BOLETINS DO CPOE/RS ( ): PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E LEITURA RESUMO

October 12, 2016 | Author: João Victor Aveiro Paranhos | Category: N/A
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3300 BOLETINS DO CPOE/RS (1947-1966): PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E LEITURA Claudemir de Quadros Centro Universitário Franciscano de Santa Maria RESUMO Este texto preocupa-se em realizar um breve inventário dos boletins do Centro de Pesquisas e Orientação Educacional, publicados entre 1947 e 1966 pelo Centro de Pesquisas e Orientação Educacional - CPOE/RS - da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul. Procurou-se, primeiro, fazer uma descrição do conteúdo dos boletins, que prestou atenção para o ano da publicação, o conteúdo de cada um, o número de páginas e a existência ou não de imagens. Esse inventário dos boletins, entendidos enquanto objetos impressos se interessa, sobretudo, em propor algumas aproximações a partir das seguintes questões: qual a tarefa ou função dos boletins do CPOE/RS? O que testemunham?

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3301 TRABALHO COMPLETO

Reestruturação político-administrativa da educação Até 1935, a estrutura técnica e administrativa do órgão estadual encarregado dos assuntos educacionais, a Diretoria Geral de Instrução Pública, vinculada à Secretaria do Interior e Exterior, era bastante acanhada e contava com um número reduzido de funcionários: uma diretoria geral, com um diretor, e três seções: a Seção Administrativa, com 14 funcionários; a Seção Técnica, com 22 inspetores; e a Seção de Almoxarifado, com dois funcionários. Além desses, havia representantes (delegados) nas sedes das regiões escolares e subdelegados distritais. Cabia-lhe administrar, articular, orientar e fiscalizar o ensino ministrado nos estabelecimentos mantidos pelo governo estadual. Em 1935, pelo decreto n. 5.969, de 26 de junho, foi criada a Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública - Sesp. Em 10 de agosto, pelo decreto n. 6.037, deu-se a organização provisória dos serviços da Secretaria, que foi estruturada em seis diretorias: Expediente; Instrução Pública; Higiene e Saúde Pública; de Assistência a Alienados; Museu do Estado e Biblioteca Pública. O movimento de reestruturação da instância encarregada da educação se aprofundou com a posse de José Pereira Coelho de Souza na Sesp, em outubro de 1937. Reorganizou-se a Diretoria Geral de Instrução Pública, com a transformação do cargo de diretor da Secção Administrativa em cargo de confiança; a criação do cargo de diretor da Secção Técnica; a criação das delegacias regionais de ensino e dos cargos de delegados e orientadores de educação elementar; a criação dos cargos de auxiliares de Delegacia; a designação de 16 professores, em cargos comissionados, para atuação no gabinete da Diretoria Geral de Instrução Pública, nas secções administrativa, técnica e no serviço de nacionalização. Os fundamentos dessa reestruturação podem ser sentidos numa entrevista que, três meses após tomar posse, Coelho de Souza deu ao jornal Correio do Povo. Nela, o secretário aponta as suas principais preocupações, o que ele chama de “alicerces de uma obra”: reformar completamente o sistema de ensino, a partir de um novo padrão de educação: a educação integral para um novo homem; cercar-se de técnicos de reconhecida capacidade; preocupar-se com o magistério; implantar um plano de construção de edifícios escolares e adquirir material escolar para equipar as escolas (Correio do Povo, 3 fev. 1938, p. 10). Pelo decreto n. 7.615, de 13 de dezembro de 1938, foram regulamentados os serviços pertinentes à Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública, mediante a justificativa de que a Sesp, desde a sua criação pelo decreto n. 5.969, de 26 de junho de 1935, observava, ainda, o regulamento em vigor na Secretaria dos Negócios do Interior e que a sua atual organização, em face de uma multiplicidade de serviços criados, não mais correspondia às suas necessidades. De acordo com o artigo primeiro desse decreto, a Sesp compreendia: a Diretoria Geral de Instrução Pública; a Universidade de Porto Alegre; o Ginásio Estadual; a Universidade Técnica do Rio Grande do Sul; o Departamento Estadual de Saúde; a Diretoria de Assistência a Psicopatas; a Biblioteca Pública; o Museu Júlio de Castilhos; o Teatro São Pedro e a Diretoria de Estatística Educacional. No decorrer do texto do decreto aparecem outras duas diretorias: o artigo terceiro cita a Diretoria Geral - órgão intermediário entre o gabinete do secretário e as demais repartições da secretaria - e o artigo sexto faz referência à Diretoria de Expediente. A carreira do magistério público primário passou por uma importante reformulação, em especial pelo decreto n. 7.640, de 28 de dezembro de 1938, pelo qual se organizou e regulamentou a carreira do magistério. Foi estabelecido o concurso público como forma de recrutamento; a normatização da distribuição dos professores segundo a classificação das escolas e acesso gradativo aos níveis da carreira mediante concurso de remoção baseado nos critérios de tempo, merecimento e aperfeiçoamento cultural e técnico que envolvia estudo do rendimento do trabalho escolar, das aptidões reveladas, de cursos de especialização e publicações ou outras contribuições ao ensino; o estabelecimento de um sistema de promoções; a adoção de um sistema de remuneração para diretores de grupos escolares; a concessão aos professores e aos subvencionados dos direitos assegurados aos diplomados e concessões especiais aos professores contratados, estaduais e municipais, no que se refere à renovação de matrícula e regime escolar nas escolas complementares oficiais e equiparadas; o estímulo para estudos de aperfeiçoamento ou especialização.

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3302 O relatório da Diretoria Geral de Instrução Pública de 1940 cita outras medidas importantes relacionadas ao magistério: a reorganização ensino normal, condição considerada indispensável à execução do programa de reforma da educação primária, e “para elevação do nível cultural e técnico do professorado” (p. 5); a realização de estágios de no Rio de Janeiro e em São Paulo nas áreas de cinema educativo; música e canto orfeônico; estatística aplicada à educação; educação pré-primária e instituições escolares; problemas gerais de educação e educação rural. Nesse contexto, um movimento importante começa a ganhar, paulatinamente, proeminência no âmbito da Secretaria: a orientação pedagógica dos professores. Essa atividade que, com menor envergadura já era executada pela Secção Técnica da Diretoria Geral de Instrução Pública, começou a se ampliar e envolveu, nos anos de 1938 e 1939, as seguintes ações: a) a elaboração de planos de trabalho escolar e organização de campanhas que buscavam a “formação de atitudes e hábitos desejáveis” (idem, p. 7), como: Semana da Pátria, Proclamação da República, Semana da Asa, Cruzada Anti-Alcoólica e outras; b) a elaboração de comunicados e circulares de orientação; c) a organização de cursos de aperfeiçoamento pedagógico, de administração escolar, de especialização em desenho e artes aplicadas e em música, educação rural, preparação para professores de núcleos indígenas, de educação física e de reajustamento pedagógico; d) a realização de reuniões com professores dos grupos escolares, com os aplicadores dos testes ABC, com os professores orientadores de ensino, com delegados regionais de ensino e diretores das regiões escolares; e) o estudo de obras didáticas (42) e de literatura infantil (9); f) o exame de livros adotados nas escolas estrangeiras; g) a elaboração de programas mínimos para as escolas primárias. É nesse contexto de reaparelhamento do Estado que há uma ruptura fundamental: além de oferecer condições materiais e contratar pessoal docente e técnico-administrativo, era preciso proporcionar uma orientação e, sobretudo, uma direção para a educação. Essa direção, que para Alda Cardozo Kremer seguiu o influxo do movimento pedagógico renovador, que irradiou no Brasil os princípios e conceitos da “Escola Nova”, cujas experiências, ao findar do século 19, agitavam os centros culturais da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte, [e orientou] a organização administrativa que se implantava - confiada a ilustres homens públicos, como Otelo Rosa, José Pereira Coelho de Souza, e eminentes educadores, Olga Acauan Gayer, Marieta Cunha Silva, Ida Silveira, Graciema Pacheco e outros, - e assegurou para o sistema de educação do Rio Grande do Sul seguro embasamento e diretrizes de longo alcance (1969, p. 263), foi dada a conhecer pelos técnicos em educação vinculados à Secção Técnica da Diretoria Geral de Instrução Pública, que em 1943 transformou-se no Centro de Pesquisas e Orientação Educacional, coordenada pelas professoras Olga Acauan Gayer e Marieta da Cunha e Silva as quais, “até certo ponto, pode-se dizer que, na parte administrativa e técnica, eram as dirigentes de fato da educação do Rio Grande do Sul,” (Eloah Broth Ribeiro Kunz e Hilda Maria Pasquali, entrevista em 21/11/2005). Mediante um esforço, classificado por Coelho de Souza como “desassombrado e vigoroso” (1963, p. 275), o Estado se reformou para executar e operar um movimento de “renovação educacional” que não se revestia de uma “feição de construção isolada, parcial, fora da visão global do problema. Antes, se integrava em um programa de política educacional que, além de sistemático, se caracterizava pelo espírito de continuidade” (idem, p. 276) e que abrangia quatro dimensões: a redeterminação dos fins; a formação, atualização e dignificação do magistério; a renovação educacional e a administração central e regional do ensino. Mas a operacionalização desse programa não seria alcançada com improvisação. Requeria uma

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3303 ação bem fundamentada e ordenada para os fins propostos. Requeria, pois, unidade de vistas, co-responsabilidade e cooperação decidida de todos quantos estavam comprometidos em tão importante empreendimento, a começar pela administração do ensino. Só uma ação conjunta, obediente a um plano prévio de trabalho, seria capaz de fecundas realizações (idem, p. 281-282). Findara-se o tempo em que se administravam os serviços educacionais sem planejamento e sistematicidade. Para isso, foi fundamental a relação estabelecida entre Coelho de Souza e Lourenço Filho. Foi a partir dessa relação que o secretário buscou aproveitar a experiência, a orientação e a assessoria de Lourenço Filho para a reorganização administrativa e conceitual da Sesp. Assim, em 1942, Coelho de Souza encaminhou ao interventor federal a exposição de motivos para o decreto que propunha a reestruturação da Secretaria. No texto da exposição de motivos, Coelho de Souza, além de referir com insistência que procurou seguir as orientações de Lourenço Filho na organização da secretaria, indica que estrutura similar, em linhas gerais, já tinha sido adotada pelo Ministério da Educação e Saúde, embora com menor fidelidade às propostas de Lourenço Filho. Aponta, ainda, que a reorganização administrativa da secretaria obedeceu a dois princípios: o princípio da unidade de comando, que “importa em máxima centralização de planejamento”, ou seja, a decisão das linhas gerais do trabalho compete ao secretário, e o princípio da “pluralidade de chefia” dos serviços executivos. O secretário menciona “restrições orçamentárias” como causa da supressão de alguns serviços auxiliares e, ao finalizar, assinala que tomou cuidado para que a reorganização fosse feita de acordo com as possibilidades “das atuais dotações orçamentárias”, determinadas pela preocupação de economia. No contexto dessa reforma, foi criado na SEC o Departamento de Educação Primária e Normal, a quem competia dirigir, orientar e fiscalizar a educação pré-primária, primária e normal, bem como a educação especial e supletiva. A esse departamento, vinculou-se, a partir de 1943, por transformação da Secção Técnica da Diretoria Geral de Instrução Pública, o Centro de Pesquisas e Orientação Educacional - CPOE, instituído pelo decreto n. 794, de 17 de junho de 1943, que aprovou o regimento interno do Departamento de Educação Primária e Normal. Cabia ao CPOE a realização de estudos e investigações psicológicas, pedagógicas e sociais, destinadas a manter em bases científicas o trabalho escolar e, de acordo com os artigos 10 e 11 desse decreto, as funções do Centro abrangiam três dimensões: 1) realizar estudos de caráter objetivo sobre a criança em todos os aspectos que intervêm no processo educativo: biológico, psicológico, sociológico, pedagógico; sobre a aprendizagem: princípios e leis, instrumentos e processos, conteúdo e eficiência; e sobre o meio escolar: disciplina, instituições, recreações, relações com o meio social; 2) desenvolver atividades de orientação por meio de cursos e reuniões; visitas às unidades escolares; direção de ensaios pedagógicos; respostas a consultas de ordem técnica; elaboração de programas, planos, comunicados, circulares e instruções; manutenção de uma biblioteca central de obras pedagógicas e escolares; indicação de livros didáticos e de obras para as bibliotecas do professor e da criança; 3) elaborar medidas para organização das classes; orientação educacional e controle do rendimento escolar. Boletins do CPOE/RS: produção, circulação e proliferação de discursos Um dos instrumentos utilizados pelo Centro para a circulação e proliferação dos discursos que propunha foram os “Boletins do Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais”. Os boletins são, portanto, uma publicação institucional, oficial, inscrita numa “ordem do discurso” que lhe fixa um sentido. Constituem-se, portanto, num objeto cultural submetido a regras específicas e as formações discursivas. O primeiro deles foi publicado em 1947 e nele estão anunciadas, logo nas primeiras páginas, as suas finalidades, que se dirigem no sentido de informar, de promover a difusão de ‘novas práticas’ a partir de um ‘espírito científico’ e de vincular o trabalho desenvolvido pelo Centro com o ‘movimento renovador’ em educação. Nas palavras da sua diretora, Eloah Brodt Ribeiro, cabia ao boletim

3303

3304 proporcionar àqueles que executam o plano educacional elaborado pela Secretaria o conhecimento do acervo magnífico de experiências sobre o qual alicerçamos o trabalho de cada dia é valorizar o patrimônio cultural que nos foi confiado. Na difusão das práticas introduzidas e dos novos rumos palmilhados objetiva-se o desígnio de dilatar os horizontes individuais, estendendo-os em todos os sentidos significativos até o marco decisivo para a formação do espírito científico necessário à compreensão e livre aceitação dos fatos educacionais sob o influxo dos princípios que norteiam a ciência pedagógica. [...] Com a publicação periódica dos estudos e pesquisas realizados por este Centro propiciam-se o interconhecimento e a discussão dos assuntos relativos à vida educacional, sintonizando as clarinadas dispersas e acelerando o ritmo do movimento renovador que se processa no plano pedagógico. (Boletim do CPOE/RS, 1947, p. 9) Os boletins têm o formato de 16x23,5cm, em preto em branco. Oito foram impressos na gráfica da Imprensa Oficial, um pela Livraria do Globo e quatro pela Livraria Selbach. Neles encontra-se a publicação dos resultados de pesquisas desenvolvidas; orientações técnicas e pedagógicas (instruções e comunicados) e alguns textos são acompanhados por gráficos ou figuras ilustrativas. Além disso, encontram-se publicados ofícios, informações sobre atividades relacionadas com cursos, seminários, missões pedagógicas, visitas a escolas, legislação e resultados de estudos e levantamentos em andamento ou concluídos. No quadro a seguir, há uma descrição sumária dos boletins disponíveis, que considera o conteúdo, o número de páginas a presença ou não de imagens. Quadro 1 - Descrição genérica dos boletins do CPOE/RS (1947-1966). Ano Conteúdo N° de páginas 1947 Atribuições e atual organização do CPOE 159 Comunicados Pesquisas em andamento Biblioteca Legislação 1948 e Plano de educação rural: Eloah Brodt Ribeiro 205 1949 Comunicados Pesquisas em andamento Legislação (LDB) 1950 e Comunicados da Secção de Provas, da Secção de 158 1951 Orientação e da Secção de Pesquisas 1952 e A diagnose em educação: Eloah Brodt Ribeiro 154 1953 Sugestões para desenvolvimento de atividades nas escolas primárias rurais: Eloah Brodt Ribeiro e Ruth Ivoti Torres da Silva Regulamento para uma instituição destinada a menores desajustados: Ida Silveira Cursos Comunicados ofícios 1954 e Sugestões para o desenvolvimento de atividades 200 1955 nos jardins de infância: Gilka N. Fontoura e Eloah Brodt Ribeiro Cursos promovidos Comunicados e ofícios Apreciação de livros (critérios e fichas) 1956 e Comunicados 255 1957 Cursos, seminários, missões pedagógicas e ofícios circulares Classificação de publicações periódicas

Imagens Gráficos relacionados com aproveitamento escolar Gráficos e desenhos

Não há imagens Gravuras em preto e branco usadas na provas-diagnóstico

Não há imagens

Desenhos de uniformes escolares

3304

3305 1958

1959

1960

1961 e 1962

1963 a 1966 1963 a 1964 vol. 2 1965 e 1966

Comunicados e instruções Reforma do ensino primário Seminários, convenções, cursos e visitas a escolas Campanhas e concurso Comunicações apresentadas no 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos e no 3º Congresso Nacional de Professores Primários Ofícios, comunicados e instruções Cursos, estágios e missões pedagógicas Legislação Campanhas e concursos Pesquisas em andamento e resumos de estudos e pesquisas concluídas Atividades de orientação técnico-pedagógica Ofícios, comunicados e instruções da Secção do Ensino Primário Ofícios, comunicados e instruções da Secção do Ensino Normal e Secundário Campanhas e concursos Pesquisas realizadas e outros estudos Atividades de Secção de Psicologia Legislação Relatório da direção do Centro Subsídios de orientação Instruções Comunicados Ofícios Campanhas e comemorações Legislação Estudos, pesquisas e levantamentos

347

Fotografia do secretário da Educação

611

Desenhos

491

Gráficos e desenhos

645

Gravuras em preto e branco usadas em atividades para classes de jardins da infância

372

Ofícios e comunicados Subsídios e instruções

380

Gráficos relacionados com aproveitamento escolar Não há imagens

591

Não há imagens

Legislação Ofícios Comunicados subsídios Fonte: Boletins do CPOE/RS (1947 a 1966).

As informações disponíveis sobre o número de volumes impressos restringem-se ao período de 1950 a 1959 e dão conta que eram produzidos entre 2.500 e 3.000 exemplares. Tabela 1 - Tiragem dos boletins do CPOE/RS entre 1950 e 1959. Período Período de 1950-1951 (reedição) Período de 1954-1955 Período de 1956-1957 Período de 1958 Período de 1959 Fonte: Relatório do Boletim do CPOE, 1967.

Volumes impressos 500 2.500 2.500 3.000 2.500

A distribuição dos boletins era feita para os órgãos da Secretaria de Educação e Cultura (gabinete, diretorias, subsecretarias, superintendências, escolas normais e autoridades). Os boletins assumem uma forma de relatório e, como tal, apresentam uma pequena amostra dos principais resultados das atividades desenvolvidas pelo Centro. As suas páginas testemunham a 3305

3306 produção e a proliferação de um discurso autorizado que remete, quase que invariavelmente, para três dimensões proeminentes do trabalho desenvolvido pelo Centro: a “difusão de práticas” e de “novos rumos” para a educação; a formação de um “espírito científico” e o “movimento de renovação educacional” que, ao fim e ao cabo, o Centro diz representar. Neste sentido, os boletins instauram uma ordem “no interior da qual ele deve ser compreendido ou, ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu a sua publicação” (Roger Chartier, 1999, p. 8). No boletim dos anos 1954-55, 79 das 200 páginas são dedicadas a 13 “comunicados” que têm por objetivo orientar as direções de escola no trabalho administrativo ou os professores no desenvolvimento do trabalho escolar, no âmbito dos quais se destaca uma preocupação com o planejamento rigoroso “para que o trabalho seja plenamente satisfatório” (Boletim, 1954-55, p. 82). Os “comunicados”1, bem como as “instruções” devem merecer uma atenção especial. Antes de serem publicados nos boletins, nem todos o foram, eram distribuídos para as escolas em folhas mimeografadas ou “passadas pelo estêncil” - também um tipo de objeto impresso. Eram os comunicados e as instruções que chegavam aos professores com orientações de como proceder, por exemplo, em relação aos critérios de verificação do rendimento da aprendizagem; aos tipos de questões para a verificação da aprendizagem; atividades para estudos sociais e estudos naturais na escola primária; sugestões para o ensino de matemática, da linguagem e da ortografia; orientações para o planejamento escolar e para orientação educacional; instruções para organização e funcionamento da Hora pedagógica e os objetivos gerais que deviam ser visados pelo professor nas comemorações do dia da criança. Mais do que simples orientações de como proceder, os “comunicados” e as “instruções” definiam os objetivos das atividades propostas, as normas para o desenvolvimento do trabalho, as atividades a serem desenvolvidas, a bibliografia a ser utilizada, os exercícios a serem propostos e os critérios para a avaliação. Prestar atenção aos “comunicados” e as “instruções” significa, principalmente, inventariar que repertório de escolhas eles apresentam. O que selecionam, o que limitam e que normas pedagógicas fixam-se e transmitem-se por meio deles. Trata-se, portanto, de perspectivá-los enquanto “textos controlados” que têm “por meta anularse como discurso y producir, en el estado práctico, comportamientos o conductas consideradas legítimas o útiles” (Chartier, 1995, p. 91) tanto para os professores quanto, certamente, para os estudantes. Nesse sentido há, pelo menos, duas dimensões importantes a serem observadas. Por um lado, os “comunicados” e as “instruções” se constituem num modo de promover a formação dos professores. Essa é uma preocupação pertinente diante precariedade da formação do corpo docente. A tabela a seguir permite um exemplo parcial da qualificação do magistério estadual entre 1937 e 1961, na qual se percebe que, mesmo em meados dos anos 1960, mais da metade dos professores não havia cursado a escola normal. Tabela 2 - Qualificação do corpo docente das escolas públicas entre 1937 e 1961. Ano Normalista % Não-normalista 1937 2.407 27,1 6.454 1938 3.545 36,4 6.171 1939 3.954 39,7 6.005 1940 4.087 39,9 6.144 1941 4.306 40,2 6.396 1942 4.680 42,6 6.297 1943 4.385 38,4 7.014 1944 4.694 39,1 7.297 1945 5.173 41,6 7.258 1946 5.803 42,5 7.843 1947 6.206 41,2 8.832 1948 6.413 39,1 9.983 1949 6.288 36,4 10.968 1950 6.333 35,5 11.597 1

% 72,9 63,6 60,3 60,1 59,8 57,4 61,6 60,9 58,4 57,4 58,8 60,9 63,6 64,7

Os “comunicados” não foram inventados pelo CPOE/RS. Na Revista do Ensino/RS, nos números 14, 15 e 16 de 1940, por exemplo, estão publicados “comunicados” exarados pela Seção Técnica da Diretoria de Instrução Pública a partir de 1939. 3306

3307 1951 5.832 1952 6.342 1953 1954 1955 1956 1957 1958 12.672 1959 15.298 1960 16.684 1961 19.263 Fonte: Anuário de estatísticas educacionais - SEC/RS

32,2 32,8

12.248 12.986

67,8 67,2

45,3 45,9 48,3 48,2

15.282 18.015 17.857 20.643

54,7 54,1 51,7 51,8

Além dos números, essa precariedade é perceptível também por relatos orais. Geraldo Petry dá conta que estava no terceiro ano do ginásio quando voltou do internato religioso em 1960 e foi indicado pela comunidade para dar aula em 1961, em Ivoti/RS: “trabalhava com 15 alunos numa escola primária para qual não era fornecido material, somente professor, paredes e alunos, nem sempre havia giz. Como ainda não havia orientação de currículo, ensinava a ler, escrever e calcular” (entrevista em 13/12/2004). Esse depoimento sugere que a circulação dos boletins, dos “comunicados”, das “instruções”, enfim do discurso e das ações institucionalizadas pelo CPOE/RS, não atingia o universo dos professores, especialmente aqueles que trabalhavam no interior. Mesmo entre aqueles que esses objetos alcançavam circulação, cabe reiterar um alerta: a história da produção do discurso do CPOE/RS é diferente da sua apropriação. Muito embora, de fato, o discurso se constitua numa prática que produz aquilo que se põe a falar, não convém “considerar como totalmente eficazes e radicalmente aculturantes os textos, as falas ou os exemplos que visam moldar os pensamentos e as condutas da maioria. Além disso, essas práticas são criadoras de usos ou de representações que não são absolutamente redutíveis às vontades dos produtores de discursos” (Chartier, 2004, p. 13).2 Por outro lado, os “comunicados” e as “instruções”, pela seleção dos temas, constituem e informam os estudantes a partir da proposição de uma variedade de discursos, em especial, filosóficos, psicológicos, educacionais e morais. Nesse sentido, cita-se apenas um exemplo: o Comunicado n. 3, de 1957 - “Liberato Salzano Vieira da Cunha3: um amigo da educação, um exemplo de virtudes”. As sugestões para o plano de trabalho a ser desenvolvido nas escolas do Estado incitam a apresentá-lo aos vossos alunos como um homem dos nossos dias e de nosso meio que soube em sua carreira ser fiel ao ideal de brasileiro e de cristão; apresentai-o como filho e chefe de família exemplar, como modelo para o estudante, para o professor, o jornalista, o parlamentar, o administrador - pela coerência de seus atos com as suas convicções, pela beleza moral de sua vida, pela sua consagração ao trabalho e ao bem comum, pelo seu amor à justiça e à verdade, pela sua fé em Deus e pela dedicação à pátria. (Boletim do CPOE/RS, 1956-57, p. 77) Ensinar sob essas condições era, necessariamente, efetivar um tipo de educação que produzia os indivíduos, na medida em que os discursos construídos e disseminados pelos e “comunicados” e pelas “instruções” são parte do processo produtivo da sociedade.

2

Michel de Certeau (2002) também contraria a idéia de que, com maior ou menor resistência, a população é moldada pelo escrito, torna-se semelhante ao que recebe e “deixa-se imprimir pelo e como o texto que lhe é imposto” (p. 261). Ao invés disso, postula a possibilidade de uma “atividade criadora” que relativiza o pressuposto da leitura como passividade. Vê nessa atividade criadora uma “atividade silenciosa, transgressora, irônica ou poética, de leitores (ou telespectadores) que sabem manter sua privacidade e distância dos mestres” (p. 268). 3 Secretário de Estado da Educação morto em acidente aéreo em 1957 em Bagé. 3307

3308 Além dos “comunicados” e as “instruções”, cabe prestar atenção à parte dos boletins dedicada à publicação dos resultados das pesquisas e dos estudos desenvolvidos pelo Centro. Isso permite verificar quais eram os temas objeto de preocupação privilegiada do Centro. Quadro 2 - Pesquisa e estudos desenvolvidos pelo CPOE/RS por ano. Titulo Pesquisa sobre a linguagem escrita das crianças matriculadas na 2ª série primária no ano de 1946 Comentário sobre as provas objetivas Rendimento da aprendizagem nos grupos escolares da capital Justificativa e regulamentação de uma escola de mães O trabalho da criança que freqüenta a escola primária Aplicação do teste de inteligência não verbal do professor Pierre Weil Nível mental do escolar rio-grandense Pesquisa para determinar os interesses e necessidades dos alunos do curso primário Modificação do uniforme dos alunos das escolas primárias do estado Problemas educacionais em áreas diferenciadas do estado Recreação para o adolescente Problemas educacionais em áreas diferenciadas do estado Influência da educação pré-primária no desenvolvimento escolar As classes experimentais e as perspectivas de reforma do ensino secundário Pesquisas unificadas de linguagem Pesquisa da área de influência da Escola Normal Dom Diogo de Souza Alunos não alfabetizados em 1965 Estudo sobre o programa de gramática de 5ª série primária Levantamento do magistério de nível médio do estado do Rio Grande do Sul Funcionalidade da sexta série Avaliação dos resultados da aplicação da reforma do ensino normal no estado do Rio Grande do Sul Avaliação dos resultados da aplicação da reforma do ensino primário no estado do Rio Grande do Sul Estudo sobre os alunos de classes de 1º ano não alfabetizados em 1965 - capital Estudo sobre o programa de gramática funcional de 5º ano Levantamento do ensino religioso nas escolas públicas de nível médio da capital Possibilidades de realização, por parte do professor, de outras tarefas paralelas à função docente Subsídios para a criação de um centro de treinamento para professores de ensino médio Fonte: Boletins do CPOE/RS.

Ano de publicação no boletim 1948-49 1948 1948 1948 1958 1958 1958 1958 1959 1959 1960 1960 1960 1960 1960 1960 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66 1963-66

Diante da nuances que a circulação dos objetos impressos produzidos pelo CPOE/RS assumiram, inúmeras podem ter sido as utilizações e apropriações que tiveram. Difícil dar conta de todas. Porém, como relatórios publicados, em alguns casos com anos de defasagem, não foram os boletins os suportes que orientaram os professores no seu trabalho cotidiano. Possivelmente, poucos professores os tenham lido. Isso não significa, no entanto, que os boletins não tenham sido objeto de múltiplas utilizações: relatório administrativo; veículo de divulgação das iniciativas e das realizações do CPOE/RS; meio de proliferação de um discurso autorizado que se esforçava para constituir-se enquanto hegemônico; objeto impresso que testemunha o poder de um saber autorizado. Nesse aspecto, a observação de Chartier sobre os objetos impressos é muito apropriada: “os objetos impressos são sempre mais do que meros textos” (1998, p. 18). Os boletins se constituem numa coleção, reunião ou suporte de uma série de outros textos (comunicados, ofícios, instruções, notícias, orientações) que, estes sim, cada um com diferentes 3308

3309 formatos, alcançaram alguma circulação nos meios educacionais do Rio Grande do Sul. É neles, no que é dito por meio deles, que se deve concentrar a atenção, pois as obras, os discursos, só existem quando se tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê ou narra, declamadas num palco de teatro. Compreender os princípios que governam a ordem do discurso pressupõe decifrar, com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os processos de produção, de comunicação e de recepção dos livros. (Chartier, 1999, p. 8) Finalmente, cabe reafirmar que os discursos que vêm à tona nos objetos impressos produzidos pelo CPOE/RS, devem ser lidos numa perspectiva que envolve a modernidade pedagógica; o governamento e a produção de sujeitos; a meta de tornar o ensino mais racional, planejado e eficaz. Dito de uma forma mais ampla convém estudá-los na perspectiva de como a educação foi produzida historicamente. Referências CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 2002. [Primeira edição de 1975]. CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Unb, 1999. ____. As utilizações do objecto impresso. Portugal: Difel, 1998. ____. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Unesp, 2004. ____. Textos, impresos e lecturas. Revista de História. USP: FFLCH, n. 132, 1995, p. 83-94. COELHO DE SOUZA, José Pereira. A educação no Rio Grande do Sul. In: KREMER, Alda Cardozo et al. Rio Grande do Sul terra e povo. 1. ed. Porto Alegre: Globo, 1963, p. 267-288. CORREIO DO POVO, 3 fev. 1938, p. 10. DGIP. Relatório da Diretoria Geral de Instrução Pública. Porto Alegre: Diretoria Geral de Instrução Pública, 1940. (mimeo). KREMER, Alda Cardozo. Panorama da educação. In: KREMER, Alda Cardozo et al. Rio Grande do Sul terra e povo. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1969, p. 259-283. KUNZ, Eloah Broth Ribeiro; PASQUALI, Hilda Maria. Entrevista a Claudemir de Quadros. Porto Alegre, 21 nov., 2005. PETRY, Geraldo. Entrevista a Claudemir de Quadros. Ivoti, 13 dez., 2004. SEC. Anuário de estatísticas educacionais. Porto Alegre: SEC, 1937-1961. SEC/CPOE. Relatório do Boletim do CPOE. Porto Alegre: SEC/CPOE, 1967. (mimeo). SEC/CPOE. Boletins do Centro de Pesquisas e Orientação Educacional. Porto Alegre: SEC/CPOE, 1947, 1948-1949, 1950-1951, 1952-1953, 1954, 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1961-1962, 1963-66, 1965-1966.

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