A prática da administração universitária: contribuições para a teoria

July 15, 2017 | Author: Terezinha Palhares Jardim | Category: N/A
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Universidade em Debate

ISSN 2318-700X Licenciado sob uma Licença Creative Commons DOI: 10.7213/univ.debate.02.001.AO01

A prática da administração universitária: contribuições para a teoria The practice of the university administration: contributions to the theory Victor Meyer Jr.

Victor Meyer Jr. é Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Doutor em Administração Universitária pela Universsity of Houston e Pós-Doutor pela University of Michigan e Professor Visitante da School of Public Services, DePaul University, Chicago. Contato: [email protected]

Resumo As universidades desempenham um papel relevante na sociedade. Por esta razão o desempenho dessas organizações merece maior atenção de estudiosos e praticantes da administração universitária. Aspectos decorrentes de sua complexidade organizacional como ambiguidade de objetivos, estrutura decisória colegiada, pluralidade de interesses, natureza do processo educacional, em especial a transmissão e produção do conhecimento e aprendizado como também a promoção de valores humanos, com recursos escassos requerem administração adequada e teoria própria. Este artigo questiona a adoção de teorias e modelos gerenciais empresariais pelas organizações acadêmicas e destaca que os resultados obtidos são, muitas vezes, frustrantes e onerosos para as instituições. É destacada a existência de uma teoria da administração universitária, ainda em formação, construída de forma incremental, por ações, iniciativas, re�lexão e aprendizagem de seus praticantes. A racionalidade da prática necessita ser examinada e resgatada de maneira a contribuir para a teorização da administração universitária. Palavras-chave: Prática. Administração universitária. Teoria.

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Abstract Universities perform an important role in society. For this reason the performance of such organizations deserve better attention of researchers and practitioners in the university administration. Elements derived from the organizational complexity such as ambiguity of goals, collegial decision making, plurality of interests, nature of the educational process, especially transmission and production of knowledge as well as promotion of human values and scarce resources are demanding a suitable administration and a theory of its own. This article challenges the adoption of theories and managerial business models by academic organizations and pinpoints that the outcomes of such experience are disappointed and costly for the institutions. The existence of a theory of higher education administration still being built following an incremental approach based on actions, initiatives, re�lection and learning by the practitioners. A rationality of practice needs to be analyzed and rescued in a way to contribute to the theorization of the university administration. Keywords: Practice. University administration. Theory.

Introdução As universidades, importantes instituições para o funcionamento da sociedade, têm em sua complexidade e gestão dois de seus maiores desa�ios. O primeiro desa�io, a complexidade, está intrinsecamente relacionado à natureza dessas organizações, sua estrutura, processo e comportamento de atividades intelectuais, de produção e de transmissão do conhecimento. O segundo desa�io, a administração, por seu papel de promover a captação e integração de recursos diversos e utilizá-los de forma que a instituição possa cumprir sua importante missão educacional e social. Impossível ignorar a complexidade das organizações educacionais caso se queira melhor compreender a sua realidade, comportamento e desempenho. Administrar uma organização acadêmica, cuja missão é educar seres humanos, requer visão, intuição, sensibilidade e o uso de ferramentas administrativas adequadas às especi�icidades deste tipo de organização. Para March (1986), entender as organizações torna-se um desa�io pelo fato da vida organizacional existir em dois níveis: o da ação e o da interpretação. O nível da ação implica em saber lidar com o ambiente em transformação. O nível da interpretação implica em um esforço de

compreender e interpretar os atos e fatos da vida organizacional. Ambos os níveis são importantes ao contribuírem para um melhor entendimento do comportamento humano em que pensamento e ação, ou ação e pensamento, se entrelaçam no cotidiano das organizações. Um dos pontos críticos da gestão das universidades tem sido a inexistência de uma teoria própria. O fato de inexistir tal teoria tem impulsionado seus administradores a buscarem conhecimento e práticas utilizadas no setor empresarial, no qual se concentra a essência da teoria administrativa e no qual a administração é, por excelência, mais praticada, incorporando-as em vários setores e áreas da organização universitária. Também não se pode desconhecer a in�luência da administração pública nas universidades em especial na administração das instituições vinculadas à rede pública de educação superior. Este trabalho tem o propósito de examinar as práticas de administração nas universidades, como fonte e importante contribuição para a construção de uma teoria nesta área.

Organizações, complexidade e metáforas Viver em uma sociedade organizacional reforça o papel da administração de tornar produtivos Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

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Se a administração é vital para as organizações, são seus administradores os grandes responsáveis pelo desempenho organizacional, fazendo com que recursos e talentos sejam melhor utilizados de forma a bem servir à sociedade.

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seus recursos. Para Mintzberg (2009), a sociedade atual revela uma verdadeira obsessão pela “administração”. Isto pode ser corroborado não só pela expansão signi�icativa de organizações privadas, públicas e sem �ins lucrativos, mas também pela demanda crescente destas organizações por abordagens administrativas vencedoras. Acompanha este fenômeno o crescimento surpreendente dos cursos de graduação em administração e dos famosos MBAs – os conhecidos cursos de pós-graduação (especialização) e mestrados pro�issionais em administração de empresas. A propaganda desses cursos se espalha por meio de websites, outdoors, em redes de metrôs e ônibus, além de encartes ou anúncios em revistas e jornais de grande circulação nacional. Se a administração é vital para as organizações, são seus administradores os grandes responsáveis pelo desempenho organizacional, fazendo com que recursos e talentos sejam melhor utilizados de forma a bem servir à sociedade. Com o objetivo de compreender melhor as organizações sociais, seres humanos utilizam metáforas. Alguns estudiosos como Brown (1978), Manning (1979), Morgan (1981) e Morgan (1986) utilizam metáforas para abordar as organizações, para analisá-las e representá-las. Como destaca Morgan (1986), metáforas são concepções criativas a respeito do mundo, símbolos que ajudam a compreender melhor a complexidade das organizações. Metáforas auxiliam a estruturar e criar signi�icado a partir da experiência. São tentativas de dar forma concreta e signi�icado para algo imaterial por meio de símbolos, linguagem, arte e ciência. As metáforas são também uma maneira de os estudiosos das organizações examinarem uma realidade concreta, porém, complexa e a internalizarem a abstração como sistema organizado, de modo a permitir ações concretas. Várias são as metáforas que procuram representar a natureza multifacetada das organizações: máquinas, organismos, teatros, arenas políticas, sistemas interpretativos, culturas, dentre outras. Para Morgan (1986), a lógica das metáforas indica Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

que cada uma delas re�lete determinada faceta ou dimensão de uma realidade de di�ícil compreensão. No caso das organizações, nenhuma metáfora, por si só, re�lete a natureza da vida organizacional em sua totalidade. Mintzberg (1994), ao examinar a prática do planejamento estratégico, identi�ica dois tipos contrastantes de organizações que ele distingue por meio de metáforas: as organizações “máquina” e as organizações “pro�issionais”. As primeiras são regidas pela racionalidade econômica guiada por objetivos claros, relações de causalidade e pela maximização de resultados. Já as segundas são conduzidas por formas menos ortodoxas, em que se mesclam ações, intenções, interpretações e poder compartilhados por um sistema pluralista composto por diversos grupos de interesse que desfrutam de autonomia na prática de suas atividades pro�issionais. As implicações para a administração destes dois tipos de organizações são bastante claras. Ambos os tipos condicionam as atividades dos administradores criando estruturas, processos, práticas, rotinas e formas de relacionamento com impacto no desempenho organizacional. Certamente a universidade é um bom exemplo de organização atípica, “pro�issional” e plural diante da diversidade de grupos de interesse atuantes em seu interior, com re�lexos na sua estrutura e comportamento.

Administração nas universidades A universidade não é uma empresa nem tampouco uma entidade governamental. Trata-se de uma organização sui generis cuja complexidade, objetivos e especi�icidades in�luenciam sobremaneira sua administração. Esta, por sua vez, está a merecer abordagens mais adequadas e estudos mais aprofundados de parte dos estudiosos das organizações. Como destaca a literatura nesta área, a universidade tem sido caracterizada como burocracia (Baldridge, 1983), colegialidade

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(Millet, 1962), anarquia organizada (Cohen e March, 1974), arena política (Baldridge, 1971), sistema frouxamente articulado (Weick 1976) e sistema cibernético (Birnbaum, 1989). A relevância da administração para as universidades é sumarizada por Birnbaum (1989), de forma provocativa e desa�iadora, em três posições distintas e excludentes: a primeira destaca a importância de uma administração para o bom desempenho organizacional; a segunda entende que a administração não é relevante para se atingir um bom desempenho organizacional e, �inalmente, a terceira reforça o entendimento de que a universidade atinge bom desempenho apesar da existência de uma administração. Seria a administração algo extremamente bené�ico, que contribui efetivamente para o melhor desempenho das universidades? Ou, quem sabe, seria a administração algo perverso, com modelos inadequados à natureza destas organizações e contendo custos altos de operação, introduzindo práticas gerenciais e controles desnecessários, que pouco ou quase nada agregam ao seu real desempenho? Neste ponto, é fundamental perguntar se seria mesmo possível fazer funcionar uma universidade sem uma “administração” e, portanto, sem “administradores”. Pode-se a�irmar, contudo, que o tipo de administração que as universidades necessitam ainda não existe. Certamente, como tem revelado a experiência, não são os modelos da burocracia estatal e tampouco as abordagens e modelos de administração importados das empresas as melhores e principais referências para os administradores acadêmicos. Questiona-se, seriamente, se competentes administradores de empresas reuniriam as habilidades necessárias para administrar organizações acadêmicas. Experiências feitas no passado nos EUA revelaram desempenho pí�io desses administradores na ambiência das organizações acadêmicas. A justi�icativa para o desempenho fraco concentra-se no fato dessas abordagens e modelos não contemplarem elementos próprios das

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organizações acadêmicas, como a natureza humana da educação, o processo individual de aprendizagem e da aplicação do conhecimento, que exigem tecnologia múltipla e envolvem uma pluralidade de interesses. Trata-se de um sistema complexo que desa�ia seus administradores. Pfeffer e Sutton (2006), professores da Escola de Negócios da Universidade Stanford, fazem um alerta sobre as inúmeras abordagens gerenciais que se disseminam no mercado. Muitas dessas abordagens não têm qualquer comprovação concreta de sua validade teórica e prática, sendo denominadas “meias-verdades” ou algo “sem sentido”. Os autores propõem uma administração baseada em evidências alertando aos administradores a buscarem as melhores práticas comprovadamente evidenciadas para suas organizações. Essas práticas teriam como base de identi�icação os seguintes princípios: a) tratar ideias velhas como ideias velhas; b) suspeitar de ideias e estudos disruptivos, pois nunca se con�irmam; c) celebrar grupos de pessoas inteligentes e não gênios ou gurus individualmente; d) enfatizar as virtudes, limitações e incertezas de suas práticas; e) utilizar as histórias de sucesso e fracasso para ilustrar práticas apoiadas por outras evidências e f) adotar uma postura neutra em termos ideológicos ou teóricos. As melhores práticas são validadas pelas melhores evidências, reveladas pelas boas práticas e pesquisas sólidas e não pelo modismo. Não se pode, conscientemente, negar que a administração é necessária para o funcionamento de qualquer organização social. Organizações servem à sociedade como bem lembrava Drucker (1993) e, mais recentemente, Handy (2009), ao se referir a um novo conceito de organização corporativa. Seu papel é fazer funcionar um organismo ao integrar esforços humanos tornando produtivos os recursos de forma a que os propósitos organizacionais sejam cumpridos e que as demandas e expectativas da sociedade sejam atendidas. Entretanto, pergunta-se: que tipo de administração requer uma organização acadêmica nos dias atuais diante da sua natureza organizacional Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

Pode-se afirmar, contudo, que o tipo de administração que as universidades necessitam ainda não existe. Certamente, como tem revelado a experiência, não são os modelos da burocracia estatal e tampouco as abordagens e modelos de administração importados das empresas as melhores e principais referências para os administradores acadêmicos.

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distinta, das transformações sociais e os desa�ios que lhe impõem o ambiente? Trata-se de uma organização social que teve sua origem nos monastérios do período medieval e que têm sobrevivido ao longo dos séculos enfrentando inúmeras transformações. A ideia de “universidade”, como instituição social, vem se modi�icando ao longo do tempo. Inicialmente, era uma “torre de mar�im”, um centro das artes, das ciências e das letras, isolada da sociedade. Outra imagem, mais recente, apresenta a universidade como uma instituição formadora de pro�issionais em diversos campos do saber e produtora do conhecimento relevante ao crescimento econômico-social e às necessidades do sistema de mercado. Finalmente, um terceiro conceito de universidade, mais atual, revela uma instituição na qual ensino e pesquisa mesclam-se, para responder às demandas sociais e às expectativas de seus inúmeros stakeholders, desempenhando uma função crítica da própria sociedade. Dois principais fatores podem ser aqui destacados para explicar a longevidade organizacional da universidade: um primeiro refere-se à importância crescente da educação, bene�iciando diferentemente indivíduos e a coletividade. Um segundo ressalta a relevância social das universidades, como instituições imprescindíveis para o desenvolvimento da sociedade, por meio da produção, transferência e aplicação do conhecimento. Quer públicas, comunitárias ou empresariais, todas as universidades brasileiras desfrutam de autonomia de gestão outorgada por lei, mas sempre sujeitas à supervisão do governo central. Os dois fatores citados contribuem para reforçar a legitimidade e a relevância social da instituição “universidade”. O que torna a administração universitária um desa�io para os seus administradores é o fato de ainda não existir uma “teoria da administração universitária” que possa ser utilizada para administrar este sistema complexo sob a ótica estrutural, acadêmica, social e até mesmo política. A própria administração, a exemplo de outras áreas das ciências sociais aplicadas, ainda carece Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

de teoria e métodos próprios valendo-se da contribuição de outras áreas do conhecimento ao longo do tempo, num esforço de formar uma base de sustentação teórica e metodológica. Ao abordar este problema, no contexto dos Estados Unidos da América, Keller (1983) ressaltou que a teoria da gestão universitária está sendo criada, de forma incremental, por novas gerações de reitores, pró-reitores, diretores de escolas, por alguns elementos úteis da gestão empresarial e por contribuições mais recentes de estudos organizacionais, da psicologia, de estudos gerenciais e de campos de estudo similares. Não se pode desconhecer também a efetiva contribuição de centros de estudos e pesquisas especializados na administração de instituições de educação superior, existentes em muitos países, com destaque especial para os EUA, Canadá, Inglaterra e alguns outros países europeus. No Brasil, iniciativas desta natureza começam a surgir, ainda de forma incipiente, disseminadas em pequenos grupos e centros de pesquisa de algumas universidades, porém, ainda muito tímidas, diante dos crescentes e prementes desa�ios enfrentados por seus administradores.

As práticas da administração A administração é uma atividade cuja essência é eminentemente prática. Para Mintzberg (2009), trata-se de uma prática que combina arte, teoria e experiência. Arte no sentido de saber lidar com problemas gerenciais em que se inclui visão, intuição, insights e criatividade. Teoria porque implica em saber desenvolver ou possuir conhecimento e habilidades analíticas exigidas para a solução dos inúmeros problemas organizacionais. Experiência por proporcionar um conhecimento tácito, sensibilidade e segurança requeridos para lidar com imprevistos e solucionar os problemas cotidianos da administração das organizações. A prática da administração nas organizações tem merecido, nos últimos anos, maior atenção

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dos estudiosos desta área. O foco na prática da administração indica também um interesse recente e crescente de estudiosos nas atividades desenvolvidas no seu dia a dia. Autores como Mintzberg (1973) e Starbuck (1983) já traziam importante contribuição sobre a natureza do trabalho do administrador ao terem como foco a prática da administração, das ações humanas no esforço de integrar recursos e talentos e interpretar o comportamento das organizações. Ao estudar a rotina de administradores, Mintzberg (1973) desa�iou o paradigma então predominante na teoria da administração. Segundo o autor, a �igura do administrador racional e re�lexivo, planejando, organizando, dirigindo e controlando as ações não é compatível com a administração praticada nas organizações. Os estudos de Mintzbeg (1973) revelaram que a essência do trabalho do administrador caracteriza-se pela fragmentação, brevidade, variedade e descontinuidade, concentrando-se em três áreas: decisoriais, interpessoais e informacionais. Starbuck (1983), por sua vez, identi�icou um hiato entre discurso, decisão e ação nas organizações, ao demonstrar que, na prática, os administradores fazem coisas diferentes daquelas apontadas em seus discursos. Dentre outros argumentos, o autor critica as ações nas organizações, pois enquanto algumas estão voltadas para a solução de problemas, outras motivam a criação de problemas que justi�icam as próprias ações. Salienta também Starbuck (1983) a importância do “desaprendizado” nas organizações. O autor destaca, dentre outras, duas situações em que o “desaprendizado” ocorre: a primeira quando a organização con�ia suas ações a praticantes que geram ações que provocam inércia e, a segunda, quando as organizações enfatizam justi�icativas explícitas que tornam rígida a racionalidade de suas ações. Há momentos, na prática da administração, em que se faz necessário abandonar certas ações ou rotinas diante da necessidade de se introduzir novas práticas requeridas pelos contextos interno e externo na solução dos problemas.

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Nessa linha de pensamento, Weick (2007) propõe o abandono das ferramentas ou abordagens utilizadas quando as circunstancias assim o exigem. Lapierre (2005) vai mais longe ao reforçar a posição de que diante de visões reducionistas, em relação à realidade complexa das organizações e dos sistemas humanos, pode-se adotar a posição de recusa às teorias, modelos e modismos em administração.

As práticas na administração universitária Nas universidades, a exemplo de outras organizações, a administração tem sido praticada como resultado de interações sociais, psicológicas e políticas, envolvendo processos, iniciativas e rotinas. Trata-se de um �luxo contínuo de ações e resultados, em que interpretação e ações dela decorrentes – “enactment” (Weick, 1995), exercem considerável in�luência, tanto no conteúdo da prática, quanto na sua intensidade e nos resultados decorrentes das práticas. Muito pouco se sabe sobre a administração universitária e suas práticas. Uma das questões comumente levantadas em discussões sobre as formas de se administrar as universidades indaga: São as universidades “empresas”? Embora possam parecer que sim, não o são em sua essência, como bem assinala Winston (1997), ao comentar características econômicas que distinguem as universidades das empresas. Os seguintes elementos distinguem as universidades das empresas: não distribuição de lucros, informação assimétrica daquilo que se adquire ao se registrar e pagar as mensalidades, princípios idealistas educacionais e sociais, subsídios proporcionados aos estudantes na venda de serviços educacionais de custos caros por um preço subsidiado e, �inalmente, a estranha “tecnologia” utilizada na produção dos serviços educacionais, chamada “cliente-entrada”, centrada no próprio aluno como único cliente. Neste particular, os alunos ajudam a educar outros alunos (Winston, 1997). Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

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O que se observa mais recentemente é que essas percepções, sob a ótica da administração universitária, são fortemente influenciadas pela pressão por maior produtividade e diferenciação em um ambiente competitivo, gerando conflitos entre duas lógicas: uma voltada ao mercado e outra orientada pela lógica acadêmica. Decorre daí profundas diferenças no que se refere aos objetivos, estrutura, tomada de decisão, práticas administrativas, desempenho e exame de resultados das organizações acadêmicas.

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Há um entendimento disseminado entre muitos gestores, professores de administração e consultores de que as universidades podem ser mais produtivas e atingir melhor desempenho ao utilizarem abordagens gerenciais praticadas nas empresas. Contudo, este entendimento não é respaldado pela pesquisa e tampouco pela prática. Se as universidades são empresas, como argumentam defensores desta posição, então, todo um conjunto de abordagens e ferramentais utilizado em empresas poderia ser transplantado, sem maiores problemas, para a administração das organizações acadêmicas. Dessa forma, reforça-se um paradigma que reconhece a existência de uma teoria geral da administração aplicável a distintos contextos organizacionais. Outra visão entende que as universidades constituem-se em organizações atípicas, sistemas complexos, cujas características especiais requerem uma abordagem própria para serem devidamente administradas (Meyer, 2003). O que se observa mais recentemente é que essas percepções, sob a ótica da administração universitária, são fortemente in�luenciadas pela pressão por maior produtividade e diferenciação em um ambiente competitivo, gerando con�litos entre duas lógicas: uma voltada ao mercado e outra orientada pela lógica acadêmica. Decorre daí profundas diferenças no que se refere aos objetivos, estrutura, tomada de decisão, práticas administrativas, desempenho e exame de resultados das organizações acadêmicas. Enquanto a primeira tem como foco resultado �inanceiro, algo bastante tangível, a segunda concentra-se na valorização do aprendizado, na produção do conhecimento e na contribuição da educação para o desenvolvimento da sociedade, algo intangível e, portanto, de di�ícil mensuração. Uma questão que necessita ser examinada refere-se aos praticantes da administração nas universidades. Quem são essas pessoas responsáveis pelas práticas, como são selecionadas, que requisitos são necessários para o exercício de tais práticas. Esses são alguns questionamentos relevantes requeridos para uma melhor compreensão da administração praticada em organizações acadêmicas. Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

Praticantes da administração universitária O administrador é um praticante dotado de uma miríade de visão, habilidades, conhecimento, competências, sensibilidade, todas necessárias para fazer funcionar uma organização. Como os seres humanos, em suas ações, carregam consigo de forma amalgamada, a cognição, as emoções, os sentimentos de amor, ódio, avareza, compaixão, inveja e poder na busca de propósito e signi�icado em suas decisões e ações (Keller, 1983). Impossível abordar as práticas nas organizações acadêmicas sem deixar de examinar quem são seus praticantes. Um dos conhecidos paradoxos da administração universitária é apontado por Simon (1967), ao ressaltar que um dos fatores que distingue as universidades de outras organizações é a forma como são administradas. As universidades, para Simon (1967), são instituições que formam profissionais e são administradas por amadores. A realidade das organizações acadêmicas revela que esses pro�issionais aprendem, no desempenho do próprio trabalho, como administrar. Um olhar rápido sobre o per�il dos ocupantes dos principais cargos administrativos nas universidades revela que, em sua esmagadora maioria, são professores universitários, com diversi�icada formação acadêmica e pro�issional bem como de interesses. É a chamada “administração professorial”. A experiência em administração neste caso é, muitas vezes, pequena e limitada à própria instituição ou derivada de experiências vivenciadas em outras organizações congêneres. Mais recentemente, com a expansão da presença das empresas educacionais na educação superior, surge um novo tipo de organização, voltada para o mercado. Para esse tipo de organização, fatores como produção, competitividade e lucratividade são críticos para sua sustentabilidade. Um novo per�il dissemina-se neste setor: experientes administradores são trazidos de empresas para atuarem na administração de instituições de educação superior. É a “administração pro�issional” celebrada por alguns e praticada com base em princípios e

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práticas da administração empresarial com valores voltados à economia de mercado, aplicados ao contexto das organizações acadêmicas. No mundo atual, são muito conhecidos os tradicionais cursos de graduação e de mestrado em administração, que têm o objetivo de formar pro�issionais para administrar os diversos tipos de organização, em especial à administração empresarial. Na percepção de Mintzberg (2004), as escolas de administração formam analistas e não administradores. A realidade da administração não é nem pode ser praticada em sala de aula. Porém, a administração pode ser ensinada nas escolas sem nunca ter sido praticada pelo professor o que, sob o ponto de vista pro�issional, é um paradoxo. French e Grey (1996) questionam a validade educacional dos cursos de administração, apresentando três fortes argumentos: o primeiro enfatiza a inexistência de evidências que con�irmam uma relação clara e positiva entre a educação gerencial e a melhoria do desempenho organizacional. O segundo argumento assinala que a relação entre educação e desempenho da organização depende da capacidade do gestor lidar com a mudança. Finalmente, o terceiro argumento reforça o ponto de vista de que o valor da administração educacional só é efetivamente reconhecido na própria prática da administração. Autores como Phil Rosenzweig (2009) chamam atenção para os métodos de pesquisa empregados em estudos no campo da administração. Muitos deles têm servido de fonte à publicação de livros populares, vendidos em livrarias e aeroportos, alguns best-sellers, que prometem revelar os segredos do sucesso das empresas ou o caminho da fama. Muitos deles tornam-se não só bíblias de administradores na busca de uma fonte para a construção de teorias, como inspiração para muitas práticas equivocadas e desastrosas. Como enfatiza Rosenzweig (2009), o efeito halo provoca interpretações equivocadas e ilusões a respeito do sucesso empresarial. Estas interpretações distorcem a realidade e negligenciam a pouca solidez, rigor e relevância prática das pesquisas na área

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da administração. Assim, o efeito halo se materializa no momento em que as pessoas emitem juízo de valor e inferências a respeito de traços especí�icos, com base em uma impressão de caráter geral. Trata-se de uma forma da mente humana criar e manter uma impressão coerente e consistente, para reduzir a chamada “dissonância cognitiva” (Rosenzweig, 2009). As práticas administrativas são in�luenciadas e formatadas por ilusões e enganos provocados por erros de lógica e de julgamentos falhos ou equivocados, que distorcem ou mascaram as verdadeiras razões e fatores que contribuem para o sucesso e o para fracasso das organizações. Livros com narrativas e histórias a cerca das causas da ascensão e da queda das empresas carregam em seu bojo um papel exagerado, ou desproporcional atribuído a fatores como liderança e práticas de administração.

Uma agenda para a administração universitária Num esforço de organização de uma agenda, é possível classi�icar as áreas relevantes da administração universitária em dois grandes grupos. O primeiro grupo é representado por um conjunto de macro iniciativas ligadas aos sistemas de administração que sistematizam importantes áreas da atividade dos administradores universitários. Em sua maioria, referem-se à incorporação, pela administração superior das universidades, de adaptações de modelos empresariais trazidos para dentro das organizações acadêmicas (Meyer, 2003). A ideia central é examinar e compreender a contribuição de tais abordagens para o funcionamento da organização e, particularmente, para o desenvolvimento das áreas centrais que integram a essência do trabalho acadêmico. A maior parte destes modelos e abordagens segue uma orientação essencialmente racionalista, muitas vezes prescritiva e, fortemente in�luenciada por consultorias, best-sellers, palestras de gurus e modismos gerenciais. Planejamento e Gestão Estratégica, Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

No mundo atual, são muito conhecidos os tradicionais cursos de graduação e de mestrado em administração, que têm o objetivo de formar profissionais para administrar os diversos tipos de organização, em especial à administração empresarial. Na percepção de Mintzberg (2004), as escolas de administração formam analistas e não administradores. A realidade da administração não é nem pode ser praticada em sala de aula.

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Balanced Scorecard – BSC, Qualidade Total, Orçamento Programa, Benchmarking, Reengenharia, Administração por Objetivos, International Standard Operations – ISO são alguns exemplos destas abordagens. Muitas delas constituíram-se em modismos (Birnbaum, 2000), enquanto outras ainda carecem de evidências validadas empiricamente pela teoria e prática a que se referem (Pfeffer e Sutton, 2006). Um segundo grupo desta agenda inclui atividades relacionadas à administração de áreas mais especí�icas, de nível setorial e micro, muito relevantes para o funcionamento da organização como a administração acadêmica, em que decisão, ação e resultados estão mais próximos e em que interações formais e informais ocorrem com grande intensidade. Estão aqui incluídas iniciativas voltadas para a administração da área acadêmica e das unidades que a integram. Procura-se examinar e compreender aspectos formais e informais da administração acadêmica como per�il e habilidades dos administradores nos diversos níveis organizacionais, liderança, estilo de administração. Buscase conhecer práticas inovadoras relacionadas à administração de cursos, inovação curricular, atração e retenção de alunos, produção acadêmica e sua avaliação, sistema de matrículas, avaliação discente e docente, aprendizado, cooperação com o setor produtivo, avaliação de programas e avaliação institucional, dentre outros aspectos. Uma vez que a esmagadora maioria dos praticantes da administração acadêmica é constituída por professores, muitos deles estão possivelmente familiarizados com os métodos cientí�icos. Contudo, uma vez em posições administrativas esses administradores atuam inspirados por uma “intuição de cientista” ao se apoiarem mais na experiência derivada de suas práticas do que em dados produzidos pelo sistema (Birnbaum, 1989, 2000). Ambos os grupos constituem-se em locus de práticas gerenciais, boas ou más, desenvolvidas nas organizações acadêmicas todas, porém, merecedoras da maior atenção, tanto da administração quanto dos pesquisadores. Embora ambos os Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

grupos possuam certa autonomia para iniciativas, em diferentes níveis e áreas organizacionais, a introdução de novas abordagens, especialmente aquelas vindas de fontes externas são, via de regra, iniciativas da administração superior. Igualmente iniciativas da administração intermediária, na área acadêmica, ou operacional, requerem aprovação prévia ou posterior da administração superior, de forma a carimbar e legitimar a ação. Isto ocorre quando iniciativas inovadoras impactam outros sistemas administrativos, ou demandam um volume signi�icativo de recursos. Muitas das iniciativas desenvolvidas são bem sucedidas, com resultados positivos e bene�ícios ao sistema de administração, com impacto no desempenho da organização. Administradores empreendedores e criativos podem ser encontrados não só no topo da hierarquia das universidades, mas principalmente em posições distintas, tanto no nível intermediário como no operacional. Estas últimas estão mais próximas das principais ações e iniciativas que sustentam a atividade acadêmica: transmissão e incorporação do conhecimento, portanto, centrais à missão organizacional. Práticas relevantes emergem de iniciativas individuais ou grupais, oriundas muitas vezes de micro-ações localizadas. Muitas dessas experiências raramente são compartilhadas para o resto da própria organização com perdas para o aprendizado organizacional. Práticas gerenciais são in�luenciadas por aspectos do ambiente organizacional, em que são modeladas. Neste particular, observa-se a rejeição a modelos importados, ou a teorias ruins, que não se coadunam com a realidade política, econômica e social da educação superior e com a natureza e especi�icidades das organizações universitárias. Ao comentar o uso de abordagens administrativas em organizações educacionais, Weick (1982) aponta quatro propriedades que caracterizam as organizações racionais e justapostas. A primeira destaca a existência de um sistema racional de autocorreção, cujo trabalho é essencialmente interdependente; uma segunda trata da existência

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de consenso com relação aos objetivos organizacionais e os meios para alcançá-los; uma terceira refere-se à existência de uma coordenação responsável pela disseminação de informações. Finalmente, uma quarta propriedade refere-se à capacidade de predição de problemas e de respostas a estes problemas. Uma vez que as organizações educacionais não apresentam essas propriedades, apontadas por Weick (1982), os modelos de administração convencionais nelas fundamentados não se aplicam à realidade dessas organizações. Assim, iniciativas de incorporação de modelos de administração empresarial nas organizações acadêmicas, caracterizadas como corporatização da educação superior (Lamal, 2001) e managerialism (Stacey, 2010), (Meyer & Meyer, 2013), esbarram na complexidade e características especiais dessas organizações, já comentadas, que se constituem em barreiras intransponíveis para essas abordagens. Como bem assinala Ghoshal (2005), em muitas ocasiões teorias ruins destroem boas práticas da administração, reforçando o entendimento de que nada é tão malé�ico para a prática da administração quanto a utilização de uma má teoria. No caso das universidades, a crescente absorção de modelos empresariais não só descaracterizam a natureza educacional das organizações acadêmicas como são inócuos em termos de bene�ícios e resultados.

Práticas e a construção da teoria da administração universitária Autores como De Certeau (1988), Giddens (1984), Bordieu (1990) e Argyris (1992) já enfatizavam a importância da prática nas organizações, para a formação da teoria nas Ciências Sociais. A sociedade pós-industrial e suas instituições, como assinala Schön (1991), são organizadas em torno da competência pro�issional. O sucesso desses pro�issionais é, em grande parte, atribuído à explosão do conhecimento, cujo resultado é representado pela responsabilidade na aplicação do

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conhecimento à solução de problemas e ao cumprimento dos objetivos organizacionais. Para Schön (1991), o trabalho pro�issional é caracterizado pela existência de uma prática re�lexiva e, por conseguinte, de um praticante re�lexivo. Trata-se de uma prática em que o pro�issional pensa enquanto age, ocorrendo, por conseguinte, uma interferência desta mesma re�lexão na própria ação praticada. Simultaneamente ocorre um impacto quase imediato dos resultados das práticas locais sobre a re�lexão, de modo a instaurar um �luxo de natureza circular não linearizada entre a prática e a re�lexão. Nesta prática social, como enfatiza Weick (1979, 1995), contribui sobremaneira o sensemaking que implica em um processo retrospectivo, pelo qual indivíduos e grupos buscam a redução dos equívocos, por meio da interpretação, busca de signi�icado e importância dos atos e fatos da vida organizacional decorrentes de práticas sociais. No entendimento de Weick (1995), a construção do sentido implica em desenvolver insights e enfatizar como distintas realidades são construídas pelos indivíduos via racionalização. Discrepâncias e surpresas são identi�icadas, buscando-se explicações plausíveis. Compreender o que é administração de uma organização, como se manifesta e como se materializa requer o conhecimento de suas práticas. Estas se constituem em elemento central, concentrando as intenções e as ações dos administradores, os desa�ios, as conquistas, os sucessos, os fracassos, as frustrações, bem como os paradoxos inerentes ao ambiente das organizações sociais. Nele, a racionalidade e o subjetivismo, inerentes ao ser humano, mesclam-se e se projetam em modelos, abordagens, modismos, intenções e ações, diante da complexidade organizacional e dos desa�ios impostos por um contexto dinâmico, imprevisível e incerto. Práticas também são fonte de conhecimento. Como bem assinalam Weick e Roberts (1993), o conhecimento começa com ações. No entendimento de Tsoukas (1996), as organizações são Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

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Uma variedade de métodos de investigação faz-se necessária para um melhor conhecimento da administração e de suas práticas nas universidades. O uso de diferentes perspectivas, quer funcionalista, interpretativa ou crítica, traz olhares distintos a um fenômeno tão complexo como a prática da administração nas organizações acadêmicas.

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sistemas de conhecimento distribuído e, como tal, reúnem um poder discricionário, na forma como tomam decisões, utilizam recursos e como de�inem quais serviços serão derivados desses recursos. Para isto, as organizações utilizam-se do conhecimento nelas existente, quer na forma individual ou coletiva. Há aqui o entendimento de autores como Nonaka e Takeuchi (1995) de que os praticantes criam conhecimento novo a partir de suas práticas, seja este conhecimento tácito ou explícito. As práticas, neste caso, falam por si mesmas, por meio das ações de seus praticantes. Há também a necessidade de se explorar as práticas e a natureza das regras, que orientam, ou de onde derivam as ações sociais dos agentes, como lembram Weick e Roberts (1993). Uma variedade de métodos de investigação faz-se necessária para um melhor conhecimento da administração e de suas práticas nas universidades. O uso de diferentes perspectivas, quer funcionalista, interpretativa ou crítica, traz olhares distintos a um fenômeno tão complexo como a prática da administração nas organizações acadêmicas. Assim, Eisenhardt (1989), por exemplo, já apontava a importância dos estudos de caso para a construção de teoria. No campo da administração, o método do estudo de caso constitui uma abordagem empírica largamente utilizada, servindo de base para evidências que contribuem para o avanço do conhecimento e construção de teorias. Este método proporciona o contato direto com as experiências, as pessoas e suas práticas relacionadas a determinado fenômeno, ou aspecto da vida real das organizações, permitindo conhecer aquelas experiências que resultaram em sucesso ou fracasso, proporcionando aprendizado individual, grupal e, em alguns casos, organizacional Argyris e Schön (1978), Argyris (1992), Gherardi et al. (1998), Tsoukas e Vladimirou (2001) e Antonacopoulou (2006). As organizações são comunidades de praticantes nas quais uma dinâmica social é estabelecida reforçando a interconectividade e interdependência entre pessoas e estrutura (Gherardi et al. 1998, Antonacopoulou, 2009). Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

Estudos etnográ�icos, pesquisa-ação, grounded theory e narrativas são outros exemplos de métodos utilizados nas ciências sociais aplicadas que podem trazer insights importantes sobre a natureza e forma das práticas, das habilidades e da visão dos praticantes da administração a respeito de suas práticas nas universidades. Ao se aplicar uma variedade de métodos de estudo, no exame das práticas e de sua racionalidade, se estará aumentando a compreensão das inúmeras dimensões da complexidade organizacional e de suas implicações para a prática da administração. Com isto, passa-se a examinar e resgatar as boas e más experiências, constituindo-se em importante contribuição para re�lexão e entendimento de uma racionalidade prática e para a formação de uma teoria da administração universitária. O aprendizado pela experiência de seus praticantes constitui-se também em fonte preciosa para a construção de uma teoria da administração universitária. Aprende-se com base na experiência vivenciada. Boas experiências in�luenciam as ações humanas, havendo uma tendência de repeti-las sempre que o contexto assim o permitir, enquanto as más experiências apontam para aquilo que se deve evitar ou não repetir. Autores como Gheradi et al, (1998) destacam a importância das microações nas organizações enquanto Johnson et al., (2003), Rouleau (2004) e Stacey (2011) reforçam a necessidade do foco de atenção da administração estratégica se mover do nível macro para o nível micro, em que práticas importantes acontecem, de forma dinâmica interativa e auto-organizativa. Nas universidades, vistas como sistemas complexos, pluralísticos e frouxamente articulados, profissionais desfrutam de autonomia no desempenho de atividades individuais e grupais. Parte significativa das ações estratégicas é praticada por meio de micro-ações nas unidades acadêmicas em que se concentram o ensino e a pesquisa, funções essenciais ao cumprimento da missão organizacional.

A prática da administração universitária

No caso das universidades, as práticas da administração carecem de maior atenção e interpretação, não só do contexto e forma como são praticadas, como também dos resultados delas decorrentes. Essas práticas, muitas vezes, resultam do uso de espaço de criatividade e inovação, próprio de organizações pro�issionais como as universidades e absolutamente necessário para que novas ideias, experimentação e inovação possam emergir. A identi�icação dos problemas, a busca de solução, as decisões, as ações praticadas, as experimentações e os resultados, não necessariamente nesta ordem, integram a agenda dos administradores acadêmicos. Identi�icar experiências bem sucedidas, por meio de abordagens como narrativas, observações e estudos de caso, contribuiria para a descoberta de boas e relevantes práticas, gerando aprendizado, de forma a alimentar novas práticas e fortalecer a construção de uma teoria. Há, portanto, em termos práticos, a necessidade de se disseminar política, estrutura e cultura que estimulem os administradores acadêmicos a ousarem e buscarem novas iniciativas. Nesta mesma linha, há que se permitir a esses pro�issionais, como seres humanos, a possibilidade de cometerem erros e falharem em suas iniciativas de inovar e implantar novas práticas, sem punição, na tentativa de melhoria dos serviços educacionais. Diferentemente de outras ciências, como as Ciências Físicas, Exatas e Biológicas que possuem uma teoria consolidada, as Ciências Sociais Aplicadas e, particularmente, a Administração carecem desta base teórica, algo ainda em formação. Seu objeto de estudo são as organizações sociais e as interações humanas que as fazem funcionar. No caso da administração, o relevante é compreender os seres humanos, seus discursos, suas ações, suas formas de agir e de fazer funcionar as organizações, constituindo-se no foco maior da pesquisa e das observações. No caso especí�ico das universidades, compreender como esses sistemas complexos se estruturam e funcionam, constitui-se em requisito para o aprimoramento das práticas

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da administração, a identi�icação da racionalidade dessa prática e construção de uma teoria própria. Ao examinarem a prática nas organizações, Philips, Lawrence e Hardy (2004) propõem um modelo que ressalta as relações entre textos, discursos, instituições e ação. Para os autores, dois tipos de ação produzem resultados de maior impacto: ações caracterizadas pela novidade e grau de surpresa, por elas gerados e, ações que colocam em cheque ou afetam a legitimidade de uma organização. A pressão por e�iciência e e�icácia e maior qualidade da educação têm impulsionado as universidades, como já ressaltado, a incorporarem modelos e abordagens gerenciais do mundo empresarial. Muitos destes modelos e abordagens contêm, aparentemente, ideias novas e integram o chamado “modismo gerencial” (Birnbaum, 2000). Algumas delas são propostas antigas com novos rótulos, sem qualquer contribuição maior para a administração do complexo mundo acadêmico. Introduzidas com grande expectativa pela administração são mais adiante abandonadas diante dos resultados pí�ios e nenhuma contribuição ao desempenho organizacional, gerando frustrações e desapontamentos além de gastos elevados às instituições.

Comentários Finais É chegado o momento de se voltar a atenção para um campo de atuação muito pouco explorado por estudiosos da administração: a prática da administração universitária, quem são seus praticantes, o que fazem e como fazem quando dizem que estão praticando a administração nas universidades. Novos tempos exigem uma nova administração universitária. Abordagens empresariais predominantes na literatura e na prática da administração, com seus pressupostos racionalistas, não se coadunam com a realidade complexa das organizações acadêmicas e suas especi�icidades. É fundamental ter em mente que a teoria Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

Há, portanto, em termos práticos, a necessidade de se disseminar política, estrutura e cultura que estimulem os administradores acadêmicos a ousarem e buscarem novas iniciativas. Nesta mesma linha, há que se permitir a esses profissionais, como seres humanos, a possibilidade de cometerem erros e falharem em suas iniciativas de inovar e implantar novas práticas, sem punição, na tentativa de melhoria dos serviços educacionais.

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da administração universitária é uma construção incremental graças às ações e iniciativas de seus praticantes, por sua re�lexão e aprendizado. Ter o foco nas práticas como campo de estudo da administração universitária vai exigir a utilização competente de um conjunto de métodos qualitativos e quantitativos, sua sistematização e legitimidade organizacional. Estes elementos são essências para que as práticas administrativas possam contribuir para a melhoria do desempenho organizacional e para a construção de uma “teoria da administração universitária”. É tempo de recuperar a racionalidade da prática na administração das organizações acadêmicas, de resgatar as boas experiências, compreendêlas, aprender com elas e disseminá-las. Para isso, é crítico que se crie incentivos à criatividade, originalidade, e inovação na administração das universidades. Estas carecem de administradores que tenham iniciativas sem receio de errar na busca das melhores práticas e melhores resultados e que reúnam as habilidades de combinar a experiência, a arte e a ciência de administrar e liderar um sistema tão complexo que tem desa�iado tantas gerações de administradores. O contexto atual, com novas e renovadas demandas impostas às universidades, pressiona a busca novas formas de atuação e de melhoria da qualidade dos serviços educacionais, desempenho e relevância dos serviços educacionais prestados. Neste esforço, não se poderá prescindir além das ciências econômicas, a sociologia, as ciências políticas e a psicologia. Pretende-se com este ensaio estimular o debate em torno de um tema tão fundamental para o momento atual vivenciado pelas organizações universitárias, desa�iadas a repensar sua estrutura, processos e práticas, o que implica em transformações internas e novos modos de engajamento externo, impostos por demandas econômicas, sociais, políticas e tecnológicas. Neste contexto, práticas são vistas como um processo dinâmico, complexo, interativo e social necessário para permitir as organizações universitárias integrarem Univ. Debate 2014 jan./dez., 2(1), 12-26

esforços e agirem com estratégias adequadas respondendo aos desa�ios que se apresentam. A administração das universidades é muito importante para �icar na dependência de teorias e modelos inadequados ou ruins que nada contribuem para o desempenho e relevância do trabalho acadêmico. Resgatar a racionalidade da prática com suas lições poderá contribuir para a construção de uma teoria da administração de que tanto carecem as universidades e seus administradores.

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