As APPS DE TOPO DE MORRO E A LEI /12

January 29, 2016 | Author: Sarah Lameira Castilhos | Category: N/A
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As APPS DE TOPO DE MORRO E A LEI 12.651/12 Roberto Varjabedian1; Andréa Mechi2. Resumo O Código Florestal, nos termos da Lei n.º 4.771/65, cuja aplicação se deu conjugada a Resolução Conama n.º 04/85, entre 1986 e 2002 e posteriormente à Resolução Conama n.º 303/02, constituiu por décadas um dos pilares fundamentais da legislação ambiental brasileira, e uma das poucas normas abrangentes a todo o território nacional, senão a única, com alcance para estabelecer diretrizes, limites, critérios e parâmetros mínimos voltados para a preservação e restauração dos ecossistemas, de seus atributos, de seus processos essenciais e funções ambientais. A evolução histórica gradativa desta legislação foi interrompida e desfigurada pela edição da Lei n.º 12.651/12, porque a mesma, entre outros aspectos, não contou com embasamento científico. A edição de referida lei configurou graves perdas da proteção ambiental para as Áreas de Preservação Permanente de topos de morros, montanhas e serras, em detrimento do cumprimento de suas múltiplas funções ambientais. A orientação para delimitação destas áreas protegidas estabelecida pelo inciso IX do artigo 4º da Lei 12651/12 padece de fortes deficiências conceituais e científicas, e não fornecerá a proteção necessária para as mesmas. Os pontos de sela são equivocadamente adotados como base para morros e montanhas em relevos ondulados. Também ocorrem alterações arbitrárias dos critérios de declividade e de altura para enquadramento das elevações como morro. Os prejuízos são flagrantes para a diversidade biológica e para os recursos hídricos, assim como para as demais funções ambientais exercidas por estas áreas, em detrimento da qualidade ambiental. Abstract The Forest Code (Law n. 4.771/65, followed by Environment Council Resolutions that regulated its articles between 1986 and 2002, specially CONAMA n.º 04/85 and later CONAMA n.º 303/02) was, for decades, the fundamental pillar of Brazilian environmental legislation, and one of the few comprehensive regulation throughout the country, if not the only, with power to establish guidelines, limits, criteria and minimum standards that aimed to preserve and restore ecosystems, their attributes, their core processes and environmental functions. Forest Code gradual historical implementation was interrupted and distorted by Law n.º 12.651/12 because, among other things, it has not had a scientific basis. The Law n. 12.651/12 resulted in serious losses of environmental protection of what’s known as Permanent Preservation Areas – hilltops, hills, mountains and hills –, instead of enforcing their multiple environmental functions. The orientation of how these Permanent Preservation Areas should be delimited (established by Law n. 12651/12, article 4, section IX) suffers from serious conceptual and scientific problems, and doesn’t provide their necessary protection. The saddle points are mistakenly adopted as the basis for hills and mountains undulating reliefs. Also law changes occurred with arbitrary criteria considering slope and height definitions to define elevations as hill. The losses of biodiversity and water resources are abusive, as well as other environmental functions exercised by these areas, at the expense of environmental quality. Palavras-Chave – Área de Preservação Permanente; Topo de Morro; Lei n.º 12.651/12.

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Ministério Público do Estado de São Paulo: Rua Riachuelo, n.º 115, 7º andar, centro, São Paulo, CEP: 01007-904. Fone: (11) 3119-9525, [email protected] . 2

Ministério Público do Estado de São Paulo Rua Riachuelo, n.º 115, prédio anexo, 3º andar, Centro, São Paulo, CEP: 01007-904. Fone: (11) 3119-7212, [email protected] .

1 14º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental

1– CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.1 - Os bens ambientais e sua tutela pela Constituição Federal3 Conforme proclama a ordem constitucional brasileira instituída em 1988, o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi elevado à categoria de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida das atuais e vindouras gerações, sendo imposto aos Poderes Públicos e à coletividade a materialização de deveres simultâneos de correspondente defesa e preservação (art. 225, “caput”). Cumpre ainda salientar que à luz do disposto no artigo 225, da Constituição Federal, o meio ambiente é reconhecido como um bem juridicamente tutelado, inclusive porquanto a efetiva realização de sua defesa e preservação atende aos interesses das gerações presentes e futuras e está inserida entre as devidas prestações garantidoras da materialização da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito 4. Com isso, pode-se concluir que os bens ambientais não podem ser apropriados por ninguém. Nem por qualquer dos Poderes Públicos, nem pelos entes físicos ou jurídicos particulares. Outrossim, insta sublinhar que os bens ambientais, assim como seus atributos, valores, serviços ou funções são distintos da propriedade pública ou privada, ainda que em qualquer delas estejam inseridos. Bem se vê que para viabilizar a materialização dos direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana, bem como para assegurar garantia à segurança jurídica e à existência do próprio Estado Democrático de Direito cumpre a adoção de todas as medidas cabíveis objetivando não apenas evitar a degradação, mas igualmente à proteção, preservação, manutenção e restauro das bases, atributos, valores e funções ecológicas e culturais essenciais. 1.2 - O Ecossistema e os processos ecológicos essenciais Os sistemas representam um conjunto de elementos interconectados, organizados e com uma funcionalidade, e são mais do que a soma de suas partes: eles são dominados por suas inter-relações. O ecossistema é a unidade funcional básica na ciência ecológica, que inclui a totalidade dos organismos de uma área determinada (comunidade biótica, com sua diversidade biológica característica), interagindo com o ambiente físico, de tal forma que um fluxo de energia conduza ao estabelecimento de uma estrutura biótica (produtores; macroconsumidores; microconsumidores/decompositores), compondo redes tróficas ou alimentares; e de ciclos de materiais (troca de materiais entre as partes vivas e não vivas) claramente definidos (Odum, 2001). A função principal do conceito de ecossistema no pensamento ecológico é dar realce às relações obrigatórias, à interdependência e às relações causais, isto é, à junção de componentes para formar unidades funcionais. Através desse esforço, evidencia-se que os organismos e o meio abiótico (meio físico) estão inseparavelmente ligados entre si, através de redes complexas de 3

Fonte: Filippe Augusto Vieira de Andrade e Roberto Varjabedian: O imperioso dever de proteger, preservar e manter bens

ambientais essenciais, integrantes do “mínimo existencial ecológico” e a vedação de correspondente degradação ambiental e de retrocesso normativo e/ou de condições e valores do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Caderno de Teses. Congresso de Meio Ambiente do MP/SP, 2011. Águas de São Pedro.

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Cf. artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

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elementos e interações, que influenciam mutuamente as propriedades de seus componentes; sendo necessário o seu conhecimento, como ferramenta essencial para avaliar os efeitos de intervenções em diferentes ambientes. Processos ecológicos essenciais são aqueles que garantem a persistência das características típicas de composição, estrutura, dinâmica e funcionalidade do ecossistema, incluindo sua resiliência, envolvendo os fluxos de energia, os ciclos de matéria e as relações funcionais estabelecidas no âmbito da estrutura biótica (entre os organismos da comunidade e entre comunidades) em permanente interação com o meio abiótico 5. Cabe destacar ainda que: 1.2.1 - A proteção de recursos hídricos, dos solos e da paisagem depende dos processos geomorfológicos. Determinados locais são mais suscetíveis à ocorrência de processos de alteração das formas de relevo e instabilizações geotécnicas entendidas como impactantes e por vezes catastróficas pelo olhar humano. Os mananciais de água para abastecimento humano dependem do equilíbrio dos processos geomorfológicos (manutenção das taxas de infiltração das águas pluviais e controle de processos erosivos); sendo também passíveis de contaminação. Políticas públicas devem proteger populações humanas de áreas suscetíveis à ocorrência de processos de alteração das formas de relevo, identificando as áreas de potencial ocorrência desses processos geomorfológicos naturais episódicos, porém recorrentes. O Código Florestal deve proteger estas áreas no ambiente urbano e no rural, constituindo a base orientadora para o planejamento territorial. A não consideração devida desses processos tem causado danos a vidas humanas e perda de recursos materiais, sobretudo para populações de baixa renda, além do óbvio prejuízo aos recursos naturais. Por outro lado, este quadro tem sido constatado com frequência, a exemplo das catástrofes previsíveis e recorrentes tais como as ocorridas na região serrana do Rio de Janeiro, no Vale do Itajaí – SC e na Serra do Mar em São Paulo – SP, entre outros. 1.2.2 - A manutenção dos processos ecológicos essenciais depende da preservação, manutenção e restauração da diversidade biológica. Cada espécie em um ecossistema, a exemplo do que se observa nas florestas tropicais, mantém a sua própria integridade e, todavia, contribui para o entrelaçamento das teias alimentares. Os ecossistemas são ricos em redes de informação, as quais compreendem fluxos de comunicação físicos e químicos que interligam todas as partes e governam ou regulam o sistema como um todo. As interações dos organismos entre si e com o meio físico ou abiótico se estabelecem de modo a permitir a reprodução das populações e a manutenção da diversidade biológica do ecossistema (no tempo e no espaço), essencial para a sua auto-regulação e perpetuação.

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Fonte:http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/projeto_florestar/Programa_diagnosticos/materialapoio/RELATORIO_LEI%2012.651-2012_GAEMA.doc

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Ao abordarmos o tema do equilíbrio ecológico, estamos tratando de uma relação estabelecida entre os organismos e que é vital para a manutenção das próprias espécies. A extinção de determinada espécie ou população pode acabar afetando o equilíbrio ecológico existente em uma comunidade. Por fim, é relevante frisar que os sistemas naturais possuem uma sintonia fina, estável e flexível. A diversidade, em geral, aumenta essa flexibilidade. Quanto mais complexo e diversificado for um sistema, existirá uma maior variedade de componentes ou elementos que aumentarão os seus inter-relacionamentos e mecanismos de controle (CEAM, 1994). 1.2.3 - A manutenção das funções e serviços ecossistêmicos depende da diversidade biológica e dos processos ecológicos essenciais Todos, no mundo, dependem da natureza e dos serviços providos pelos ecossistemas para terem condições a uma vida decente, saudável e segura. (MEA, 2005) O entendimento da dinâmica dos ecossistemas requer um esforço de mapeamento das chamadas funções ecossistêmicas, as quais podem ser definidas como as constantes interações existentes entre os elementos estruturais de um ecossistema, incluindo transferência de energia, ciclagem de nutrientes, regulação de gás, regulação climática e do ciclo da água (Daly & Farley, 2004). O conceito de funções ecossistêmicas é relevante no sentido de que por meio delas se dá a geração dos chamados serviços ecossistêmicos, que são os benefícios diretos e indiretos obtidos pelo homem a partir dos ecossistemas. (MEA, 2005). Dentre eles pode-se citar a provisão de alimentos, a regulação climática, a formação do solo, etc. (Daily, 1997; Constanza et al., 1997; De Groot et al., 2002; MEA, 2005). São, em última instância, fluxos de materiais, energia e informações derivados dos ecossistemas naturais e cultivados que, combinados com os demais tipos de capital (humano, manufaturado e social) produzem o bem-estar humano. Tal como no caso dos ecossistemas, o conceito de serviços ecossistêmicos é relativamente recente, sendo utilizado pela primeira vez no final da década de 1960 (King, 1966; Helliwell, 1969). 1.2.4 - Paisagens As paisagens são compostas por diferentes ecossistemas, apresentando formas e tamanhos variáveis, compondo mosaicos, e mantendo ligações entre si. Verifica-se também o estabelecimento de zonas transicionais entre ecossistemas, denominadas de ecótonos. A composição da paisagem em mosaicos de manchas compostas por diferentes ecossistemas é um de seus elementos determinantes. Neste contexto, cabe destacar que a ecologia de paisagens permite a análise integrada de ecossistemas e, com isso, torna-se possível responder a várias questões sobre manejo e conservação (Mantovani, 2003; Metzger; 2010). Os prejuízos impostos a um ecossistema podem prejudicar configurações e processos em nível de paisagem. As pequenas intervenções envolvendo, por exemplo, a supressão de vegetação, podem, dependendo do contexto em análise, apresentar uma grande relevância e significado do ponto de vista ambiental, quer isoladamente, quer pelo efeito conjunto, seja por seu papel na configuração da paisagem, na interação entre ecossistemas, no equilíbrio do clima urbano; seja por seu papel na proteção dos solos, dos recursos hídricos, no controle da erosão, e prevenção de escorregamentos; seja pelo seu papel na manutenção do patrimônio genético, da biodiversidade e dos fluxos gênicos, seja como abrigo de espécies da flora e fauna silvestres, inclusive as endêmicas, raras ou ameaçadas de extinção. Além disso, devem ser consideradas as suas implicações e importância para a regeneração natural da vegetação, através dos processos de sucessão ecológica, entre outros aspectos.

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Diante desse conjunto de aspectos torna-se possível o efetivo entendimento da importância da preservação, manutenção e restauração de espaços territoriais especialmente protegidos como Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legal. Neste contexto é comum constatar a concepção errônea de que as áreas com vegetação nativa representam áreas não produtivas, de custo adicional, sem nenhum retorno ao produtor. Na verdade, essas áreas são fundamentais para manter a produtividade em sistemas agropecuários, tendo em vista sua influência direta na produção e conservação da água, da biodiversidade, do solo, na manutenção de abrigo para agentes polinizadores, para dispersores e para inimigos naturais de pragas das próprias culturas da propriedade. São também fundamentais para manter a qualidade ambiental em áreas urbanas. 2 - AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DE TOPOS DE MORRO, MONTANHAS E SERRAS NA LEI FEDERAL N.º 4.771/65 E RESOLUÇÃO CONAMA N.º 303/02. O Código Florestal, nos termos da Lei Federal n.º 4771/65 e suas alterações (Exemplos: Lei Federal n.º 7511/86; Lei Federal n.º 7803/89) cuja aplicação se deu conjugada à Resolução Conama n.º 04/85, entre 1986 e 2002 e posteriormente à Resolução Conama n.º 303/02, constituiu por décadas um dos pilares fundamentais da legislação ambiental brasileira, e uma das poucas normas abrangentes a todo o território nacional, senão a única, com alcance para estabelecer diretrizes, limites, critérios e parâmetros mínimos voltados para a preservação e restauração dos ecossistemas, de seus atributos, de seus processos essenciais e funções ambientais, sendo, portanto, indispensável para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da qualidade ambiental e da qualidade de vida para presentes e futuras gerações. Neste cenário, as citadas Resoluções do CONAMA tiveram um papel fundamental no estabelecimento de conceitos e critérios de delimitação espacial das áreas de preservação permanente de topos de morro, montanhas e serras, orientando por décadas a atuação de equipes técnicas de órgãos de licenciamento ambiental. A evolução histórica do Código Florestal foi interrompida e desfigurada pela edição da Lei Federal n.º 12.651/12, fundamentalmente porque a mesma não contou com embasamento científico. As contribuições da comunidade científica brasileira foram simplesmente ignoradas. Considerando o contexto ambiental atual, não só em nível local como mundial (aquecimento global, mudanças climáticas, controle de emissões), com a redução e prejuízo a estas áreas protegidas, perdem-se serviços ecossistêmicos de florestas nativas e de outros ambientes promovendo-se a destruição de habitats, de interações ecológicas e de componentes bióticos da flora e da fauna silvestre, incluindo muitas espécies endêmicas e ameaçadas, isso sem falar na perda do potencial de restauração ambiental em áreas degradadas. Cabe lembrar que o Brasil é signatário da Convenção da Biodiversidade e da Convenção Ramsar e a edição da Lei Federal 12651/12 entra em conflito com tais compromissos assumidos pelo Poder Público. As funções ambientais exercidas pelas Áreas de Preservação Permanente de Topos de Morro, Montanhas e Serras devem ser vistas também como fundamentais para a manutenção dos processos ecológicos essenciais em relação ao seu efeito conjunto (efeitos cumulativos e sinérgicos) no âmbito da bacia hidrográfica como um todo. Um exemplo é o seu papel regulador do ciclo hidrológico, e sua interferência em processos como infiltração, percolação e escoamento superficial das águas, tanto em áreas urbanas como rurais. As áreas de preservação permanente de diferentes tipos, incluindo as de Topos de Morro, Montanhas e Serras, merecem proteção especial inclusive porque, nos espaços que ocupam os seus componentes bióticos e abióticos, em interação, cumprem funções ecológicas indispensáveis para a persistência de todas as formas de vida, ou seja, cumprem diversas funções ambientais imprescindíveis para o desenvolvimento de processos ecológicos essenciais. Trata-se de uma diretriz que garante a manutenção e construção de corredores ecológicos, bem como a proteção de mananciais no âmbito da paisagem. Por isso, se mostram fundamentais para os recursos

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hídricos além de constituir em espaços de preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético do País, também tutelado constitucionalmente. 6. Desta forma, em síntese, vale destacar, o prejuízo às apps (redução ou eliminação destas áreas protegidas), bem como a sua não restauração devida, se mostra lesivo para todas as funções que lhe são legalmente atribuídas (área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas). Ainda que avaliações sejam feitas, levando em conta apenas uma única função ou parte das funções exercidas pelas apps, como por exemplo, a proteção dos solos, não se pode deixar de considerar que são múltiplas as funções atribuídas a estas áreas, o que exige um olhar integrador. 3 - A LEI 12.651/12 A edição da Lei Federal n.º 12651/12 configurou graves perdas da proteção ambiental para os topos de morros, montanhas e serras, em detrimento do cumprimento das funções ambientais destas áreas. Neste contexto, a orientação para delimitação destas áreas protegidas estabelecida pelo inciso IX do artigo 4º da Lei 12651/12 padece de fortes deficiências conceituais e científicas, e não fornecerá a proteção necessária para as mesmas (Figuras 1 a 6)7: “Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: .... IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação.” Além do equívoco da adoção de pontos de sela como base de morros em relevos ondulados, constatam-se alterações arbitrárias e permissivas em relação aos critérios da RESOLUÇÂO COMANA 303/2002 envolvendo os critérios de declividade (de 17º para 25º graus) e de altura (cota do topo em relação a base) para enquadramento como morro (100 metros ao invés de 50 metros). Este quadro, considerando a Lei Federal n.º12.651/12 como um todo, é agravado por anistias, a exemplo do disposto no artigo 63 da Lei em análise, bem como pela ampliação das situações envolvendo intervenções excepcionais em Áreas de Preservação Permanente, tais como utilidade pública e interesse social (artigo 3º). 6

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Constituição da República, art. 225, § 1º, inc. II. Fonte das imagens das Figuras 1 a 6: Apresentações públicas do Ministério Público de São Paulo.

Apoio em geoprocessamento: Assistente Técnico Romeu Simi Jr. (MP/SP): http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/projeto_florestar/Programa_diagnosticos/material-apoio/Ap_Lei_12651-Dec_7830Versao-22-02-2012-Divulgacao-Externa.pdf http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/apresenta%C3%A7%C3%A3o%20SENADO_0.p df http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/Parecer-PL1876-e-tragedia-no-RJ.pdf

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Figura 1 - Área adotada para exercício comparativo exemplificativo referente à delimitação de APPs de topo de morro. São José dos Campos – SP. Em linhas vermelhas a altimetria da cartografia do IGC (escala 1:10.000), e em cor verde a app de topo de morro delimitada de acordo com a Lei n.º 4771/65 e Resolução CONAMA 303/02. Medida no sistema (SPRING) com aproximadamente: 720.992502 ha (hectares).

Figura 2 - Área adotada para exercício comparativo exemplificativo referente à delimitação de APPs de topo de morro. São José dos Campos – SP. Em linhas vermelhas a altimetria da cartografia do IGC (escala 1:10.000), e em cor verde a app de topo de morro delimitada de acordo com a alteração aprovada pela Lei 12.651/2012. Medida no sistema (SPRING): 6,210987 ha (hectares), menos de 1% da proteção ilustrada na Figura 1.

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Figura 3 – Delimitação da APP de Topo de Morro na Serra da Pedra Azul, Espírito Santo (Lei Federal 4771/65 e Resolução CONAMA 303/2002) = 1.253,30 ha.

Figura 4 - Delimitação da APP de Topo de Morro na Serra da Pedra Azul, Espírito Santo (Lei 12.651/2012) = 34,09 ha.

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Figura 5 – Silvicultura com espécies exóticas em áreas rurais consolidadas: Artigo 63 da Lei Federal n.º 12.651/12 (SJC – SP).

Figura 6 - Ocupação em área urbana de APPs. Nova Friburgo - foto: Marino Azevedo - site Terra. 4 – CONCLUSÕES A alteração de critérios constante no inciso IX do artigo 4º da Lei Federal n.º 12.651/12 em relação aos estabelecidos pela Lei Federal n.º 4771/65 e RESOLUÇÃO CONAMA n.º 303/02 representa, na prática, o desaparecimento e/ou enorme redução da proteção conferida para as Áreas de Preservação Permanente de Topo de Morro, Montanhas e Serras. A proteção necessária, bem como o passivo que pesa sobre estas áreas são ignorados (para as áreas rurais consolidadas – 22 de julho de 2008: artigo 63 da citada lei), havendo também a ampliação de situações excepcionais nas quais as intervenções nestas áreas se tornam possíveis. Nas remotas hipóteses em que ainda há alguma proteção por este tipo de APP não há exigência de restauração quando não há cobertura vegetal nativa. Tal fato constitui flagrante prejuízo não só à preservação e manutenção da diversidade biológica e dos recursos hídricos, que são particularmente relevantes no caso deste tipo de APPs, como para as suas demais funções ambientais. Desta forma, o inciso IX do artigo 4º da Lei Federal n.º 12651/12 impõe prejuízos ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, bem como promove a piora da qualidade ambiental.

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BIBLIOGRAFIA

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