A PEDAGOGIA DO AMOR DE PESTALOZZI

January 19, 2017 | Author: Aurélia Taveira Batista | Category: N/A
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A PEDAGOGIA DO AMOR DE PESTALOZZI Rivaldo Sávio de Jesus Lima*

Poderíamos destacar que o século XIX foi marcado pelo evolucionismo e cientificismo, além de uma crescente revolta contra a religião, e tudo isso de fato começou antes da Revolução Francesa, e tem o seu declínio depois da 1ª Guerra Mundial. Assim, a civilização europeia viveu uma efervecência de ideais, teorias e práticas progressistas. Do evolucionismo de Darwin (que bate forte no criacionismo da Igreja) à teoria revolucionária de Marx, herdeira direta da Revolução Francesa; da transformação da pedagogia idealizada por Rousseau e efetivamente praticada por Pestalozzi até o movimento da escola laica, obrigatória e universal, observamos que o processo civilizatório iria rapidamente alcançar o seu auge (INCONTRI, 2004). É claro que encontramos também o tédio do romantismo e a reação do catolicismo (pelo menos em parte) que se opõe ao evolucionismo. De certo que todo esse processo de transformação escondia em suas entranhas a exploração social e econômica da classe trabalhadora submetida à Revolução Industrial, a hipócrita ética sexual burguesa, o ódio marcante entre gerações e classes sociais, dentre tantos outros aspectos sócioculturais dessa era. Dessa forma, foi nos primórdios de toda essa ebolição cultural, científica e religiosa que Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) nasceu em Zurique, Suíça. De família pobre, as dificuldades para sobreviver fortaleceram sua alma ainda na infância. Conheceu de perto o preconceito social e teve de lutar muito para se tornar conhecido numa sociedade dividida entre ricos e pobres. Recebeu orientação religiosa protestante, mas considerava-se sempre um cristão, sem defender qualquer religião (ARCE, 2001). Após a leitura do Emílio de Rousseau, Pestalozzi acabou influenciado pelo movimento naturalista e tornou-se um revolucionário, criticando a situação política do seu país. Assim, tornou-se herdeiro da filosofia humanista de JeanJacques Rousseau (1712-1778). Por algum tempo, fez de sua casa, na fazenda, uma escola. Escreveu, em 1781, sua obra-prima: Leonardo e Gertrudes, um conto em que narra a reforma *

Professor, doutor em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (Portugal) e Coordenador de Assistência Estudantil da Universidade Federal de Sergipe. Contato: [email protected]

gradual feita, primeiro, numa casa, depois, numa aldeia, frutos dos esforços de uma mulher boa e dedicada. A obra foi um sucesso na Alemanha e Pestalozzi saiu do anonimato (ARCE, 2001). A invasão da França na Suíça, em 1798, revelou seu caráter heroico. Durante a guerra, muitas crianças vagavam no Cantão de Unterwalden, às margens do Lago de Lucerna, órfãos e desabrigados. Pestalozzi reuniu muitos deles num convento abandonado, e começou a educá-los. No inverno, cuidava delas pessoalmente com extremada devoção, mas, em 1799, o prédio onde acolhia as crianças foi requisitado pelo invasor francês para instalar ali um hospital, e seus esforços foram perdidos. Porém, obteve permissão do exército francês para manter uma escola em Burgdorf, onde permaneceu trabalhando até 1804. Em 1801, Pestalozzi concentrou suas ideias sobre educação no seu livro intitulado "Como Gertrudes ensina suas crianças".

Ali expõe seu método

pedagógico, em que parte do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo. Em1802, foi a Paris na condição de deputado, e fez de tudo para que Napoleão se interessasse em criar um sistema nacional de educação básica, mas o conquistador disse-lhe que não podia perder tempo com o alfabeto (ARCE, 2001). Segundo Wantuil & Thiesen (2004), Pestalozzi acreditava que o aprendizado na escola levava “as crianças e os jovens, na vivência escolar, a lição da fraternidade, da igualdade e da liberdade” proposta por Rousseau (p. 29). Sua máxima apontava que o saber e a bondade deveriam ser regidos pelo bom-senso, e que “o amor é o eterno fundamento da educação” (p. 30). Com essas expectativas, Pestalozzi criou, em 1805, na Suíça, o Instituto de Yverdon (que ficava no Castelo de Zahringenem), onde pode desenvolver e práticar todas as suas criativas ideias educacionais (para a instrução primária e secundária), tornando-se a escola modelo da Europa. Lá, Pestalozzi conseguiu reunir conceituados professores, sendo que alguns deles tinham sido anteriormente seus alunos. Támbém reuniu em sua instituição de ensino filhos das maiores casas monárquicas da Europa, e que ficavam internados em Yverdon pagando uma pensão anual. No entanto, Pestalozzi também aceitou muitos alunos de famílias que não tinham condições financeiras de permanecer na sua instituição, o que, mais adiante, acabou gerando problemas financeiros ao Instituto. Em Yverdon, os alunos gozavam de muita liberdade. Podia-se sair e voltar a qualquer hora da escola, apesar de as crianças quase não se valerem disso.

Estudavam dez horas de aulas por dia (das seis da manhã às oito da noite), mas cada aula tinha a duração de uma hora e era seguida de pequeno intervalo. Algumas dessas aulas eram de ginástica, jardinagem, atividades artísticas e trabalho livre, incluindo ai aulas de dança, esgrima, natação e patinação durante o inverno (WANTUIL & THIESEN, 2004). Dessa forma, além de seus alunos receberem excelente formação física, intelectual e moral, eram também educados para a vida em sociedade. Dentro desse processo educacional, Pestalozzi não desenvolvia em sua prática pedagógica a utilização de castigos, como também não dava recompensas aos seus alunos. Porém, cobrava disciplina e doava amor. Vale ressaltar, que sua escola contrastava com as escolas tradicionais, quase sempre com base religiosa, que disciplinavam brutalmente seus alunos através da violência, do medo e da falta de participação do aluno, já que o magistrocentrismo era a égide. Também como prática pedagógica, Pestalozzi utilizava o ensino heurístico, ou seja, a “arte de descobrir”, que remonta ao século IV a.C. A maiêutica socrática é o primeiro exemplo de que temos registro sobre o uso da heurística na educação. Dessa forma, não ensinava dogmas científicos e educacionais ultrapassados, como no ensino mais tradicional, onde o aluno não participa, não questiona e não reflete. Com isso, Pestalozzi focou seu processo educacional nas suas crianças (WANTUIL & THIESEN, 2004). Outro aspecto interessante da sua metodologia, e que ocorria no Instituto, era que seu curso completo (primário e secundário) não tinha duração fixa, estendendo-se dos nove ou dez anos de idade até os dezesseis. Em seguida, um terceiro e último grau (educação normal ou especial), era destinado à formação de professores. Com as repercussões positivas na Europa do Instituto de Pestalozzi, novos alunos se matricularam na instituição, dentre eles o menino Hippolyte Léon Denizard Rivail que em dezembro de 1815 adentra o famoso colégio do emérito educador. Sua vontade em aprender e o seus talentos intelectuais precoces, fizeram com que sua família colocasse o jovem Rivail na instituição Suíça. Este, logo de início cativou a simpatia e admiração de Pestalozzi, e acabou tornando-se, anos mais tarde, um dos mais eficientes colaboradores do velho mestre. Acreditam alguns estudiosos (BIGHETO, 2006; INCONTRI, 2004; PIRES, 2004; WANTUIL & THIESEN, 2004) que a forte influência de Pestalozzi, especialmente com o seu

pensamento religioso liberal, sem dogmatismo e a sua visão pedagógica de valorização do ser humano, tenha sido o ponto de partida para que Rivail (posteriormente, conhecido com Allan Kardec) pudesse desenvolver, tanto em sua prática educativa, de valorização do aprendiz, como em seus estudos científicos com base iluminista, uma visão holística do homem, facilitando, assim, na sua posterior codificação da doutrina espírita e no desenvolvimento de uma pedagogia espírita, aplicada em escolas brasileiras, e que teve início com Eurípedes Barsanulfo, em Minas Gerais, em 31 de janeiro de 1907, quando criou o primeiro educandário brasileiro com orientação espírita, o Colégio Allan Kardec, onde os alunos recebiam aulas sobre o evangelho e moral cristã, e, ainda, instituiu um curso de astronomia que, hoje, conta inclusive com laboratórios. Além de exercer a direção do colégio, ele próprio ministrava aulas de matemática, geometria, aritmética, trigonometria, ciências naturais, botânica, zoologia, geologia, paleontologia, português, francês, inglês e espanhol. Percebe-se, então, que toda uma tradição Pestalozziana de atenção e valorização do estudante se alastra pela Europa e, posteriormente, pelo Brasil. Dentre as concepções de Pestalozzi, está a sua crença fervorosa no amor de Deus. Acreditava também numa vida após a morte. Na sua linha libertária, apontava o cristianismo como proposta facilitadora da realização plena do indivíduo (INCONTRI, 2004, p. 143). Apresenta, também, em sua obra uma noção evolutiva na história da humanidade, pois acreditava que isso acontece devido à liberdade humana. Segundo Dora Incontri (2004), essa noção está presente em sua obra-prima “Minhas indagações sobre a marcha da natureza no desenvolvimento da espécie humana”. Nessa obra, Pestalozzi apresenta a Teoria dos três estados, que resumidamente são: 1) Estado natural – O homem é puro instinto, é o que o conduz simples e inocentemente para todos os gozos dos sentidos; 2) Estado social - O homem entra na sociedade e no estado de cidadania para tornar sua vida mais alegre e para gozar tudo o que seu ser animal e sensorial tem que gozar e assim, seus dias sobre a terra transcorram de forma satisfatória e tranquila. Dessa forma, o direito social não é assim um direito moral, mas apenas uma modificação do direito animal. A simples satisfação é a cota do estado natural. A esperança é a cota do estado social; 3) Estado moral - O direito social não satisfaz o homem, o estado social também não o realiza, não o deixa tranquilo, como também não pode o homem

permanecer no mero prazer sensual e animal. Como obra de si mesmo, o homem sente-se livre do egoísmo da sua natureza animal e das suas relações sociais. Assim, o homem constrói a sua obra canalizando e sublimando os seus instintos e o estado social e, dessa forma, se santifica pele ação moral espontânea e livre. (INCONTRI, 1996). Com isso, percebe-se na teoria de Pestalozzi uma compreensão ampla das três etapas de desenvolvimento, isto é, da espécie, do indivíduo e da criança. No entanto, percebe-se, ainda, que tais etapas possam ser encaradas como instâncias psíquicas e existências, presentes em todos os seres humanos. Segundo Wantuil & Thiesen (2004), Pestalozzi, que teve forte influência na formação intelectual e moral de Rivail, apresentou em seu livro “Como Gertrudes ensina seus filho”, de 1801, os seus princípios pedagógicos, aqui resumidos:

I- A intuição é o fundamento da instrução. II- A linguagem deve estar ligada a intuição. III- A época de ensinar não é a de julgar e criticar. IV- Em cada matéria, o ensino deve começar pelos elementos mais simples, e daí continuar, gradualmente, de acordo com o desenvolvimento da criança, isto é, por séries psicologicamente encadeadas. V- Deve-se insistir bastante tempo em cada ponto da lição, a fim de que a criança adquira sobre ela o completo domínio e a livre disposição. VI- O ensino deve seguir a via do desenvolvimento e jamais a da exposição dogmática. VII- A individualidade do aluno deve ser sagrada para o educador. VIII- O principal fim do ensino elementar não é sobrecarregar a criança de conhecimentos e talentos, mas desenvolver e intensificar as forças de sua inteligência. IX- Ao saber é preciso aliar a ação; aos conhecimentos, o savoir-faire. X- As relações entre mestre e aluno, sobretudo no que concerne à disciplina, deve ser fundada no amor e por ele governadas. XI- A instrução deve constituir o escopo superior da educação (WANTUIL & THIESEN, 2004, pp. 105-106).

Assim, podemos crer que seus princípios educacionais visam à formação da consciência do educando, seu desenvolvimento cognitivo e a sua transformação afetiva e espiritual. Em sua obra, segundo Incontri (2004), não se observa uma queda essencial do homem. “Há apenas um processo dialético de desenvolvimento na história humana e na história de cada um. O mal é apenas o ser ainda não atualizado, sufocado entre as exigências do instinto e as ilusões sociais”. Dessa forma, Pestalozzi retoma a ideia socrática de que o mal é a ignorância de si mesmo, alienando-se da natureza moral e consequentemente não podendo alcançar a felicidade. Assim, acredita que o desafio da educação é o de despertar esse ser moral na criança e no jovem. Pestalozzi também entende que o homem tem uma alma que busca seu desenvolvimento. Dessa forma, não caberia ao educador impor-se a esse ser, dirigindo-o ou moldando-o integralmente em seu crescimento, mas sim fortificando o que há de espiritual e moral na sua natureza humana. Seu método, segundo Incontri (2004) busca: [...] ativar e fazer a criança conceber a si mesma não é limitar a partir do exterior, mas fazer crescer a partir do interior. O método não tende a um impedimento negativo do mal, mas a uma vivificação positiva do bem. Ele trabalha contra a fraqueza, pelo acréscimo da força realmente existente; contra o erro, pelo desenvolvimento dos germes inatos da verdade; contra a sensualidade, nutrindo e fortificando o espírito [...] (PESTALOZZI, 1927 apud INCONTRI, 2004).

Porém, fica a dúvida de como o educador deve relacionar de forma harmônica a vontade moral do indivíduo, desde a sua tenra idade, para que esse se realize como um homem integral. Respondendo essa questão, Pestalozzi afirma que o melhor caminho para tocar a divindade presente na alma humana é através do amor, que ele denomina de “força elementar da moralidade”. Aponta Dora Incontri (2004), que uma vez ativado esse aspecto, ele passa a reger de forma espontânea o desenvolvimento da criança, tocando o seu interior de forma natural e não impositiva. Dessa forma, Pestalozzi acredita que a tarefa do educador voltasse a um processo de integração total, sem violência, amando profundamente a alma da criança. Comparativamente, outro grande educador, Comenius (1529-1670), também aponta que é através do sentimento que se pode tocar o educando. Já

Rousseau, nesse tocante, buscou um equilíbrio entre a razão e o sentimento, apontando a sensibilidade como fator de progresso moral do homem. No entanto, somente Pestalozzi foi enfático quanto à importância do amor dentro da educação, apesar de não descartar uma racionalidade que ele também abraça. Seu amor pedagógico enxerga o ser humano como um ser potencial e herdeiro da divindade. Dentro dessa perspectiva, Rivail (Kardec) acaba sendo seu principal herdeiro, pois segue na íntegra sua filosofia e pedagogia, tanto nas suas escolas na França, como frente a uma pedagogia espírita.

CONCLUSÃO

Dessa forma, Pestalozzi, na sua proposta educacional, comunga o universalismo

de

uma

escola

popular

e

a

individualização

através

do

autoconhecimento do ser. Desenvolve, também, uma perspectiva de autonomia e liberdade do aluno, com uma importante participação afetiva e democrática do professor, sem esquecer o desenvolvimento cognitivo da criança. No entanto, infelizmente, apesar de muitas teorias e práticas terem surgido nas últimas décadas, ainda hoje, encontramos uma educação tradicionalista distanciada da criança e do jovem, em que o magistrocentrismo ainda é fortemente presente e uma metodologia dogmática e distante da realidade dos estudantes. Dessa forma, a escola se torna chata, sem atrativos, sem criatividade e sem participação ativa dos jovens. Acredito que um resgate das práticas pestalozzianas na formação do nosso professorado, enriqueceria sobremaneira a forma como nossos educadores analisam o mundo. Uma atitude mais afetiva, mais próxima do estudante, mais voltada aos seus interesses, facilitaria o entendimento dos nossos mestres sobre a dinâmica das vidas de seus alunos, tanto frente aos aspectos mais individuais (psicológicos), como aos aspectos de cunho familiar e social. De certo que a Pedagogia, assim como a Psicologia da Educação vem buscando referências semelhantes ao experimentado por Pestalozzi no século XIX, em que dentro de uma perspectiva humanista e social, vem desenvolvendo teorias e práticas que busquem uma reflexão profunda do estudante sobre aquilo que aprende na escola, ou seja, se de fato tais conhecimentos aprendidos/trabalhados têm validade para a sua vida e para a sua comunidade, se engrandecem seu ser e seu espírito. Com isto, não podemos descartar uma pedagogia que valoriza e

repensa a moral, as crenças e os valores humanos e espirituais dos indivíduos, saindo de uma perspectiva meramente material e mercadológica, mas que também reflexiona o essencial, o imaterial e os valores superiores dos seres humanos.

REFERÊNCIAS

ARCE, Alessandra. A Pedagogia na "Era das Revoluções". Uma análise do pensamento de Pestalozzi e Frobel. São Paulo: Autores Associados, 2001.

BIGHETO, Alessandro Cesar. Eurípedes Barsanulfo, um educador espírita na Primeira República. Dissertação de Mestrado. Campinas, Unicamp, 2006.

INCONTRI, Dora. Pestalozzi: educação e ética. Pensamento e Ação no Magistério. São Paulo: Scipione, 1996.

_____________. Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas raízes. Tese de Doutorado defendida na USP em 2001. Bragança Paulista: Editora Comenius, 2004.

PIRES, Herculano. Pedagogia Espírita. 10ª ed. São Paulo: Editora Paidéia, 2004.

VANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec, o Educador e o Codificador. Vol. I. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004.

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