria a adoção dos programas de recolhimento de medicamentos em desuso, ações já praticadas em por diversos países como Estados Unidos, Canadá, Itália, Alemanha e França. No Brasil poucas ações podem ser consideradas exemplos de iniciativas que trouxeram resultados positivos. Neste sentido pode se citar alguns programas educativos e campanhas de arrecadação de medicamentos em desuso tem tido bons resultados aqui no Brasil, como o realizado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, juntamente com o Laboratório Pró-Ambiente. Em junho de 2006, apenas uma campanha arrecadou 1.219 itens provenientes de domicílios e farmácias e que foram encaminhados à Central de Resíduos da Pró-Ambiente, do município de Gravataí-RS, para adequada destinação final. Ainda no Sul do País, algumas redes de drogarias do Estado do Paraná, vêm sendo reconhecidas por suas louváveis iniciativas, que refletem gradativa tomada de consciência a respeito de seu verdadeiro papel junto aos consumidores e ao ambiente.
Aplicabilidade dos sistemas de tratamento de água e efluentes Os processos químicos convencionais baseiam-se na oxidação dos contaminantes pela reação com oxidantes fortes, como peróxido de hidrogênio (H2O2), gás cloro (Cl2), dióxido de cloro (ClO2) e permanganato (MnO4-). Na maioria dos casos, no entanto, a utilização deste tipo de tratamento não promove a mineralização completa dos contaminantes a CO2, havendo a formação de uma grande variedade de subprodutos de degradação, em geral, ácidos orgânicos16. No caso da utilização do Cl2, há a formação de compostos organoclorados, que podem ser mais tóxicos que o contaminante inicial, sendo este o principal inconveniente quanto ao uso deste oxidante (MELO et al, 2009).
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Neste sentido, devido à preocupação quanto à preservação dos ecossistemas aquáticos e ao risco potencial de contaminação da água de abastecimento público, tem-se incentivado, em todo o mundo, estudos com o objetivo de identificar e quantificar esses resíduos para que se possa minimizar o descarte e desenvolver processos eficientes para removê-los, assim como estão sendo realizados estudos de biodegradação de fármacos17 (PONEZI, DUARTE e CLAUDINO, 2007). A remoção de poluentes orgânicos persistentes, como os fármacos, na água e em efluentes, pode ser obtida utilizando-se tecnologias avançadas de tratamento, tais como Biorreatores com membranas, Processos Oxidativos Avançados e Adsorção em carvão ativado (TAMBOSI, 2008). Dentre os citados métodos, um grande destaque tem sido dado ao uso de filtros de carvão ativado biologicamente18. Este processo combina adsorção e biodegradação minimizando a flutuação da qualidade da água tratada, pois uma grande concentração de poluentes na água causa um crescimento na taxa de adsorção, mas quando a concentração decai, a biodegradação toma lugar (SPEITEL et al, 1989 e SOBECKA et al., 2006). Os Processos Oxidativos Avançados também têm sido extensivamente estudados devido ao seu potencial como alternativas ou complementos aos processos convencionais de tratamento de efluentes, uma vez que os radicais hidroxila19 gerados são altamente reativos e pouco seletivos, podendo atuar na oxidação química de uma vasta gama de substâncias (MELO et al, 2009). Melo et al (2009) avaliaram vários proces20 sos para a oxidação de substâncias complexas de diversas classes de fármacos. Estes autores concluíram que apesar da complexidade das moléculas dos princípios ativos dos fármacos, as baixas concentrações encontradas permitem a utilização destes processos, que atingem alta eficiência de degradação como relatado em di versos trabalhos. Fent et al. (2006), em seus estudos, evidenciaram que os processos convencionais de 60
tratamento de esgoto, águas servidas, não se mostram eficientes para a remoção de vários resíduos de fármacos. Ressalta-se que, ainda são escassas as informações sobre a toxicidade das amostras após tratamento, informações estas fundamentais para garantir a efetividade e segurança da aplicação de tais processos no tratamento de efluentes contendo resíduos de fármacos.
Legislação vigente O Artigo 225 da Constituição Federal de 1988 declara terem todos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado21, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Segundo Machado (2002), “a água, como bem de uso comum do povo, não pode ser apropriada por uma só pessoa, física ou jurídica, com exclusão absoluta de outros usuários em potencial; o uso da água não pode significar a poluição ou a agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado; e a concessão ou autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público. A existência do ser humano, por si só, garante-lhe o direito de consumir água ou ar. O direito à vida antecede os outros direitos”.
E justamente por ser o direito de acesso à água um direito fundamental, não se pode compreender o domínio da União e dos Estados como direito de propriedade nos moldes do Código Civil. Cabe a estas entidades estatais, na verdade, a responsabilidade pela guarda e gestão dos recursos hídricos, como o direito de usar e dispor como bem entender, mas como um dever-poder de gestão para que sejam atendidas as necessidades da população. (LEUZINGER, 2004). Não se incluem, portanto, os recursos hídricos entre os bens dominiais, ou seja, entre aqueles bens que integram o patrimônio privado das entidades públicas, na medida em que sua
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principal característica é a inalienabilidade. Domínio hídrico significa, assim, ser esse recurso bem administrado pelo Estado, no interesse coletivo. E, registre-se, a outorga de direito de uso e conseqüente cobrança não significam alienação parcial, mas tão-somente direito de usar o bem, não sendo admitida sua venda (LEUZINGER, 2004). Ramos e Sparenberger (2010) analisaram a relação existente entre a crise hídrica, a Política Nacional de Recursos Hídricos e a Sociedade de risco. Esta última como característica da civilização moderna, a qual persegue o desenvolvimento a qualquer preço. O enfoque principal do estudo está no efeito bumerang de Beck (2002), o qual analisa a questão ambiental tendo em vista as consequências da modernidade sobre a própria política de mercado. O que se vê é uma grande crise de controle e gestão das águas, dentro de uma enorme crise ambiental que coloca em risco o abastecimento hídrico, de qualidade, às populações, em especial das grandes cidades. De acordo com a Legislação Brasileira, os serviços de saúde são os responsáveis pelo correto gerenciamento de todos os Resíduos Sólidos dos Serviços de Saúde (RSSS) por eles22 gerados, devendo atender às Normas e exigências legais, desde o momento de sua geração até a sua destinação final (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009). Estes autores consideram que a segregação dos RSSS, no momento e local de sua geração, permite reduzir o volume de resíduos perigosos e a incidência de acidentes ocupacionais dentre outros benefícios à saúde pública e ao meio ambiente (BRASIL, 2010). Quando não tratados, os RSSS devem ser dispostos em Aterro Classe I23. Os resíduos de produtos ou de insumos farmacêuticos que, em função de seu princípio ativo e forma farmacêutica, não oferecem risco à saúde e ao meio ambiente, constantes em listagem junto à Gerência Geral de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), quando descartados por serviços assistenciais de saúde, farmácias, drogarias e distribuidores de medicamentos ou apreendidos, podem ser descartados em sistemas
de disposição final licenciados e na rede coletora de esgoto ou em corpo receptor (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009). Quanto ao processo de disposição final de RSSS, a Resolução Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) no 358, de 2005, diz que a disposição dos resíduos deve ser diretamente sobre o fundo do local; a acomodação dos resíduos deve ser sem compactação direta; deve haver cobertura diária com solo, admitindo-se disposição em camadas; cobertura final e plano de encerramento (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009). O gerenciamento eficiente de RSSS é um assunto que, ainda, necessita de uma legislação e diretrizes mais específicas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), através da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) no 306, de 7 de dezembro de 2004, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde e, pela Resolução no 358, de 29 de abril de 2005, apresenta algumas diretrizes para o tratamento e à disposição final dos resíduos dos serviços de saúde (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009). O Ministério da Saúde publicou, em 2006, um Manual de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde, o qual mostra a necessidade da adoção de um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde. Porém, este Manual não traz diretriz e nem aponta soluções para o gerenciamento e destinação final de medicamentos (BRASIL,2010). De acordo com a Lei no 9.605 de 199824 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, o lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, é crime ambiental, com pena de reclusão de um a cinco anos (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009). Assim sendo, a legislação se apresenta deficiente por não mencionar a destinação final adequada para destes resíduos, é direcionada
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para os estabelecimentos de saúde e não engloba a população em geral. No Brasil, não existe um sistema de coleta, transporte e destinação adequada desses resíduos por parte das gestões públicas municipais, logo, a legislação de nada adianta se não for aplicada. E, mesmo que a contaminação do meio ambiente por resíduos seja considerada crime ambiental, não há fiscalização adequada e nem a aplicação de punição a todos os poluidores (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009).
Considerações finais Diante deste panorama, é imprescindível que se tome conhecimento que a responsabilidade por zelar pela manutenção e equilíbrio dos recursos naturais e pela defesa do bem estar social e dos direitos difusos, é de todos, inclusive da União25. Assim, para que a iniciativa privada possa praticar ações de preservação e saúde ambiental é necessária uma nova postura, adotando-se políticas de responsabilidade sócio-ambiental. A população em geral, como consumidores desses produtos, deve se buscar e ter acesso à informações sobre consumo consciente e descarte responsável. Dessa forma não só os produtores devem ser responsabilizados, mas também todos os atores da cadeia, desde a produção a te o consumidor final. O conhecimento da população sobre a dimensão da exposição a compostos químicos persistentes e suas conseqüências à saúde ambiental é de fundamental importância para nortear as ações de controle, coleta e descarte seguro destas substâncias. È sugerido, ainda, revisar e restabelecer limites de concentrações para o descarte seguro de efluentes tratados em corpos hídricos, atualmente regidos pela Resolução CONAMA no 357 de 2005, assim como os padrões de potabilidade da água para consumo humano, orientados pela Portaria 518 de 2004, do Ministério da Saúde, deverão ser também revisados, uma vez que não contém em si limites estabelecidos para fármacos nas águas de abastecimento. 62
É altamente preocupante o fato de que ainda não existe no Brasil legislação que trate os fármacos como poluentes, e os possíveis efeitos dos seus resíduos para a saúde ainda não foram avaliados pela OMS. Também é preciso que exista vontade política dos dirigentes para fazer valer as normas e recomendações sanitárias, apoiando aos que já estão conscientizados quanto à importância da adoção desse comportamento e propiciando condições para a compreensão dos que ainda não as conhecem (TAKAYANAGUI, 1993). Promover a execução do fracionamento de medicamentos não só por parte do Sistema Único de Saúde (SUS), mas também, em farmácias e drogarias privadas representaria também uma medida importante, já que minimizaria o desperdício e descarte indevido. Muitas indústrias ainda não adequaram as embalagens de seus produtos às condições constantes no Decreto no 5.775 de 2006, que dispõe sobre o fracionamento de medicamentos. Há também a necessidade de um olhar mais crítico para a propaganda exacerbada, que acaba por estimular a compra excessiva e desnecessária de medicamentos. Além de destas sugestões, a efetiva participação do profissional farmacêutico é de grande importância no controle da dispensação26 dos medicamentos em estabelecimentos públicos e privados, já que este pode informar o usuário sobre os riscos da automedicação e também sobre o potencial poluidor dos medicamentos. Até que haja a implantação deste sistema de gerenciamento das sobras de medicamentos, os profissionais de saúde devem investir na minimização da geração desses resíduos através do gerenciamento e programação de estoques, evitando vencimentos; na avaliação de prescrições no momento da dispensação; na orientação do uso racional de medicamentos e no acompanhamento dos pacientes durante o tratamento, objetivando evitar o desperdício e consequente contaminação do meio ambiente.
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sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (Artigo 225 – Cap. VI / Constituição Federal de 1988);
Notas 3
Substância química que constitui o princípio ativo de um medicamento;
4
Qualquer substância, produzida pelo metabolismo de uma outra;
5
Medicamentos utilizados no tratamento da aterosclerose;
6
Medicamentos e hormônios utilizados pela medicina veterinária e pecuária extensiva;
7
Hormônios sexuais femininos que regulam o ciclo ovariano;
8
Estes fármacos tem sido utilizados para contribuir com o crescimento de animais na pecuária, na aquicultura, na avicultura e na suinocultura;
9
Incluindo o homem que está inserido numa cadeia alimentar onde consomem peixes e ou utilizam as águas para recreação ou irrigação de culturas de alimentos;
10
PCBs (Polychlorinated Biphenyls - Bifenilas Policloradas) - Nome genérico dado a uma classe de compostos organoclorados que foram utilizados principalmente como base de misturas comerciais em óleos dielétricos para transformadores e capacitores, popularmente conhecidos por ascarel. Devido à alta toxicidade, sua produção e comercialização está proibida no mundo todo;
11
Post-consumer Residual Stewardship Program Regulation;
12
Medications Return Program - MRP;
13
Canada National Association of Pharmacy Regulatory Authorities - NAPRA;
26
Segundo o Conselho Federal de Farmácia (Brasil), dispensação consiste no “Ato do farmacêutico de orientação e fornecimento ao usuário de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, a título remunerado ou não”.
Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde. Brasília, 2006. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov. br/bvs/publicacoes/manual_gerenciamento_residuos.pdf > . Acesso em: 8 jun. 2010. _______. Resolução 358, 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010.
14
Safe Management of Wastes from Health-care Activities;
15
Guidelines for Safe Disposal of Unwanted Pharmaceutical in and after Emergencies;
16
Oxálico, tartárico, fórmico, acético;
_______. RDC No 306, Brasília, 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Disponível em URL: . Acesso em: 9 jun. 2010.
17
Na Universidade Estadual de Campinas –UNICAMP / Divisão de Microbiologia do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas- CPQBA / Departamento de Saneamento e Ambiente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo;
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18
Processo conhecido como Biofiltração;
19
OH -;
20
Fotólise de peróxido de hidrogênio, ozonização, fotocatálise heterogênea, fenton e foto-fenton;
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad, Barcelona: A M Grafìc, S.L., 2002. 304 p.
21
Direito fundamental de 3ª geração ou direito difuso;
22
Hospitais, Prontos Socorros, Clínicas Médicas e Veterinárias, Clínicas Odontológicas, Drogarias e farmácias, Estabelecimentos de ensino e pesquisa na área de saúde e, também, distribuidores de produtos farmacêuticos;
23
Aterros Sanitários próprios para acondicionar resíduos perigosos, como os tóxicos e os patogênicos. Ressalta-se que para os resíduos químicos no estado líquido (efluentes), é vedado o descarte em aterros;
24
Conhecida como a Lei de Crimes Ambientais;
25
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
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