120 ANOS DA LUTA PELA IGUALDADE RACIAL NO BRASIL.
September 1, 2016 | Author: Edite Leonor Meneses Ferrão | Category: N/A
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120 ANOS DA LUTA PELA IGUALDADE RACIAL NO BRASIL. MANIFESTO EM DEFESA DA JUSTIÇA E CONSTITUCIONALIDADE DAS COTAS Exmo Sr. Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes Brasília
A EFERVESCÊNCIA DAS COTAS NO BRASIL DO SÉCULO XXI
Aos 120 anos da declaração da abolição da escravatura, vivemos uma verdadeira efervescência na luta pela inclusão étnica e racial no ensino superior brasileiro: dezenas de universidades já implementaram sistemas de cotas, bônus ou outras modalidades de ações afirmativas, enquanto várias outras estão discutindo projetos similares. As avaliações realizadas até o momento mostram que, sem sombra de dúvida, apenas nos últimos cinco anos houve um índice de ingresso de estudantes negros no ensino superior maior do que jamais foi alcançado em todo o século XX. A caracterização desse avanço sem precedentes em nossa história como um privilégio de raça, menospreza o fato de que as medidas responsáveis por esse cenário trouxeram um conjunto novo de oportunidades que estava vedada a milhões de pessoas que ocupam os estratos mais baixos de nossa sociedade. No presente momento as iniciativas de inclusão racial e social no Brasil no campo do ensino superior contam com uma história rica e complexa, embora inconclusa, que certamente pode juntar-se ao repertório de outras notáveis conquistas ao redor do mundo. A história a que nos referimos se baseia em um processo concreto de luta pela igualdade após um século inteiro de exclusão dos negros do ensino superior, e não mais na controversa ideologia do mito de uma ‘democracia racial’ que, de fato, nunca tivemos. Todos esses avanços nos habilitam inclusive, a iniciar um diálogo horizontal e uma troca de experiências com outros países que também encontraram seus próprios caminhos de superação do racismo popular e institucional, da discriminação e da segregação, como a Índia, os Estados Unidos, a África do Sul e a Malásia. E como nesses outros países, que periodicamente enfrentam fortes reações conservadoras, acreditamos que o nosso processo, ainda incompleto e em busca de constante aperfeiçoamento, deve manter seu curso e
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continuar a trazer para o interior das universidades brasileiras aqueles grupos sociais historicamente excluídos. É importante relembrar que hoje o debate é público e aberto, mas há cerca de duas décadas atrás o tema das ações afirmativas e do acesso dos negros ao ensino superior era um tema tabu para a elite brasileira. Tal avanço junto à opinião pública é notável, e não deve ser desprezado. A demanda por políticas compensatórias específicas para os negros no Brasil não é recente e nem está baseada em qualquer modelo estrangeiro. Pelo contrário, insere-se na busca da justiça social em uma sociedade que historicamente se mostra racista, sexista, homofóbica e excludente. As cotas e o Prouni significam uma mudança e um compromisso ético do Estado brasileiro na superação de um histórico de exclusão que atinge de forma particular negros e pobres. A superação da posição da neutralidade estatal que podemos observar no Prouni é também aquela esperada diante do Projeto de Lei 73/99. Não se trata de leis raciais, como dizem os 113 anti-cotas, mas um posicionamento do Estado brasileiro coerente com os acordos internacionais de superação do racismo, de luta pelos direitos humanos dos quais o país é signatário. A primeira apresentação formal de uma proposta por ações afirmativas surgiu justamente na Convenção Nacional do Negro Brasileiro, realizada em 1945 e 1946, no Rio de Janeiro. Um dos resultados desse evento foi o documento denominado “Manifesto à Nação Brasileira”. As reivindicações ali apresentadas foram publicadas no primeiro número do jornal Quilombo, dirigido pelo extraordinário intelectual, artista e político brasileiro Abdias do Nascimento, juntamente com o também grande intelectual e acadêmico Guerreiro Ramos. Um dos tópicos do “Manifesto” determinava como parte do programa definido pela Convenção “trabalhar pela valorização (sic) e valoração do negro brasileiro em todos os setores: social, cultural, educacional, político, econômico e artístico”. Para atingir esses objetivos, os editores do jornal Quilombo fizeram cinco proposições. A terceira proposição foi assim definida: “lutar para que, enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos brasileiros negros, como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares”. O que o “Manifesto à Nação Brasileira” propunha era uma ação afirmativa que se fundamentava na reparação dos danos causados pelo racismo da república brasileira, a qual havia decretado a igualdade formal sem oferecer nenhuma política concreta que ajudasse a superar a desigualdade fundante da condição sofrida pelos negros como cidadãos livres após 1889, que reconhecesse as terras dos quilombos e todas as formas de organização e produção (inclusive cultural e religiosa) que os escravizados constituíram em suas práticas de resistência e lutas por libertação. Pelo contrário, a linha de cor foi logo mobilizada
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diante dos fluxos de imigrantes europeus na ilusão – racista - de resolver o enigma – deixado em herança pela escravidão - da construção do “povo brasileiro” pelo seu branqueamento. Embora o excedente de seu trabalho tenha sido responsável pela construção do patrimônio do próprio Estado Brasileiro, e sua cultura tenha ajudado a constituir a sociedade brasileira, após a instauração da República, a comunidade negra foi simplesmente abandonada pelos poderes públicos como se não tivessem um saldo devedor para com estes. Para completar o quadro funesto dos projetos da nossa Primeira República autoritária para com a população negra, ela transferiu recursos do Estado para a promoção de uma política imigratória baseada em critérios claramente raciais. Seu objetivo foi declarado diversas vezes por autoridades públicas, como o antigo diretor do Museu Nacional, João Batista Lacerda, que em 1916 previa o fim da população negra no Brasil em menos de um século, e o predomínio final do ‘sangue branco’. Apesar do empenho, o projeto autoritário e racista da Primeira República falhou. Os negros resistiram às práticas de extermínio, e hoje encontram-se presentes em todas as instâncias da vida nacional onde as barreiras raciais existentes, como o racismo institucional por exemplo, não impeçam sua liberdade de ação. Um dos mais importantes marcos na longa luta pelas cotas e outras formas de inclusão racial foi a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, que congregou em Brasília 50 mil manifestantes no dia 20 de novembro de 1995. No documento entregue pelas lideranças negras ao então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, estava incluída a seguinte demanda: “Desenvolvimento de ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta”. Foram necessários mais de 50 anos para que o programa de promoção da população negra exposta no jornal negro Quilombo começasse a se transformar em política de Estado: o ProUni, iniciado em 2005, e também o sistemas de cotas nas universidades públicas, que oferecem bolsa para uma parcela dos egressos por esse sistema são herdeiros diretos dessa proposta e de sua renovação prática por parte de um dos mais generosos movimentos brasileiros, aquele dos pré-vestibulares populares. Foram os pré-vestibulares populares que começaram a fazer o que se transformou no ProUni, constituindo a base social que concretiza a demanda pelas cotas. Ou seja, foram os pré-vestibulares populares que concretamente mostraram que, com políticas concretas de inclusão racial, a diversidade pode começar enfim a constituir-se efetivamente, deixando de ser a retórica que encobre a discriminação de cor. Essas políticas públicas formam a base sobre a qual o Brasil pode se transformar em uma referência global extremamente positiva.
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A difusão das ações afirmativas é fruto de uma luta histórica e uma extraordinária mobilização social que produziu uma efervescência de debates em ambientes políticos e acadêmicos em todas as regiões do país. A colocação das cotas nas pautas de votações das Universidades brasileiras implicou mobilização, pressão, articulação e produção intelectual de idéias, argumentos, modelos e propostas de como promover a igualdade étnica e racial no ensino superior, em uma intensidade sem paralelo em nenhuma década passada da história do Brasil. Foi essa luta histórica, protagonizada pelo movimento negro, que levou o Estado Brasileiro a elaborar o “Plano Nacional de Combate ao Racismo e a Intolerância”, a assim denominada “Carta do Rio”, que foi o resultado de um debate amplo, interracial e interétnico, no processo preparatório para a III Conferência Mundial Contra o Racismo ocorrida em Durban, na África do Sul, conduzido ao longo dos anos de 2000 e 2001, e que determinou “que sejam implementadas ações afirmativas na área da educação como instrumento fundamental de promoção da igualdade” e, mais especificamente, “que sejam estabelecidas cotas para a população negra, nas universidades”. Entre as Universidades, as primeiras a instituírem cotas para negros, em 2002, foram a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), não por iniciativa própria, mas por meio de uma lei aprovada em 2001 na Assembléia Estadual do Rio de Janeiro. Mais uma vez foi decisivo o trabalho, do movimento negro, dos pré-vestibulares e outros setores, não apenas na proposição da Lei, mas também com ações judiciais e participações em todas as audiências públicas e debates internos que aconteceram nas duas Universidades. Ainda em 2002, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) adotou cotas na graduação e na pós-graduação a partir de uma decisão do seu Conselho Universitário. A partir daí outras universidades passaram a adotar cotas. Em 2003, a Universidade de Brasília tornou-se a primeira instituição federal de ensino superior a aprovar cotas para negros e a primeira também a tomar essa decisão exclusivamente com base na autonomia acadêmica, a partir de uma proposta apresentada em 1999. Na recente história da luta pela inclusão racial, inúmeras outras iniciativas já demonstraram a pertinência e a acolhida pela sociedade organizada de idéias e projetos que propõem algum tipo de inclusão com recorte de raça. A repercussão positiva de tais iniciativas mostra que elas se adequam perfeitamente aos ideais de justiça partilhados por amplos setores da sociedade brasileira que vêem nas ações afirmativas uma forma legítima de democratizar o acesso de camadas excluídas da população a um tipo de bem (o ensino superior) que historicamente esteve sempre ao alcance de poucos. Os poucos que não coincidentemente partilham um mesmo nível de renda e uma mesma cor.
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Legitimadas socialmente e academicamente, e demonstrando a justiça, a pertinência, as vantagens de tal sistema, outras propostas de implementação de ações afirmativas surgiram ao longo de todo o território nacional. Ainda em 2003, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) aprovaram as cotas. Logo em 2004 a Universidade Federal da Bahia (UFBA) também aderiu ao sistema. Começando então com uma meia dúzia de universidades com cotas em 2003, em 2007 já tínhamos mais de cinqüenta instituições de ensino superior, entre universidades federais, estaduais, autarquias municipais e CEFETs que estabeleceram alguma modalidade ou mecanismos de acesso que direcionava uma porcentagem mínima de suas vagas a candidatos negros e indígenas. Dessa forma, contrariando todas as irresponsáveis previsões apocalípticas sobre uma suposta guerra racial, ou sobre a racialização de todos os aspectos da vida nacional, os projetos de implementação de ações afirmativas e outras formas de acesso da população negra ao ensino superior, apenas ganharam em legitimidade social. Nesse sentido, o ano de 2007 foi especialmente importante para a consolidação das ações afirmativas como uma alternativa possível no repertório das políticas públicas para a democratização do ensino público no Brasil. Diversas universidades no Sul do país, em um espaço de tempo de apenas poucos meses aprovaram sistemas cotas, contrariando um certo estereótipo de que os estados do Sul seriam especialmente racistas. Na verdade, como haveremos de enfatizar, a maior reação às cotas se dá no triângulo Rio de Janeiro-São Paulo-Minas Gerais. Eis um quadro atualizado da realidade dos sistemas de inclusão por ações afirmativas no ensino superior brasileiro, todos criados apenas nesta primeira década do presente século.
MAPA DAS INSTITUIÇÕES ESTADUAIS E MUNICIPAIS DE ENSINO SUPERIOR COM AÇÕES AFIRMATIVAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR COM AÇÃO AFIRMATIVA: COTAS/NÚMERO DE VAGAS PARA INDÍGENAS 1) Universidade Federal do Pará/PA (50% para candidatos de escolas públicas, destes 40% para pretos e pardos) 2) Universidade Federal de Roraima/RR (60 vagas em licenciatura indígena para indígenas) 3) Universidade Federal de Tocantins/TO (5% para indígenas)
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4) Universidade de Brasília/DF (20% para negros e 10 vagas para indígenas) 5) Escola Superior de Ciências da Saúde/DF (40% para candidatos de escolas públicas) 6) Universidade Federal da Grande Dourados/MS (60 vagas em licenciatura indígena para indígenas) 7) Universidade Federal do Maranhão/MA (25% para candidatos de escolas públicas, 25% para negros, 1 vaga para indígena e 1 vaga para deficiente físico em cada curso) 8) Universidade Federal do Piauí/PI (5% para candidatos de escolas públicas) 9) Universidade Federal de Alagoas/AL (20% para negros de escolas públicas, e destes 60% para mulheres) 10) Universidade Federal da Bahia/BA (45% para candidatos de ensino médio público, sendo 2% p/ indígenas, 37,5% para negros e 5,5% para outros candidatos de ensino médio público) 11) Universidade Federal do Recôncavo Baiano/BA (45% para candidatos de ensino médio público, sendo 2% p/ indígenas, 37,5% para negros e 5,5% para outros candidatos de ensino médio público) 12) Universidade Federal de Juiz de Fora/MG (50% para candidatos de escolas públicas, e destes 25% para negros) 13) Universidade Federal do Espírito Santo/ES (40% para candidatos que cursaram quatro séries do ensino fundamental e todo o ensino médio em escolas públicas e ter renda familiar até 07 salários mínimos) 14) Universidade Federal de São Paulo/SP (10% prioritariamente para negros de ensino médio público, se não houver preenchimento, completar com outros candidatos de escolas públicas) 15) Universidade Federal de São Carlos/SP (50% para candidatos do ensino médio público, sendo 35 % destes para negros e 01 vaga não cumulativa por curso p/ indígenas, progressivamente) 16) Universidade Federal do ABC/SP (50% para candidatos de escolas públicas, destas 27% para negros e 0,4% p/ indígenas) 17) Universidade Federal do Paraná/PR (20% para negros, 20% para candidatos de educação básica pública, 10 vagas para indígenas) 18) Universidade Federal Tecnológica do Paraná/PR (50% para candidatos de escolas públicas)
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19) Universidade Federal de Santa Catarina/SC (20% para candidatos de educação básica pública, 10% para negros, prioritariamente de educação básica pública, e 6 vagas para indígenas) 20) Universidade Federal do Rio Grande do Sul/RS (30% para candidatos de escolas públicas, sendo metade para negros) 21) Universidade Federal de Santa Maria/RS (em 2008, 20% para candidatos de escolas públicas, 10% para negros, 5% para deficientes físicos e 5 vagas para indígenas) 22) Universidade Federal do Pampa/RS (em 2008, 20% para candidatos de escolas públicas, 10% para negros, 5% para deficientes físicos e 5 vagas para indígenas) - BÔNUS: 23) Universidade Federal de Pernambuco/PE (10% a mais na nota, para candidatos de escolas públicas) 24) Universidade Federal Rural de Pernambuco/PE (10% a mais na nota, para candidatos de escolas públicas no interior de PE) 25) Universidade Federal do Rio Grande do Norte/RN (percentuais a mais para candidatos de escolas públicas, variáveis por curso) 26) Universidade Federal Fluminense/RJ (10% a mais na nota para candidatos de escolas públicas com exceção de colégios de aplicação, colégios federais, universitários e militares; reserva de 20% das vagas de licenciaturas em matemática, física ou química para professores da rede pública) Em discussão: Universidade Federal de Uberlândia/MG, Universidade Federal de Mato Grosso/MT, Universidade Federal do Ceará/CE, Universidade Federal de Roraima/RR, Universidade Federal da Paraíba/PB, Universidade Federal de Goiás/GO, Universidade Federal do Rio de Janeiro/RJ, Universidade Federal de Ouro Preto/MG, Universidade Federal de Grande Dourados/MS, Universidade Federal de Sergipe/SE, Universidade Federal de Minas Gerais/MG
INSTITUIÇÕES ESTADUAIS E MUNICIPAIS DE ENSINO SUPERIOR COM AÇÕES AFIRMATIVAS COTAS/NÚMERO DE VAGAS (indígenas) 27) Universidade Estadual do Amazonas/AM (80% para estudantes do Amazonas que não tenham curso superior completo nem o estejam cursando em instituição pública de ensino, destes, 60% para candidatos do ensino médio público)
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28) Universidade Estadual do Mato Grosso/MT (25% para negros de escolas públicas ou privadas com bolsa) 29) Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/MS (20% para negros, 10% para indígenas) 30) Universidade Estadual de Goiás/GO (20% para negros, 20% para candidatos de escolas públicas, 5% para deficientes ou indígenas) 31) Fundação de Ensino Superior de Goiatuba/GO (10% para candidatos de escolas públicas, 10% para negros e 2% para indígenas e portadores de deficiência) 32) Universidade Estadual de Pernambuco/PE (20% para candidatos de escolas públicas, fora escolas técnicas federais e militares) 33) Universidade Estadual da Bahia/BA (40% para afrodescendentes do ensino médio público) 34) Universidade Estadual de Feira de Santana/BA (50% para candidatos com ensino médio e pelo menos dois anos do ensino fundamental (5ª a 8ª série) em escolas públicas e, dessas, 80% serão ocupadas por negros) 35) Universidade Estadual de Santa Cruz/BA (50% para candidatos de ensino médio público, dessas 75% para negros, 02 vagas para índios ou quilombolas em cada curso) 36) Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia/BA (50% para candidatos de escolas públicas, destes, 60% para negros e 5% para índios e seus descendentes) 37) Universidade Estadual de Minas Gerais/MG (20% para afrodescendentes, 20% para candidatos de escolas públicas, 5% deficientes físicos e indígenas, todos com baixa renda) 38) Universidade Estadual de Montes Claros/MG (20% para afrodescendentes, 20% para candidatos de escolas públicas, 5% deficientes físicos e indígenas, todos com baixa renda) 39) Universidade Estadual do Rio de Janeiro/RJ (20% para escola pública, 20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou filhos de policiais mortos em serviço – até R$ 630 per capita) 40) Universidade Estadual do Norte Fluminense/RJ (20% para escola pública, 20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou filhos de policiais mortos em serviço – até R$ 630 per capita) 41) Centro Universitário Estadual da Zona Oeste/RJ (20% para escola pública, 20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou filhos de policiais mortos em serviço – até R$ 630 per capita)
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42) Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro/RJ (20% para escola pública, 20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou filhos de policiais mortos em serviço – até R$ 630 per capita) 43) Centro Universitário de Franca/SP (20% para negros, 5% para candidatos de escolas públicas e 5% para deficientes) 44) Universidade Estadual de Londrina/PR (até 40% para candidatos de escolas públicas, destas até metade para negros, dependendo da demanda, 6 vagas para indígenas) 45) Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR (10% para candidatos oriundos de escolas públicas e 5% para candidatos negros de escolas públicas e 6 vagas para indígenas integrantes das tribos paranaenses) 46) Universidade Estadual de Maringá/PR (seis vagas para indígenas integrantes das tribos paranaenses) 47) Universidade Estadual do Oeste do Paraná/PR (idem) 48) Universidade Estadual do Paraná/PR (idem) 49) Universidade Estadual do Norte do Paraná/PR (idem) 50) Universidade Estadual do Centro-Oeste/PR (idem) 51) Escola de Música e Belas Artes do Paraná/PR (idem) 52) Faculdade de Artes do Paraná/PR (idem) 53) Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana/PR (idem) 54) Fundação Faculdade Luiz Meneghel/PR (idem) 55) Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão/PR (idem) 56) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio/PR (idem) 57) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho/PR (idem) 58) Faculdade Estadual de Educação Física de Jacarezinho/PR (idem) 59) Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro de Jacarezinho/PR (idem) 60) Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí/PR (idem) 61) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá/PR (idem) 62) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória/PR (idem) 63) Centro Universitário de São José/SC (70% para candidatos que cursaram a 2ª e 3ª séries do ensino médio público de São José/SC)
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64) Faculdade Municipal de Palhoça/SC (80% para residentes em Palhoça/SC e que cursaram a 3ª série do ensino médio em escola pública) 65) Universidade Estadual do Rio Grande do Sul/RS (50% para candidatos de baixa renda – renda familiar per capita de até R$ 410, 10% para deficientes físicos) Bônus 66) Universidade Estadual de Campinas/SP (de uma média padronizada de 500 pontos, adiciona 30 pontos para candidatos de escolas públicas e 40 pontos se for também preto/pardo/indígena) 67) Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/SP (de uma média padronizada de 500 pontos, adiciona 30 pontos para candidatos de escolas públicas e 40 pontos se for também preto/pardo/indígena) 68) Universidade de São Paulo/SP (3% a mais na nota para candidatos de ensino médio público) 69) Faculdade de Tecnologia de São Paulo/SP (3% a mais na nota para negros, 10% a mais para candidatos do ensino médio público e 13% a mais para negros do ensino médio público) DISCUTEM: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/BA, Universidade do Estado de Santa Catarina/SC, Universidade Estadual do Pará/PA 55 Instituições de Ensino Superior Público adotam Ações Afirmativas Étnico-raciais. 42 IES públicas adotam cotas 33 IES públicas adotam cotas étnico-raciais TOTAL: 69 Instituições de Ensino Superior Público adotam Ações Afirmativas O que esse quadro pressupõe é uma extraordinária mobilização e uma efervescência de debates ocorridos nos ambientes universitários em todas as regiões do país. Os projetos elaborados por estas instituições implicaram mobilização, pressão, articulação e produção intelectual de idéias, argumentos, modelos e proposições sobre como promover a igualdade étnica e racial no ensino superior, em uma intensidade sem paralelo em nenhuma década passada da história do Brasil. A luta pelas cotas é uma explosão de criatividade e seus resultados positivos para a produção de conhecimento e ampliação dos saberes científicos e artísticos estão apenas no começo. Junto com os novos estudantes negros e indígenas que hoje ingressam nas universidades surgem novos temas de pesquisa, demandas por novos currículos e também demandas por mais professores negros e indígenas. Afinal, não somente os saberes
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africanos, afro-brasileiros e indígenas foram excluídos das nossas universidades que sempre reproduziram apenas os saberes europeus em uma relação claramente neo-colonial, mas o conjunto dos docentes e pesquisadores sempre tem sido majoritariamente branco. A porcentagem média dos docentes das universidades públicas mais importantes do país raramente ultrapassa 1%. Assim, o grande movimento atual pelas cotas, que por enquanto cresce como uma frente fragmentada e articulada de autônomos em cada campus de cada cidade e estado do país conduz inevitavelmente a uma meta geral, já vislumbrada: que as medidas de inclusão de negros e índios possam ocorrer em todas as universidades públicas. Os diferentes projetos de inclusão elaborados pelas várias universidades têm se caracterizado pela variedade de modelos, baseados em reflexões locais, e levando em consideração as necessidades de atendimento e as formações sociais particulares de cada região. A diversidade e a criatividade das propostas são conseqüências claras do envolvimento tanto dos setores acadêmicos com a comunidade nas quais elas estão inseridas, assim como do diálogo inter-racial que lhes dão origem e estão na base da legitimidade que as tornaram possíveis. Tais projetos atestam a motivação de vários setores da sociedade em tentar encontrar soluções adaptadas à realidade da discriminação, do racismo e da exclusão locais. O empenho e as dificuldades que enfrentaram as dezenas de Comissões e Grupos de Trabalho que foram criadas nas comunidades universitárias de Norte a Sul do país nos últimos anos para a implementação dos projetos de ação afirmativa, nos remetem às diversas associações e confederações abolicionistas que surgiram no Brasil ao longo da década de 1880. Em ambos os casos, trata-se de um tipo de aliança marcada pela diversidade étnica, política e social que concentra esforços para a viabilização de projetos que visam não a desagregação da sociedade brasileira ou à guerra racial (como defendem nossos opositores do presente assim como os opositores da Abolição da escravatura no passado), mas para a inclusão de um maior número de pessoas no campo de alcance dos recursos que lhes permitam desfrutar de todas as possibilidades dos direitos de cidadania. As dezenas de comissões e grupos de trabalho que foram criados nas universidades de norte a sul do país congregaram negros, brancos, indígenas, estudantes, professores, funcionários, organizações do movimento negro, pré-vestibulares, sindicatos, comunidades de terreiro, irmandades, congados, maracatus, escolas de samba, associações de quilombolas, organizações indígenas. As universidades públicas, sobretudo as federais, historicamente muito fechadas à participação da sociedade, foram e estão interpeladas e levadas a dialogar, de um modo franco e criativo, com as comunidades negras e indígenas, em uma intensidade e horizontalidade raras no Brasil.
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O movimento atual pelas cotas, de dimensão verdadeiramente nacional, já marca um episódio igualmente importante na luta por justiça social na história do Brasil Independente. Guardadas as devidas proporções (pois trata-se de um movimento absolutamente pacífico e baseado estritamente no convencimento através do debate racional nos espaços públicos), é equivalente, em entusiasmo e energia, ao movimento de consolidação da Constituição na Índia, aos movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos e ao movimento de Verdade e Reconciliação que mobilizou a África do Sul com a queda do apartheid . Atualmente, o país conta com mais de 20 mil cotistas negros cursando a graduação em universidades brasileiras de todas as regiões. Paralelamente a esse grande movimento de inclusão racial nas universidades públicas, funciona desde 2005 o ProUni, que abre as portas das universidades para jovens de baixa renda, com uma porcentagem, entre eles, de negros, através de um sistema de bolsas do Ministério da Educação. Somente em três anos o ProUni já alocou 440.000 bolsas e conta com mais de 380.000 alunos, assim distribuídos segundo a classificação do IBGE: Brancos
181.932
Pardos
123.742
Pretos
47.918
Amarelos
7.701
Indígenas
961
Não-informados
23.003
Se juntarmos os dois movimentos de abertura do ensino superior para brancos de baixa renda e para os não-brancos, as cotas nas universidades públicas e o ProUni em apenas cinco anos serão capazes de colocar quase meio milhão de estudantes negros que ingressarão no mercado ou na pós-graduação, levando consigo a esperança pessoal e familiar, num acontecimento de proporções monumentais, sem paralelo qualquer na história da sociedade brasileira.
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RESSENTIMENTO E NEGATIVIDADE: AS REAÇÕES CONTRA AS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES
1. Os 113 Anticotas A hipocrisia daqueles que pretenderam que o Brasil se transformasse – do dia para a noite – de último grande pais escravocrata em exemplo mundial de harmonia racial e dos que hoje, na mesma linha, declaram que séculos de escravidão não deixaram nenhuma herança “racista” em nosso País se desenvolve a partir de uma série de falácias históricas, sociológicas e políticas. No plano histórico, escamoteia-se o duro e dramático trabalho e as lutas do movimento negro e outros movimentos anti-racistas para construir um novo e material horizonte de igualdade racial. Ignoram-se até as dificuldades que a própria retórica da harmonia racial encontrou para afirmar-se. No nível sociológico e antropológico, usamse as falácias do discurso do racismo biológico para negar a existência do racismo ao invés de reforçar a luta contra essa monstruosidade que a racionalidade moderna produziu: a existência de movimentos anti-racistas e de leis de repressão da discriminação racial não se baseia no reconhecimento da existência das raças, mas na necessidade de combater as discriminações geradas por esse pensamento que se pretende cientifico. Enfim, no nível político, eles cometem uma tríplice impostura: i) dizem que no Brasil apenas existe uma questão social, ou seja, ignoram a correlação sistemática que todos os estudos estatísticos indicam entre linhas de cor e curvas da pobreza, bem como que as cotas promovem também os outros segmentos de população discriminados pelo atual sistema de acesso ao ensino superior; ii) afirmam o mérito como único critério republicano, o que é duplamente falso: porque uma sociedade democrática sabe que o mérito deve ser um ponto de chegada e não um ponto de partida e é exatamente nessa medida que a democracia será sempre mais estável e mais próspera; porque toda política de desenvolvimento do conhecimento implica em sistemas de cotas (bolsas!) justamente destinadas a promover a excelência pelo subsídio a determinados segmentos de população; iii) reivindicam o pacto republicano, mas ignoram que tal pacto não é algo dado, mas um algo que precisamos construir para avançarmos nas conquistas democráticas. Neste ano fomos novamente surpreendidos, no dia 28 de abril passado, com mais um Manifesto intitulado “113 Cidadãos Anti-Racistas Contra as Cotas Raciais”, entregue a este Supremo Tribunal Federal em apoio à Ação de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) pelo Partido Democratas. O teor do manifesto amplia pontos já tratados ligeiramente em um Manifesto anterior, intitulado “Todos são Iguais na República Democrática”, entregue ao Congresso Nacional no dia 30 de maio de 2006 pelo mesmo grupo de pessoas, naquela vez insurgindo-
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se contra o PL da Lei de Cotas e contra o Estatuto da Igualdade Racial. Mas quem são, e a quem representam os 113 que exigem a expulsão de 440 mil estudantes negros e de baixa renda das universidades brasileiras? Apesar de se apresentarem como “intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais”, eles são basicamente acadêmicos: 80 deles são professores universitários e pesquisadores; desses 80, apenas um é negro. Representam, portanto, uma pequena parte da elite acadêmica branca centrada no eixo Rio de Janeiro-São Paulo que solicitam o retorno ao estado de exclusão do racismo institucional que imperava indiscriminadamente nas universidades brasileiras, e a manutenção dos índices de presença da população negra que existia há 10 anos atrás. Que o patronato das escolas particulares, que lucram com os padrões de exclusão educacional existentes façam tal exigência, é perfeitamente compreensível. Que professores universitários, majoritariamente de instituições públicas de ensino superior, sindicalistas e ativistas do movimento negro partilhem exatamente esse mesmo projeto de aumento da desigualdade, é algo difícil de se justificar à opinião pública. No caso específico desses acadêmicos, há uma dimensão ético-política grave na sua postura. Por um lado, recebem verbas importantes para pesquisa das instituições públicas de fomento; e por outro, aliam-se as instituições privadas que nem sequer participam do esforço pela expansão e democratização do acesso ao ensino superior brasileiro. Outro ponto importante é que os 113 se definem como “intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais”. Significativamente, não incluem o segmento dos estudantes. Um grupo de 80 educadores que se aliaram a sindicalistas, empresários e ativistas, mas não conseguiram estabelecer nenhuma parceria com os estudantes! Cometeram um lapso, de fato, porque há uma estudante entre os 113. Aqui fala o inconsciente político desse grupo. É preciso saber, no entanto, o que essa solicitação significa. Nem mesmo nos anos mais duros as universidades da África do Sul eram tão segregadas como as universidades brasileiras no período de sua assim chamada tradição republicana igualitária a que os opositores das ações afirmativas glorificam. Mas a representatividade desse grupo de professores e pesquisadores é menor do que se imagina. Eles não falam nem mesmo pela maioria dos professores das instituições de onde se originam. Por outro lado, não resta dúvida de que este grupo não representa nem minimamente a comunidade negra brasileira. As associações civis, culturais e religiosas negras, os vários setores do movimento negro organizado, os pesquisadores, docentes e estudantes negros, todos em sua esmagadora maioria assinam o nosso manifesto.
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A posição que sustentamos no presente Manifesto tem como premissa a valorização da diversidade racial e social na produção e na disseminação das idéias. Este é um dos motivos que justifica a defesa das cotas e de outras modalidades de ação afirmativa. O que questionamos é a supremacia de pessoas brancas no corpo discente e, mais ainda, docente das universidades brasileiras. Sendo assim, não nos é possível deixar de analisar o Manifesto ao qual nos opomos nos termos de sua composição. Seus signatários, que aderem ao projeto educacional defendido pela instituição representativa das escolas particulares, as quais tentam agora barrar os projetos de inclusão racial e social em andamento, reproduzem o mesmo padrão de exclusão racial existente nas universidades brasileiras antes das cotas: 90% de brancos e 10% de não-brancos. Os paralelos entre o contexto do abolicionismo e o da luta pelas ações afirmativas são por demais sugestivos para serem ignorados. Entre esses dois diferentes contextos, reproduz-se a mesma desigualdade no que se refere à distribuição da economia, da política, do poder acadêmico e do midiático. Em 1885, por exemplo, quando caiu o gabinete Dantas e com ele o projeto mais favorável ao abolicionismo, Prudente de Morais, com sua tendência mais de centro, propôs que as províncias mais progressistas avançassem a seu modo no caminho da abolição sem esperar por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde se concentravam os grupos escravocratas mais poderosos, e que controlavam os dois gabinetes conservadores pós-Dantas, a saber, Saraiva e Cotegipe. A base de origem dos signatários também obedece à mesma lógica de concentração do poder. Praticamente um terço do total de assinantes vem da UFRJ (16), USP (11) e Unicamp (5), com adesões importantes da UFMG. Grandes expoentes dessas instituições, sobretudo das áreas de Ciências Sociais e Humanidades, têm se mobilizado intensamente na mídia, como se representassem a posição oficial dessas universidades. Em certo sentido, as imagens públicas da UFRJ, da USP, da Unicamp e da UFMG foram seqüestradas por um pequeno e muito influente grupo de professores a ponto de elas simbolizarem a resistência às cotas, ficando silenciada até agora uma corrente pró-cotas que existe e que também se mobiliza no interior dessas importantes universidades.
Significativamente, a maior reação aos projetos de inclusão racial e social iniciado em 1999, está concentrada ainda hoje nas universidades mais importantes dos mesmos três estados onde os mais poderosos escravocratas do país no século XIX bradaram furiosamente contra a Lei dos Sexagenários, a Lei do Ventre Livre e, mais ainda, contra a Abolição. O poder acadêmico que se opõe aos projetos de inclusão, com enorme influência no MEC, no CNPq, na CAPES, no Executivo como um todo e na mídia hegemônica, está quase que totalmente concentrado nos Estados do Sudeste. Em 8 anos de lutas pelas cotas
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vemos a repetição do padrão conservador das elites dessa região, enquanto as demais têm aderido paulatinamente aos projetos de inclusão racial nas universidades.
2. Manipulando o sonho de Martin Luther King. Como no Manifesto de 2006, os anticotas retomam agora o famoso discurso de Martin Luther King, “eu tive um sonho”. O que não dizem é que King sempre calçou o seu sonho universalista na necessidade de reparações e políticas compensatórias, inclusive de cotas. Três anos antes de pronunciar o discurso do sonho, King havia visitado a Índia a convite pessoal de Nehru, tendo oportunidade de conhecer de perto o sistema de cotas para os dalits (intocáveis). Lembremos inclusive que a política de cotas foi inventada na Índia por B. R. Ambedkar, um dos fundadores da nação indiana ao lado de Nehru e Gandhi. Ambedkar foi o relator da Constituição indiana e introduziu cotas para os dalits diretamente no texto constitucional. Em um texto publicado na revista Nation em 1961, King relatou entusiasmado o modo com que o jovem Estado indiano enfrentou a sua dívida histórica pelos séculos de racismo e discriminação pautando suas políticas públicas “não somente pela igualdade, mas por tratamento especial de modo a permitir que as vítimas da discriminação saltassem do atraso à competência. Assim, milhões de rúpias são reservadas anualmente para bolsas, empréstimo e oportunidades especiais em emprego para os intocáveis”. E concluiu, fascinado: “Quem dera nós aqui nos Estados Unidos tivéssemos alcançado esse nível de moralidade” (Equality now: the President has the Power. Em: A Testament of Hope). Em outro momento, voltou a advogar medidas de ação afirmativa: “Uma sociedade que tomou medidas especiais contra o negro por centenas de anos deve agora tomar medidas especiais para ele, para prepará-lo para competir em bases iguais e justas” (Where we go from here). E numa entrevista famosa para a revista Playboy no ano de sua morte, King defendeu abertamente o sistema de cotas: “Se uma cidade tem 30% de população negra, é lógico supor que os negros devem ter pelo menos 30% dos postos de trabalho de todas as firmas; e trabalho em todas as categorias e não somente nas áreas mais humildes”.
3. O suposto fracasso das ações afirmativas nos Estados Unidos Os 113 cidadãos citam apenas o livro de Thomas Sowell (escondendo as dúzias de resenhas especializadas que demoliram as suas teses) para afirmar categoricamente que “as cotas raciais nos Estados Unidos não contribuíram em nada para reduzir desigualdades, mas aprofundaram o cisma racial que marca como ferro em brasa a sociedade norte-americana”. Deixando de lado a retórica apocalíptica e inflamada do ferro em brasa, o fato é que Sowell
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praticamente não apresenta dados, nem quantitativos nem etnográficos, para fundamentar sua rejeição ideológica e política às ações afirmativas, onde quer que elas tenham sido implementadas. Existe uma grande unanimidade na academia norte-americana que o estudo mais sistemático, fidedigno e autorizado feito até hoje sobre o impacto das ações afirmativas nos Estados Unidos foi aquele coordenado por William Bowen e Derek Bok, ex-reitores, respectivamente, das Universidades Princeton e Harvard, que conclui ter sido o impacto do sistema de ações afirmativas na promoção da igualdade racial extraordinário. Eis uma síntese de suas conclusões, apresentada na obra de Joaquim Barbosa Gomes e que deve ser mais divulgada no Brasil: “o percentual de negros formados em Universidades e escolas profissionais pulou, entre 1960 e 1995, de 5.4% para 15.5% do total de graduados; nas faculdades de Direito o progresso foi de 1% para 7.55%, ou seja, mais de 700%; em Medicina, de 2.2% em 1964, para 8.1% em 1955; as empresas americanas em geral, que no início dos anos 60 não tinham negros em cargos executivos [como no Brasil em 2000!], atualmente abrigam 8% de negros nas posições de executivos e administradores; o número total de agentes públicos eleitos negros (governadores, prefeito, delegados, juízes, promotores, xerifes etc) passou, entre 1965 e 1995, de 280 para 2.987!” (Ações Afirmativas e Princípio Constitucional da Igualdade, pág. 114).
4. O Conceito de Raça e as Políticas de Inclusão A parte do documento dedicada à genética é particularmente confusa e inútil, além de contraditória para os seus próprios objetivos. Seu interesse é minar a realidade da diferença entre os seres humanos pelo fenótipo e demonstrar a mestiçagem genética que caracteriza a todos nós, da espécie homo sapiens sapiens. Com isso, pretendem invalidar a possibilidade de que se adotem cotas para negros nas universidades ao “demonstrar” que “cientificamente” não existem negros. Para tanto, passam a afirmar que há negros com carga genética mais européia que africana – obviamente, uma carga genética que não se revela na aparência física da pessoa. Querem retirar a mestiçagem do seu lugar exteriorizante, isto é, do sentido comum de que uma pessoa é “mestiça” quando sua aparência não é nem de um branco nem de um negro e colocá-la em um lugar invisível de porcentagens de matéria genética somente detectada em laboratório. “Apenas 5% da variação genômica humana ocorre entre as chamadas ‘raças’. Ademais, somente 0.01% do genoma humano varia entre dois indivíduos. Em outras palavras, toda a discussão racial gravita em torno de 0,0005% do genoma humano!” (Sérgio Pena e Maria Cátira Bortoloni, “Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?” Estudos Avançados, v. 18, n. 50, 2004, p. 46).
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E para que insistir em negar aquilo que ninguém afirma? A quem estão atacando realmente? Não a nós, certamente, porque os defensores das cotas jamais falamos em raça no sentido biológico do termo. Somos nós, que defendemos políticas públicas para a comunidade negra, que enfatizamos ser o racismo brasileiro o resultado histórico de uma discriminação dos brancos contra as pessoas de fenótipo africano. Foi essa representação social negativa que influenciou a exclusão dos negros do ensino superior, daí a necessidade de políticas compensatórias para as pessoas que são vítimas dessa mesma representação. Paradoxalmente, eles também enunciam a inutilidade do argumento genético para o conceito social e histórico de raça: “Por outro lado, mesmo não tendo o conceito de raças pertinência biológica alguma, ele continua a ser utilizado, qua construção social e cultural, como um instrumento de exclusão e opressão. Independente dos clamores da genética moderna de que a cor do indivíduo é estabelecida apenas por um punhado de genes totalmente desprovido de influência sobre a inteligência, talento artístico ou habilidades sociais do indivíduo e talvez a principal fonte de preconceito.” (id.ibid.) Diante disso, é totalmente irrelevante invocar marcadores de DNA para concluir que “em 2000, existiam cerca de 28 milhões de afrodescendentes entre os 90,6 milhões de brasileiros que se declaravam “brancos” e que, entre os 76,4 milhões que se declaravam “pardos” ou “pretos”, 20% não tinham ancestralidade africana.” Sabemos muito bem que isto nada tem a ver com racismo. O jovem dentista negro que em 2005 foi confundido, em São Paulo, com um assaltante, poderia estar nesse contingente genético de “falsos negros” – o que de nada teria servido, pois a polícia o fuzilou devido a sua aparência de negro e não por sua carga genética. Não resta dúvida de que o texto lança mão da genética para descaracterizar a identificação de uma pessoa como negra, e com isso questionar a possibilidade da efetivação de uma reserva de cotas para negros. Contudo, o artigo citado no Manifesto nos apresenta a seguinte afirmação: “Tendo em vista a nova capacidade de se qualificar objetivamente, por meio de estudos genômicos, o grau de ancestralidade africana de cada indivíduo, pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas? Prima facie poderia parecer que sim, mas a nossa resposta é um enfático NÃO!” (id.ibid.) Contraditoriamente, para seus interesses, retiram a importância da sua ciência para o debate em que se envolveram. Mais surpreendente ainda é o que afirmam na página seguinte do mesmo artigo:
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“Não compete à genética fazer prescrições sociais. A definição sobre quem deve se beneficiar [dessas medidas] deverá ser resolvida na esfera política, levando em conta a história do país, o sofrimento de seus vários segmentos e análises de custo e benefício.” ( p. 47) Se os próprios cientistas admitem que a genética não pode definir quem são os beneficiados das cotas, para que gastar uma página do manifesto falando de DNA mitocondrial? E como pode então um dos colegas dos geneticistas citados, e que também assina o Manifesto, fazer a seguinte afirmação: “Nós estudamos o material genético de um grupo de negros e pardos de Porto Alegre que apresentou mais de 50% de ancestralidade européia. A coisa é mais complicada no Brasil. É claro que um estudante pode solicitar uma análise de seus marcadores de DNA nos Estados Unidos e na Europa, já que ainda não se faz esse tipo de exame aqui, e reivindicar uma vaga nas cotas” (O Globo, 10 de fevereiro de 2006). Esse professor parece não compreender o argumento dos seus próprios colegas, que pelo menos admitem o efeito social do fenótipo. A conclusão é simples: não é a ciência genética que fundamenta a rejeição às cotas desses cientistas que fazem parte dos 113, mas a sua posição ideológica e política enquanto cidadãos. Mais uma vez oscilantes entre falar do material genético e do fenótipo, os anticotas requentam a matéria sensacionalista dos gêmeos que foram identificados diferentemente pela comissão da UnB em 2007. Seu argumento é frágil, pois esconde o principal: independentemente do equívoco da comissão em relação a dois candidatos, o fato é que essa universidade já conta com 3000 estudantes cotistas negros em pleno processo de formação e sem nenhuma crise constatada. Mesmo que tivesse acontecido uma dúzia de incidentes como esse, ainda assim a porcentagem de erros das cotas na UnB como política pública continuaria baixíssima. Os argumentos genéticos são invocados ainda na tentativa de desqualificar a reivindicação por reparações aos descendentes de escravos no Brasil. Daí chegarem a afirmar que “não é legítimo associar cores de pele a ancestralidades e que as operações de identificação de “negros” com descendentes de escravos e com “afrodescendentes” são meros exercícios da imaginação ideológica.” Não é legítimo em que sentido? Se uma pessoa negra é vítima de racismo e se tivemos um passado de 350 anos de escravidão, é mais que do que legítimo tentar eliminar a obra da escravidão, que é a discriminação sofrida até hoje pelos que portam a aparência física dos africanos escravizados.
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O BRASIL NO CONTEXTO MUNDIAL DAS REPARAÇÕES O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para a Eliminação do Racismo trabalha justamente nesta direção: a escravidão é considerada, como o holocausto judeu, um crime contra a humanidade imprescritível e por isso insta os países da Diáspora Africana nas América e no Caribe a desenvolver políticas de ações afirmativas para os descendentes de africanos escravizados – o Brasil, lembramos, foi o país que mais escravizou africanos e foi o último a abolir a escravidão. Tratar aqueles afrodescendentes brasileiros de “meros exercícios de imaginação ideológica” é, por um lado, um insulto à memória dos escravos brasileiros e de seus descendentes atuais (como se não existisse memória oral nas nossas milhares de comunidades negras). Mais ainda, demonstra o atraso político, em pleno século XXI, quando se observa um esforço mundial por superar o racismo, a escravidão, o colonialismo e o imperialismo que culminaram no século XIX. Prestar conta do seu passado racista, colonialista e genocida diante dos escravizados e dos povos indígenas originários é uma discussão política que atravessa atualmente os cinco continentes, e esses 113 querem calar essa discussão no Brasil. Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, México, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Argentina, Nova Zelândia, Austrália, Malásia, Índia, África do Sul, dentre tantos outros países, não estão “fabricando raças”, mas enfrentando os seus racismos históricos. A posição dos 113 é paralela à da elite conservadora que reage desesperadamente para manter o poder que acumulou no período da escravidão, do colonialismo e das republicas branqueadas ou excludentes construídas em um momento político ultrapassado e que agora são obrigadas a enfrentar as demandas de uma agenda política que exige justiça social, convivência multi-étnica e multi-racial, com divisão proporcional de poder e de riqueza. Como plataforma internacional, o Manifesto dos 113 isola o Brasil atual das forças progressistas do mundo, como os Manifestos escravocratas isolaram o Brasil no século XIX. A maior vergonha de sua posição é negar que a condição de branco signifique vantagem na vida brasileira. Como não querem admitir os privilégios da brancura em um país racista, invocam a ciência para decretar que “não existe raça”; logo, não existe raça branca; logo, ninguém é branco. Felizmente, essa tergiversação cada vez convence menos; tanto assim que as políticas de cotas para negros são uma realidade que cresce e contam com a aprovação da maioria da população brasileira. Argumentos barrocos e bizantinos tentam escamotear a realidade. E na medida em que se apegam a esse universalismo vago que silencia os genocídios causados pelo colonialismo e a escravidão, se esses 113 estivessem na Nova Zelândia, seriam contra as políticas públicas para os Maoris; se estivessem na Austrália, se oporiam às Comissões do
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Estado de reparação para os aborígenes; se estivessem no Canadá, reagiriam contra as vagas especais para os Inuit no Congresso e nas universidades; se estivessem na Índia, não aceitariam que o Estado desse nenhum apoio especial aos intocáveis. Enfim, seu perfil político e ideológico é o da elite neocolonialista dos quatro cantos do mundo. O Manifesto dos 113 termina com uma visão catastrófica das relações raciais que mais parece um desejo dos assinantes, tal seu deslocamento da realidade: “leis raciais não ameaçam uma ‘elite branca’, conforme esbravejam os racialistas, mas passam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros. Essa linha divisória atravessaria as salas de aula das escolas públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas e as casas dos bairros pobres”. Estamos aqui, nos limites do delírio. UnB, UERJ, UENF, UFPR, UFAL, UNEB, todas têm cotas para negros há 5 anos e não há indícios de que essa linha divisória tenha se instalado. A palavra que já se estabeleceu para designar os estudantes negros, cotistas é justamente “cotistas”, e este termo técnico-burocrático é empregado quando se trata de discutir aspectos concretos dessa política pública. Não há nenhuma nova “lei racial” operando quando os cotistas e seus colegas brancos tomam ônibus ou caminham pelas ruas, a não ser o racismo brutal cotidiano que todos bem conhecemos pelas páginas dos jornais e sobre a qual podemos refletir a partir dos sucessivos mapas da Desigualdade confeccionados pelo IPEA com base nos dados do IBGE. Admitir alunos negros como cotistas não implica nenhuma “crença na raça” como eles alegam (quantas vezes termos que repeti-lo?) e nem na fabricação de “raças oficiais”. Chegam, além disso, a afirmar que o sistema de cotas “inocula na circulação sangüínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancor e ódio”. Aqui, querem nos enganar como se esse veneno ainda não existisse na sociedade brasileira e que somente agora está sendo introduzido pelo sistema de cotas. Em que evidências recentes brasileiras se baseiam para defender uma perspectiva de convivência inter-racial tão negativa? Quem está cheio de rancores e ódios? Os cotistas? Não temos notícia disso. Seus colegas brancos? Até agora a convivência inter-racial nas universidades com cotas tem sido relativamente tranqüila. A sociedade brasileira que majoritariamente aprova as cotas? Ou será a imaginação ideológica dos 113? Essa retórica da catástrofe é exatamente a mesma que circulava no Brasil republicano na última década da escravidão quando crescia o movimento abolicionista. Em um artigo famoso, publicado no dia 6 de agosto de 1888, no jornal Cidade do Rio, José do Patrocínio respondia os escravistas que anunciavam caso a abolição ocorresse: seria o fracasso da lavoura e todos os capitais se retrairiam. Patrocínio mostrou que as exportações cresceram nos meses seguintes à abolição e a alfândega arrecadou mais que nos meses equivalentes de 1887. Nas palavras do grande abolicionista: “Infelizmente, os escravistas
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puseram e os fatos dispuseram. Todas as profecias de terror foram desmentidas.” (Campanha Abolicionista, Fundação Biblioteca Nacional, 1996, p. 240.)
AS COTAS SÃO CONSTITUCIONAIS A Constituição de 1988, com base no pluralismo , valor fundamental para o surgimento e a preservação das sociedades democráticas, marca um significativo avanço para a efetividade dos direitos dos brasileiros pertencentes a grupos tradicionalmente excluídos. Por diversos de seus dispositivos, a Lei Maior rompe com o mito da democracia racial, assegurando o direito à diferença, ao reconhecer e valorizar as especificidades étnico-raciais, sociais, religiosas e culturais dos povos que compõem o Brasil. Em relação à igualdade, nosso sistema constitucional, priorizando os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, estabeleceu a isonomia não somente em sentido formal, mas também em sentido material (art. 3º, inciso III). O constituinte, ancorado nos princípios fundadores da República, reconheceu o profundo quadro de injustiças que atrelam o país ao atraso e estabeleceu objetivos fundamentais a serem alcançados pelo Estado por meio de ações que se consubstanciem em políticas públicas de promoção da cidadania. Atentemos ao que diz a doutrina mais abalizada: “A definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade (...). A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias” (Carmem Lúcia Antunes Rocha, Ação Afirmativa- O conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica, in Revista Trimestral de Direito Público. n. 15:18). No mesmo sentido: “Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego” (Gomes, Joaquim Barbosa. In: Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001). Por derradeiro temos ainda: "Não basta não discriminar. É preciso viabilizar – e encontrar, na Carta da República, base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de terse como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima
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de tudo, afirmativa. E é necessário que essa seja a posição adotada pelos nossos legisladores. [...]. A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à educação [...]. Deve-se reafirmar: toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Constituição Federal não pode ser acusada de inconstitucionalidade" (Cf. Mello, Marco Aurélio. Óptica Constitucional – A igualdade e as Ações Afirmativas. In: Revista latino americana de Estudos Constitucionais, v. 01, Belo Horizonte Del Rey, 2003, p 11-20). Essas ações, que são erigidas pelo próprio sistema normativo, para se tornarem legítimas, devem estar revestidas na proporcionalidade. Nesse cenário, elementos como sexo, raça, credo religioso, dentre outros, podem servir de base ao discrímen na esfera normativa, desde que haja equivalência e equilíbrio entre a norma e seus fins. Por isso, o legislador, ao criar as políticas de cotas, buscou dar efetividade aos objetivos estabelecidos na própria Constituição, consagrando o conteúdo jurídico, democrático e também afirmativo da igualdade. Em relação ao princípio do mérito, devemos ressaltar que o mesmo vem sendo apregoado pelos adversários das cotas como uma idéia abstrata e autônoma, desvinculada de qualquer causalidade social, a flutuar num vácuo histórico. Essa idéia está a merecer reformulação drástica e urgente. As universidades que adotaram cotas buscam levar em consideração a história dos atores envolvidos na corrida imposta pelo vestibular. Tanto assim é que estes certames vêm passando por reformulações, buscando levar em consideração, como critérios plúrimos de ingresso na universidade, o mérito de trajetória, ou seja, os dados históricos dos candidatos às vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior. Isso implica, em um primeiro momento, assimilar o caráter substantivo do princípio da igualdade, para, a seguir, privilegiar o mérito objetivo. Ressalte-se ainda que os estudantes promovidos pelas políticas de inclusão precisam alcançar os padrões objetivos de avaliação estabelecidos pelas universidades. Nesse sentido é que as cotas estão em perfeita sintonia com o mérito descrito no artigo 208 V da Constituição. Não podemos perder de vista que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Decreto nº 65.810 - de 8 de dezembro de 1969), a qual estabelece em seu artigo 4º: "Não serão consideradas discriminações raciais as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, á manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos".
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Também devemos ressaltar a importância do pioneirismo desta Corte ao adotar administrativamente as políticas de cotas raciais através da Concorrência para contratação de profissionais de serviços de jornalismo - 3/2001, pela qual 20% das vagas eram destinadas aos negros. Por esses fundamentos, entendemos que as cotas são perfeitamente constitucionais, pois se afirmam numa postura capaz de realizar – política e juridicamente – o princípio do pluralismo, informador da educação pelo nosso sistema constitucional, e assimilar o que vem sendo preconizado pela comunidade jurídica, como se extrai das dezenas de decisões judiciais favoráveis às políticas de cotas, gradualmente consolidadas nos Tribunais dos Estados e Regiões onde existem universidades que implementaram essas políticas de inclusão.
PELA IGUALDADE RACIAL PLENA E IRRESTRITA NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO A luta pela igualdade racial e a justiça inclusiva no Brasil iniciou-se no mesmo dia 13 de maio de 1888. Ainda comemorando a abolição, as associações e os intelectuais negros começaram a se mobilizar para recuperar a desvantagem que os escravos e seus descendentes haviam acumulado ao longo de 350 anos de opressão e de resistência. Encontramo-nos atualmente em um momento de encruzilhada dessa luta: por um lado, é lícito dizer que estamos agora no melhor ano de todos já vividos pela comunidade universitária afro-brasileira. Com todo o racismo e toda a exclusão hoje existente no ensino superior, temos mais jovens negros e de baixa renda nas nossas universidades neste semestre de 2008 do que tínhamos em 2007 e assim retrospectivamente. Acreditamos ter apresentado argumentos sólidos em favor da justiça e da constitucionalidade das políticas reparatórias de inclusão atualmente em curso. Mostramos igualmente a fragilidade e a imprecisão dos argumentos da pequena elite acadêmica branca que ainda reage a um processo histórico de proporções grandiosas. Sobre os 113 reacionários ao ProUni e às cotas, queremos enfatizar o seguinte: nada têm a propor a não ser adiar para um futuro incerto – quem sabe para daqui a 120 anos – a possibilidade de uma igualdade de oportunidades entre negros, brancos e indígenas no Brasil. Literalmente, o caminho por eles apontado é um caminho regressivo. Seu horizonte é o 13 de maio de 1888: a promessa vazia e fria de uma igualdade que não existia e que não se cumpriu após 120 anos. Confiamos, contudo, que esta Corte rejeitará a debilidade argumentativa e o atraso histórico embutidos nesta ADI.
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A perspectiva, portanto, é de avançar cada vez mais na direção de um ano acadêmico em que a proporção de estudantes negros nas nossas universidades públicas seja equivalente à da sua porcentagem da população brasileira como um todo. Esperar e lutar por essa equanimidade de acesso para negros, brancos e indígenas no ensino superior não é nada mais que esperar por justiça social e racial. E o especial deste 13 de maio de 2008 é que esta perspectiva de justiça está mais enraizada na juventude negra e pobre do nosso país do que jamais esteve. Afinal, já são centenas de milhares de estudantes cursando neste momento o ensino superior através do sistema de cotas e do ProUni.
CONCLUSÃO Esse é o quadro, Senhores Ministros, que temos diante de nós. Está nas mãos de Vossas Excelências não apenas o destino das centenas de milhares de estudantes que, graças às políticas de inclusão, conseguiram o sonhado ingresso na universidade. Está nas mãos de Vossas Excelências a decisão que possibilitará ou não a continuidade das medidas que fizeram este país começar a ajustar contas com seu passado escravista e seu presente discriminatório, rumo a um futuro sem injustiças e concretamente democrático. Para as Vossas mãos se voltam os olhos de milhões de brasileiros cheios de esperança num Brasil mais justo, mais solidário, que, com base nos princípios constitucionais, se afirma materialmente contra desigualdades incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Uma vez superada essa reação ressentida dos que se opõem à inclusão racial e à justiça social, crescerá a esperança e se intensificará ainda mais o presente movimento de consolidação definitiva da igualdade socioeconômica e étnico-racial no Brasil. Brasília, 13 de maio de 2008. 120 anos de "abolição" da escravatura Organizadores e redatores do manifesto: Alexandre do Nascimento – PVNC-RJ / FAETEC-RJ Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes – Juíza de Direito, Escola da Magistratura-DF Carlos Alberto Medeiros – Jornalista Carlos Henrique Romão de Siqueira - CEPPAC-UnB Frei David Raimundo dos Santos - EDUCAFRO-SP João Jorge Rodrigues – Bloco Afro Olodum-BA José Jorge de Carvalho - UnB Marcelo Tragtenberg – UFSC Renato Ferreira – PPCOR/LPP/UERJ-RJ Valter Roberto Silvério - ABPN /UFSCAR
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