EDUCAÇÃO AMBIENTAL E QUALIDADE DE VIDA NA FAVELA

December 21, 2016 | Author: Isaque Barateiro Ramires | Category: N/A
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E QUALIDADE DE VIDA NA FAVELA Thomé Eliziário Tavares Filho1

Resumo O presente trabalho diz respeito à pesquisa intitulado: “ Educação Ambiental e Qualidade de Vida na Favela”, desenvolvida em 2004, na favela do “Jorge Turco”, na zona norte da Cidade do Rio de Janeiro, onde foram entrevistadas 240 famílias, na parceria entre a UFF e o CNPQ, se fazendo um amplo levantamento dos problemas sócio-demográficos vivenciados nessa comunidade, considerada como uma das áreas de alto risco assomada pela violência e criminalidade. Desde há muito que os estudos sociológicos consideram essas questões sócio-demográficas intrinsecamente relacionados com a qualidade de vida. Variáveis como a classe social, o lugar da residência, a estrutura familiar, o nível de educação e a associação com iguais desviados, são considerados como os fatores determinantes ao desvio social. Ao elaborarmos esse estudo, nos aportamos nas concepções sociológicas de Durkheim (1897), McKay (1942), Cohen (1955), Matza, Sykes (1961), Cloward e Ohlin (1960), e Wheeler (1968), que abordam as variáveis sociais definindo os conceitos de anomia social, sub-cultura, herança cultural e ecologia do crime, se referindo ao meio ambiente hostil e devastado tanto na natureza do espaço físico quanto na natureza condutual humana, implicados com o estilo e a qualidade de vida ambiental em meio às populações marginais e carentes. Palavras-chaves: Favela, educação ambiental, qualidade de vida. Introdução A questão ambiental constitui-se hoje um dos mais graves problemas com os quais os seres humanos se deparam. Talvez nenhum outro fenômeno tenha se generalizado de forma mais rápida na consciência universal do que a preocupação com o ambiente. Segundo Milaré (1993), tal temática está incorporada às preocupações da opinião pública, posto que torna-se cada vez mais evidente que “o crescimento econômico e até a simples sobrevivência da espécie humana não podem ser pensados sem o saneamento do planeta e a administração inteligente dos recursos naturais” (MILARÉ, 1993, p. 258).

O autor é Professor Associado, do quadro permanente ativo da carreira do magistério superior da Universidade Federal do Amazonas, lotado no Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Educação. 1

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Entendemos que, não se pode discutir as questões ambientais, sem atrelarmos ao desenvolvimento industrial e às injunções econômicas que foram impostas no contexto histórico-estrutural, vitimando as populações marginais. Na América Latina diferentes movimentos, exigindo melhores condições de saúde, educação e moradia, surgem como forma de questionamento da ordem política e cultural. Movimentos que passam a criticar não apenas o modo de produção, mas também o modo de vida e que, paulatinamente vão incorporando e/ou sendo incorporados pelo movimento ecológico/ambiental. A questão ambiental torna-se, portanto, dentro de interesses de diferentes grupos, bandeiras de luta, estratégias de desenvolvimento, ou ainda a garantia da própria sobrevivência. Fala-se muito em problema ambiental associado ao processo de urbanização, pós-industrialização, ao crescimento das cidades. Para Sobral (1996), as cidades são as maiores propulsoras dos impactos que o ser humano pode causar na natureza e onde mais se alteram os recursos naturais. A sua complexidade é proporcional ao seu tamanho, e os impactos ambientais os acompanham em uma correlação positiva. Com o advento da industrialização, o crescimento das cidades passou a ocorrer em ritmo acelerado. Surgiram novas atividades que aí prioritariamente se localizaram , e com elas, novos atrativos como oferta de trabalho, infra-estrutura e serviços de educação, saúde, moradia etc. Segundo o Relatório Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1991), em 1990, os países mais industrializados já apresentavam altos percentuais da população total residindo nas cidades e projeções indicam que em 2025, 60% dos habitantes da terra nelas estarão. Como se o atrativo das cidades não fosse suficiente, a modernização da agricultura, a concentração da propriedade da terra e as políticas governamentais voltadas para os grandes produtores, têm feito com que expressivos contingentes populacionais abandonem o campo à procura das cidades, criando um processo de urbanização massivo e acelerado. (CMMAD, 1991).

O fenômeno da massificação urbana provocou também um êxodo rural sem precedentes, e em decorrência dos problemas habitacionais, grande soma dessas famílias foram habitar em áreas de invasões, nos morros e favelas, constituído como verdadeiros bolsões de pobreza e de miséria. Essa crescente concentração trouxe consigo a ampliação das carências sociais, e também a deteriorização do ambiente

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e da qualidade de vida. As cidades tornaram-se o locus do poder e do consumo, onde uma parcela significativa da população passou a ter o acesso a um nível de consumo sem precedentes. Porém este acesso a bens e serviços dá-se de modo desigual. Se uma parcela da população desfruta de um alto nível de consumo, outra desfruta apenas de um consumo moderado, e a grande maioria sequer satisfaz suas necessidades materiais físicas. A pobreza é, em geral, associada à degradação ambiental. Os seres humanos, sobretudo os pobres, são muitas vezes vistos como empecilhos à preservação. Entretanto, uma população pobre, apesar de causar degradação, acaba por ser “mais ecológica”, do que outras classes, pois quase não consome recursos e vive, em grande parte, de resíduos que são reutilizados ou reciclados. Cumpre ressaltar que não é a pobreza a responsável pela má qualidade ambiental, e segundo relatório da INEP, 1992: “Pessoas não deterioram o ambiente porque são ignorantes ou membros de uma sub-raça, mas sim porque ou sofrem ou se beneficiam de forças econômicas, sociais, políticas e institucionais”. (INEP, 1992).

Estado de Anomia Social Ao discutir a degradação ambiental em meio às populações marginais, Merton (l938) define o conceito de “Anomia”, caracterizado como um ambiente social desorganizado, onde a falta de normas que regulam as relações sociais

estão

intrinsecamente relacionados com a qualidade de vida ambiental na comunidade. O autor que segue os mesmos preceitos de Durkheim (1897), responsabiliza a estrutura

sócio-cultural como agente que fornece o referencial das metas e

aspirações individuais, ou como elementos responsáveis pela regulação de medidas, normas pessoais, implicados com a educação ambiental. Assim, a anomia tem referência à formação das condutas sociais e das quais resultam nos níveis da educação ambiental, pois quem degrada a natureza é o homem, de conformidade com

suas

ações

comportamentais.

Diante

das

situações

anômicas

de

desestruturação social, o indivíduo passa a agir sob diferentes formas de anormalidades, e uma dessas formas desajustadas é a violência e a criminalidade. Em seu ensaio sobre “Social Estruture and Anomia”, Merton (1938), relaciona os problemas da conduta desviada vinculados com os problemas sociais. Segundo o autor, o desvio social aparece como uma resposta normal mediante a certas pressões provenientes da estrutura social excludente e marginalizadora.

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Sobre a origem e direção das pressões sociais que afetam a conduta, Merton distingue na sociedade uma estrutura cultural e uma estrutura social. Segundo o autor, a estrutura cultural é responsável pelas metas e aspirações sociais, ordenadas segundo uma hierarquia de prioridades e que definem o sistema social organizado, e a estrutura social é quem se responsabiliza pelos meios ou normas institucionais que definem e regulamentam as formas corretas de se alcançar essas metas.

Segundo o autor, a desintegração dessas duas estruturas que supõe a

disparidade entre as metas de uma sociedade e os meios para alcança-las é o fator básico para a desviação. A Teoria da Anomia Social, pressupõe uma incongruência entre a estrutura cultural e a estrutura social, o que caracteriza uma sociedade desestruturada e desorganizada, tendo como vítima principal o indivíduo, que inadaptado,

desamparado e desassistido

passa a desenvolver certos tipos de

condutas anti-sociais, como mecanismo de defesa, mas materializado pela rebelião, pela violência e condutas contra as normas sociais, e desenvolvendo os valores próprios da cultura anômica. Como vimos, o aparecimento das favelas surge em decorrência desses fatores da cultura anômica, provocada por um sistema social injusto e excludente, e em grande soma, seus moradores são produtos do chamado exodo rural, que migram para os centros urbanos, encantados com o desenvolvimento industrial. Shaw e McKay (1942), definem essa ambientação como sendo aquelas zonas de maior desorganização social, onde ocorrem o maior

número de delitos, pelas

precárias condições físicas e sociais de sua população. O fenômeno da favelização tem se acentuado na cidade do Rio de Janeiro, lócus de nossa pesquisa, tomado pela violência do tráfico de drogas que ocupa os morros e as favelas, cuja subcultura anômica, estabelece uma espécie de governo paralelo, imputado pelo crime organizado. Cohen (l955), Matza e Sykes (l961), afirmam que há uma predisposição dos indivíduos que possuem as mesmas motivações de problemas similares, e que pertencem à mesma estrutura social, de se unirem e de se agruparem, formando a chamada sub-cultura, onde as crenças, e os sistemas de valores são revelados com características anti-sociais. Alguns aspectos devem ser observados nesse contexto sub-cultural. O que determina esse ambiente são as precárias condições de sobrevivência social, que lhes impõe um limite de recursos de nivelamento social com relação a outros grupos sociais mais privilegiados dentro da sociedade. Em decorrência desse empobrecimento de recursos, a conduta coletiva do grupo se

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manifesta de forma incongruente e exacerbada em forma de conduta desviada dos padrões de normalidade. Em seus estudos, Matza (1961), conclui que as características sintomáticas mais reveladas no ambiente de sub-cultura são a desagregação da família, a desarmonia das relações interpessoais, o baixo índice de conduta moral, o baixo nível de escolaridade, e além dos valores individuais darem mais ênfase a um estilo de vida hedonista e de desapego social. Nessa perspectiva, a presente pesquisa identifica os problemas sócio-demográficos vivenciados na favela e suas implicações na educação ambiental e qualidade de vida de sua população.

O dilema das grandes cidades Como em qualquer país, as metrópoles brasileiras sofrem com a falta de transporte, segurança e habitação. São Paulo, a quarta maior cidade do planeta, é um bom exemplo da escalada dos problemas enfrentados nessas regiões. Segundo matéria de Valéria França (2004), publicada na revista Época, os congestionamentos em São Paulo chegam a 123 quilômetros de extensão. O transporte público é deficitário – tem 58,6 quilômetros de linhas de metrô, rede pequena se comparada com a da Cidade do México, com 178 quilômetros, e com a de Paris, com 567 quilômetros. Um em cada quatro paulistanos moram em favelas ou loteamentos clandestinos. Em 1970, essa proporção era de 1%. O panorama é difícil. Domesticar e planejar harmonicamente o crescimento virou questão de sobrevivência. Nos últimos anos, fóruns e campanhas ambientais ajudaram na formação da cidadania e boa parte dos brasileiros estão entendendo o recado. Como exemplo, a população se mobilizou na organização da coleta de lixo seletivo. Segundo Elizabeth Grinberg (2004), coordenadora da área de meio ambiente do Instituto Polis, em apenas três (3) anos, moradores e associações de catadores de papel, juntos reduziram a quantidade de lixo destinada aos aterros de 10 mil para 8.700 toneladas por dia. Espalhados pelo país, contabilizam-se 23 Fóruns de Lixo e Cidadania, formados por representantes da indústria da reciclagem, entidades não governamentais e sindicatos. Considera-se que, a falta de linhas de crédito e políticas públicas para a população de baixa renda empurrou a maioria da população para moradias irregulares. Soma-se 1.600 o número de favelas em toda a Grande São Paulo.

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Muitas invadem áreas de mananciais como as encostas das represas Billings e Guarapiranga. Elas despejam seus esgotos diretamente nas águas, o que prejudica o abastecimento de toda a metrópole. Essas habitações devem ser urbanizadas ao longo do tempo, para virar bairros populares. Das 600 favelas cariocas, 150 passam por intervenções de um projeto social municipal, o Favela-Bairro, que investe em creches e cooperativas para trabalhadores. Além dos problemas de habitação, um dos grandes complicadores nas grandes cidades fica por conta dos problemas gerados pelo trânsito. As filas de congestionamentos continuam a proliferar. O primeiro motivo está na perspectiva de aumento da frota nacional. Além de uma frota antiga de veículos que continuam circulando, centenas de novos carros novos são colocados mensalmente em circulação, aumentando o stress insuportável, além do surgimentos de novas modalidades de transporte coletivo como as vanz e as kombis, em que muitas delas circulam irregularmente.

Sob as leis do crime Rafael Pereira (2004), em matéria publicada na Revista Época, descreve as principais influências das leis do tráfico, e que interfere no comportamento dos cariocas. As pessoas ao passarem por uma das vias que dão acesso aos morros e favelas, devem piscar três vezes os faróis dos veículos. Esse sinal é comum nas favelas dominado pela Facção do Terceiro Comando e quem não repetir a referência com os faróis é parado e revistado pelos traficantes locais. Se o visitante acionar as luzes apenas duas vezes, as conseqüências podem ser piores. O ato seria considerado uma provocação por fazer referência ao número dois, adotado pela facção rival, o Comando Vermelho. Essas são regras não escritas, parte de um código de conduta incorporado ao cotidiano de 1,4 milhões de pessoas que vivem em favelas no Estado do Rio e dos milhares que freqüentam diariamente essas áreas. Em pesquisa recente da Revista Época (2004), ouviu-se moradores, visitantes das favelas, policiais e traficantes para revelar um quadro das leis impostas pela criminalidade em que as normas do Estado praticamente não valem. A maior marca do Comando Vermelho não é o número dois, associado aos vértices da letra V no nome da facção, mas a cor. Por in fluência dos mais velhos, desde criança o traficante João, que pertence ao Terceiro Comando, evita usar roupas vermelhas. Hoje é líder do tráfico de drogas do morro em que nasceu e só se

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esquece do dogma quando veste a camisa rubro-negra do Flamengo. Em todas as favelas dominadas pelos bandidos, o visitante só entra na favela autorizado por um morador. Se o convidado fizer algo errado, quem o trouxe sofre as conseqüências. Para entrar de carro, o visitante deve se comportar como numa blitz policial: farol baixo, luz interna acesa e velocidade baixa. De motocicleta, não se pode usar capacete; caminhões de carroceria fechada, ou baú, são vistoriados. O visitante deve saber para onde está indo e o que vai fazer no morro. Pessoas que perguntam muito são vigiadas com mais afinco. Não é seguro apontar de longe com o dedo a comunidade nem carrear câmeras fotográficas ou gravadores sem receber permissão prévia. Não se devem usar casados grandes ou roupas embaixo das quais se podem esconder armas ou drogas. Os moradores da favela também sofrem restrições sob o comando do tráfico. Se a casa fica na rota de fuga dos bandidos, não se devem manter cachorros soltos, cacos de vidro sobre os muros ou cercas de arame farpado. Comunidades em guerra ou sob constante ameaça de invasão de uma facção rival adotam o toque de recolher. Os horários variam normalmente entre 18 e 22 horas, dependendo do tamanho do perigo. Crianças de comunidades sob comando de facções rivais não se falam. Seja qual for a facção, o principal código das favelas do Rio é a segurança as bocas-de-fumo. A primeira pergunta que um desconhecido ouve em algumas favelas é se quer pó de dez ou pó de cinco (o valor das porções da cocaína). Se recusar a oferta ele será vigiado com cuidado por olheiros do tráfico. Se não tiver destino certo na favela, receberá sinais de que não é bem-vindo. Se tiver sido convidado por um morador, poderá subir à vontade e provavelmente vai receber ajuda de alguém ligado ao movimento, ou seja, ao tráfico. Mas qualquer deslize do visitante ficará na conta do morador que o convidou. A medida de segurança que mais interfere na vida dos moradores é o toque de recolher, imposto geralmente em momentos de conflitos intensos com a polícia ou uma invasão inimiga. O horário mais comum é o de 22 horas, mas em alguns casos pode ser até 18 horas, mudando bruscamente a rotina dos moradores que trabalham fora da favela. Para os delitos do morro a justiça do asfalto não existe. No crime organizado, chefes do tráfico atuam como juizes e os matadores da boca, cargo dado às pessoas mais violentas das quadrilhas, costumam ser os executores da sentença. Entre os delitos mais graves estão a espionagem e a delação, punidas com a pena de morte. Quem rouba dentro da favela é obrigado a devolver o que

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tomou e quem rouba fora da favela ou na pista, precisa mostrar a mercadoria aos traficantes antes de vender. Problemas de vizinhos também são julgados na hora. Se qualquer dos envolvidos se recusar a comparecer à boca para dar explicações, é julgado à revelia e condenado, pois estaria automaticamente assumindo a culpa. O tráfico só não interfere em desavenças familiares. Conclui-se que, quanto mais pobre a favela, mais força tem as leis do crime.

Expulsos pela violência No noticiário da página policial do Jornal EXTRA, na edição do dia 5 de julho de 2004, lemos que, sete pessoas morreram e cerca de 70 famílias foram desalojadas numa guerra entre traficantes no Morro do Adeus, em Ramos. Os bandidos rivais aproveitaram a morte do traficante Leandro Aparecido Sabino, o DJ, na noite de sexta-feira, para invadir a favela. DJ morreu em confronto com policiais. A polícia acredita que o ataque foi comandado por traficantes do Morro da Grota, no Complexo do Alemão. Moradores do Adeus, disseram que os bandidos chegaram ao morro por volta das 10 horas de sábado, alguns com coletas iguais aos da Polícia Civil. Armados de fuzis, eles arrombavam as casas a pontapés e agrediam famílias, que sob ameaças de morte, tiveram que deixar às pressas suas casas, para não serem executadas. Depois da invasão a polícia contabilizou a morte de sete (7) pessoas.

Segundo depoimento dos moradores, episódios assim são comuns nas

favelas do Rio de Janeiro, pois quando uma falange do crime invade a favela e expulsa a existente, os bandidos que chegam precisam se alojar para comandar a boca-de-fumo, e para estabelecerem o seu quartel general. Com ameaças de violência e morte, muitos moradores são obrigados a abandonarem o seu lar. Os que resistem são sumariamente executados. Assim, ao registrarmos os fatos que ocorrem no ambiente cotidiano das favelas, passamos à pesquisa propriamente dita na favela do Jorge Turco, com o intuito de investigarmos as influências da violência e do crime organizado na educação ambiental e na qualidade de vida dessa comunidade, como veremos a seguir.

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Pesquisa O estudo ora em tela teve o aporte prático de uma Pesquisa que realizamos em 2004, com o apoio da UFF e do CNPQ, na Favela denominada “Jorge Turco”, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, onde entrevistamos uma população amostra de 240 famílias, representadas pelos pais responsáveis que responderam o Questionário de Dados Sócio-Demográficos, que foi uma ampliação do Questionário Sócio-Econômico-Ambiental e Cultural, elaborado por pesquisadores da UNIVILLE – Universidade da Região de Joinville, utilizado nas pesquisas desenvolvidas nos Bairro Vila Nova (2002) e Pirabeirada (2003) em Joinville, Estado de Santa Catarina. O Questionário original aplicado em Joinville consta de (4) quatro categorias, com 12 perguntas na área de Dados de Identificação e Culturais; com 16 perguntas na área dos Dados de Infra-Estrutura, Sócio-Econômico-Ambiental; com 5 perguntas na área relacionada com a Saúde Pública; e 8 perguntas na área de Meio Ambiente e Qualidade de Vida, com uma totalidade assim de 41 perguntas. No Estado do Rio de Janeiro (UFF), ampliamos uma 5a categoria sobre comportamento e qualidade de vida, em função da meta que estabelecemos em analisar aspectos da violência e da criminalidade e de suas influências comportamentais e na qualidade de vida dos moradores da favela. Os resultados colhidos foram os seguintes: Análise e Discussão dos Resultados a) Dados sócio-culturais e educacionais Das 240 famílias entrevistadas na Favela de Jorge Turco (Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro), 75% delas vieram de outros Estados e estão no local há mais de 15 anos; em cada casa reside mais de 5 pessoas em sua maioria, e destes 64,6% só possuem o curso primário, e muitos nem foram devidamente alfabetizados. Segundo nos foi informado, na Favela não há lazer público; 67,4% não lêem jornal; 76,3% não conhecem os pontos turísticos da cidade; grande maioria das famílias nunca saíram de férias. b) Dados sobre a Infra-estrutura sócio-econômica e ambiental Nossa pesquisa constatou que a maioria absoluta dos moradores possuem casa própria de alvenaria, mas sem acabamento, sem boa iluminação e ventilação; as ruas são estreitas e mal traçadas e com pouca possibilidade de tráfego de

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veículos, e a maioria delas são colocadas barreiras e piquetes para impedir a invasão de policiais e gangues rivais à da Comunidade. 70,8% da população amostra é desempregada e a maioria asseguram que não possuem renda financeira para sobreviver. Na Favela, há um bom abastecimento de água tratada assegurada pelo Estado, e a maioria das residências possui reservatórios, mas que não é feito limpeza, segundo nos responderam. Também nos foi informado que o esgoto sanitário é despejado no rio. A coleta do lixo é garantida sistematicamente pela COMLURB em sacos plásticos mantidos pelos moradores. c) Dados sobre a Saúde Pública Das 240 famílias que se constituem nossos sujeitos da amostra, 37,5% possuem algum tipo de enfermidade, e que por não possuírem Plano de Saúde, são atendidos de forma precária pelo SUS. As doenças mais comuns são diabetes, pressão alta, raquitismo, doenças reumáticas, efizema pulmonar, hipertensão, problemas vasculares, doenças psiquiátricas, rinite alérgica, tuberculose e osteoporose. Constatamos que na favela não há posto médico, e que a maioria da população usa medicação caseira. Também ficou registrado que as casas estão infestadas de ratos e baratas. d) Dados sobre comportamento e qualidade de vida Levando em conta o nível de escolaridade da população amostra, para responder essa pergunta, tivemos que definir os termos do que significa “qualidade de vida”, e das respostas constatamos que para alguns, a qualidade de vida se refere aos provimentos de saneamento básico na favela, tais como os meios de transportes, habitação com conforto, atendimento médico, esgoto, água tratada, etc. Outros preferiram direcionar a qualidade de vida no que tange à segurança pública na favela, com a presença de policiamento ostensivo, e prevenção contra a criminalidade, de repressão ao uso e dependência de drogas, e a segurança dos moradores; outros relacionaram ao suprimento de suas necessidades sócioeconômicas e financeiras, como bolsas de emprego, melhor distribuição dos programas sociais oferecidos pelo Governo, além do oferecimento de cursos profissionalizantes aos jovens desocupados; identificamos também aqueles que definem a qualidade de vida relacionado com suas auto-realizações pessoais e sociais; atividades ocupacionais. Outro grupo assegura que a qualidade de vida

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independe da ambientação física, mas é algo muito mais intrínseco, e que diz respeito ao controle da conduta, das atitudes, e da paz interior em meio às adversidades sociais e às circunstâncias situacionais da violência na favela que é imposto pelo crime organizado. Indagados sobre os fatores que contribuem para a falta de qualidade de vida na Favela, registramos literalmente algumas falas dos moradores sobre a falta de sossego dos moradores; a falta de segurança; a existência da violência

ao

extremo; o fato da ausência do Estado na Comunidade e que não oferece nada beneficiando os moradores; os políticos com promessas não cumpridas; a forte influência do tráfico; a falta de investimento público em educação e de oferecimento de postos de trabalho; a tênue relação entre bandido e polícia; a falta de policiamento ostensivo; a violência policial que não respeita os moradores; a falta de união e de mobilização entre os moradores; a falta de saneamento básico no morro e como efeito o esgoto que permanece a céu aberto; o completo descaso das autoridades pelas necessidades da população dos favelados; a falta de orientação social aos moradores; a falta de iniciativa em tirar os menores das ruas; a poluição sonora e as sujeira nas ruas; a falta de áreas de lazer; a falta de condições financeiras para a sobrevivência dos moradores; a forte poluição sonora nas casas e nos bares; o clima de total insegurança que assusta os moradores, etc. Indagados se a violência incide sobre a falta de qualidade de vida no morro, os moradores foram categóricos ao afirmar que os principais fatores implicados na falta de qualidade de vida é o uso, o tráfico e a dependência de drogas na comunidade; a presença de uma polícia violenta e corrupta que é conivente com os bandidos; os constantes tiroteios que afugentam os moradores da rua; a preocupação dos pais sobre o horário dos filhos chegarem em casa na parte da noite; o fato dos traficantes exercerem o governo civil no morro tirando a autonomia dos moradores; o alto índice de morte entre a juventude; os diversos casos de balas perdidas que sempre causam suas vítimas; o comércio que fica refém dos chefes do tráfico, com ordem de lacrar as portas, toque de recolher aos moradores, e a lei da mordaça, quando

se apresenta vítimas fatais. Indagados ainda sobre a vida

emocional dos moradores da Favela, em função da violência, foi-nos dado como resposta que, a população vive sempre num clima de sobressalto, assustados e amedrontados com os constantes tiroteios e invasão do morro, ora por policiais

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armados ou por outros bandos que disputam a posse da favela, que sempre deixam vítimas fatais. Indagados sobre, o que as autoridades do Estado deveriam fazer para melhorar a qualidade de vida na favela, nos foi dado como respostas que o Governo deveria instalar um posto policial permanente no morro e investir na comunidade com projetos sociais; que as autoridades deveriam ver os jovens de hoje como o futuro de amanhã e deveriam oferecer a eles cursos profissionalizantes para que eles não vivam no mundo das drogas como muitos que já se foram; outros afirmam que o Estado deveria afastar os policiais corruptos, de tratar os moradores de forma educada. Muitos responderam que moram na favela porque não tem para onde ir, e que seria mais significativo que se encontrasse uma fórmula para retirar os traficantes da favela, que se humanizasse o espaço físico, oferecendo bem estar à população, segurança, e condições de qualidade de vida. Ao perguntarmos aos moradores sobre “O que se entende por meio ambiente?, uma parte das

respostas se referem ao relacionamento digno de

respeito entre as pessoas; outras foram direcionadas à conservação ao ambiente físico na favela, relacionado à preservação das praças, da limpeza pública, de mais espaço físico às residências, à preservação da natureza, e ao combate à poluição e a violência. No questionário também se pergunta sobre os tipos de problemas ambientais identificados na favela, e nas respostas registramos o desrespeito á lei do silêncio após às 22 horas; a ausência total de atendimento médico; a proliferação de ratos e baratas que saem dos esgotos; as casas sem ventilação; a poluição sonora no comércio e nas residências; as ruas e becos sem planejamento; a total ausência de segurança pública na favela; o acúmulo de lixo por culpa dos moradores;

a

ausência das Instituições do Estado no morro; o entupimento da rede de esgoto; a falta de um posto de saúde etc.

Considerações Finais A problematização das favelas quer seja no âmbito ambiental, de saúde, de violência, de engenharia no espaço físico, e até mesmo nos problemas sóciofinanceiros de sua população, se constitui num referencial dos efeitos da política neoliberal adotada pelo Governo brasileiro. A Sociedade Internacional para o

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Desenvolvimento – SID, controlada pelo Banco Mundial e poderosos organismos oficiais, vem fortalecendo a política neoliberal em todo o planeta, como eixo e doutrina da nova ordem mundial. Esse desenvolvimento que preconiza a oligarquia significa mais empobrecimento e precariedade para a maioria dos trabalhadores, e mais riqueza para uns poucos grupos transnacionais, monopólios intervencionistas e intermediários que controlam os recursos e os mercados. Hoje, 243 pessoas controlam mais de 50% da riqueza mundial, e das 200 maiores empresas que existem, 191 pertencem a 10 países. O objetivo do Neo-Liberalismo não é a coesão social ou estado de bem-estar, senão a fratura social com as suas seqüelas como a marginalidade, as drogas, a delinqüência e o empobrecimento da classe média, e a miséria das populações marginais. Por detrás dessa política neoliberal de empobrecimento em massa da população, nunca houve mais pobres no planeta. Descobrimos a presença de organismos mundiais alheios aos interesses da maioria que constituem um verdadeiro governo de fato, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Grupo dos Setes países mais ricos do planeta, o Tratado de Livre Comércio, o Mercosul, a OTEAN, a UEO, e outras instituições que servem de correias de transmissão, como a ONU, a União Européia, e os Governos falidos que adotam essa política para sobreviverem como reféns do poder econômico internacional. Esses organismos e os interesses que as controlam dedicam-se a impor aos governos do mundo as medidas sócio-econômicas e estruturais que não ousam impor nos seus países respectivos, com o objetivo de eliminar travas para a livre acumulação do capital, usando falsos conceitos de “competitividade” para escravizar as pessoas de qualquer povo do mundo, e difundem outros eufemismos que disfarçam o rosto voraz da sua política, controlando e manipulando os meios de comunicação. A tônica dos neo-liberais é de incrementar uma campanha antitrabalhista, em que todo o potencial econômico é para salvar o sistema financeiro ou a moeda

e o capital, em detrimento da espoliação, da exploração e do

aniquilamento da classe trabalhadora. Segundo dados estatísticos da Enciclopédia do Mundo Contemporâneo (2000), converte-se assim o lucro como uma idolatria dos benefícios e como o principal motor da economia, e em conseqüência, 800 milhões de pessoas morrem de fome, os 200 milhões de menores permanecem em trabalho escravo, os 1.100

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milhões de desempregados e marginalizados se espalham em todo o planeta em que predomina a xenofobia, o racismo, a esterilização forçosa de milhares de mulheres, a venda de armas a estados genocídios, a quebra dos direitos humanos, e o fim do estado de direito que protege a cidadania.

Hoje, mais uma vez, o

Capitalismo continua fiel à sua máxima premissa, de maximização dos benefícios, de acumulação da riqueza, do lucro, do capital e da concentração de renda nas mãos de uma minoria elitizada. Essa é a filosofia da política econômica neo-liberal da União Econômica e Monetária. Essa é a face do Capitalismo Selvagem que condena à miséria e a marginalização a todos os povos do mundo, e por efeito, a favelização é o retrato desse mal nefasto que massacra e condena uma população a viver na miséria e sofrer as violências provocadas pelo Estado que escolheu o seu próprio destino pela hegemonia do atual poder político.

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